
A Violação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu
impacto no exercício dos Direitos Civis e Políticos
Dalmo de
Abreu Dallari
Meu caro companheiro de Justiça e Paz, Antonio Funari Filho,
querida amiga e colega Silvia Pimentel, amigo também, colega,
companheiro, Professor Cortella, caros colegas, amigos presentes,
queridos estudantes, quero antes de tudo dizer da minha alegria de
ter sido convidado para estar presente neste Encontro Brasileiro
de Direitos Humanos. Acho que realmente é muito importante que
haja este tipo de encontro, que as pessoas se reúnam, recebam
informações, externem as suas opiniões, façam as suas críticas,
para que haja um amadurecimento da idéia de Direitos Humanos, um
amadurecimento de consciência e ao mesmo tempo um estímulo para
a busca de efetivação dos Direitos Humanos. E muito rapidamente
quero fazer uma observação preliminar dizendo que tenho absoluta
convicção de que nós, humanidade, estamos num momento que pode
ser definido como uma encruzilhada histórica: estamos diante de
uma opção tremenda, fundamental entre duas correntes básicas
que estão se digladiando. Uma delas é a corrente que, sem muitos
rodeios e sem disfarces também, muito diretamente eu posso chamar
de corrente materialisnizata. Essa foi a corrente que conquistou o
poder no final do século XVIII, ou através dos séculos XVII e
XVIII, através das revoluções burguesas.O que se teve então,
sob o pretexto do combate do absolutismo, de garantia da
liberdade, foi a afirmação de um padrão de sociedade
essencialmente discriminatória, injusta, mas com uma característica
terrível, que ajudou sua implantação e duração e que criou a
injustiça legalizada. Na verdade foi isso que aconteceu e existe
até uma certidão de nascimento dessa nova concepção, que é a
primeira Constituição francesa de 1791, que estabeleceu que
nenhum direito existe fora da lei e ninguém pode ser proibido de
fazer alguma coisa fora da lei e é a lei que garante os direitos
fundamentais. Mas não existe direito fora da lei, ninguém pode
ser obrigado a fazer ou deixar de fazer a não ser com base na
lei. A idéia em princípio era benéfica, era generosa, era uma
forma de conter o absolutismo, de conter o arbítrio do poder
pessoal e se tinha uma afirmação teórica de que o poder
exercido por homens é inevitavelmente arbitrário, e o poder
exercido pela lei é justo porque a lei é igual para todos.
Entretanto, essa mesma Constituição introduziu algumas inovações
extremamente importantes, graves e que vêm sustentando essa
corrente materialista. Uma das inovações foi precisamente a
mudança na idéia de lei. Quando Montesquieu escreveu que o
“governo de leis é melhor que o governo de homens” estava se
referindo à lei como relação necessária que deriva da natureza
das coisas senão como criação arbitrária e puramente racional.
Mas a lei que foi prevista na Constituição francesa de 1791 não
era esnizasa, tanto que a Constituição disse que quem faz a lei são
dos delegados dos cidadãos, e começa aí a fase histórica em
que o parlamento passa ser uma fábrica de leis. As leis são
fabricadas e fabricadas no legislativo e quem são os fabricantes
de leis? A Constituição diz - os fabricantes, ela não usa a
expressão os fabricantes, mas ela usa os legisladores – são os
delegados dos cidadãos. Isto também parece tranqüilo, a
Constituição francesa usou muito a expressão cidadão, como
usou cidadania, como usou também, e isto é fundamental que seja
lembrado, cidadã – lembram-se do lema da revolução francesa:
liberdade, igualdade, fraternidade. Todos são iguais, todos são
essencialmente iguais e na prática se divulgou a noção de
cidadania como expressão de liberdade e igualdade, não há
superioridade de um sobre outros, acabaram-se os privilégios da
nobreza e a partir de agora todos são iguais. E um dado que é
importante que seja relembrado é que no período final da revolução
francesa, quando houve barricadas, quando houve luta armada, era
freqüente a presença de mulheres, mulheres inclusive com armas
na mão participando das barricadas, eram as cidadãs, que eram
iguais aos homens, iguais em direitos, iguais em
responsabilidades, iguais na participação nas lutas pelos
direitos. E havia também a presença de operários, trabalhadores
e assalariados em geral que também eram iguais, eram seres
humanos, eram iguais, iguais em direitos, iguais em
responsabilidade e iguais na participação pela defesa desses
direitos. Entretanto, a Constituição francesa estabeleceu uma
diferenciação, dizendo isto: quem elege os legisladores, quem
elege onizas delegados que vão fazer as leis são apenas os cidadãos
ativos e aqui então começa a discriminação legalizada. Então
haveria duas espécies de cidadãos: o cidadão ativo e o cidadão
comum ou o cidadão passivo, e a própria Constituição
acrescenta que para ser delegado, ou seja, para ser fabricante de
leis, era preciso também ser cidadão ativo. Então, só os cidadãos
ativos elegem os delegados e estes só podem ser escolhidos entre
os cidadãos ativos. Já é uma situação de privilégio, uma
situação discriminatória. Mas avancemos um pouco mais: a própria
Constituição dizia quem era cidadão ativo e lá vinham
expressamente os requisitos: o primeiro deles é que era preciso
ser homem e homem aí ao pé da letra, era preciso ser do sexo
masculino e foi a exclusão das mulheres feita através da lei,
exclusão legalizada, a injustiça legalizada. E a partir daí as
mulheres perderam qualquer possibilidade de acesso aos postos públicos,
a qualquer posto político, inclusive a magistratura. As mulheres
só puderam ser juízas na França neste século e a partir de
1946 – as mulheres foram excluídas de toda posição pública
de alguma importância, mas com esta característica que é
fundamental: isto era legalizado, injustiça legalizada. E isso
foi tão terrível que as próprias mulheres se acostumaram com
isso, então o que está na lei é legítimo, é justo, é o
direito, então deve ser aceito. E nós tivemos, só para não dar
muita volta, a situação terrível, por exemplo no Brasil, que
decorria do Código Civil de ser o marido o chefe da sociedade
conjugal. Quantos chefes de péssima qualidade nós conhecemos!
Quantos chefes que sacrificaram terrivelmente a sua família, mnizaas
eles eram chefes, e porque isso é legal e se é legal, é justo,
é legítimo e eu não discuto! E isso então se tornou
permanente. E assim como aconteceu com as mulheres aconteceu com
assalariados, aconteceu com operários, aconteceu com
trabalhadores, porque a mesma Constituição dizia: “para ser
cidadão ativo é preciso ser homem”, dizia mais: é preciso ser
proprietário, é preciso ter uma renda mínima! Então não era
qualquer homem, era o homem rico! E vem daí a legislação
fabricada pelos homens ricos. E se vocês quiserem, também para não
dar muita volta, eu lembro uma situação muito simples: a questão
do imposto de renda. Eu me lembro que quando o Delfim Neto era
Ministro da Fazenda, numa entrevista, o Delfim é um homem
inteligente, às vezes muito cínico e às vezes sincero, não se
sabe bem porque, disse isto: “o grande empresário que paga
imposto de renda no Brasil ou é trouxa ou tem um péssimo
contador”, isso porque a lei facilita tanto que ele paga se
quiser. E vejam ainda agora, ontem nos jornais havia uma notícia
de uma discussão que se está travando porque está aparecendo
agora a idéia de coibir as reservas técnicas, as reservas estratégicas
feitas pelas empresas. O que é isto? É que a lei diz isto, a lei
feita por eles é claro, a empresa pode fazer uma reserva para os
devedores duvidosos, então eu não sei se aquele que comprou a
minha mercadoria vai pagar, então eu faço uma reserva para o
caso dele não pagar. Mas é claro que esse dinheiro retirado do
livro daquela empresa é como se não tivesse sido recebido, tá lá
reservadinho, é só para uma emergência, mas como aquilo é uma
reserva, ela não paga imposto sobre anizaquilo, aquilo é diminuído
do lucro. E é claro que a empresa investe aquele dinheiro – ela
vai ganhar! Mas além disso, outro escândalo legalizado é a
possibilidade de extrair, de tirar do lucro, aquilo que é
legalmente chamado de despesas operacionais. Eu conheço muitos
assim, vocês conhecerão também, grandes empresários que têm
um salário reduzidíssimo, a gente fica até com pena, às vezes
querendo ajudar, coitadinho, tem um salário muito baixo, e mora
numa mansão! E a gente não sabe muito bem que mágica ele faz
porque o salário dele é pequeno, é baixo. Ele mora numa mansão,
ele tem uma porção de empregados, vários automóveis, a família
vai para a Disneylândia todo ano, ele freqüenta restaurantes de
luxo. Qual é o segredo disto? É que os seus empregados são
registrados como empregados da sua empresa e as viagens que ele
faz são despesas operacionais da empresa, o carro que ele troca
todo ano pertence à empresa – ele coitadinho não tem nada! E
como tudo é despesa da empresa, aquilo é deduzido do lucro também!
E então outra vez ele deixa de pagar imposto de renda também. E
agora eu pergunto: qual é o empregado, o assalariado que pode
usar qualquer artifício desses? Nenhum! O assala-riado que ganha
um pouquinho tem de pagar e não tem como não pagar, ele já é
descontado na fonte! Mas como que é isso? Não é possível! Mas
isso tudo é legalizado, dentro da lei. É porque são eles que
fazem a lei. Este é o direito com que nós temos vivido há 200
anos e esse é o direito criado, estabelecido, para favorecer os
que têm dinheiro, os que têm si-tuação econômica
privilegiada, aqueles que se preocupam de serem ricos e se
tornarem canizada vez mais ricos. Os que hoje se escondem atrás de
alguns rótulos como globalização, que é uma grande farsa, se
se disser não agora é global, porque o comércio agora se faz em
nível mundial. Eu não dou muita volta. Eu lembraria que em 1500
Portugal já fazia negócios na China, os famosos negócios da
China são muito antigos. Existe uma famosa obra de um grande
autor holandês, chamado Hugo Grocio, sobre a liberdade dos mares;
é do século XVII, porque houve um conflito entre Portugal e
Holanda sobre o comércio da China exatamente – eu é que tenho
prioridade, eu é que tenho, mas ambos faziam o comércio de
porcelana, de seda, de especiarias; Veneza já era um grande
entreposto comer-cial do mundo; havia já as rotas terrestres que
passavam pelo centro da Europa e aí é que aparecem os famosos
tapetes persas, as jóias de Samarcanda. O que é isto? É
globalização; então globalização é uma novidade muito
antiga, tem pelo menos 500 anos e é apresentada agora como
novidade – é pura farsa, é pretexto. E assim também é farsa
o neoliberalismo, as leis de mercado. Vejam, ainda agora também
os jornais estão noticiando que há uma série de dificuldades
numa reunião da Organização Mundial de Comércio por quê?
Porque os países mais ricos praticam o protecionismo. Um dos países
que mais praticam protecionismo no mundo são os Estados Unidos e
foram eles que criaram essa idéia que agora é globalização,
agora o sistema é neoliberal, o que importa agora são as leis do
mercado, não há mais fronteiras, não há mais soberania, é
conversa fiada! O aço brasileiro tem extrema dificuldade para ser
vendido nos Estados Unidos porque existe sobretaxa, o sapato
niza brasileiro também tem dificuldade para ser vendido porque há
taxas muito pesadas para entrar nos Estados Unidos. Mas agora não
é globalizado, o mundo não é um só? E lembre-se também da
questão dos trabalhadores: a imigração de trabalhadores é
fortemente coibida, os trabalhadores imigrantes são tremendamente
discriminados nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, na
Inglaterra, em todos os países mais desenvolvidos. E ainda
recentemente nós tivemos mais um caso, têm sido muitos, de um
grupo de jovens brasileiros que chegou aos Estados Unidos tendo
visto, visto de entrada nos Estados Unidos, e apesar disso foram
obrigados a retornar ao Brasil. Porque as autoridades alfandegárias
desconfiaram que aqueles jovens poderiam querer trabalhar nos
Estados Unidos , então mandaram de volta. E a globalização,
onde é que fica? Agora não há mais fronteiras, é tudo aberto.
Isto é conversa fiada, isto é farsa, quer dizer, isto é farsa
para acabar com as fronteiras dos lugares onde eles querem
investir, onde eles vão tirar proveito, e as fronteiras continuam
existindo quando há interesse deles. E tudo isso dentro dessa
linha, dentro desta concepção que põe em primeiro lugar, e
sobretudo, resultados econômicos se o que interessa é o
desenvolvimento econômico. Não importa se isso se faz com justiça
ou sem justiça, não importa se isso cria desemprego; não
importa se isso significa discriminação, humilhações,
marginalização, redução de povos à miséria – o que importa
é ganhar dinheiro! E o que é isso, senão o materialismo? Isso
está registrado numa das mais importantes encíclicas do Papa João
Paulo II, uma encíclica que acabou de fazer 20 anosniza, a encíclica
Labore exerses, que é sobre o trabalho: “Há no mundo de hoje
dois materialismos que é preciso evitar”; um deles, diz o Papa,
“é o materialismo teórico”, que é o materialismo do
marxismo, e diz ele “o outro é o mate-rialismo prático”, que
é aquele que não se diz materialista, mas que é essencialmente
materialista, que é o do capitalismo, é aquele que põe o
capital, dinheiro, a busca de resultados econômicos acima da
pessoa humana, que na verdade ignora a pessoa humana – essa é
uma das correntes do mundo contemporâneo. E a outra corrente é a
corrente humanista, é a corrente dos Direitos Humanos, é a
corrente que põe a pessoa humana em primeiro lugar, a dignidade
humana e, em conseqüência, o tratamento justo à pessoa humana,
a todas as pessoas humanas, é a busca da justiça social no
trabalho pela eliminação das discriminações e marginalizações.
Então este é o meu ponto de partida, eu acho isso muito
importante, essencial, que a gente perceba que são as duas
grandes opções: se eu optar por desenvolvimento econômico, leis
do mercado, neoliberalismo, eu estou tomando a vertente
materialista, essencialmente materialista, que colocará a pessoa
humana em plano inferior, que eliminará a pessoa humana se isso
for necessário para ganhar mais dinheiro, para enriquecer mais; e
eu posso e devo na minha concepção seguir a linha humanista, que
é uma linha de resistência, uma linha de luta, é uma linha de
avanço, de avanço necessário constante para barrar a tentativa
de avanço da linha capitalista. Bom, colocada esta questão
preliminar, eu vou entrar diretamente na questão que é o tema
desta mesa, deste painel, que é a nizaquestão dos direitos econômicos,
sociais e culturais. Se na verdade há algumas coisas relativas as
esses direitos que se deve deixar claro são as questões
preliminares muito importantes. A ONU publicou, como sabem, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, mas era uma
declaração que não obriga juridicamente. Hoje até há uma
discussão e alguns entendem que a adesão à Declaração implica
obrigação jurídica, mas essa discussão já surgira no fim da década
de 40 e início da década de 50, e para dar mais eficácia às
normas de direitos humanos, a própria ONU começou a preparar um
documento fundamental que seria um grande pacto de Direitos
Humanos, este já com a natureza de documento jurídico eficaz,
com o respeito obrigatório, com a possibilidade de coerção para
que os signatá-rios do pacto respeitassem e aplicassem-no.
Entretanto, logo no início da discussão para preparação desse
pacto surgiu uma diferenciação, e essa diferenciação tem muito
a ver com aquela que eu mencionei entre a linha capitalista e a
linha humanista, mas no caso o que se teve foi isto, uma linha, e
aí então estavam os grandes países capitalistas dizendo o
seguinte: os direitos civis e políticos, sim, estes devem ser
reconhecidos, mas a concepção deles era que direitos civis e políticos
são direitos que implicam a presença do Estado apenas para
garantir os direitos, o Estado não interfere nas decisões, não
interfere nas relações sociais, é um mero garantidor. Então, a
concepção é que em relação a esses direitos o que se deseja
é a abstenção do Estado. O Estado vai garantir os direitos mas
não interfere de maneira alguma nas relações pessoais e isto
niza então foi pregado, aceito, geralmente aceito, não houve restrições.
Mas quando se tratou dos direitos, houve uma séria resistência
dos países capitalistas e naquele momento – fim da década de
40 – se estabeleceu uma diferenciação de comportamento. Os países
capitalistas inteiramente a favor dos direitos civis e políticos
e os países socialistas também, e em relação aos direitos econômicos,
sociais e culturais uma fortíssima restrição dos países
capitalistas. E para superar o impasse que surgiu então foi que
se decidiu que deveriam ser feitos dois documentos: um pacto de
direitos civis e políticos e outro pacto de direitos econômicos,
sociais e culturais. Essa discussão foi longa, se arrastou por vários
anos e, afinal, os dois pactos foram aprovados em 1966. É um
momento extremamente importante porque os pactos já têm natureza
de acordo jurídico, são obrigações jurídicas, então não há
mais aquela discussão de se as normas da Declaração são
obrigatórias ou não, porque havendo o pacto, quem for signatário
está assumindo uma obrigação jurídica e pode ser cobrado para
o cumprimento dessa obrigação. E a partir daí surge o problema
da eficácia da Declaração e, dentro do âmbito dessas discussões,
com a existência dos dois documentos, é que aparecem várias
corrente teóricas, na verdade algumas bem intencionadas, outras
nem tanto, especialmente estas últimas resistindo ao
reconhecimentos dos direitos econômicos, sociais e culturais como
verdadeiros direitos. E é dentro do âmbito dessa discussão que
vão aparecer algumas colocações teóricas – aí volto a dizer
– em alguns casos de boa-fé, em outros casos de absoluta má-fé,
mas se faz a nizadiferenciação entre esses direitos e se fala em
direito de diferentes gerações. Não existem diferentes gerações,
essa idéia das gerações foi maliciosa e tem atrapalhado
enormemente a efetivação dos Direitos Humanos, quer dizer, é
como se o ser humano tivesse evoluído até um certo ponto e, então,
vêm os direitos da primeira geração, os direitos civis e políticos.
Depois a humanidade evolui um pouco mais e aí ela descobre os
direitos econômicos, sociais e culturais como se esses direitos
tivessem nascido depois – vejam que a idéia de geração
implica isto, não nascem ao mesmo tempo, uma geração vem antes
da outra. Então, se há direitos de primeira, segunda, terceira,
quarta geração são direitos nascidos depois – e isto é
absolutamente falso! – se são direitos inerentes à condição
humana todos eles, e isso hoje já é objeto de uma ampla teorização,
já há inclusive obras dedicadas a isso e eu vou fazer breve
referência a algumas destas colocações. Lembrando isso, em 1996
foi realizado um seminário exclusivamente sobre direitos econômicos,
sociais e culturais em Bogotá, na Colômbia, e ali foram
produzidos trabalhos extraordinários, ressaltando que as características
básicas dos Direitos Humanos são as mesmas para todos os
Direitos Humanos, e inclusive um dos grandes defensores dos
Direitos Humanos, que até recentemente atuou na Comissão
Internacional de Juristas, o grande jurista uruguaio Alejandro
Artucio, apresentou um trabalho demonstrando que todos os Direitos
Humanos têm universalidade, indivisibilidade e interdependência.
E nessa mesma oportunidade, um eminente jurista francês, Philipe
Dexsieu, que também tem trabalhado muito sobreniza o assunto,
desenvolveu essa idéia, fez uma demonstração dessa unidade
inseparável, dessa interdependência dos Direitos Humanos, de
todos os Direitos Humanos, e às tantas, no seu trabalho, diz
isso: “a velha discussão sobre se os direitos econômicos,
sociais e culturais por seu caráter de aplicação progressiva
constituem obrigações de meio ou obrigações de resultado já
é obsoleta”. O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais constitui para os Estados-partes um compromisso categórico,
de garantir o nível básico de exercício dos direitos nele
compreendidos. Além disso, a obrigação de garantir o
desenvolvimento progressivo dos direitos compreende claramente a
proibição de retrocessos com respeito ao grau de consecução
desses direitos. Então, afirma isso, são direitos exatamente
iguais os direitos civis e políticos e os direitos econômicos,
sociais e culturais. Então vocês estão a se perguntar: “então
se são direitos iguais, por que foram feitos dois pactos?” Por
causa daquela resistência inicial, porque os países capitalistas
não queriam assumir a responsabilidade de garantir esses direitos
e, exatamente, porque a sua visão era materialista, era
economicista, “quer dizer então que eu vou gastar dinheiro para
resolver problema de gente pobre? Isso não produz mais dinheiro,
isso não dá lucro! Eu vou gastar dinheiro para ter um bom
sistema de saúde, um bom sistema educacional, isso atrapalha os
negócios!” Por isso a resistência deles e por isso a existência
dos dois pactos. Mas desde então e a partir da produção teórica,
e já de muitas decisões jurisprudenciais, o que tem ficado muito
claro é que há de fato esta nizainterdependência, esta
universalidade, esta unidade inseparável. E ainda com relação a
isso eu vou mencionar aqui mais uma opinião de um autor
extremamente importante – Professor Cançado Trindade – na
apresentação de um livro de outro autor brasileiro importante
– Lindgren Alves, que é um diplomata de grande valor. Na
introdução ao livro Direitos humanos como tema global de
Lindgren Alves, escreve o Professor Cançado Trindade: “Até
mesmo o mais fundamental dos Direitos Humanos, o direito à vida,
compreende o direito de todo ser humano de não ser privado
arbitrariamente de sua vida, assim como o direito de todo ser
humano de dispor dos meios apropriados de subsistência e de um
padrão de vida decente, pertence pois a um tempo ao domínio dos
direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e
culturais, ilustrando assim a indivisibilidade de todos os
Direitos Humanos”, quer dizer, na verdade, não é difícil de
se verificar que há uma relação necessária entre os direitos
civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais.
A este respeito eu lembro uma colocação muito interessante, até
muito sugestiva, feita por um eminente cientista político inglês,
Harold Laskin, que com elegante ironia, disse: “Na Inglaterra
todos são livres e iguais. A prova disto é que tanto o Príncipe
de Gales quanto qualquer mendigo britânico têm o mesmo direito
de dormir debaixo de uma ponte”, então são todos livres e
iguais; e eu diria que no Brasil também são todos livres e
iguais, só não mora numa mansão no Morumbi quem não quer,
porque a lei não proíbe! Todos têm a liberdade! Quer dizer, só
não escolhe a melhor escola nizapara os seus filhos quem não quer
porque todos são livres para escolher o que quiserem! Quer dizer,
só não tem o automóvel último tipo mais confortável, só não
come as melhores comidas e bebe as melhores vinhos quem não quer
porque são todos livres e iguais, a lei diz isto! Quer dizer que
na verdade esta maneira de conceber os direitos é
fundamentalmente, essencialmente hipócrita, e é uma forma de não
assumir responsabilidade. E então o que eu vejo é isto, que há
uma relação necessária, se eu disser que todos têm liberdade
para escolher onde querem morar, isto implica dar a possibilidade
de escolha, quer dizer, se não houver a mesma possibilidade de
escolha, esta afirmação de igualdade, de liberdade, é na
realidade uma farsa. Então isto é também um aspecto fundamental
para nós entendermos que esses direitos chamados econômicos,
sociais e culturais não são inferiores aos outros, não vêm
depois dos outros, não são independentes dos outros. Na verdade
todos estão necessariamente interligados, e se eu não assegurar
esses direitos os outros também não estarão assegurados, este
é também um aspecto fundamental. Além disso eu avanço um pouco
mais lendo o que consta do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais. Eu vejo com a mais absoluta clareza que são obrigações
jurídicas, que não são sugestões, não são conselhos, são
obrigações jurídicas que os Estados assumem. E no caso é
sempre oportuno lembrar que o Brasil assinou este pacto, o Brasil
o ratificou, o Brasil se impôs ao respeito e à obrigação
desses pactos. E para vocês verificarem um aspecto importante,
houve muita resistência no Brasil à aceitação desse pactos,
niza aliás dos dois, os pactos são de 66, a Constituição da época
já dispunha que era necessário que o Congresso Nacional
homologasse, que o Congresso Nacional desse o seu consentimento
para que o Brasil se obrigasse. E esses pactos ficaram 20 anos na
gaveta dos Presidentes da República esperando serem enviados ao
Parlamento para terem a confirmação. Só 20 anos depois, em
1986, foram enviados e aí, no final das contas, acabaram sendo
aprovados e hoje são leis no Brasil, são obrigações jurídicas
que o Brasil assumiu. Eu leio o artigo 2° do Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, “Cada Estado-parte”, e o
Brasil é um deles, “Cada Estado-parte no presente pacto
compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como
pela assistência e cooperação internacionais, principalmente
nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos
disponíveis, que visem assegurar progressivamente, por todos os
meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos do
presente Pacto, in-cluindo, em particular, a adoção de medidas
legislativas”. Quer dizer na verdade que o Brasil assumiu o
compromisso de respeitar e fazer aplicar o Pacto de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, como também
assumiu igual obrigação em relação aos direitos civis e políticos.
E além do Brasil ter assumido essas obrigações através da adesão
ao Pacto,
grande parte, e eu diria a quase totalidade dos dispositivos
desses
Pactos, em 1988 foram colocados dentro da Constituição
Brasileira. Se nós lermos os artigos 5°, 6° e 7° da Constituição,
nós vamos ver lá claramente refletidos os pactos de Direitos
Humannizaos, então são obrigações internacionais mas também
obrigações nacionais, obrigações constitucionais do Brasil ,
que os Governos brasileiros são obrigados a respeitar e aplicar,
e aí como diz o Pacto “destinando o máximo dos recursos disponíveis”.
E aqui surge o problema destes recursos disponíveis: será que o
Brasil não está cumprindo estas obrigações porque não há
recursos disponíveis?” Eu vou lembrar do que é muito
expressivo: nas estatísticas econômicas, e o nosso Governo tem
usado e abusado disto, e especialmente nos encontros
internacionais, tem-se afirmado sempre através do chamado produto
interno bruto que o Brasil está entre os países mais ricos do
mundo – há até uma discussão muito interessante para saber se
é o 8° mais rico ou o 10° mais rico, mas é um dos países mais
ricos do mundo – então, sem dúvida um dos 10 mais ricos e
nesta consideração da riqueza está toda a riqueza que já está
circulando já aplicada, está a riqueza potencial, estão as
reservas minerais, reservas florestais, toda a riqueza de que o
Brasil é dono, é proprietário. Então o Brasil é efetivamente
um dos países mais ricos do mundo, segundo o PIB. Pois muito bem,
a ONU tem outro índice, é o Índice de Desenvolvimento Humano, e
há dois meses mais ou menos a ONU publicou os índices deste ano.
Esses índices de desenvolvimento humano levam em conta uma série
de fatores, como por exemplo a mortalidade infantil. E o que é
mortalidade infantil? É a porcentagem de crianças que morrem
antes de completar um ano de idade. E o Brasil tem um índice altíssimo
de mortalidade infantil, há regiões no Brasil em que se chega
perto de 200 crianças mortas por ano antes de conizampletar um ano de
idade, então é um índice altíssimo de mortalidade infantil. Além
disso, as epidemias e endemias, a situação de saúde do povo em
geral, a situação educacional, é outro elemento que é incluído,
é outro fator para a verificação dos Índices de
Desenvolvimento Humano; e um fator que também é importante, é
considerado, e neste momento é importantíssimo, é o nível de
desemprego. Por quê? Porque se sabe que o desemprego, e nas
sociedades capitalistas sobretudo, é uma verdadeira tragédia, e
num país como o Brasil é evidentemente uma tragédia! O Brasil não
tem fundos de desemprego, não tem um sistema de apoio ao
desempregado e nós vemos nas ruas de São Paulo o efeito disto. O
trabalhador desempregado se transforma em mendigo e como é que
fica a sua família? Como é, que fica a sua dignidade de pessoa
humana? Quantos de nós já demos esmola para ex-trabalhadores que
foram transformados em mendigos pelo desemprego? Pois bem, este
mesmo Brasil, que nos índices econômicos está entre os 10 mais
ricos do mundo, no Índice de Desenvolvimento Humano está em 79°
lugar! Há 78 países em situação melhor do que o Brasil em
termos de desenvolvimento humano. Isto demonstra que nós temos
recursos, que nós não estamos aplicando os recurso como nós
deveríamos aplicar, quer dizer quando se diz: “bom, seria
interessante fazer alguma coisa para que não houvesse tanta
mortalidade infantil, melhorar as condições de saúde, de educação,
moradia, é pena que não haja recursos...”. Isto é mentira, os
recursos existem sim e o que nós temos visto, sabido, e os
jornais têm publicado muitos dados a respeito disto, é que não
há recursos para unizama política social, quer dizer o nosso Governo
não tem política social. E há um aspecto a mais que eu quero
ressaltar, que é muito importante que percebam – isso faz parte
de um cinismo monumental – o nosso Governo costuma preparar
projetos de lei, projetos de lei orçamentária prevendo verbas
para objetivos sociais e ele utiliza este elemento fora do Brasil
para dizer: “olha aí como o meu Governo se preocupa com
objetivos sociais, tanto que ele colocou na verba do orçamento
verbas para objetivos sociais”, tanto que depois o Parlamento
aprova estas verbas e estas verbas não são utilizadas. Por quê?
Porque o Governo diz que a lei orçamentária é uma autorização
para gastar, não é obrigação de gastar. E então qual é a
conseqüência disso? Eu trouxe aqui uma publicação muito
recente, do dia 23 de novembro, da Folha de São Paulo, com esta
manchete: “Cortes atingem 25 de 31 Programas Sociais”. São
cortes tremendos feitos no orçamento e aqui existe uma enumeração,
que é espantosa, mostrando que além de se preverem verbas
pequenas, baixas, essas verbas vêm sendo reduzidas, vêm sendo
cortadas substancialmente. Assim, numa comparação entre os anos
de 1998 e 1999, e aqui o título “Cortes nos Programas Sociais
do Governo”; o apoio à criança carente de 1998 para 1999
diminuiu 19,8%; apoio à pessoa idosa diminuiu 22%; reforma agrária
diminuiu 42%; dinheiro para a escola diminuiu 66%; ação social
em saneamento diminuiu 73%; assistência integral às crianças e
adolescentes diminuiu 73%, e esses são dados retirados de
documentos oficiais, quer dizer que nós não estamos destinando
dinheiro a objetivos sociais. E paralelamente, este é fato, nós
niza não deixamos de cumprir nossas obrigações com os agiotas
internacionais, quer dizer, a prioridade do nosso Governo é pagar
a dívida externa, pagar os juros altíssimos, a agiotagem
internacional e a desculpa do Governo sob um falso moralismo é
que é preciso cumprir estas obrigações ou, segundo a expressão
que se gosta de usar, honrar os compromissos. Ora, o primeiro
compromisso que se deve honrar é com o povo brasileiro e há um
compromisso com a Constituição brasileira, há um compromisso
com a justiça e o Governo não se preocupa em honrar estes
compromissos, que são prioritários, que são além de tudo
obrigações constitucionais. E, não fora tudo isso, há ainda um
aspecto que é jurídico, que é fundamental, essa dívida externa
não tem validade jurídica. Por que razão? Porque a Constituição
diz expressamente que qualquer acordo internacional que o Brasil
participe tem que ser homologado pelo Congresso Nacional e diz a
Constituição que “compete ao Congresso decidir definitivamente
sobre acordos internacionais”. Ainda bem recentemente esteve no
Brasil uma missão do FMI que refez acordos, que discutiu novas cláusulas,
e o Governo então assinou, se enquadrou. E quem é que sabe que
acordos são esses? Será que o Congresso Nacional sabe? Sabe
nada! Nós sabemos? Não sabemos! Vejam, isto fica nos subter-
râneos, fica nas gavetas dos grandes burocratas e dos ministros e
do Presidente da República. E são acordos internacionais, quer
dizer, acordos internacionais que não têm validade jurídica
porque não foram aprovados pelo Congresso Nacional. E, no
entanto, para satisfazer estes acordos o Governo tira dinheiro,
que deveria ser destinanizado a objetivos sociais, a programas
sociais, e pior do que isto, enquadrando-se nesses acordos
o Governo faz com que aumente cada vez mais o desemprego, aumen-
te a miséria, caia a qualidade de ensino, sejam cada vez mais
precários os serviços públicos de saúde. Então, na verdade,
para não me encompridar demais – eu já falei mais do que devia
– agradeço aqui a tolerância do nosso presidente, eu gostaria
de dizer isso: o Brasil é obrigado a respeitar, fazer aplicar,
dar eficácia aos direitos econômicos, sociais e culturais que
constam do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e
também da Constituição Brasileira. O que resta afinal é tomar
alguma atitude, fazer alguma coisa para que esses direitos sejam
respeitados, para que os nossos Governos, porque há também
obrigações para o Governo Estadual e obrigações para o Governo
Municipal, respeitem assim os direitos da criança previstos nos
pactos internacionais, que estão também previstos na Constituição
Brasileira como prioritários. Os direitos da criança serão
atendidos prioritariamente e se nós examinarmos os orçamentos públicos,
nós não vamos perceber a prioridade, porque não se tem dado
prioridade. É um elemento fácil, muito claro, é ver os números
do orçamento; o que se tem destinado à solução dos problemas
da criança, da criança marginalizada, da criança doente, é
pouquíssimo, é quase nada, o que significa que não estão sendo
cumpridos os artigos do pacto como não estão sendo também
cumpridos os artigos da Constituição que obrigam a promover
estes direitos. Então, primeiro ponto: se se disser que não são
verdadeiros direitos, não cabe mais este tipo de discnizaussão, são
tão direitos quanto os demais direitos e direitos que hoje
constam de acordo internacio-nais assinados pelo Brasil e constam
da própria Constituição Brasileira; segundo argumento: não há
recursos para a satisfação desses direitos, é mentira, é uma
farsa! Um país que está entre os 10 mais ricos do mundo,
certamente tem recursos, o problema é de prioridade, o problema
é destinação de recursos . E, por último, não há como exigir
esses direitos e aí vem uma palavrinha que agora entrou no
vocabulário jurídico que é justiciabilidade, não são
verdadeiros os direitos porque não são justiciáveis, quer
dizer, eu não posso ir ao Judiciário, por exemplo, exigir que o
Governo dê uma casa para um pobre – e é muito interessante e
até pitoresca a discussão em torno disso – porque diz que não
são verdadeiros os direitos porque não são justiciáveis, e não
são justiciáveis porque não são verdadeiros direitos. Bom, se
criou um círculo fechado, o círculo fechado da hipocrisia e do
cinismo, são verdadeiros direitos sim! São justiciáveis! A começar
por aí, pela fiscalização, pela cobrança, que a meu ver se
deve fazer, inclusive judicialmente, para que o Governo tenha
programa para atender a essas necessidades judiciais, que são
direitos do povo, são direitos dos brasileiros, e promovendo-se a
responsabilidade e inclusive enquadrando-se como crime de
responsabilidade o desrespeito a esses direitos, que tem conseqüências
trágicas sobre grande parte da população brasileira. Então,
basicamente era isto que eu queria dizer numa primeira apresentação
e, naturalmente, depois de ouvir os colegas, que terão coisas
importantes a dizer, nnizaós iremos à nossa troca de idéias, e eu
com prazer responderei as questões que forem propostas. Muito
obrigado”. (Texto não revisado pelo autor).
Silvia Pimentel
I - A construção dos Direitos Humanos das Mulheres
e a necessária reconstrução dos Direitos Humanos
Enquanto estudiosa da área dos direitos da mulher e militante
feminista, vou buscar tecer algumas considerações sobre os
direitos humanos das mulheres.
O Tribunal de Nüremberg em 1945, a Carta das Nações Unidas de
1945 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 são
marcos históricos da construção moderna dos direitos humanos
Desde então, foram criados pela ONU inúmeros instrumentos jurídicos
de proteção aos direitos humanos, sendo alguns voltados
especificamente às mulheres. Entretanto é só nesta última década
que se passou a construir uma efetiva integração entre os
direitos humanos universais, comuns a homens e mulheres, e os
direitos das mulheres.
Elementos fundamentais de princípio dos direitos humanos são: o
seu caráter de universalidade, indivisibilidade e interdependência.
Mas lamentavelmente, há uma grande discrepância entre o princípio
e a
realidade, sendo árduo e longo o caminho a ser percorrido. Em uma
perspectiva de gênero, só a partir desta última década é que
se tem reconhecido que o movimento internacional em prol dos
direitos humanos tem beneficiado mais os homens do que as
mulheres. Esta constatação crítica tem levado estudiosas,
ativistas e organizações, principalmente ONG’s, a buscar
redefinir o conceito de direitos humanos a fim de que esnizate venha a
refletir as experiências específicas de mulheres em todas as
etapas de suas vidas. Com a noção de patriarcado, coloca-se ênfase
na situação histórica de subordinação da mulher. Com a noção
de gênero, aborda-se a construção cultural e social desta
subordinação. Há também uma reformulação da noção de
sujeito, passando-se da idéia de um sujeito universal abstrato à
idéia da diversidade dos sujeitos concretos de direitos humanos.
Bobbio refere-se a um “processo de especificação dos
sujeitos”. As mulheres reposicionam os direitos humanos
centralizando-os no plano de uma experiência plural, enfocando não
apenas o espaço público de vida, mas também o espaço privado (íntimo).
Assim, não só o Estado mas também indivíduos e grupos são
considerados como possíveis violadores dos direitos humanos.
Para nós mulheres, a Conferência
Mundial de Direitos Humanos da ONU, em junho de 1993, representou
avanço significativo de nossa luta ao ampliar substancialmente o
temário internacional de direitos humanos, com o fim de incluir
violações que afetam especificamente as mulheres.
Em dezembro de 1993, como fruto dessa conferência, a Assembléia
Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a Violência
contra a Mulher. Amplia-se a definição de violência contra a
mulher baseada em gênero, definindo-a como questão crítica de
direitos humanos. Estes avanços representaram o começo de uma
reconceituação mais integrada dos direitos humanos, invertendo a
tradicional tendência de descuido dos direitos humanos da mulher
por parte da comunidade internacional.
Mas, hoje, ainda, a maioria das mulheres e meninas do mundo
niza continuam excluídas dos princípios de direitos humanos
geralmente aceitos. Conforme entendimento da própria UNIFEM, há
para isto razões
complexas que operam tanto na escala internacional e regional como
nos próprios países considerados individualmente.
A UNIFEM menciona três obstáculos principais à falta de
suficiente energia e coerência para corrigir as desvantagens e
injustiças que sofrem as mulheres por razões de gênero. Em
primeiro lugar, os direitos humanos universais não
necessariamente abarcam todas as experiências femininas e assim
as violações sofridas pelas mulheres. Os instrumentos de
direitos humanos pretendem ser neutros do ponto de vista de gênero
mas refletem a experiência masculina em um mundo de homens,
desconsiderando que homens e mulheres têm vidas muito diferentes.
Em segundo lugar, os direitos humanos não abordam adequadamente a
negação generalizada estrutural e sistêmica de direitos que
afeta mulheres e meninas em todo o mundo. Por último, as instituições
e agências dedicadas a questões fundamentais de interesse para a
mulher, recebem recursos substancialmente menores e estão pior
equipadas do que outros organismos de direitos
humanos.
Ainda no entendimento dessa agência da ONU, para a maioria das
mulheres o regime pertinente de direitos humanos não apenas
garantiria a igualdade com os homens nas esferas da vida comuns a
ambos os sexos, mas também promoveria a justiça social na vida
privada.
No discurso dos direitos humanos, afirma-se que todos os direitos,
os civis e políticos – liberdade, segurança, integridade física
e moral, participação políticaniza etc. – os econômicos, sociais
e culturais – educação, saúde, moradia etc. – bem como os
direitos coletivos – desenvolvimento sustentável, meio
ambiente, paz etc. – são universais, indivisíveis e
interdependentes. Ressalta-se que a promoção e o desfrute de
certas liberdades fundamentais não podem justificar a denegação
de outros direitos fundamentais.
De origem liberal burguesa, os direitos civis e políticos dos
cidadãos foram criados a partir do estabelecimento de limites ao
poder do Estado, buscando impedir abusos de seus dirigentes e
funcionários. É evidente que a realização universal dos
direitos civis e políticos tem importância crucial. Mas, a
importância conferida a estes direitos tem sido maior do que
aquela conferida aos direitos econômicos, sociais e culturais.
Estes últimos, de inspiração precipuamente socialista, têm
sido construídos com grande dificuldade a partir de tensões e
embates entre a força do capital e a do trabalho; entre os
interesses do primeiro mundo e as necessidades do terceiro mundo;
entre a hegemonia política do hemisfério norte e os esforços de
algumas nações do hemisfério sul no sentido de sua autonomia;
entre a opulência, o esbanjamento de poucos e a fome e miséria
de muitos.
Como disse o Professor Dallari, os direitos econômicos envolvem o
bolso de alguns.
Vale insistir, algumas das mais urgentes preocupações na vida
coti-diana da mulher derivam da denegação de seus direitos econômicos,
so-ciais e culturais. São calamitosos, no terceiro mundo, os
efeitos das políticas de ajuste estrutural sobre a capacidade das
mulheres para manterem-se a si mesmas e suas nizafamílias; os efeitos
devastadores da deterioração do meio ambiente sobre a qualidade
de suas vidas cotidianas; a falta de serviços de saúde, muito
especial na área da saúde reprodutiva, impedindo a muitas
mulheres uma gravidez e um parto saudável ou mesmo a interrupção
da gravidez nos casos previstos em lei; a falta de escolas e de
creches para seus filhos; a discriminação social que dificulta
igualdade de acesso ao emprego e mesmo igualdade salarial; os
estereótipos sociais reproduzidos inclusive por agentes do
Estado, dos três poderes constituídos – Executivo, Legislativo
e Judiciário – que fazem com que a mulher muitas vezes tenha
seus direitos desrespeitados.
A grande maioria das mulheres, em todo o mundo, vive sob violência
ou ameaça de violência. A socióloga Heleieth Saffioti denomina
este fenômeno por violência de gênero. Em seu entender, o gênero,
assim como a classe social e a raça/etnia, condiciona a percepção
do mundo circundante. Funciona como um crivo através do qual o
mundo é apreendido pelo
sujeito. Socialmente construído, o gênero corporifica a
sexualidade, que é exercida como uma forma de poder. No entender
dessa estudiosa, a violência de gênero, somada às de classe e
raça/etnia, é um fenômeno que estrutura as relações sociais.
A maior parte da violência contra as mulheres e meninas se produz
na esfera privada da vida, e é cometida por familiares. Embora
estes atos não possam ser atribuídos diretamente ao Estado, este
tem responsabilidade na medida em que muitas vezes mantém e mesmo
colabora para a reprodução de um sistema cultural, social ou jurídico
que tolera essas vio-lações, omitindnizao-se de adotar políticas públicas
e medidas positivas para preveni-las e puni-las. Em vários
Estados, existem contextos culturais que legitimam a
subalternidade das mulheres, e dessa forma reforçam a violência
contra elas.
A singeleza do fragmento literário do poema Miquita, de Cora
Coralina, em Estórias da casa velha da ponte serve bem para
ilustrar a violência de gênero.
“(...) De vez em quando, Miquita suspirava (...) Tinha saudade
calada do beco triste, do quarto sujo e dos homens brutais que a
espancavam.”
II - Violência e Direitos Humanos
Na segunda parte de minha apresentação quero valer-me de texto
sobre violência e direitos humanos elaborado pelo CLADEM Brasil,
por solicitação da Articulação de Mulheres Brasileiras,
enquanto para o Relatório Sombra, a ser apresentado na Conferência
Internacional Beijing–5, em Nova York, 2000, intitulado “Balanço
Nacional – Políticas Públicas para as Mulheres no Brasil – 5
anos após Beijing”.1
A Declaração de Direitos Humanos de
Viena de 1993 expressamente afirmou que os direitos das mulheres são
parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos
universais. Não há, assim, como conceber os direitos humanos,
sem que os direitos das mulheres sejam respeitados. Acrescentou a
Declaração de Viena que a violência contra a mulher constitui
violação aos direitos humanos, que atenta contra a dignidade
humana.
A Conferência Mundial de Viena impulsionou a elaboração pela
ONU da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a
Mulher, em 1993. Essa Declaração define a violência contra a
mulher como um panizadrão específico de violência, baseado no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
à mulher, seja na esfera pública, seja na esfera privada.
Em 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém
do Pará”) é aprovada como o primeiro tratado internacional
voltado à temática da violência contra a mulher. Ao adotar a
definição de violência contra a mulher prevista na Declaração
da ONU de 1993, a Convenção reitera ser a violência contra a
mulher uma grave violação de direitos humanos, a ser prevenida e
coibida. A Convenção estabelece um catálogo de direitos, a fim
de que as mulheres tenham assegurado o direito a uma vida livre de
violência (tanto no domínio público, como no privado), como
também enumera os deveres a serem implementados pelos
Estados-partes. Desde 1995, o Brasil é parte da Convenção de
Belém do Pará, assumindo, portanto, o dever de cumprir as obrigações
jurídicas dela decorrentes.
No âmbito nacional, ineditamente a Constituição Brasileira de
1988, em seu artigo 226, parágrafo 8º, consagra que o Estado
assegurará assistência à família na pessoa de cada um dos que
a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações.
Constata-se, deste modo, que a Carta de 1988 está em absoluta
sintonia com a normatividade internacional sobre a matéria.
Além do mencionado dispositivo constitucional, cabe ressaltar que
o Programa Nacional de Direitos Humanos, adotado em 1996, destaca,
dentre as metas a serem cumpridas pelo Governo Brasileiro, as
seguintes: a) apoiar o Programa Nacionizanal de Combate à Violência
contra a Mulher, do Governo Federal; b) incentivar a criação de
centros integrados de assistência a mulheres sob risco de violência
doméstica e sexual; c) apoiar as políticas dos Governos
estaduais e municipais para prevenção da violência doméstica e
sexual contra as mulheres; d) incentivar a pesquisa e divulgação
de informações sobre a violência contra a mulher e sobre formas
de proteção e promoção dos direitos da mulher e e) reformular
as normas de combate à violência e discriminação contra as
mulheres, em particular apoio ao projeto do Governo que trata o
estupro como crime contra a pessoa e não mais como crime contra
os costumes.
No que se refere particularmente à normatividade internacional
voltada ao combate da violência contra a mulher, o Programa
Nacional de Direitos Humanos apresenta como metas: a) implementar
as decisões da Conferência Mundial dos Direitos Humanos de
Viena, de 1993, que define a violência contra as mulheres como
violência contra os direitos humanos; b) implementar a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; c) implementar as decisões da IV Conferência
Mundial da Mulher, de Pequim, de 1995.
Portanto, seja por força da normatividade internacional, seja por
força do próprio Direito interno, o Estado Brasileiro tem o
dever jurídico de prevenir, punir e erradicar todas as formas de
violência contra as mulheres. A este dever corresponde o direito
fundamental a uma vida livre de violência, seja na esfera pública,
seja na esfera privada.
Inúmeros e complexos são os pontos de obstaculização à
efetiva nizaimplementação, em nosso país, dos instrumentos
internacionais de direitos humanos e, especificamente, daqueles
voltados à proteção dos direitos das meninas e mulheres.
No que diz respeito a uma avaliação
do que efetivamente ocorreu no Brasil, após Beijing, quanto à
violência contra mulheres e meninas, em primeiro lugar há que se
destacar a inexistência de instrumentos de monitoramento e avaliação
construídos para esse fim. Assim sendo, o que se segue é,
seguramente, bastante limitado. De toda forma, buscou-se
sistematizar o maior número possível de informações disponíveis
em várias fontes, governamentais e, precipuamente, não-governamentais.
Buscaremos organizar essas informações, estruturando-as a partir
da análise crítica da atuação dos três poderes: Poder
Legislativo, Poder Judiciário, Poder Executivo, ressaltando desde
já que cabe a este, principalmente, o estabelecimento e a
implementação das políticas públicas.
Ainda, no que se refere a este exame, levaremos em consideração
os três objetivos estratégicos da Plataforma de Ação de
Beijing de 1995, no que tange à violência contra a mulher2,
utilizando-os como pontos referenciais à análise crítica da
atuação do governo brasileiro.
Poder Legislativo
Rol de medidas legislativas federais, referentes à violência
contra a mulher no Brasil, aprovadas após a Conferência de
Beijing:
• Decreto Legislativo n. 107 (1995), que aprovou o texto da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, assinada em Belém do Pará, em 9 de junho de
1994.
• Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 199niza5, que dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, regulando o artigo 98, I
da Constituição Federal. Esta lei alterou o rito dos crimes cuja
pena máxima não supera 1 ano, dentre eles a lesão corporal leve
e a ameaça, os dois crimes de maior ocorrência no âmbito
familiar.
• Lei n. 9.318 de 5 de dezembro de 1996, que acrescentou à alínea
“h” do inciso II do artigo 61 do Código Penal (circunstâncias
agravantes) a expressão “mulher grávida” .
• Lei n. 9.455 de 7 de abril de 1997, que define os crimes de
tortura, dispondo no inciso II do artigo 1º que constitui crime
de tortura “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou
autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso
sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo”. A pena é aumentada
quando o crime é cometido contra gestante (art. 1º, § 4º, II
). Cabe ressaltar que esta Lei não foi criada com a intenção de
proteger a mulher vítima de violência doméstica, porém pode
vir a ser utilizada neste sentido.
• Lei n. 9.520 de 27 de novembro de 1997, que revogou o artigo
35 e seu parágrafo único do Decreto-lei n. 3.689/41 (Código de
Processo Penal) referente ao exercício de queixa da mulher. Tal
artigo dispunha que a mulher casada não poderia exercer o direito
de queixa sem o consentimento do marido, salvo quando estivesse
dele separada ou quando a queixa fosse contra ele.
• Lei n. 9.807 de 13 de julho de 1999, que dispõe sobre proteção
e auxílio às vítimas da violência e testemunhas ameaçadas. É
importante, porém, ressaltar que tal Lei não foi promulgada
visando a proteçãnizao específica da mulher, mas é instrumento que
nos parece valioso e que deverá ser melhor estudado e analisado
visando sua aplicabilidade para a problemática em questão.
• Norma Técnica do Ministério da Saúde de 1998 para Prevenção
e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra
Mulheres e Adolescentes.
Observações adicionais:
Alguns Estados e Municípios brasileiros dispõem de normas que
tratam alguns aspectos da violência contra a mulher, dentro dos
seus respectivos âmbitos de competência. Entretanto, esses
textos legislativos não serão aqui elencados.
Análise crítica:
A principal conquista jurídica das mulheres no Brasil em relação
à violência, está consignada na Constituição Federal,
promulgada em 5 de outubro de 1988, que, em seu artigo 226, parágrafo
8º dispõe: “O Estado assegurará a assistência à família na
pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações”. Praticamente
todas as Constituições dos 26 Estados da Federação –
promulgadas após 1988 – também fazem referência à coibição
da violência no âmbito doméstico e familiar, com exceção de
apenas três (Pernambuco, Roraima e Alagoas).
Entretanto, a legislação infraconstitucional brasileira não tem
acompanhado essa conquista. Até hoje, não existe uma lei específica
para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres.
Nas duas últimas legislaturas, deputadas ligadas ao movimento de
mulheres apresentaram projetos de lei referentes à violência doméstica,
a partir de proposta elaborada pelo CLADEM/Brasil. Houve, no
niza entanto, resistência a uma legislação específica, sob a alegação
de que a lei penal existente basta, pois já prevê a agravante,
quando o crime é efetuado por familiares. Além disso, não foram
consideradas cabíveis as inovações dos projetos acima referidos
que, transcendendo a área penal punitiva, estabeleciam preceitos
na área civil, administrativa e trabalhista, com objetivos
preventivos e assistenciais.
Essa rejeição é e seria inaceitável, mesmo se os referidos
projetos se restringissem à área criminal, pois o Código Penal
atual é insuficiente para abarcar os avanços da Constituição
de 88, no que diz respeito à igualdade de mulheres e homens, e,
inclusive, ao alargamento do conceito de entidade familiar.
O Código Penal brasileiro (1940), bem como o Código Civil
(1917), reproduzem princípios anacrônicos e discriminatórios,
valendo-se, in-clusive, de termos como “honestidade” e
“virgindade” da mulher.
Anteprojeto de reformulação deste código está no momento sendo
revisado pelo Ministério da Justiça. Importa ressaltar que
contempla vá-rias reivindicações do movimento de mulheres,
assim, representando um avanço. Projeto de reformulação do Código
Civil há vários anos tramita no Congresso Nacional. Este também
incorporou as principais reivindicações encaminhadas pelo
movimento de mulheres, no que diz respeito a igualdade de direitos
de homens e mulheres.
Cabe também observar que há uma lacuna no ordenamento jurídico
brasileiro quanto à prostituição infantil, turismo sexual
infantil e abuso de crianças, pois nem o Código Penal nem o ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente – 1990) fazem prevnizaisão
desses delitos.
Do rol de normas mencionadas, metade (3) não foi elaborada
visando a proteção dos direitos da mulher, no que diz respeito
à violência. Mas, destas três, duas – as Leis ns. 9.455 e
9.807 – podem vir a ser aplicadas com resultados positivos.
Contudo, a Lei n. 9.099, em nosso entender, não está respondendo
de forma satisfatória à problemática da violência doméstica.
A Lei n. 9.099/95, aplicada aos casos de prática de delitos de
pequena e média gravidade, apenados, no máximo, com um ano de
pena privativa de liberdade, cobre a maioria dos crimes de violência
doméstica. Como essa lei privilegia a conciliação e a transação,
e suspende com freqüência o processo, ficou ainda mais
banalizada essa forma específica de violência perante a Justiça
Criminal. Sendo assim, com a finalidade de acabar com a morosidade
da Justiça brasileira, esta lei acabou por beneficiar o autor de
crimes de violência doméstica que, no mais das vezes, paga uma
ínfima pena de multa como punição a seu delito, ficando livre
de antecedentes criminais.
É importante observar que, apesar da existência dessas leis,
nenhuma delas faz menção à violência psicológica, prevista na
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará – 1994). Essa
forma mais sutil e
menos comprovável de violência é muito freqüente e, por vezes,
ainda mais nociva do que a física. Tal fato reforça a idéia de
necessidade de elaborar-se lei específica sobre a violência
contra as mulheres que se dá principalmente no âmbito doméstico.
Reivindicações:
• Nnizaão basta o Brasil ter assinado e ratificado todos os
instrumentos internacionais de proteção aos direitos da mulher,
inclusive aqueles relacionados à área da violência. Impõe-se o
cumprimento de todas as medidas legislativas previstas nos vários
objetivos estratégicos da Plataforma de Ação, referentes à
violência contra a mulher.
• Elaboração de uma legislação voltada à violência doméstica
que contemple aspectos civis, penais, trabalhistas e
administrativos.
• Reformulação de toda a legislação infraconstitucional
discriminatória, especialmente o Código Penal e o Código Civil.
• Aprovar e garantir no Plano Plurianual dotação financeira e
orçamentária que vise garantir a execução de programas de
prevenção e erradicação da violência doméstica/familiar.
• Aprovar e garantir os recursos previstos na Lei de Diretrizes
Orçamentárias e no Orçamento da União para ações e programas
com o mesmo fim.
Poder Executivo
Rol de políticas públicas federais frente à violência de gênero
e sua implementação:
O governo brasileiro, nas suas três esferas – federal, estadual
e municipal – estabeleceu algumas políticas públicas com o
objetivo de eliminar a violência perpetrada contra as mulheres.
Tais políticas têm sido implementadas principalmente em virtude
da crescente mobilização da sociedade civil – particularmente
grupos e
organizações de mulheres – e das entidades internacionais que,
além de pressionarem e exigirem ações, ajudam em grande parte
com o financiamento das mesmas.
Contudo, a precária implementação dos planos de ação
existentes deve-se, em nizanosso entender, à fragilidade de vontade
política, que se traduz, por exemplo, na ínfima alocação de
verbas e recursos para tal.
• O governo federal possui organismos ligados diretamente à
defesa dos direitos humanos das mulheres, dentre os quais
destacam-se o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), a
Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, a Comissão Nacional de
População e Desenvolvimento e a Comissão Intersetorial de Saúde
da Mulher.
• O CNDM, vinculado ao Ministério da Justiça, tem atuado no
estabelecimento de convênios com os governos estaduais,
municipais, instituições não-governamentais e empresas para a
implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos,
elaborado e aprovado em 1996, o qual dedica exclusivamente um capítulo
às mulheres, destacando a importância da prevenção da violência
de gênero.
• Em 1998, o CNDM, associado ao CLADEM (Comitê Latino-Americano
e do Caribe para a Defesa da Mulher) e a outras entidades, lançou
a campanha “Sem as mulheres os direitos não são humanos”.
• A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, órgão do Ministério
da Justiça, associada a agências das Nações Unidas e a
organizações e entidades de mulheres, por sua vez lançou em
1998 a campanha “Uma vida sem violência é um direito nosso”,
para a prevenção da violência intrafamiliar, que afeta
especialmente mulheres e crianças. Essa atividade culminou com a
assinatura, pelo governo e por organizações da sociedade civil,
do Pacto contra a Violência Familiar.
• O documento Estratégias da Igualdade (1997) estabelece as ações
para implementar os compromissos assumidos pelo Brasil na nizaQuarta
Conferência Mundial da Mulher (1995). Consolida as metas
estabelecidas no Programa Nacional de Direitos Humanos e sugere,
como indica sua própria Introdução, um conjunto integrado de
políticas públicas e iniciativas da sociedade civil, voltadas
para a eliminação da discriminação de gênero e para a
consolidação de uma plena cidadania das mulheres. Foi elaborado
através de um amplo processo de consulta, sob a coordenação do
CNDM e a presidência do Ministro da Justiça. Dele participaram
Conselhos Estaduais e Municipais de defesa dos direitos das
mulheres, representantes do setor privado empresarial e organizações
da sociedade civil, tendo sido patrocinado pela Secretaria dos
Direitos da Cidadania.
• O Programa Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica
e Sexual foi elaborado pelo CNDM, em 1996, e é parte integrante
do Programa Nacional de Direitos Humanos e do Documento Estratégias
da Igualdade. Possui como principal objetivo a articulação de ações
interministeriais de combate à violência doméstica e sexual,
observando as competências das instâncias federal, estadual e
municipal e estabelecendo os termos de cooperação e convênios,
quando necessário. Para isso, o Programa propõe a coordenação
de ações interministeriais, a alteração de dispositivos do Código
Penal, o fortalecimento do aparelho jurídico-policial e campanhas
de sensibilização da opinião pública.
• O Disque-denúncia foi criado, pelo Ministério da Justiça,
no contexto do Programa Nacional dos Direitos Humanos (1996).
Consiste num serviço telefônico para registro de casos de
prostituição infanto-juvenil e porno-turismo. A partir deleniza
foram articuladas ações de fechamento de algumas casas noturnas,
onde ocorria esse tipo de exploração sexual.
• No contexto do PNDH, a TV Escola, do Ministério da Educação,
tem divulgado procedimentos de defesa contra a violência doméstica
e sexual.
• A Comissão de Direitos Humanos, a partir de proposta do CNDM
e da organização não-governamental CFEMEA (Centro Feminista de
Estudos e Assessoria), requereu a inclusão no Orçamento da União,
referente ao ano de 1999, de emenda para a construção e manutenção
de
15 Casas de Abrigo para mulheres vítimas de violência, no valor
de
US$ 10.500.000,00, aproximadamente.
• O Ministério da Saúde elaborou, em 1998, a Norma Técnica
“Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, regulamentando o artigo
128 do Código Penal Brasileiro, especificamente seu inciso II,
permissivo legal quanto ao abortamento nos casos de gravidez
resultante de estupro.
Observações adicionais:
No que tange às políticas públicas, há também ações dos
governos estaduais e municipais na luta contra a violência de gênero.
Entre estas, a criação de Conselhos de Direitos da Mulher, órgãos
de orientação jurídica e encaminhamento, e serviços de
atendimento psicossocial especializados em vítimas de violência
familiar e sexual.
A mais importante política pública referente à violência
contra a mulher, implementada pelo Poder Executivo estadual, foram
as Delega-cias de Defesa da Mulher, desde 1985. Isto, pois, ao
pretender fornecer atendimento especializado e específico a
mulnizaheres e meninas vítimas, incentivou-as a denunciarem a violência
sofrida, e deu maior visibilidade ao fenômeno da violência de gênero,
e em especial o da violência doméstica.
Análise crítica:
Sem dúvida essas medidas governamentais são relevantes, mas
representam apenas passos iniciais no sentido da efetivação dos
compromissos assumidos em Beijing. Grande parte ainda representa
somente uma manifestação formal de intenções e propósitos,
muito distante de sua efetivação nas diversas regiões
brasileiras, marcadas pela desigualdade de condições de vida, no
que diz respeito aos seus aspectos sociais, econômicos, políticos
e culturais. O interior do Brasil, principalmente em suas áreas
rurais, permanece praticamente esquecido no que tange à
implementação dessas políticas. Desconhecemos, por exemplo, uma
política pública direcionada à violência perpetrada contra as
mulheres
indígenas.
Há no país falta de informações a respeito da violência
contra mulheres e meninas, bem como uma lacuna nos dados sistemáticos
desagregados por sexo, impedindo uma visão concreta desse fenômeno.
Tal falha, além de contribuir para a continuidade do fenômeno,
reflete a subordinação feminina em nossa sociedade, da qual a
violência é fruto. O Brasil, até hoje, não apresentou nenhum
relatório oficial ao CEDAW.
As áreas da educação e da cultura não têm definido política
especialmente dirigida a eliminar os preconceitos e as práticas
consuetudinárias discriminatórias, baseadas em idéias
estereotipadas da inferioridade
feminina.
A maior parte dos serviços de saúde ainda não está preparada
niza para atender as mulheres vítimas de violência e,
particularmente, os casos de estupro e, assim sendo, é ínfimo o
número de hospitais da rede pública que oferecem o serviço de
interrupção da gravidez prevista por lei.
Os recursos previstos para a construção das Casas de Abrigo são
importantes, sem dúvida, mas representam uma gota d’água num
oceano de necessidades. Eles ilustram a fragilidade da vontade política
governamental, como já mencionado.
Não há política pública consistente no sentido de eliminar o
tráfico de mulheres e meninas, bem como no de prestar assistência
às vítimas de violência derivada da prostituição e do tráfico.
No que se refere à prostituição infanto-juvenil, há estudos
recentes revelando que esta se configura de forma diferente entre
e intra-região. No Norte e Centro-Oeste, o tráfico de escravas
na área do garimpo é uma tônica; o turismo sexual destaca-se no
Nordeste; no Sudeste, a discussão sobre meninas que vivem na rua
surge junto com a discussão da prostituição infanto-juvenil; e
no Sul, a base da exploração está no aliciamento das crianças
e adolescentes do interior, a partir do uso de informações
falsas e do abuso da ingenuidade dos pais.3
A criação de Delegacias de Defesa da Mulher no âmbito estadual,
apesar de ser a principal política pública de defesa da mulher
contra a violência, não atende a maioria das brasileiras, uma
vez que ainda existem pouquíssimas no Brasil (não chegam a 250,
sendo que metade delas estão em São Paulo). Além disso, várias
lacunas, no serviço prestado pelas poucas DDMs existentes,
demonstram a precariedade da implementação dessa política. Tida
niza no meio policial como a “cozinha da polícia”, é sempre a última
das delegacias a receber recursos; serve de mecanismo de punição
a policiais que, como castigo, são removidos para essas unidades;
não são mais ambientes exclusivamente femininos como se
pretendeu inicialmente, contando algumas com policiais do sexo
masculino; demonstram em seu quadro de funcionários extrema falta
de preparo em gênero, já que estes, no mais das vezes,
reproduzem preconceitos e técnicas discriminatórias no
atendimento às vítimas.
Reivindicações:
• Maior comprometimento do Governo Federal, através da articulação
de seus vários Ministérios, no sentido da efetiva implementação
da Plataforma de Beijing, salientando-se os pontos referidos na análise
crítica.
• Promoção de cursos e seminários, para sensibilização e
capacitação de funcionários do governo, em especial do pessoal
dos quadros policiais de todos os níveis (civil e militar), dos
serviços públicos de saúde, e das escolas.
• Realização de campanhas educativas através da mídia.
• Realização de campanhas de conscientização no campo da
educação formal e informal.
• Criação de Centros de Atendimento Integrado às mulheres em
si-tuação de violência doméstica.
• Financiamento e promoção de serviços especializados nas áreas
da saúde física e mental e assistência social (atendimento clínico
e psicológico das vítimas e perpetradores da violência doméstica/familiar,
pelo SUS).
• Assegurar recursos adequados na Lei de Diretrizes Orçamentárias,
no orçamento da União e sua execução para o fim específico de
programas visando a nizaproblemática da violência contra as
mulheres.
• Inserir no Plano Plurianual dotação financeira e orçamentária
que vise garantir a execução de programas de prevenção e
erradicação da violência contra a mulher.
• Desenvolvimento de estudos e pesquisas para o conhecimento das
causas e conseqüências da violência de gênero, bem como a
elaboração de instrumentos de avaliação e monitoramento dos
avanços, conforme os objetivos estratégicos da Plataforma de
Beijing.
• Criação de um sistema de dados sobre a violência perpetrada
contra a mulher.
• Criação de incentivos para instituições e empresas públicas
e privadas que desenvolvam trabalho de prevenção e erradicação
da violência doméstica/familiar.
Poder Judiciário
O Poder Judiciário no Brasil não está estruturado de forma a
poder atender à demanda da grande maioria da população
brasileira. O acesso a este poder praticamente não existe para as
camadas populares.
Assim sendo, pouquísssimas mulheres vítimas da violência têm
acesso ao sistema judicial.
A morosidade da Justiça brasileira é também um fator que
contribui para o distanciamento que existe entre o Poder Judiciário
e a população. Alguns processos referentes a estupro, estudados
em pesquisa realizada em 19984, ultrapassaram o período de oito
anos, entre a data de instauração do inquérito policial e o trânsito
em julgado da última decisão. Entretanto, vale assinalar que a
maioria dos processos pesquisados não ultrapassou o período de
três anos de duração.
Com a Lei n. 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais,
a difnizaiculdade de acesso à Justiça, bem como a sua morosidade,
foram superadas para os crimes de menor potencial ofensivo. Vale
ressaltar que a maioria dos crimes perpetrados no âmbito familiar
e doméstico são cobertos por essa lei. Entretanto, como já
analisado, tem ocorrido grave distorção, na medida em que esse
tipo de violência tem sido trivializado.
Nos crimes de violência sexual contra mulheres, principalmente
quando estas são adultas, há, por vezes, uma verdadeira
“inversão”. Vale dizer, através dos discursos proferidos
pelos operadores do direito ao longo do processo, vítimas
transformam-se em réus e vice-versa. A mensagem veiculada por
esses agentes muitas vezes reforça a idéia de que o estupro é
crime em que a vítima tem que provar que não é culpada e, que
portanto, não concorreu para a ocorrência do delito.
Pesquisa realizada em São Paulo, em 19935, analisando processos
judiciais na área de família, revelou que há predominância de
uma concepção conservadora e patriarcal, nas decisões
estudadas. Para tal concepção, permanece intacta a posição
prevalente do homem como chefe da sociedade conjugal, e a posição
da mulher como mera colaboradora.
Consagra-se a idéia da fragilidade e subordinação da mulher,
que tem seus comportamentos vigiados, controlados e qualificados
(ex: “conduta desregrada”, “comportamento extravagante”);
institucionaliza-se, desse modo, a desequiparação de direitos,
legitimando-se tratamentos jurídicos diferenciados atribuídos ao
homem e à mulher.
Com frequência, a atuação do Poder Judiciário continua
reproduzindo, acriticamente, estereótipos e preconceitos sociais,
niza inclusive de gênero, impedindo, assim, a efetivação da
igualdade, calcada em princípios de solidariedade.
A tese da legítima defesa da honra ainda é, por vezes, defendida
para absolver acusados de agressões e assassinatos de mulheres.
Em breve estudo realizado por nós nas principais revistas de
jurisprudência de todo o país, constatou-se que estas
apresentavam, em junho de 1999, apenas 15 acórdãos referentes ao
tema. Destas decisões, 11 não acolhiam, no caso concreto, a tese
da legítima defesa da honra.
Esse número é pequeno, mas a ausência de pesquisa empírica
sobre a atuação do Tribunal do Júri (tribunal popular) não nos
permite maiores conclusões acerca da dimensão da aceitação
dessa tese, em primeira instância, nos diversos Estados do país.
Embora prevalecente, a concepção conservadora da Magistratura
brasileira não é unânime em todas as decisões. Há uma
heterogeneidade que não pode ser desprezada.
Por fim, importa ressaltar a incipiente utilização das normas
internacionais de proteção aos direitos humanos, como fonte de
direito nas decisões judiciais, apesar de, formalmente, por
preceito constitucional, fazerem parte do ordenamento jurídico, a
partir da sua incorporação.
Reivindicações:
• Promoção de cursos e seminários de sensibilização e
capacitação dos operadores do direito em geral, e dos juízes em
especial, na
problemática de gênero, incluindo o treinamento referente aos
instrumentos e mecanismos internacionais de proteção aos
direitos humanos das mulheres.
• Incorporação, nos currículos dos cursos das Escolas de
Magistratura, do tema “Dirnizaeitos Humanos”, com especial atenção
à violência contra a mulher.
Mario Sérgio Cortella*
O Brasil vive hoje uma situação peculiar. Sem despontar como uma
vítima ingênua do capital financeiro internacional e sem, ao
mesmo tempo, deixar de ser conduzido pelas nossas históricas
elites predatórias, o país encontra-se em um impasse
extremamente forte: a submissão dos nossos direitos e deveres a
esse mesmo capital financeiro, daqui ou de fora. Isso vem nos
colocando, inclusive, em uma situação contínua de “pânico”,
a partir da qual precisamos, o tempo todo, acompanhar as Bolsas de
Valores, pois, na prática, é nelas e em função delas que se
decide a qualidade de existência que se tem ou se terá.
Tal condição nos obriga, ao pensarmos no tipo de sociedade que
desejamos – e, mais ainda, se queremos continuar reféns dessa
espécie de “seqüestro relâmpago” que a exclusivista opção
política pelo capital financeiro produz todos os dias –
revigorar uma antiga exclamação: a Bolsa ou a Vida! Esse é o
principal impasse: ou a Vida Humana em suas múltiplas manifestações
ou a Bolsa de Valores em suas variadas expressões. A escolha dos
dirigentes políticos e das elites vem sendo claríssima: a opção
pela Bolsa, em detrimento da Vida. É por isso que, em grande
parte, vivemos no momento, de forma não disfarçada, uma mescla
de estelionato estatal marcado profundamente por um caráter de
delinqüência privada; mais do que discutir hoje a privatização
do Estado (tão ao gosto do neoliberalismo), temos de encaminhar
nossos esforços para exigir a desprivatização do Público.
niza O que isso significa? Não cair na armadilha de ficar somente
pensando formas adequadas de privatizar o Estado, pois ele sempre
o foi. A privatização de estatais, por exemplo, apenas dá seqüência
agora, de uma outra maneira, ao que sem interrupções aconteceu
na nossa história: nunca o Estado brasileiro foi público!
Portanto, o que estamos vivenciando é apenas uma retransferência
de parcela do setor privado presente no Estado (por ela sempre
ocupado) para ele mesmo, na sua dimensão não-
estatal.
Desse ponto de vista, a questão séria quando se fala em Direitos
precisa ser a desprivatização do Público, isto é, tirar o
setor público do controle contundente de uma parte do Privado,
exatamente aquela composta pelas elites predatórias; esse
controle se corporifica e se dissemina pela ação dos três
poderes, especialmente do Executivo e do Legislativo. Isso aponta
para a necessidade de lidarmos com uma articulação difícil na
nossa nação: uma repactuação entre as classes sociais, dado
que às elites pouco solidárias somam-se camadas médias
acovardadas e narcísicas, em confronto com um proletariado
intensamente acuado pela busca da sobrevivência no cotidiano
(procurando garantir minimamente aquilo que é intenção de todo
ser vivo: manter-se vivo).
Nesta direção, quando nós pensamos em Direitos que impactam a
Cidadania, eu queria entrar em alguns elementos que são fortes,
principalmente o direito à Educação, que é a minha área mais
específica.
Fala-se muito em Educação no Brasil hoje, fala-se em demasia,
principalmente as elites que publicam artigos, escrevem nos
jornais, dão entrevistas. Pessoanizas que, historicamente, inclusive
nos períodos mais recentes, sempre estiveram à margem do
processo do fortalecimento da Educação como um direito de
cidadania, agora escrevem e defendem este direito. Haja vista que
vários líderes do PFL, por exemplo, partido político atrelado
à ditadura (com outra denominação) e neste momento base de
sustentação do Governo Federal, têm-se esmerado na elaboração
de discursos em defesa da Educação, criticando os níveis de
qualidade nos quais ela se encontra.
Ora, a Educação nas últimas décadas esteve sob a direção e
controle exatamente desses mesmos que, agora, apontam o descaso.
Basta lembrarmos alguns nomes de ministros da Educação nos últimos
quinze anos: Marco Maciel (PFL/PE), Hugo Napoleão (PFL/PI), Jorge
Bornhausen (PFL/SC), Carlos Chiarelli (PFL/RS) . Às vezes, como
aponta bem o escritor Ivan Lessa, de 15 em 15 anos, os brasileiros
esquecem tudo que aconteceu nos últimos 15 anos...
Ademais, tenho uma certa suspeita em relação aos que vêm
gerindo a Educação brasileira, independentemente daquele que
hoje ocupa o Ministério. A suspeita não se refere à capacidade
técnica mas, isso sim, ao fato de que, antes de ser Ministro era
exatamente assessor do Banco Mundial, em Washington; sem
ressuscitar aqui qualquer temor ao imperialismo ianque que a gente
vislumbrou nos anos de 1960, existe um dado real: não é casual
este tipo de articulação com uma instituição conservadora e
parcializante no campo educacional.
Muitos dos que falam contra a miséria educacional e na defesa dos
direitos sociais, o fazem apoiados na razão cínica, pois não
assumem a responsabilidade pelo passado renizacente e, quando muito,
sustentam um discurso triunfalista quanto às conquistas do
presente, beirando, assim, a pirotecnia. Falam sobre vários
direitos como se eles já estivessem garantidos; porém, a
garantia é apenas formal. E, como é o real?
O Brasil é, no final do século XX, a décima economia
capitalista mais rica do planeta, entre 194 países. Contudo, nós
somos o sétimo
maior país do mundo em número absoluto de analfabetos. Nós
temos, de acordo com dados oficiais, um total de 18 milhões de
analfabetos totais e 25 milhões de analfabetos funcionais;
significa que acima de 15 anos de idade o Brasil tem um total de
43 milhões de pessoas analfabetas, dado que analfabeto total é
aquele que não teve escolarização alguma e o
analfabeto funcional é aquele que passou por alguma tintura de
escolarização, mas se analfabetizou. Tudo isso se nós contarmos
o analfabetismo a partir dos 15 anos de idade, pois, se usarmos o
parâmetro do UNICEF, que é a partir dos 10 anos de idade (em
tese é a idade em que uma criança deveria estar alfabetizada), o
Brasil chega a 62 milhões de analfabetos!
Com todo esse quadro desalentador, alguém tem ouvido falar em
algum projeto nacional de alfabetização? Pode-se argumentar:
existe o projeto de Alfabetização Solidária ligado à
Comunidade Solidária, mas isso é um disparate! Colocar o direito
de Educação dentro da atividade de filantropia é não
compreender o que é Educação. Durante décadas no nosso país a
atividade de alfabetização de adultos esteve ligada à área do
Serviço Social, como se isto fosse uma questão de assistência
social. Não é uma questão de assistência nizasocial, é uma questão
de Educação!
Não existe uma área no Ministério da Educação que cuide da
alfabetização de adultos porque isto está na Comunidade Solidária,
como se a educação de adultos fosse uma questão de
solidariedade, quando ela é um direito! Claro que a solidariedade
é importante, porém, nos quatro primeiros anos, foram
alfabetizadas somente 200 mil pessoas e só agora chega-se à
marca de mais de um milhão. É pouco para um país como o nosso.
Faltam ainda, tomando só os analfabetos totais, 17 milhões... No
entanto, o anúncio que se enxerga nas tevês, nas rádios, é que
nós estamos com o problema do analfabetismo sendo rapidamente
resolvido! Isto é uma armadilha e esta armadilha é violenta
porque produz a idéia de que as questões já estão colocadas e
equacionadas – não estão!
Outro exemplo: o Governo brasileiro implantou a partir de 1997 o
FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), apelidado
de Fundão, cuja destinação dos recursos é exclusivamente o
Ensino Fundamental Regular, isto é, vedado para Ensino Supletivo
e Educação de Jovens e Adultos. Agora vamos ao fatos: o Governo
Federal não tem projeto educacional nesta área, os Governos
Estaduais não lidam com a alfabetização de jovens e adultos
porque isto é uma questão municipal, e os municípios não podem
utilizar os recursos que recebem do Fundão (que é o que compõe
a maioria do seu orçamento na área de Educação) para essa
tarefa. É um estado de abandono.
Alguns argumentam que o país é pobre (décima economia do
planeta!) e não há recursos suficientes. Vamos, então, pegar um
caso concreto: só no primeiro bimestre de 199niza9, com a súbita
desvalorização da nossa moeda, dois bancos de investimentos (sem
envolvimento na produção e voltados para a especulação
financeira) receberam um auxílio do governo federal da ordem de
R$ 1,5 bilhão! Esse recurso público desapareceu, sem retorno, em
uma só tacada.
Vamos fazer uma conta simples para saber se tem dinheiro no país
ou não. É assim: uma escola de ensino fundamental com 10 salas
de aula custa, em média, um milhão de reais; se colocada para
funcionar em três turnos, teríamos o equivalente a 30 turmas, e,
com uma média com 35 alunos em cada classe, seriam
aproximadamente 1.000 alunos só em uma escola. Portanto, com um
bilhão e meio de reais se construiriam 1.500 escolas de ensino
fundamental e se colocariam um milhão e meio de alunos para
estudar, que aliás é o número de crianças fora da Escola,
segundo contas do governo, embora o número seja bem maior.
Outra conta: o Fundão que, segundo o governo destina anualmente a
cada município a quantia de R$ 314,00 por criança matriculada.
Nesse caso, bastaria eu pegar este um bilhão e meio de reais que
foi embora, neste novo escândalo do Banco Central e dividi-lo,
segundo as contas do governo por estes R$ 314,00. Daria para
sustentar 5 milhões de crianças por ano. Cinco milhões de
alunos! Se usasse este cálculo para a educação de adultos, com
estes reais que desapareceram, em um ano seriam alfabetizados 5
milhões de pessoas!
Por que não há projetos nacionais de educação de adultos no
Brasil? Por que não interessa mais às elites! Eles existiram até
1988 (MOBRAL em idos tempos, depois a Fundação Educar etc.). A
partir de 1988,niza os Governos não se interessaram mais pela
alfabetização de adultos, pois pela primeira vez na nossa História
a Constituição Brasileira admitiu,
felizmente, o voto ao analfabeto. Até 1988 as elites precisavam
formar eleitores, perfilá-los, e, portanto, eram necessários
projetos de educação de adultos para os quase-analfabetos
poderem minimamente serem inscritos como eleitores. Como a partir
de 1988 não há mais esta necessidade, um dos primeiros atos do
Governo Collor e depois sustentado pelo Governo Itamar e Governo
Fernando Henrique foi extinguir os projetos nacionais de
alfabetização, até colocá-los na mão da Comunidade Solidária,
como antes analisei, indicado como uma parceria com o setor
privado.
Outro exemplo disso? A Constituição Federal de 1988 estabeleceu
no artigo 60 das Disposições Transitórias que o país teria um
prazo de 10 anos, a partir da promulgação da lei, para
universalizar o ensino fundamental (colocar todas as crianças de
7 a 14 anos na escola) e eliminar o analfabetismo adulto. Quando
fez 10 anos nossa Constituição? Em 1998. E qual foi a providência
tomada pelo Governo Federal e pelas elites do Brasil? Em 1997 foi
votada no Congresso uma emenda constitucional que prorrogou o
prazo por mais 10 anos. Em vez de levantarem a ponte, abaixaram o
rio. A saída foi, em vez de fazerem a alfabetização, esticarem
o prazo.
A ausência radical de recursos financeiros é, desta forma, um
mito a ser combatido. Só no ano em curso o país pagará mais de
40 bilhões de dólares de juros à agiotagem internacional; isso
é quase o investimento anual do Brasil na área de Educação
como um todo! Àsniza vezes empresários me perguntam como podem fazer
para ajudar a Educação? Eu costumo dizer que o primeiro passo é
facílimo: pagar impostos corretamente. Como o dinheiro da Educação,
pela Constituição Federal, é atrelado à arrecadação tributária
própria ou transferida, se não houver evasão ou corrupção
fiscal já se tem um recurso altíssimo...
Isso vale para o cidadão também. Cada vez que um de nós ou uma
de nós não pede nota fiscal quando compra algo está deixando o
dinheiro da Educação a menor. No Estado de São Paulo, que é o
Estado onde boa parte de nós reside, 30% da arrecadação tributária
tem que ir para a área de Educação – um dos impostos que mais
colabora para isso é justamente o ICMS e esse ICMS é cobrado a
partir da nota fiscal. Cada vez que não se pede nota fiscal em
qualquer coisa que se adquire está-se lesando a área
educacional. Tem gente que não pede porque tem vergonha, mas o
comerciante não tem nenhuma vergonha de fazer você esperar 10
minutos para pedir seu CIC, RG, seu endereço etc. Por isso, fica
muito cínico reclamar da ausência de recursos públicos na área
de Educação e não pedir nota fiscal no cotidiano...
A esse mito da insuficiência radical de recursos financeiros,
agrega-se o outro mito, o mito da quantidade versus qualidade, que
atinge a área de Saúde, a área de Educação, a área de
Saneamento, a área de Habitação etc.
Numa democracia, o conceito de qualidade tem que ser o conceito de
qualidade social e não existe qualidade social se não houver
quantidade total atendida, isto é, numa democracia se não se
atende a quantidade total de cidadãos e cidadãs, não se pode
falar em qualidadnizae e sim em privilégio.
Para exemplificar, vejamos duas situações na cidade de São
Paulo, a mais populosa, rica e pobre do país.
No chamado espigão da Avenida Paulista, que compreende a própria
avenida e as ruas transversais e paralelas, há inúmeros
hospitais públicos e privados, clínicas médicas, laboratórios
e centros de diagnósticos. Só nessa área há mais aparelhos de
tomografia do que em todo o Canadá, país que ocupa o 1º lugar
no Índice de Desenvolvimento Humano medido pela ONU. Pode-se
dizer a partir daí que a cidade dispõe de um sistema de saúde
de qualidade? Claro que não, pois a concentração de benesses
exclui uma grande maioria.
Outra armadilha desse mito quantidade x qualidade está presente
na seguinte situação: os que moramos em São Paulo costumamos
dizer que aqui é o lugar “onde se come melhor no Brasil”.
Cabe perguntar: quem come? Quem come o quê? Uma parte come bem e
muito, outra come mal e pouco, outra come lixo. Só é possível
falar em qualidade se ela for so-cial, ou seja, extensiva ao
conjunto das pessoas.
Voltamos com isso ao papel do Estado como gerador de qualidade
social, principalmente a partir, como dissemos no início, da
desprivatização do Público. Quem é o proprietário do Público?
O adequado seria afirmar: o Povo, mormente o “povão”, que,
por ser absoluta maioria, é o grande contribuinte. Ora, o “povão”
não se coloca nessa condição porque acha que não paga
impostos, aliás ele se humilha no equipamento público porque ele
não sabe que financia aquele lugar; chama de a escola do
“governo”, o hospital do “governo” e, portanto, de graça
ou graciosamente.
niza O “povão” acha que não paga imposto, porque pensa que
imposto é só imposto direto, que é o imposto sobre renda e
propriedade, o que ele não tem. Os principais impostos diretos,
como o Imposto de Renda, o Imposto Predial Territorial Urbano, o
Imposto Territorial Rural, o “povão” não paga mesmo. Aliás,
desses não são muitos os justamente pagantes, dado que o IR
grava especial e quase exclusivamente os assalariados, o IPTU não
é progressivo e há grandes isenções nas metrópoles, e o ITR
ainda não chegou próximo à justiça tributária em um país de
latifúndios.
A questão é muito mais complexa; o “povão” acha que não
paga imposto, mas paga impostos indiretos que são os impostos
sobre o consumo, como o IPI e o ICMS. Como a parcela extensamente
majoritária dos orçamentos públicos vem dos impostos indiretos,
quem financia os orçamentos? Quem consome. E, quem consome?
Todos. Onde estão os impostos indiretos? No leite, no pão, no
sapato, na água, na luz etc. Vamos a um exemplo concreto: um
litro de leite ao lado da minha casa aqui em São Paulo custa R$
1,10 e, neste preço, R$ 0,25 são impostos. Se eu ganhar
R$ 1 mil de salário por mês eu
pago R$ 0,25 de imposto, se eu ganhar
R$ 10 mil de salário por mês eu pago R$ 0,25 de imposto, se eu
ganhar
R$ 100 mil de salário por mês eu pago R$ 0,25 de imposto, se eu
ganhar R$ 151,00 por mês eu pago R$ 0,25 de imposto. Como isto
está no leite, no pão etc., etc., a conclusão é óbvia: como a
maioria do País é pobre, é esta que sustenta os orçamentos que
a ela não retornam em forma de serviços públicos adequados,
connizafigurando uma espécie de estelionato.
E ele acha – o “povão” – que não paga imposto. Tanto que
vai à escola pública e é muitas vezes desprezado na fila; vai
ao hospital público e fica deitado na maca no corredor. O “povão”
está pagando aquilo, aquilo está mais do que pago. A criança
reclama da merenda na escola e um colega nosso fala assim: “mas
esse povinho... come de graça e ainda está reclamando!”, ou no
hospital “esse povinho recebe atendimento de saúde gratuito e
ainda está reclamando, quer leito bom, quer remédio de graça”...
De graça? Aquilo está pago! E muito bem pago!
Por último, a violência mais forte é a não compreensão de
todas essas coisas, o não esclarecimento de que se o cidadão
paga imposto ele tem esse direito e, mais do que tudo, é seu
direito ser proprietário do Público.
Sobre essa violência e violação de direitos fundamentais, vale
um exemplo real: em 1992, eu era Secretário Municipal da Educação
em São Paulo e tive a oportunidade de um dia fazer uma reunião
com os moradores da área central para discutir orçamento
participativo. Essa reunião deveria ser onde coubesse bastante
gente e, no centro da cidade, só o Teatro Municipal tinha condição
de abrigar os cidadãos residentes, quase todos encortiçados.
Agora imagine-se a cena, porque ela é inesquecível para mim. O
“povão” dos cortiços foi chegando ao Teatro Municipal de São
Paulo, que é um dos Teatros mais bonitos do planeta, grande obra
do Ramos de Azevedo, uma coisa maravilhosa, lustres e mármores
que vieram da Europa, aquelas poltronas todas de veludo importado;
aquilo é maravilhoso e qualquer um de nós se orgulha. E, aí, o
povo foiniza chegando, chegando e entrando, e abrindo a boca assim e
olhando e olhando e então eles entraram todos na platéia e foram
passando as mãos nas poltronas para sentir aquele veludo, e
olhando os lustres e olhando aquilo, boquiabertos. Eu, lá no
palco, esperava para começar a reunião e comecei a observar que
ninguém se sentava. E eu disse: “gente vamos sentar, para começarmos
a nossa reunião”, e, ninguém sentava. Repeti: “vocês não
querem começar? Por que não sentam?”. Uma pessoa criou coragem
e, lá do fundo gritou: “a gente não quer sujar”...
Pensei que era brincadeira, num primeiro momento, e falei: “Mas
como sujar? Isso é vosso, vocês são donos disso!” Foi a maior
gargalhada que eu já ouvi num teatro! E eu falava: “isso é de
vocês, sentem-se...” e eles riram, mas riram com tudo. E eu
dizendo, “é seu, você paga isso; esse Teatro é seu, ele é da
cidade de São Paulo e você é alguém que está na cidade de São
Paulo pagando para isto, senta que é seu!” Nossa, mas eles riam
e aí uma gritava no fundo “o moço está mangando com a
gente”. Eu tive que, com eles em pé, explicar esta questão dos
impostos que falei antes e, aí sim, eles se sentaram, não sem
antes colocarem a bolsa, um jornal ou um folheto sobre o assento
das poltronas. Para não sujar...
Para concluir, uma outra história tristemente verdadeira,
acontecida com o nosso grande mestre Paulo Freire, quando, em
1989, era o Secretário Municipal de Educação de São Paulo. Em
dezembro daquele ano aconteceu o 1º Congresso Municipal de
Alfabetizandos; note-se que era de alfabetizandos e não de
alfabetização ou alfabetizadores, comumente voltados para
especialistas. Essnizae congresso reuniu mais de 1500 homens e
mulheres em processo de alfabetização de adultos e, dois meses
antes, era preciso fazer um cartaz de divulgação do evento; o
Secretário decidiu que o cartaz seria a partir da própria idéia
de um futuro “congressista” . Um dia, visitando um núcleo do
Mova (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos) na
periferia de Itaquera, na zona leste da cidade, nos deparamos com
um senhor de 60 anos de idade que, após 3 meses de curso, estava
escrevendo na lousa a sua primeira frase em toda a vida; essa
frase, com deslizes de gramática e sintaxe (indiferentes, no
caso) foi por nós fotografada e serviu como material de divulgação.
A frase, que vale para esta Cidade, para este Estado e para este
País, e é a expressão da maior ofensa ao Direito e à Justiça,
era: “Nós construímos esta cidade, e nela somos
envergonhados”.
Nós construímos esta cidade, e nela somos envergonhados! A maior
violência contra a cidadania é envergonhar cotidianamente o seu
cidadão, fazendo-o imaginar que aquilo que é um direito dele é
algo que está sendo oferecido como dádiva; é aceitar que o
estelionato ao qual ele é submetido no dia-a-dia, no setor público
e privado, é algo que faz parte da organização da vida e nada
podemos fazer. É imaginar que a Bolsa seja maior que a Vida...
É preciso continuar debatendo, discutindo, rejeitando e recusando
a aceitação desse envergonhamento.
Por isso, quando nós nos reunimos para pensar na questão do
im-pacto nos direitos civis e políticos em função da ausência
real de efetivação e eficácia dos direitos econômicos, sociais
e políticos, nós estamos desavergonhando nizaum pouco a Cidadania.
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