Gênese
dos
Direitos Humanos
Volume I
João Baptista
Herkenhoff
HISTÓRIA
DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

21.
Os Direitos Humanos e a
Constituição de 1967
Já
vimos no item 5, neste capítulo, os motivos pelos quais a Constituição
de 1967 deve ser considerada como semi-outorgada.
Comparada
com a Constituição de 1946 a Constituição de 24 de janeiro de 1967,
que entrou em vigor a 15 de março, apresenta graves retrocessos:
a)
suprimiu a liberdade de publicação de livros e periódicos ao afirmar
que não seriam tolerados os que fossem considerados (a juízo do governo)
como de propaganda de subversão da ordem (A Constituição de 1967
afirmava, em princípio, que a publicação de livros e periódicos
independia de licença do poder público. Enquanto a Constituição de
1946 estabelecera que não seria tolerada a propaganda de processos
violentos para subverter a ordem política e social art. 141, 5º - a
Constituição de 1967 passou a proibir a propaganda de subversão da
ordem, sem exigir a qualificação de processos violentos” para a incidência
da proibição - art. 150 8º);
b)
restringiu o direito de reunião facultando à policia o poder de designar
o local para ela. Usando desse poder como artifício, a policia poderia
facilmente impossibilitar a reunião. (A Constituição de 1946, ao
determinar que a polícia poderia designar o local para a realização de
uma reunião. ressalvava que, assim procedendo, não a poderia frustrar ou
impossibilitar. A Constituição de 1967 não reproduziu a ressalva);
c)
estabeleceu o foro militar para os civis. (O foro militar, na mesma linha
da emenda constitucional ditada pelo Ato institucional n.º 2, estendeu-se
aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a
segurança nacional ou as instituições militares art. 122. 1º. Pela
Constituição de 1946 o civil só estaria sujeito à jurisdição militar
no caso de crimes contra a segurança externa do pais ou as instituições
militares - art. 108, 1º);
d) criou a
pena de suspensão dos direitos políticos, declarada pelo Supremo
Tribunal Federal, para aquele que abusasse dos direitos políticos ou dos
direitos de manifestação do pensamento, exercício de trabalho ou
profissão, reunião e associação, para atentar contra a ordem democrática
ou praticar a corrupção - art. 151. (Essa competência punitiva do
Supremo era desconhecida pelo Direito Constitucional brasileiro);
e)
manteve todas as punições, exclusões e marginalizações políticas
decretadas sob a égide dos Atos Institucionais. (O reencontro do caminho
democrático só começou com Anistia, alcançada cm 1 979. Isto porque
foi justa utente a Anistia que acabou com os efeitos de todas essas
medidas ditatoriais);
f)
em contraste com as determinações restritivas mencionadas nas letras
anteriores, a Constituição de 1967 determinou que se impunha a todas as
autoridades o respeito á integridade física e moral do detento e do
presidiário, preceito que não existia, explicitamente. nas Constituições
anteriores. (Esse artigo foi repetido na Constituição de 1988. A eficácia
do artigo, na Constituição de 1967. ficou, entretanto ajuizada, em vista
do clima geral de redução de liberdade e a consequente impossibilidade
de denúncia dos abusos que ocorressem).
No que diz
respeito aos direitos sociais, a Constituição de 1967 inovou em alguns
pontos.
Registrem-se
como inovações contrárias ao trabalhador: a redução para 12 anos da
idade mínima de permissão do trabalho; a supressão da estabilidade,
como garantia constitucional, e o estabelecimento do regime de fundo de
garantia, como alternativa; as restrições ao direito de greve; a supressão
da proibição de diferença de salários, por motivo de idade e
nacionalidade, a que se referia
a Constituição anterior.
Para tão
imensos retrocessos, a Constituição de 1967 pretendeu compensar os
trabalhadores com pequeninas vantagens.
Colhem-se
como modestas inovações favoráveis ao trabalhador as seguintes: inclusão,
como garantia constitucional, do direito ao salário-família, cm favor
dos dependentes do trabalhador; proibição de diferença de salários
também por motivo de cor. Circunstância a que não se referia a
Constituição de 1946; participação do trabalhador. eventualmente. na
gestão da empresa; aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho,
com salário integral.
A Constituição
de 1967 afrontou a lei sociológica e histórica que aponta.
invariavelmente, para a ampliação de direitos dos trabalhadores.
A Constituição
de 1967 representou um esforço de redução do arbítrio contido nos Atos
Institucionais que se seguiram à Revolução de 1964. Tentou não se
distanciar em demasia do figurino constitucional de 1946. Sua dose de
autoritarismo não se compara com o panorama de completo arbítrio criado
pelo Ato Institucional n.º 5. que caiu sobre o Brasil depois, no fatídico
13 de dezembro de 1968.
Entretanto,
mesmo com todas essas ressalvas, a Constituição de 1967 não se
harmonizou com a doutrina dos Direitos Humanos, pelas seguintes razões:
-
restringiu
a liberdade de opinião e expressão;
-
deixou
o direito de reunião a descoberto de garantias plenas;
-
estendeu
o foro militar aos civis, nas hipóteses de crimes contra a segurança
interna (ou seta, segurança do próprio regime imperante);
-
fez
recuos no campo dos direitos sociais;
-
manteve
as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas
sob a égide dos Atos Institucionais.
Também a
Constituição de 1967, formalmente. teve vigência até sua substituição
pela Carta de 17 de outubro de 1969. Contudo, a rigor, vigorou apenas até
13 de dezembro de 1968, quando foi baixado o Ato Institucional n.º 5.
O Ato
Institucional n.º 5 afirmou mantida a Constituição de 1967, introduziu,
entretanto, tão profundas modificações na estrutura do poder político
e cru matéria de direitos individuais que, numa visão cientifica, não
se pode conciliar esse Ato com o espirito da Constituição de 1967.
Na
verdade, esta ruiu sob o AI-5.
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