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Aguirre,  Um Profeta Uruguaio

Antonio Carlos Fester

  

Luis Pérez Aguirre (1941-2000), face à ditadura militar no Uruguai, (1973-1985) fundou, em 1980, o Serviço de Paz e Justiça-Serpaj . Fundou, ainda, o Instituto de Estudos Legais e Sociais do Uruguai-Ielsur (para a defesa jurídica das vítimas da repressão) e o Serviço de Reabilitação Social-Sersoc (com médicos, psiquiatras e assistentes sociais para o tratamento dos torturados) e, em 1983, a Comissão Uruguaia de Direitos Humanos. Foi um dos fundadores do Serviço Ecumênico de Reintegração-SER (para canalizar o auxílio internacional e estabelecer programas de ajuda humanitária). Recebeu diversos prêmios internacionais e notabilizou-se como educador em direitos humanos, tendo escrito cerca de dez livros. Sacerdote, coordenava trabalho pastoral com as prostitutas, travestis e crianças de rua do Uruguai.

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Ele fez greve de fome, parou de comer. E porque poderia morrer, seus compatriotas pararam para pensar – era  que ele queria – e fizeram panelaços, foram para as ruas. A ditadura uruguaia começava a ruir. O ano era de 1983, o da sua greve de fome, o ano em que os militares declararam ilegal o Serviço de Paz e Justiça-Serpaj, que ele fundara para criar um espaço de defesa e promoção dos direitos humanos, para ajudar as vítimas da repressão. Mas ele fundou a Comissão Uruguaia de Direitos Humanos, que reuniu personalidades de seus país pertencentes a todos os setores políticos e tornou-se um símbolo de resistência, respeitado até pelos militares.

Este homem, Luis Pérez Aguirre, nascido em berço de ouro, tornou-se piloto de avião. Contava, rindo, que sua mãe o pranteara duas vezes. Primeiro, quando seu avião desapareceu; depois, quando, preso político, também foi dado como desaparecido. Mas então já era padre. Ordenara-se, em 1970, aos 29 anos, na ordem dos jesuítas.

No Uruguai, iniciou suas atividades em plena ditadura militar, lutando pela vigência das liberdades básicas, o que lhe valeu a prisão e a tortura, em várias oportunidades. Por suas atividades como jornalista, foi processado pelo militares e as publicações, nas quais colaborava, foram fechadas ou censuradas.

Fundou diversas entidades para a defesa dos direitos humanos (vide box) durante a ditadura. Findo o período, como os militares se recusassem a serem julgados, foi membro fundador e integrante do executivo da Comissão Nacional pelo Referendum para revogar a lei de impunidade, votada pelo Parlamento uruguaio sob a pressão dos militares. Do Serpaj, legalizado pelo governo democrático em seu primeiro ato administrativo, por ser o símbolo da luta pelos direitos humanos, lutou pela recuperação da memória, lançando a idéia e a posterior elaboração de Uruguay nunca más, editado em castelhano e inglês.

Mas seu trabalho principal concentrou-se na prevenção das violações aos direitos humanos através de um programa de educação. A partir das idéias de Paulo Freire e da Teologia da Libertação, foi pioneiro na publicação de materiais didáticos e pedagógicos pela educação em direitos humanos. Seu primeiro livro com maior repercussão, em co-autoria com o também jesuíta Juan José Mosca, foi publicado em 1985, Direitos Humanos – Pautas para uma educação libertadora. Sua tradução foi publicada, no Brasil, em 1990, pela Editora Vozes, com prefácio de Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns. Quando Paulo Freire foi secretário de Educação da capital paulista, desenvolveu, junto com a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, o Projeto Educação em Direitos Humanos, o que o levou a comprar um exemplar deste livro para cada escola municipal. Em sua edição original, o livro foi prefaciado por Adolfo Pérez Esquivel.

Até morrer atropelado em sua bicicleta, em janeiro de 2000, no litoral uruguaio, onde estava de férias por ordens médicas, aos 59 anos, Aguirre foi membro do Conselho Executivo da CMCT, SOS-Tortura de Genebra, integrou o Comitê Honorário Internacional do Serpaj, e a rede de direitos humanos da CEAAL. Integrava, ainda, como especialista, o Centro de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na área dos Serviços Técnicos. Além de integrar a coordenação do Serpaj a nível latino-americano, Aguirre coordenava o trabalho pastoral com as prostitutas, travestis e crianças de rua do Uruguai. Vivia em La Huella, uma chácara auto-sustentável com o trabalho dos seus moradores, com alguns casais, todos cuidando de inúmeras crianças abandonadas. Consultor da UNESCO e requisitado para palestras pelo mundo inteiro, estabeleceu, rigidamente, períodos curtos de viagens, que não o afastassem por muito tempo das crianças, evitando prejuízos de ordem afetiva e outros na formação e crescimento de seus pupilos. Como ele mesmo escreveu, era desta chácara, rodeado de crianças e de pobres, e não de uma universidade ou biblioteca de faculdade de teologia, que surgiam seus livros.

O Serpaj publicou Educación y Derechos Humanos, sobre metodologias educativas e a experiência uruguaia, em 1987, e, no ano seguinte, Transición Democrática Uruguaia. Em 1988, a Editora Trilce publicou  Anti-confessiones de um cristiano, dedicaado ao teólogo Juan Luís Segundo. Em páginas densas de espiritualidade, nos fala de um Deus que é subversivo, libertador, desmascarador da ideologia dominante, Amor não manipulável.

Si digo derechos humanos é o livro que o Serpaj publicou em 1991. Brado profético, condenando a hipocrisia, a má-fé e a apropriação indébita do discurso sobre direitos humanos. No mesmo ano, publicou Mujer de la vida, pela Ed. Trilce, um testemunho romanceado dos direitos violados das prostitutas uruguaias. Em 1992, na Espanha, a Ed. Sal Terrae, publicou La opción entreñable ante los despojados de sus derechos. Perante o grito de dor, fruto da injustiça, a campaixão é questão de sensibilidade. A opção está na solidariedade, conceito que desenvolve em páginas inesquecíveis. O próximo livro, de 1993, editado pela Trilce, valeu-lhe outra greve de fome, ameaçado de punição pela hierarquia eclesiástica. Trata-se de A Igreja em Crise – Questões pendentes para seu terceiro milênio (tradução brasileira publicada pela Ed. Ática, em 1995). E o livro seguinte, La condición femenina (Ed. Trilce, 1995) valeu-lhe ser punido com o silêncio obsequioso. O mesmo silêncio que se fez, na Igreja, quando ele morreu, em 30 de janeiro de 2000, inclusive porque apoiava o grupo de Mulheres Católicas pelo Direito de Decidir. Também o Presidente do Uruguai foi ao seu velório em caráter pessoal e não como primeiro mandatário do país, para evitar fato político...

Antonio Carlos Ribeiro Fester é secretário geral da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, diretor da União Brasileira de Escritores, amigo pessoal de Aguirre e tradutor de A Igreja em Crise.

(artigo publicado no jornal MUITO + )  

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