Gênese
dos
Direitos Humanos
Volume I
João
Baptista Herkenhoff

História
dos Direitos Humanos no Mundo
-
Direitos
Humanos na Antiguidade
-
A
simples técnica de opor freios ao poder não assegura
por si só os Direitos Humanos
-
Não
devem ser desprezados outros sistemas que não o da
limitação do poder pela lei para a proteção de
pessoa humana
-
Direitos
Humanos para consumo interno
-
Direitos
Humanos para os nacionais "puros"
-
A
idéia de limitação do poder foi precedida de uma longa
gestação histórica. Não existe um só modelo possível
de compreensão, formulação e proteção dos Direitos
Humanos
-
A
Inglaterra, as proclamações feudais de direitos e a
limitação do poder do rei
-
Locke
e a extensão universal das proclamações inglesas de
direitos
-
O
universalismo das declarações de direitos da Revolução
Francesa e da Revolução Norte-Americana
-
A
dimensão social do constitucionalismo: a contribuição
mexicana, russa e alemã
-
Os
interesses das potências industriais e as reivindicações
universais do mundo do trabalho
-
A
emergência do proletariado como força política
-
A
dimensão social da democracia
-
A
oposição entre direitos 'liberais'" e direitos
"sociais". Recíproca absorção de valores por
sistemas políticos e econômicos opostos
-
O
porvir e um encontro de Vertentes. Valores de uma concepção
socialista de mundo
-
Os
Direitos Humanos de Terceira Geração
-
A
negação dos Direitos Humanos e suas causas
internacionais
-
A
superação da fase histórica da exigência de Direitos
Humanos apenas em face do Estado
-
Estaria
esgotada a fase histórica da busca de novos Direitos
Humanos?
1.
Direitos Humanos na Antiguidade
Num
sentido próprio, em que se conceituem como “direitos humanos”,
quaisquer direitos atribuídos a seres humanos, como tais, pode ser
assinalado o reconhecimento de tais direitos na Antiguidade: no Código de
Hamurabi (Babilônia. século XVIII antes de Cristo), no pensamento de
Amenófis IV (Egito. século XIV a. C). na filosofia de Mêncio (China. século
IV a. C), na República. de Platão (Grécia. século IV a. C.), no
Direito Romano e em inúmeras civilizações e culturas ancestrais, como
vimos no capitulo anterior e como ainda veremos no curso desta obra.
Na
Antiguidade. não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do
Estado. As leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo
direitos frente ao poder estatal. Quando Aristóteles definiu “Constituição”,
tinha diante de si esse tipo de legislação.
Não
obstante tenha sido Atenas o berço de relevante pensamento político. Não
se imaginava então a possibilidade de um estatuto de direitos oponíveis
ao próprio Estado. A formação da Pólis foi precedida da formação de
um território cultural, como notou François de Polignae. Este balizou os
limites da cidade grega.
Sem
garantia legal, os “direitos humanos” padeciam de certa precariedade
na estrutura política. O respeito a eles ficava na dependência da
virtude e da sabedoria dos governantes.
Esta
circunstância, porém, não exclui a importante contribuição de
culturas antigas na criação da idéia de Direitos Humanos.
Alguns
autores pretendem afirmar que a história dos Direitos Humanos começou
com o balizamento do poder do Estado pela lei. Creio que essa visão é
errônea. Obscurece o legado de povos que não conheceram a técnica de
limitação do poder mas privilegiaram enormemente a pessoa humana nos
seus costumes e instituições sociais.
2.
A simples técnica de opor freios ao poder não assegura
por si só os Direitos Humanos
a
simples técnica de estabelecer, em constituições e leis a limitação
do poder, embora importante, não assegura, por si só o direitos aos
Direitos Humanos. Assistimos em épocas passadas e estamos assistindo nos
dias de hoje, ao desrespeito dos Direitos Humanos em países de longa
estabilidade política e tradição jurídica, os Direitos Humanos são,
em diversas situações concretas, rasgados e vilipendiados.
3.
Não devem ser desprezados outros sistemas, que não o da limitação do
poder pela lei, para a proteção da Pessoa Humana
Com
a colocação que acabamos de fazer não pretendemos negar que o
balizamento do poder do Estado pela lei seja uma conquista. É, sem dúvida,
uma importante conquista da cultura, um relevantíssimo progresso do
Direito. Na nossa perspectiva de análise, cremos que avançarão as
sociedades políticas que adotarem o sistema de freio do poder pela lei.
No entanto, a despeito desse posicionamento, creio que não cabe
menosprezar culturas que não conheceram (ou não conhecem) a técnica da
limitação do poder pela lei, mas possuíram (ou possuem) outros
instrumentos e parâmetros valiosos na defesa e proteção da pessoa
humana.
4.
Direitos Humanos para Consumo Interno
Deve
ser notado também que em alguns países do Primeiro Mundo há uma idéia
de Direitos Humanos apenas para consumo interno. Observa-se nesses casos
uma contradição inexplicável: no âmbito interno, vigoram os Direitos
Humanos, nas relações com os países dependentes, vigoram os interesses
econômicos e militares.
Esses
interesses justificam a tolerância com as violações dos Direitos, no
campo diplomático, ou o próprio patrocínio das violações.
Os
mesmos interesses econômicos e militares justificam também o patrocínio
da guerra, sob a bandeira de paz da ONU. Isto aconteceu, por exemplo, na
Guerra do Golfo Pérsico, quando a ONU, sob a pressão das grandes potências,
esqueceu seu compromisso de “proteger as gerações futuras contra o
flagelo da guerra.
Para
que tais desvios não continuem a acontecer, alguns juristas italianos
(Salvatore Senese, Antonio Papisca, Marco Mascia, Luigi Ferrajoli e
outros) têm defendido que uma nova ordem mundial se constitua, não sob o
império dos interesses dominantes, mas tendo, ao contrário, como sujeito
da História a família humana presente e futura.
5.
Direitos Humanos para os Nacionais “Puros”
Outra
contradição é às vezes observada no interior de certas nações
poderosas: a plena vigência dos Direitos Humanos, quando se trata de
nacionais “puros”; os desrespeito aos Direitos Humanos, quando as
pessoas envolvidas são imigrantes ou clandestinos, minorias raciais e
minorias nacionais.
6.
A idéia da limitação do
poder foi precedida de uma longa gestação histórica.
Não existe um só modelo possível de compreensão, formulação e proteção
dos Direitos Humanos
A
idéia da limitação do poder
do governante começou a germinar no século XIII. A essência dos
direitos, a serem respeitados pelos detentores do poder, teve urna longa
gestação na História da Humanidade.
A
técnica de estabelecer freios ao poder na linha da tradição ocidental,
não é o único caminho possível para a vigência dos Direitos Humanos.
Nem
é também da essência de um regime de Direitos Humanos a separação
entre o domínio jurídico e os outros domínios da existência humana,
como o domínio religioso, moral, social etc.
Cada
povo tem de ser respeitado na escolha de seu destino e de suas estratégias
de viver.
O
Ocidente repetirá hoje os mesmos erros do passado se insistir na existência
de um modelo único para a expressão e a proteção dos Direitos Humanos.
É
a meu ver o erro em que incorre Jean Baechler em alentado e cuidadoso
livro. baechler, através de pesquisa histórica e etnológica, buscou
provar que os valores democráticos integram a natureza humana. Esses
valores só foram desprezados onde o homem renunciou a ser ele mesmo. Sem
deixar de reconhecer o mérito do trabalho, parece-me que o homem
naturalmente democrático que Baechlar desenhou é apenas o homem
ocidental.
No
passado, em nome de supostamente deter o monopólio da Verdade, os
europeus praticaram o genocídio contra os povos indígenas e pretenderam
que fosse legítimo o colonialismo.
Nos
dias atuais, Estados Unidos e Europa desrespeitarão a autonomia de
destino de cada povo se tentarem impor “sua verdade”, “sua
economia”, “seu modo de vida”, “seus direitos humanos”.
Relativamente
ao último item, que é aquele de que fundamentalmente nos ocupamos neste
livro, deve haver a compreensão das diferenças de histórias, de percepções,
de culturas. Daí o acerto de posição defendida por Selim Abou, nas
conferências que proferiu no “Collège de France”, em maio de 1990.
Subordinou a idéia de Direitos Humanos à relatividade das culturas.
Com
a eliminação dos preconceitos, com o estabelecimento de pontes de
comunicação e diálogo, avanços poderão ser obtidos, trocas poderão
ser feitas, enriquecimento recíproco de culturas poderá ocorrer.
Está
com razão Cornelius Castoriadis quando, não obstante exaltando a ruptura
do mundo das significações religiosas particulares, reconhece que o
modelo que impôs essa ruptura tem também um enraizamento social-histórico
particular. Na visão de Castoriadis, o mundo das significações
religiosas particulares era um mundo fechado. A superação desse
fechamento possibilitou o florescimento de uma autonomia individual
fundada na liberdade.
Num
livro que escreveram sobre a Revolução Iraniana, Paul Vieille e Farhad
Khosrokhavar observaram que, nas culturas islâmicas, a esfera política,
social, religiosa e o próprio imaginários popular são indissociáveis.
A
obra desses autores tem dois grandes méritos: deu a palavra ao povo,
produziu uma análise percuciente e sem preconceitos do Irã.
No
volume 2 da obra, totalmente dedicado a entrevistas, foram ouvidos operários,
funcionários públicos, professores, comerciantes ambulantes, pequenos
comerciantes estabelecidos, motoristas, camponeses e um poeta. Essas
pessoas expressaram suas idéias e suas esperanças, com as
particularidades que nos levam a pensar.
Como
podem os poderosos do mundo traçar uma imagem tão caricatural e falsa de
um povo tão esplendidamente belo?
A
resposta a essa pergunta foi dada por antecipação por Paul Vieille e
Farhad Khosrokhavar, nas conclusões de seu importante trabalho: os muçulmanos
são a mais irredutível força de resistência maciça e organizada à
hegemonia européia e americana.
É
com essa visão aberta que devemos buscar compreender a história dos
Direitos Humanos no mundo. O esboço traçado neste capítulo liga-se ao
capítulo anterior. Por outro lado, outras reflexões que serão feitas no
decorrer da obra complementam a presente cobertura histórica.
7.
Inglaterra, as proclamações feudais de direitos e
a limitação do poder do rei
a
Inglaterra deu início ao constitucionalismo, como depois veio a ser
entendido, quando, em 1215, os bispos e barões impuseram ao rei João Sem
Terra a Magna Carta. Era o primeiro freio que se opunha ao poder dos reis.
O
constitucionalismo inglês desencadeou conquistas liberais que vieram
aproveitar a generalidade das pessoas. Apenas o habeas-corpus bastaria
para assegurar à Inglaterra um lugar proeminente na História do Direito.
Sabe-se,
contudo, da origem feudal dos grandes documentos ingleses: não eram
cartas de liberdade do homem comum. Pelo contrário, eram contratos
feudais escritos nos quais o rei, como suserano, comprometia-se a
respeitar os direitos de seus vassalos. Não afirmavam direitos
”humanos”, mas direitos de “estamentos”. Em consonância com a
estrutura social feudal, o patrimônio jurídico de cada um era
determinado pelo estamento, ordem ou estado a que pertencesse. Contudo,
algumas das regalias alcançadas beneficiaram, desde o início, não
apenas os grupos dominantes, mas outras categorias de súditos. Em tais
declarações de direitos não se cogitava de seu eventual sentido
universal: os destinatários das franquias, mesmo aquelas mais gerais,
eram homens livres, comerciantes e vilões ingleses.
8.
Locke e a extensão universal das proclamações
inglesas de direitos
foi,
porém, ainda um pensador inglês, Locke, com sua fundamentação
jusnaturalista, que deu alcance universal às proclamações inglesas de
direitos.
Já
no Século XVIII, o habeas-corpus, por exemplo, tinha nítido sentido de
universalidade, de direito de todos os homens.
Recorde-se
um dos mais belos precedentes da jurisprudência inglesa: a decisão do
juiz Mansfield, mandando pôr em liberdade a pessoa de James Sommersett,
que se encontrava preso num navio ancorado no rio Tâmisa. Comprado como
escravo, ele seria levado como escravo para a Jamaica. Seguindo o voto do
juiz Mansfield, a Carte expediu a ordem liberatória, sob o fundamento de
que a lei inglesa não tolerava a escravidão no seu território.
Na
visão de Locke, o poder político é inerente ao ser humano, no estado de
natureza. O ser humano transfere esse poder à sociedade política que o
exerce através de dirigentes escolhidos. Esse exercício deve permanecer
vinculado ao ser humano, origem e sede do poder delegado. Em consequência
dessa delegação, o poder
deve ser exercido para bem do corpo político.
9.
O universalismo das declarações de direitos da Revolução Francesa e da
Revolução Norte-Americana
Nas
declarações de direitos, resultantes das revoluções americana e
francesa, o sentido universal está presente.
Os
“direitos do homem e do cidadão”, proclamados nessa fase histórica,
quer na América, quer na Europa, tinham, entretanto, um conteúdo
bastante individualista, consagrando a chamada democracia burguesa.
Apenas
na Segunda etapa da Revolução Francesa, sob a ação de Roberpierre e a
força do pensamento de Rousseau, proclama-se direitos sociais do homem:
direitos relativos ao trabalho e a meios d existência, direito de proteção
contra a indigência, direito à instrução. (Constituição de 1793).
Entretanto,
a realização desses direitos cabia à sociedade e não ao Estado.
Salvaguarda-se, assim, a idéia, então vigente, de que o Estado devia
abster-se em face de tais problemas.
10.
A Dimensão Social de Constitucionalismo: a Contribuição Mexicana, Russa
e Alemã
A
dimensão social do constitucionalismo, a afirmação da necessidade de
satisfazer os direitos econômicos, ao lado dos direitos de liberdade, a
outorga ao Estado da responsabilidade de prover essas aspirações – é
fato histórico do século XX.
A
Revolução Mexicana, da mais alta importância no pensamento político
contemporâneo, conduz à Constituição de 1917. Esta proclama, com
pioneirismo na face do Globo, os direitos do trabalhador.
O
México tenta realizar uma reforma agrária, através da luta dos
camponeses e com apoio de brilhantes intelectuais como J. M. Morelos, um
pioneiro do agrarianismo.
A
Revolução Russa leva à declaração dos direitos do povo, dos
trabalhadores e dos explorados (1918).
A
Constituição de Weimar (1917) tenta o acréscimo dos princípios da
democracia social, que então se impunha às franquias liberais do século
anterior.
11.
Os interesses das potências industriais e as reivindicações universais
do mundo do trabalho
Os
interesses econômicos das grandes potências aconselharam o encorajamento
das reivindicações dos trabalhadores, em nível universal. Era preciso
evitar que países, onde as forças sindicais eram débeis, fizessem
concorrência industrial aos países, onde essas forças eram mais ativas.
Era preciso impedir a vil remuneração da mão-de-obra operária, em
prejuízo das economias então dominantes.
Assim,
razões extremamente estreitas e egoístas geraram a contradição de
contribuir para o avanço do movimento operário, em escala mundial.
12.
A emergência do proletariado como força política
Ultrapassados
os ideais do liberalismo, que inspirou o Estado dos proprietários, a
emergência do proletariado como força política assinalou nova época na
história dos “Direitos Humanos”.
Já
não bastava o “Estado de Direitos”. Colimava-se o “Estado Social de
Direito”.
As
aspirações do proletariado encontram ressonância em alguns documentos
famosos. Esses buscam ajustar o pensamento político à emergência de um
novo ator social, ao lado de direitos simplesmente individuais:
a)
a Proclamação das Quatro Liberdades, de Rossevelt – a de palavra e
expressão, a de culto, a de não passar necessidade, a de não sentir
medo (1941);
b)
a Declaração das Nações Unidas (Washington, 1942);
c)
as conclusões da Conferência de Moscou (1943);
d)
as conclusões da Conferência de Dumbarton Oaks (1944);
e)
as conclusões da Conferência de são Francisco (1945);
f)
e, finalmente, o mais importante, conhecido e influente documento de
“direitos humanos” da História: a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948.
13.
A dimensão social da democracia
A
dimensão “social” da democracia marcou o primeiro grande salto na
conceituação dos “direitos humanos”.
A
afirmação dos “direitos sociais” derivou da constatação da
fragilidade dos “direitos liberais”, quando o homem, a favor do qual
se proclamam liberdades, não satisfez ainda necessidades primárias:
alimentar-se, vestir-se, morar, ter condições de saúde, ter segurança
diante da doença, da velhice, do desemprego e de outros percalços da
vida.
14.
Oposição entre direitos “liberais” e direitos “sociais”. Recíproca
absorção de valores por sistemas políticos e econômicos opostos
Numa
primeira fase, a reação contra os postulados da democracia liberal
consistiu em afirmar os “direitos sociais” com menosprezo das
liberdades clássicas. Pretendia-se libertar o homem da opressão econômica.
Tacharam-se de engodo as garantias da democracia liberal. Estas
aproveitaria apenas às classes dominantes, em nada interessando às
classes oprimidas.
A
declaração russa dos direitos do povo, dos trabalhadores e dos
explorados, redigida por Lênin, dá a medida da rebeldia às anteriores
declarações de direitos.
Pouco
a pouco, de parte a parte, houve uma absorção de valore: em democracias
liberais, contemplaram-se os “direitos sociais”. Em países
socialistas, valorizaram-se as franquias liberais. Mas nestes
abandonaram-se também posições do Socialismo, comovamos comentar no
item seguinte.
15.
O porvir e um encontro de valores.
Valores de uma concepção socialista de mundo
Neste
momento, a maioria dos países socialistas abandona valores do Socialismo
e adere a valores capitalistas. A guinada pode ser explicada, em parte,
pela circunstância de que os valores do Socialismo, nesses países, foram
impostos, não resultaram de um caminho escolhido pelo povo. A meu ver,
entretanto, muito cedo essas nações verão que algumas mudanças do
momento presente representam um retrocesso. Não me refiro à busca da
Liberdade, que é sempre um avanço. Refiro-me à troca da visão
socialista de mundo pela visão capitalista de mundo. É sintomático e
triste, por exemplo, segundo minha percepção, que se tenha celebrado
como progresso mudanças de comportamento, no mundo socialista, em direção
ao consumismo e às frivolidades.
Quando
passar a maré capitalista, talvez o porvir reserve ao mundo um encontro
de vertentes. Nesse amanhã, triunfarão as aspirações de maior
igualdade no plano econômico – de que as correntes socialistas foram e
são portadoras – com as aspirações de liberdade, legado da democracia
clássica.
Creio
que essas aspirações são perfeitamente compatíveis, harmônicas e
interdependentes.
16. O
Direitos Humanos de Terceira Geração
A
visão dos Direitos Humanos, modernamente, não se enriqueceu apenas com a
justaposição dos “direitos econômicos e sociais” aos “direitos de
liberdade”. Ampliaram-se os horizontes.
Surgiram
os chamados “direitos humanos da terceira geração”, os direitos da
solidariedade:
a)
direito ao desenvolvimento;
b)
direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado;
c)
direito à paz;
d)
direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade.
17. A
negação dos Direitos Humanos e
suas causas internacionais
Assinala-se
com veemência cada vez maior que a negação dos “direitos humanos”,
no interior de cada país, não tem apenas causas internas, mas,
sobretudo, origem externa: a injustiça no campo das relações
internacionais.
O
“direito comum dos povos a seu desenvolvimento humano integral”,
proclamado por Paulo VI perante a Organização Internacional do Trabalho,
supõe a interpenetração de todos os direitos humanos fundamentais,
sobre os quais se baseiam as aspirações de indivíduos e de nações,
como afirmou o Sinodo dos Bispos instalado em Roma, em 1971.
O
desenvolvimento exige a instauração, no mundo, de uma ordem social
justa. Esta ordem supõe que seja eliminada a exploração sistemática do
homem pelo homem e de nação por nação. Neste sentido foi formulada
contundente denúncia da Comissão Pontifícia Justiça e Paz.
18. A superação
da fase histórica da exigência de Direitos Humanos apenas em face do
Estado
Na
atualidade, não há apenas direitos humanos em face do Estado. Há também
direitos reclamáveis pela pessoa em face dos grupos sociais e das
estruturas econômicas. E há também direitos reclamáveis por grupos
humanos e nações, em nome da pessoa humana, dentro da comunidade
universal.
Só
haverá o efetivo primado dos “direitos humanos” com a supremacia dos
valores da Justiça, no mundo, Justiça que será, por sua vez, a força
geradora da Paz.
19. Estaria
esgotada a fase histórica da busca
de novos Direitos Humanos
Heleno
Cláudio Fragoso manifestou a opinião de que estaria ultrapassada a fase
das declarações de direitos e liberdades. A seu sentir, o que constitui
hoje preocupação universal é a criação de um sistema jurídico que
assegure efetivamente, a observância dos direitos e liberdades
proclamados.
Heleno
Fragoso notabilizou-se, no Brasil, não apenas por suas primorosas obras,
mas também por sua luta incansável em favor dos Direitos Humanos e na
defesa de presos políticos, durante a ditadura de 1964. Sua luta corajosa
valeu-se inclusive dolorosa experiência pessoal. Ele foi vítima de um
sequestro, pelas forças que estão mandando e desmandando em nosso país.
Refere-se
o inesquecível Heleno Fragoso, nessa passagem, necessariamente, a um
certo grupo de Direitos Humanos. Há outros que o sistema jurídico, por
si só, não está habilitado a prover.
Na
mesma linha de pensamento, Karel Vasak pondera que parece estar completo o
trabalho legislativo internacional em matéria de Direitos Humanos.
Observa que de nada adianta multiplicar textos que encerrem promessas mais
ou menos vagas, cuja aplicação, no âmbito jurídico interno, deixa a
desejar.
Creio
que estes autores estão com a razão quando timbram na denúncia de
direitos proclamados que não encontram correspondência na realidade
social.
As
proclamações solenes de direitos sofrem o perigo de um desgaste contínuo
quando se percebe o abismo existente entre os postulados e a situação
concreta. O frequente desrespeito aos Direitos Humanos, praticada sem remédio
por governos, gera, na opinião pública, a descrença na efetividade
desses Direitos.
Reclama-se,
assim, como reivindicação incontornável da consciência jurídica
internacional, a efetivação dos Direitos Humanos. É indispensável a
criação de mecanismos eficazes que promovam e salvaguardem o império
desses Direitos na civilização atual.
Contudo,
se apoiamos esses autores no núcleo central da afirmação que fazem não
nos parece exato concluir que a fase da proclamação de direitos esteja
encerrada.
A
História é movimento dialético, a ampliação de direitos não se
esgota. Novos direitos estão sendo reclamados, minorias tomam ciência de
sua dignidade. Esse dinamismo criativo de novos Direitos é uma das hipóteses
centrais de pesquisa que fizemos. Tentaremos expor nossas conclusões, a
respeito desse ponto, no momento oportuno. Essa exposição será feita de
maneira didática e simples, segundo a proposta da presente obra.
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