Militantes
Brasileiros dos Direitos Humanos
Joćo
Baptista Herkenhoff
Direito alternativo a
quê?
Nunca
tive consciência de ser um ‘‘alternativista’’.
Judicando num estado pequeno (Espírito
Santo), o que sempre busquei fazer, no ofício
de julgar, foi proporcionar ao povo a melhor
justiça possível, segundo os ditames
de minha consciência.
Mas
nem sempre compreendido, dentro de casa, às
vezes até censurado, senti-me órfão.
E foi assim que recebi, como uma oferta generosa
de paternidade, o acolhimento dos alternativistas:
‘‘Herkenhoff,
você é dos nossos.’’
Amílton
Bueno de Carvalho, considerado, com freqüência,
o ‘‘pai do Direito Alternativo’’
chegou a declarar, em conferências, tanto
no Paraná, quanto em Santa Catarina,
referindo-se (é claro que com exagero)
ao réprobo capixaba:
‘‘Já
que vocês me chamam de pai, quero lhes
apresentar João Baptista, o avô
do Direito Alternativo’’.
Freqüentemente,
as opiniões sobre o Direito Alternativo
não são forjadas num debate sério
e conseqüente.
A
culpa pelos equívocos e pela má
informação não cabe, a
meu ver, apenas àqueles que pretendem
denegrir as novas correntes. Também entre
os chamados ‘‘alternativistas’’
vejo desvios e omissões. Há muito
chão a percorrer, muito debate a travar,
muita reflexão a fazer. E tudo realizar
com muita seriedade, dentro dos mais rigorosos
princípios da metodologia jurídica.
Tarso
Fernando Genro é autor de uma síntese
luminosa:
‘‘O
direito alternativo não é o não-direito,
muito menos um direito inventado ou simplesmente
intuído. (...) Ele é a melhor
possibilidade de um sistema jurídico,
dada pelos conflitos sociais e individuais que
o geraram, pela sua história e pela cultura
da sociedade em que ele emerge. Não é
o arbítrio do indivíduo-juiz,
nem sua simples vontade política perante
a crise de um sistema.’’
Tentando
fazer um balanço do Direito Alternativo,
Carlos Simões conclui pela sua relevância,
uma forma de pensar oposta ao modelo tradicional.
Mas observa que essa via aberta exige um avanço
no campo das investigações.
Parece-nos
que a expressão Direito Alternativo não
é um conceito absoluto, que se esgota
nele mesmo. Pelo contrário, é
um conceito relativo, referido a uma realidade
histórica. Pretende ser um conceito de
contradição, dentro de um sistema
que se arroga a posse da verdade absoluta, a
titularidade do dogma. Em outras palavras: o
Direito Alternativo não é alternativo
em relação ao nada, mas alternativo
em relação ao existente, ao posto.
O
Direito Alternativo é a soma de concepções
teóricas e de práticas jurídicas
que se opõem à visão e
à maneira corrente de se entender e exercitar
o Direito.
Ao
dogma da neutralidade do Direito e do profissional
do Direito responde o Direito Alternativo com
a idéia de que toda concepção
de Direito e toda prática jurídica
é política, serve à conservação
das estruturas sociais, ou é instrumento
de denúncia dessas estruturas e de busca
de sua transformação.
Ao
dogma da ‘‘igualdade de todos perante
a lei’’ contrapõe o Direito
Alternativo a afirmação da desigualdade
perante a lei, vigente numa sociedade economicamente
desigual.
Ao
comodismo dos que se protegem de qualquer compromisso
com a transformação social, sob
o argumento de serem fiéis cumpridores
da lei, responde, com ênfase, o Direito
Alternativo. Construir um mundo novo, suprimir
as injustiças estruturais, ouvir o clamor
dos deserdados da lei, submeter a pauta legal
a uma interpretação intervencionista,
crítica, política — é
dever ético do jurista.
O
Direito Alternativo, a meu ver, não é
uma escola. Porque escola supõe estratificação
de conceitos. O Direito Alternativo está
e estará em permanente construção.
O
Direito Alternativo é um convite para
tudo ver com novos olhos, talvez com olhos de
criança. Com olhos não contaminados
pelos interesses envolventes. Mas com cérebro
adulto, capaz de enfrentar as incertezas e não
se perder, enredado pelos sofismas dos que,
muitas vezes, não defendem apenas uma
concepção teórica e acadêmica
de Direito. Com seus dogmas, defendem a ordem
a que esse Direito serve, uma ordem-desordem.
É ordem-desordem porque excludente de
seres humanos. É ‘‘ordem’’
marginalizadora de vidas que tê, em si
mesmas, um valor transcendente.
João Baptista Herkenhoff
Livre docente da Universidade Federal do Espírito
Santo
Extraído
do site do jornal Correio Braziliense
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