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O QUE É O SER HUMANO
(Ou a história de três decepções)

Frei Betto

O mapeamento preliminar do genoma humano deitou por terra a nossa empáfia. Uma decepção! Aliás, a terceira grande decepção nesses últimos cinco séculos. Temos apenas trezentos genes a mais do que um rato. E só 30.000 genes, ao contrário dos esperados 100.000. 

A primeira grande decepção

A pancada em nossa pretensão equivale à descoberta por Copérnico, no século XVI, de que a Terra não ocupa o centro do Universo. 

Em 1514, o papa pediu ao astrônomo polonês que fizesse uma reforma do calendário. Ao estudar o Almagesto de Ptolomeu, Copérnico percebeu as deficiências que transparecem na prolixidade das proposições. A ciência é o avesso da arte, e não o seu contrário. Toda verdadeira descoberta científica deve corresponder à harmonia demonstrada pela natureza. E o modelo geocêntrico de Ptolomeu, embora do agrado da Igreja, era complexo e carecia de beleza. 

"Um sistema desse tipo" - escreveu Copérnico a respeito da elaboração ptolomaica - "não parece suficientemente absoluto nem suficientemente agradável à mente". Ele sabia também que, desde a Antiguidade, o Sol e as estrelas haviam sido contemplados por quem tem os pés na Terra. E não ignorava a força ideológica da Bíblia, que proclama que Deus se encarnou e viveu como homem aqui neste planeta. Não seria este um sinal evidente de que vivemos no centro em torno do qual tudo se move?

Ora, ao beber nas fontes da Antiguidade clássica, o Renascimento aprendeu que a ciência é filha da verdade e não da autoridade. Imbuído dessa mentalidade dessacralizadora, quase iconoclasta, e da convicção de que não há barreiras à pesquisa, Copérnico ousou inverter a posição do observador e imaginou-se com os pés no Sol. Sua conclusão, a de que vivemos num sistema heliocêntrico, foi registrada no De Revolutionibus. 

Cauteloso, não esqueceu que a Europa ainda se movia na órbita da Igreja. Por isso, considerou prudente não se apressar em publicar sua teoria heliocêntrica. Permitiu apenas que um esboço manuscrito circulasse entre especialistas. Só veio a admitir que o De Revolutionibus fosse editado quando já se encontrava no derradeiro abrigo, no qual a Inquisição não poderia mais alcançá-lo: o leito de morte. 

Ainda assim, o teólogo luterano Andreas Osiander, que prefaciou a obra, achou melhor sublinhar apenas que o sistema copernicano era uma mera descrição matemática, o que não significava que o Sol ocupasse o centro em torno do qual girariam os planetas... E deixou seu texto sem assinatura, de modo a dar a impressão de que fora redigido pelo próprio Copérnico. 

A bomba, entretanto, explodiu com a publicação do livro, em 1543, após a morte do autor, e provocou, de fato, uma autêntica revolução ao deslocar, da Terra para o Sol, o eixo do mundo. 

Mesmo o nascente protestantismo sentiu-se ofendido ao ver este planeta relegado à condição de uma entre as tantas contas que ornamentam o colar do sistema solar. "Quem se aventura a pôr a autoridade de Copérnico acima do Espírito Santo?" bradou Calvino. Lutero também não se conteve e denunciou: "Esse idiota quer inverter toda a ciência da astronomia; mas a Sagrada Escritura nos diz que Josué mandou que o Sol parasse, e não a Terra". 

A Igreja católica teve, de início, uma reação mais tolerante. Dez anos após a morte de Copérnico, o chanceler austríaco Johann Albrecht von Widmanstadt expôs aos papa Clemente VII, nos jardins do Vaticano, os aspectos fundamentais da teoria heliocêntrica. A reação foi positiva. Não obstante, a Igreja acabou incluindo o De Revolutionibus - oitenta anos após a sua publicação - no Index, a lista dos livros proibidos, onde figurou até 1835.

Se o poder eclesiástico já conhecia as idéias de Copérnico desde 1533, como se explica a perseguição a Galileu no século XVII? Talvez por ter ele escrito em toscano e, portanto, permitido ao povo o acesso às suas teorias. Deve ter pesado também sua atitude, considerada ousada e mesmo irreverente, de desafiar a autoridade papal ao "legislar" sobre os fenômenos da natureza. 

O fato é que a teoria fixista de Ptolomeu, astrônomo egípcio do século II, tão conveniente a quem se julgava no centro do Universo, foi derrubada pelo heliocentrismo de Copérnico, relegando o ser humano a um planeta periférico situado na órbita de uma estrela vagabunda, de quinta grandeza, o Sol, localizada na periferia da Via Láctea, uma entre bilhões de galáxias que brilham sobre o veludo negro deste Universo parecido a uma caixa de jóias. 

A segunda grande decepção

Bem, podemos não estar situados exatamente no centro do Universo, mas ao menos restava o consolo de que somos o capricho de Deus. A Bíblia, palavra divina, não mente. E em sua porta de entrada, o Gênesis, consta que o próprio Criador fez o ser humano, e o fez homem e mulher. 

Tudo corria às mil maravilhas, até que, no século XIX, Charles Darwin descobriu que somos filhos de macacos. Sob o impacto de sua própria conclusão, o autor de A origem das espécies, ocultou, durante certo tempo, a sua teoria da evolução. Ele vivia doente, queixando-se de intensas dores de cabeça, derramando-se em vômitos e contraindo-se em palpitações cardíacas. Sofria os efeitos de um conflito íntimo, como quem somatiza um drama de consciência. 

Darwin, que sonhara ser sacerdote, fora levado por caminhos que o tornaram autor de uma teoria que, como a astronomia de Copérnico e Galileu, faria a Igreja vociferar também no século XIX. Chegou a confidenciar a seu amigo Joseph Hooker que, ao admitir o parentesco entre o ser humano e os símios, ficou-lhe o sentimento de culpa de quem comete um crime, um verdadeiro parricídio - o assassinato de Adão.

Faltou o gene a Darwin para que ele pudesse completar sua teoria e explicar o micromecanismo da hereditariedade. 

A terceira grande decepção

Agora, em plena era de domínio humano dos espaços siderais e das intimidades das partículas atômicas, vem a ciência demonstrar que temos só duas vezes mais genes do que os vermes. Cerca de 60% de nossos genes são cópias dos genes de moscas, fungos e bactérias. 

O conceito de raça, que motivou tantas guerras e, ainda hoje, produz ferozes discriminações, acaba de escorrer pelo ralo. A diferença genética entre um branco e um negro é menor do que a existente entre dois negros. 

Ficou tudo muito confuso na cabeça de quem centrava sua esperança em clones. Nada indica que uma cópia humana será melhor que o original, uma vez que a estrutura genética não é o determinante em nossa constituição humana. O meio ambiente influi, e muito. O livre arbítrio é inegável! O que explica tanta diferença entre gêmeos univitelinos. 

É evidente que, ao abrir o capítulo dos genes no livro da vida, a ciência descortina avanços inestimáveis, como prever anomalias que poderão ser previamente evitadas. A perdurar essa fútil cultura de dianas e apolos, é provável que se faça uso de mutações genéticas por meros caprichos estéticos. Mas as doenças poderão ser combatidas antes em suas causas que em seus efeitos. 


Frei Betto é escritor, autor de "A Obra do Artista ­ uma visão holística do Universo" (Ática), entre outros livros.

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