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Vicariato da Comunicação



Dom Helder Câmara e o Concílio Vaticano II

O Concílio Vaticano II (1962-1965), desde seu anúncio pelo Papa João XXIII, a 25 de janeiro de 1959, provocou profundo entusiasmo em Dom Helder Câmara, acendendo em sua mente, incontáveis sonhos e projetos acerca de uma igreja mais evangélica e ecumênica, mais próxima dos pobres, empenhada no desenvolvimento dos povos e na sua mútua compreensão, capaz de propiciar um diálogo entre o norte e o sul do mundo, de colaborar na promoção da paz e da cooperação internacional, interlocutora dos meios de comunicação social e da cultura moderna.

O entusiasmo inicial foi porém mitigado pelas inumeráveis dificuldades do período preparatório, pelo pesado manto de segredo oficial que cobriu os trabalhos desta fase, fazendo com que os próprios bispos se sentissem à margem de tudo, até às vésperas do grande evento. Dom Helder, como consultor da Comissão dos Bispos e Governo das Dioceses foi um dos sete bispos, entre os dez brasileiros, que tomaram parte numa das dez comissões preparatórias ou num dos quatro Secretariados do Concílio, criados em 5 de junho de 1960. Mas mesmo estes bispos estavam escassamente informados, pois desconheciam o andamento das outras comissões que trabalhavam paralelamente umas às outras, sem comunicação entre si, e encaminhando seus resultados apenas para a Comissão Central.

Dom Helder, às vésperas do Concílio, está inquieto e confia ao fiel amigo Manoelito, Dom Manuel Larrain, bispo de Talca no Chile, suas apreensões e mesmo desalento:

"Vejo o Concílio aproximar-se. Até hoje, nem sequer o Temário nos chegou. Humanamente, não há muito como esperar [...] Mesmo assim, irei ao Concílio. Será a suprema oportunidade, porque o Santo Padre nos mandou falar como Bispos. Na medida em que o pudermos fazer, faremos. De julho para cá, a situação só tem piorado. O Temário do Concílio, até hoje não chegou ao Brasil".

 

Uma vez em Roma, o discurso do Papa João XXIII de abertura do Concílio, o "Gaudet Mater Ecclesia", no dia 11 de outubro de 1962, devolveu-lhe novamente a esperança e o entusiasmo. Dois dias depois, quando em sua primeira Congregação Geral, os trabalhos conciliares foram suspensos, por sugestão do Cardeal Achille Liénart, secundado por outros cardeais, Dom Helder, lança-se, de corpo e alma, junto com Dom Larrain, seu colega na vice-presidência do CELAM, no esforço de articulação com as outras conferências episcopais, para comporem a lista de nomes para as Comissões Conciliares, em substituição às Comissões da fase preparatória que a Secretaria Geral do Concílio, queria ver transformadas nas Comissões permanentes do próprio Concílio.

Começava ali a singular aventura do "Dom", como era carinhosamente chamado pelos amigos, durante os quatro anos do Concílio Vaticano II (1962 a 1965) que o transformariam, do relativamente pouco conhecido arcebispo auxiliar do Rio de Janeiro, num dos personagens mais influentes na cena internacional da igreja contemporânea. Do Concílio, legou-nos Dom Helder, uma espécie de diário íntimo, consignado em 297 cartas escritas, quase diariamente, durante as quatro sessões do Concílio e durante a intersessão de 1963/64. Destas, sete escritas durante a primeira sessão conciliar em 1962, encontram-se perdidas. Os originais das demais estão atualmente depositados na Fundação "Obras de Frei Francisco", no Recife. Estas cartas foram dirigidas a um pequeno grupo de colaboradores e principalmente colaboradoras do Rio de Janeiro e depois do Recife, que Dom Helder chama de "família do São Joaquim", "família de Messejana" ou ainda "família messejanense e olindo-recifense". O Concílio Vaticano II foi para Dom Helder, a ocasião para ingressar numa série de articulações internacionais e grupos de trabalho, muitos das quais por ele sugeridos e animados, ganhando a partir daí uma plataforma de ação de raio cada vez mais amplo.

Dom Helder não chegou porém ao Concílio de mãos vazias. Sua atuação como Assistente Nacional da Ação Católica Especializada, colocara-o em contato estreito com o laicato, dera-lhe uma visão geral do Brasil e de sua igreja, com seus valores e problemas, por vezes, dramáticos; o havia inserido na rede latino-americano e internacional estabelecida pela Ação Católica e o levara à sua primeira viagem à Roma, durante o Ano Santo de 1950, por ocasião do I Congresso Internacional dos Leigos, como assistente eclesiástico da delegação brasileira. Ali, encontrara-se com o Papa Pio XII que o encaminhara ao seu sub-secretário de Estado, Mons. Giovanni Montini, o futuro Papa Paulo VI, a quem submeteu, nesta e na viagem seguinte, em 1951, sua proposta de criação de uma Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Nasceu entre ambos mútua confiança e amizade que possibilitarão a Dom Helder dirigir-se, muitas vezes, durante o Concílio, diretamente ao Cardeal Montini e depois ao Papa Paulo VI, confiando-lhe sugestões e expondo-lhe temores e esperanças.

Veio Dom Helder ao Concílio, não como um bispo isolado, mas como secretário geral, há exatos dez anos (1952-1962) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a terceira mais numerosa do mundo todo, depois da italiana e da norte-americana. Chegava também no quadro do único continente que contava com um organismo de articulação, a América Latina onde, desde 1955, fora fundado o CELAM, Conselho Episcopal Latino-americano, do qual Dom Helder era um dos dois vice-presidentes, sendo o outro Dom Manuel Larraín do Chile. Este será eleito, logo no ano seguinte, seu presidente (1963-1966). Dom Helder tinha profunda consciência de que a CNBB e o CELAM eram suas "plataformas" de ação e articulação, como deixa claramente consignado em carta de 1963, ao ser eleito Dom Larrain, seu amigo, presidente do CELAM e, ele mesmo, reconduzido à primeira vice-presidência (1963-1965):

 

"Houve eleição no CELAM. A América Latina inteira quis como presidente o querido Manoelito (Mons. Larraín) e elegeu o Dom para 1 º Vice. Há o consolo de ver que a dupla fraterna não está sem cobertura. A posse, se Deus quiser, será amanhã, na presença do Cardeal Confalonieri e de Mons. Samoré... Telegrafamos ao Santo Padre comunicando a eleição e pedindo a benção... A eleição facilita o trabalho do Ecumênico. Se eu saísse da CNBB e do CELAM (é claro que eu já aceitara a oferenda), em rigor perderia a base para atuar nas reuniões de 6 ª feira [as reuniões do Ecumênico]."

Da sua formação no Seminário da Prainha, em Fortaleza, havia herdado o domínio da língua francesa transmitida pelos padres lazaristas franceses, além do conhecimento do latim, instrumentos que, durante o Concílio, lhe foram essenciais, junto com o inglês meio periclitante, para seus contatos com os outros padres conciliares, mas também com jornalistas e a televisão. A imediata cooperação nascida entre Dom Helder e o Pe. Miguel (pseudônimo em suas cartas conciliares, para Leo Joseph Suenens, o cardeal arcebispo de Malinas-Bruxelas, membro da Comissão de Assuntos Extraordinários na primeira sessão, da Comissão de Coordenação criada ao final da primeira sessão, um dos quatro moderadores a partir do início da segunda sessão e, certamente, um dos mais influentes padres conciliares), assim como com o secretário do Episcopado francês, Roger Etchegaray, permitiram a Dom Helder fazer parte do grupo seleto dos que podiam exercer alguma influência sobre a imensa e heterogênea massa dos padres conciliares.

Gostaria de destacar, finalmente, alguns dos grupos dos quais participou Dom Helder, ampliando seu raio de ação e influência durante o Concílio.

À raiz da bem sucedida experiência da primeira semana no Concilio, para a constituição da lista de nomes para as comissões conciliares, surgiu a idéia da formação de um grupo de trabalho informal que reunisse representantes das principais conferências episcopais, com vistas a intercambiar informações e pontos de vista, estabelecer uma coordenação entre si, propor iniciativas e agilizar o próprio andamento do Concílio. A iniciativa ficou conhecida como "Grupo da Domus Mariae", do nome do local, onde se reuniam os bispos; "Grupo da Terça-feira", mesmo que, posteriormente, suas reuniões acontecessem na Sexta-feira; "Interconferência" devido ao fato de congregar representantes de conferências nacionais ou regionais (África); "Grupo dos 22", do número inicial das conferências, embora estas já fossem cerca de 30 na quarta sessão (1965) e ainda o "ECUMÊNICO", como gostava de chamá-lo Dom Helder. Na pesquisa de Caporale, um jornalista norte-americano que tenta levantar, durante a segunda sessão (1963), as figuras mais influentes do Concílio, Dom Helder surge no grupo das dezoito personalidades de proa e o grupo da Domus Mariae, como o mais significativo:

"[...] pudemos identificar quatro grupos informais de bispos que se encontram regularmente em diversos lugares [...] De longe, o mais importante e eclético destes grupos informais foi o organizado pelos bispos brasileiros na Domus Mariae... entre os animadores deste grupo que se reunia regularmente, cada sexta-feira, estava o arcebispo Helder Câmara".

Neste intercâmbio entre conferências episcopais, Dom Helder carregava uma preocupação mais entranhada, a de abrir espaço para um verdadeiro diálogo e cooperação entre o norte e o sul do mundo, entre desenvolvidos e sub-desenvolvidos. Para isto, moveu céus e terras, primeiro para atrair os episcopados da África e da Ásia e depois para conseguir espaços institucionais para a temática do terceiro mundo como no caso do seu apelo insistente ao Cardeal Suenens para que ajudasse a patrocinar a criação, junto à Comissão de Assuntos Extraordinários do Concílio, de um "Secretariado especial para as questões da Pobreza e do Terceiro Mundo". Não esconde seu entusiasmo, depois da conferência que convocara para o "diálogo dos dois mundos": "19:30 do dia 29 (29-11-1962). Houve o início do diálogo entre os Dois Mundos. Foi emocionante. Ali, estava na presidência, o sucessor e Mercier, que se mostrou absolutamente à altura da missão que a Providência lhe confia... Ali estava um resumo altamente representativo do Mundo sub-desenvolvido e do Mundo desenvolvido. O Pe. Houtart correspondeu de todo às nossas esperanças. Abri o diálogo de que participaram interessadíssimos os dois Mundos. Mas grande mesmo foi Suenens ao encerrar o encontro. Disse verdades fortes e de maneira admirável."

O outro grupo que ajudou a criar, ao qual foi fiel até o fim e onde se sentia espiritual e humanamente em casa, foi o da "IGREJA DOS POBRES". Na primeira sessão de 1962, havia juntamente com ele, outros oito brasileiros que se converteriam em 16 na terceira sessão, num total de 86 padres conciliares. Estava inspirado no itinerário de Paul Gauthier que escrevera, a partir de sua experiência de operário em Nazaré, o livro "Jesus, a Igreja e os Pobres". Acompanhava-o Marie-Therèse, religiosa carmelita egressa que fora igualmente viver pobremente em Nazaré. Gauthier conseguiu sensibilizar um grupo importante de bispos e peritos, entre os quais o Pe. Yves Congar O.P. que escrevera um texto provocativo e profundo como proposta eclesial: "Pour une Église servante et pauvre", "Por uma Igreja servidora e pobre". Ao grupo, juntaram-se bispos que estavam próximos da espiritualidade dos Irmãos e Irmãzinhas de Charles de Foucauld, dos padres operários, da Missão da França e bispos que vinham do terceiro mundo, angustiados com a miséria das grandes maiorias e preocupados em encontrar saídas para sua pobreza e desamparo.

Dom Antônio Fragoso, bispo emérito de Crateús, deixou-nos um depoimento sobre o grupo que se reunia no Colégio Belga:

"O grupo começou na primeira sessão. Tínhamos como secretários Paul Gauthier e Marie-Therèse Lescase. O tema era a Igreja e os Pobres, começando pela identidade entre Jesus e os pobres. Lembro-me do argumento central: quando afirmamos a identidade entre Jesus e o pão consagrado: ‘isto é meu corpo’, nós [o] adoramos e tiramos conseqüências para nossa espiritualidade, liturgia e tudo o mais. Quando [se] afirma a identidade entre ele e os que não tem pão, casa, nós não tiramos as conseqüências para a espiritualidade, liturgia, ação pastoral. Lembro-me de que, na sessão final, fomos celebrar, numa das Catacumbas, a eucaristia final. Assinamos um compromisso nosso com os pobres: dar uma atenção prioritária aos pobres (não ter dinheiro em banco, patrimônio) e este compromisso chegou a ser assinado por 500 bispos".

Mas o mesmo Dom Fragoso constatava com uma ponta de tristeza:

 

"[O Concílio] permitiu-me descobrir que os pobres não estavam no coração e no horizonte dos bispos. Por isto, o Concílio não deu maior atenção ao tema. O Concílio permitiu-me sair daquele pessimismo sobre a natureza e dar-me alegria, mas não o vi se reconciliando com os pobres".

Pode-se reconhecer que o grupo não alcançou o que esperava institucionalmente do Concílio, mas teve uma profunda repercussão espiritual e profética, espelhada no Pacto das Catacumbas, onde estão elencados os compromissos que assumiam os seus signatários, na sua vida quotidiana e no seu trabalho pastoral, em relação aos pobres e à uma vida pessoal de pobreza.

Com Helder, consciente de que o Concílio não respondera, nem mesmo com a Gaudium et Spes, às necessidades e expectativas do Terceiro Mundo, arrancara de Paulo VI, a promessa de uma encíclica que tratasse do desenvolvimento dos povos, encíclica que se concretizou na Populorum Progressio, em 1967. Consciente também de que o sonho de João XXIII de uma "Igreja dos Pobres" não conseguira empolgar o Concílio, lutará para que, na América Latina, esta se tornasse a questão eclesial mais importante. De fato, em 1968, na II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, o documento 14, consagrado à eclesiologia, terá como título e conteúdo "Pobreza na Igreja".

Outro feito decisivo de D. Helder Câmara no Concílio foi conseguir que os melhores teólogos e peritos ali presentes começassem a trabalhar em conjunto e em estreita colaboração com os bispos reunidos no "Ecumênico" e na "Igreja dos Pobres". Esse mesmo grupo de teólogos prestou inestimável serviço aos bispos do Brasil, por meio das conferências da Domus Mariae, que na soma das três últimas sessões alcançaram o respeitável número de 80, às quais devem ser acrescentadas outras dez da primeira sessão. A essa força tarefa, já esboçada entre Dom Helder, Larrain e o Pe. Houtart de Lovaina na Bélgica que desempenhou o papel de seu secretário, foi dado o nome de "OPUS ANGELI", a Obra do Anjo. Esta trabalhou durante as sessões mas também nas inter-sessões, no sentido de oferecer textos alternativos aos esquemas provindos da etapa preparatória do Concílio, de preparar intervenções para serem lidas na aula conciliar, de assessorar os bispos nas questões mais complexas, de elaborar "modos" substitutivos para determinadas passagens dos esquemas submetidos a votação. Um dos teólogos mais importantes deste século, o Pe. Yves Congar e que colaborou estreitamente com Dom Helder e com os grupos por ele animados, tornando-se um pouco o coordenador do "Opus Angeli", percebeu logo no primeiro encontro entre ambos, a importância de Dom Helder e de sua liderança que aportava ao Concílio algo mais que faltava aos outros: uma "visão", no sentido do visionário, daquele que enxerga longe e com largueza de vistas. Congar anota no seu diário a 21 de outubro de 1962:

 

"Puis arrive Helder Câmara, secretaire du CELAM. C’est extraordinaire: aujourd’hui même, à midi, ils ont parlé de moi et ont dit qu’il faudrait me faire venir. Après avoir bavardé un bon moment, nous allons dans une salle, où se réunissent avec nous une douzaine de jeunes évêques. Ils m’interrogent. Mgr. Helder même: un homme non seulement très ouvert, mas plein d’idées, d’imagination et d’enthousiasme. Il a ce qui manque à Rome: la ‘vision’ .

Dias depois, em circular à sua "família" de colaboradores no Rio de Janeiro, Dom Helder comentando sobre as pessoas que mais o haviam impressionado como homens de Deus em Roma, chega ao teólogo dominicano:

 

"- o Pe. Yves Congar, cuja visão da Igreja, cujo ecumenismo, cuja caridade e cuja cultura extraordinária, brilham ainda mais pela humildade que ele encarna."

Dom Helder, finalmente, alcançara um agudo senso de que mais do que as palavras e documentos, o que realmente chegava às pessoas e as tocava, eram determinados gestos e símbolos e que era pelas imagens que se fixava no povo o sentido do Concílio. Estava sempre em busca destes gestos que pudessem causar impacto. Ao Papa João XXIII, havia proposto uma celebração final que abandonasse o fasto barroco da Roma pontifícia e primasse pela simplicidade e profundidade dos gestos. Repete a mesma proposta ao Papa Paulo VI e exulta quando alguns destes sinais são por ele incorporados à celebração de encerramento do Concílio.

Sabia, por outro lado, que o Concílio que chegava à opinião pública era o que era transmitido, à cada dia, pelos jornalistas da imprensa escrita, falada e televisiva. Por isso, o mesmo Dom Helder, que se aplicava a articular a ação dos bispos e peritos, a coordenar as conferências episcopais, mas que nunca interveio na Aula Conciliar, era pródigo em atender à solicitação dos jornalistas para entrevistas, programas de televisão e conferências de imprensa. Via a imprensa não apenas como instrumento para transmitir, de modo compreensível, o que se passava no Concílio, mas igualmente como veículo para lançar novas idéias e para exercer indiretamente pressão sobre a Assembléia Conciliar, fazendo chegar recados às mais altas autoridades da Igreja, interpelando intelectuais e governantes, entusiasmando jovens e formadores de opinião. Preparava acuradamente suas conferências e sermões, submetendo o rascunho de suas idéias e intuições à família messejanense, a peritos do Concílio, a técnicos e economistas amigos e mesmo à Secretaria de Estado e até mesmo ao Papa, quando abordava temas delicados.

Valha como exemplo dessa complexa avaliação que Dom Helder fazia do papel dos meios de comunicação e da importância da opinião pública, o que escreve, logo depois de uma sua concorridíssima conferência em Roma sobre "Perspectivas de novas estruturas na Igreja", com o auditório cheio de teólogos e dos observadores não católicos:

 

"Em que dará minha palestra? Haverá forte reação da extrema direita? A Cúria Romana reagirá?

Que pensará a respeito o Santo Padre?

Agi tranqüilamente. Deus sabe que, nem por sombra, se trata da vaidade de ter intuições, de pensar que sou mesmo profeta.

Agi e agirei e agiria:

  • por estar convicto de que meu papel no Concílio é o de agir no Ecumênico e de falar extra-Basílica (talvez, um dia, também falarei na Basílica);
  • pela necessidade de ajudar o Santo Padre (um risco e uma loucura como os de ontem, com repercussão na imprensa, em última análise, ajudam o Papa);
  • pela necessidade de encorajar os Peritos, os observadores e a imprensa;
  • pela necessidade de ajudar toda a geração de amanhã (jovens clérigos e leigos, ansiosos por ver a super-prudência contrabalançada por uma ponta de audácia);
  • pela convicção de ter recebido o sopro de Deus, através de José..."

O falar franco e direto, crítico e esperançoso de Dom Helder encantava os jornalistas que o assediavam para entrevistas e reportagens.

Sua grande tribuna no Concílio, não foi a Aula Conciliar na Basílica de São Pedro, mas sim a imprensa de uma parte e, de outra, o incansável esforço de articulação cumprido por meio da CNBB, do CELAM, do Opus Angeli, do Ecumênico, do Grupo da Igreja dos Pobres, da rede de amigos e colaboradores que soube conquistar para suas causas, a dos pobres e a da Igreja servidora dos pobres, aliado ao trabalho escondido nos bastidores, por intermédio de encontros pessoais, cartas, circulares.

Para todo este imenso trabalho, valia-se sempre da oração contemplativa e do fiel grupo de amigas e amigos, provindos de seu tempo de Ação Católica que, no Rio de Janeiro, no Recife e em outras partes do mundo, lhe serviam de retaguarda, sustento e apoio.

Pe. José Oscar Beozzo

Bologna, 17 de Março de 1999

Tirado do livro Helder, o Dom - Uma vida que marcou os rumos da Igreja no Brasil, Zildo ROCHA (org.), Vozes, Petrópolis, 1999.

Implantada em 29/08/99

 

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