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 O
            Papel do Juiz na efetivação
 dos Direitos humanos
   FABIO
            KONDER COMPARATO Proponho
            organizar minhas considerações sobre o tema desta aula em duas 1.
            teses, vale dizer, proposições a serem demonstradas, tal como se
            fazia tradicionalmente nos exames de proficiência doutoral, nas
            Universidades do Velho Mundo. É claro que a defesa dessas teses,
            tendo em vista a matéria de que se trata, não é uma demonstração
            geométrica, mas sim a apresentação de razões justificativas, análoga
            aos arrazoados forenses, como convém a um professor de direito e
            antigo advogado, falando a magistrados.
             
             PRIMEIRA
            TESE:
             
             O
            sistema de direitos humanos está situado no ápice do ordenamento
            jurídico, e constitui a ponte de integração do direito interno ao
            direito internacional
             
             O
            primeiro postulado da ciência jurídica é o de que a
            finalidade-função ou razão de ser do Direito é a proteção da
            dignidade humana, ou seja, da nossa condição de único ser no
            mundo, capaz de amar, descobrir a verdade e criar a beleza.
             
             Ao
            recolherem dos norte-americanos a idéia central de que a Constituição
            é um ato de vontade coletiva, mais exatamente o instrumento de
            refundação, em novas bases, da sociedade política, os revolucionários
            franceses de 1789 afirmaram, solenemente, que as instituições da
            sociedade assim constituída tinham por finalidade precípua
            garantir a livre fruição dos direitos humanos. “Toda
            sociedade”, proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do
            Cidadão daquele ano, “na qual a garantia dos direitos não é
            assegurada nem a separação dos poderes determinada, não tem
            constituição” (art. 16). A separação dos poderes. como
            precisou a ciência jurídica contemporânea, nada mais é do que
            uma garantia institucional dos direitos humanos, ou seja, uma forma
            de organização interna do Estado, destinada a impedir o abuso de
            poder, o qual. desde a república romana e a democracia grega,
            sempre foi considerado como a negação dos grandes valores da
            convivência humana.
             
             Lembrar
            essa idéia matriz do Estado constitucional é de suma importância
            no presente momento histórico, quando a civilização capitalista
            procura tornar o Direito uma simples técnica de organização
            eficiente da vida econômica, em proveito da classe empresarial.
            Nesse contexto, a finalidade do Estado reduz-se, tecnicamente. â
            tarefa de organizar, de modo seguro e eficiente, as atividades de
            mercado, e a Constituição tende a tornar-se um simples regulamento
            econômico-administrativo, mutável ao sabor dos interesses e
            conveniências dos grupos dominantes.
             
             Felizmente,
            não é apenas essa globalização capitalista que está em curso no
            mundo contemporâneo. Ao lado dela, ou melhor, contra ela trabalha
            outra força histórica de unificação da humanidade: a consciência
            de que nada há de mais importante no mundo que a pessoa humana, e
            de que todos os homens, não importando a sua raça, o seu sexo, as
            suas condições patrimoniais, a sua nacionalidade ou a sua cultura,
            possuem essa mesma dignidade. Assim, se a sociedade capitalista
            obedece unicamente ao princípio do individualismo soberano, que é
            a lei do mais forte, a “sociedade universal do gênero humano”,
            já anunciada pela filosofia estóica há mais de vinte séculos,
            funda-se em princípio oposto: a comunhão) solidária de todos, na
            construção de um mundo livre, justo e fraterno.
             
             O
            sistema de direitos humanos está intimamente ligado a essa civilização
            comunitária, e tem hoje, por conseguinte. no capitalismo o seu mais
            temeroso inimigo.
             
             O
            que importa dizer. antes de mais nada, do sistema de direitos
            humanos, é que ele representa o principal elemento de integração
            do direito interno ao direito internacional, representando assim o núcleo
            pré-constitutivo da mencionada “sociedade universal do gênero
            humano’’.
             
             Na
            verdade, o sistema integrado de direitos humanos, nacional e
            internacional, comporta dois níveis: o do direito positivo e o do
            direito suprapositivo.
             
             No
            primeiro, situam-se os chamados direitos fundamentais, isto é, os
            direitos humanos declarados pelos Estados, seja internamente em suas
            Constituições seja internacionalmente por via de tratados, pactos
            ou convenções. A integração ao ordenamento nacional dos
            direitos fundamentais, declarados em tratados ou convenções
            internacionais, tende hoje a generalizar-se. A Constituição
            brasileira de 1988, como sabido, seguiu essa tendência, com a
            disposição constante de seu art. 5.”, § 2.”.
             
             No
            nível suprapositivo, encontramos os direitos humanos que ainda não
            chegaram a positivar-se, mas que vigem, efetivamente, na consciência
            jurídica coletiva, nacional ou internacional. Dois exemplos nos
            ajudam a entender em que consistem esses direitos.
             
             Ao
            final da 2.’ Guerra Mundial, quando a opinião pública começou a
            tomar conhecimento das atrocidades praticadas pelos regimes totalitários,
            europeus ou asiáticos, firmou-se a convicção de que a destruição
            deliberada de um grupo étnico, racial ou religioso, promovida por
            autoridades governamentais como política estatal, constituía um
            crime, cuja gravidade superava em muito o elenco tipológico dos
            delitos definidos nas diferentes leis nacionais, ou das violações
            tradicionais dos princípios do direito internacional. Foi com base
            nessa convicção generalizada, e não no fato de que os Estados
            responsáveis por essas atrocidades haviam perdido a guerra, que a
            decisão das potências vencedoras de criar o Tribunal de Nuremberg,
            e julgar como criminosas algumas das autoridades civis e militares
            do 3º Reich, foi aceita como perfeitamente legítima, ainda que
            contrária ao tradicional principio nullum crimen sine lege. Em
            1946, por duas vezes, a Assembléia Geral das Nações Unidas
            reafirmou “os princípios do direito internacional reconhecidos
            pelo estatuto do Tribunal de Nuremberg e pelo acórdão desse
            tribunal”. Assim, pois, antes mesmo da aprovação, em 12 de
            dezembro de 1948, da Convenção para a Prevenção e a Repressão
            do Crime de Genocídio, reconhecia-se a vigência internacional do
            direito dos povos à existência, e identificava-se no genocídio um
            crime contra a humanidade, ainda que a ação delituosa não fosse
            definida tipologicamente, nem as penalidades cominadas.
             
             Um
            outro exemplo nos mostra como a consciência ética da dignidade
            humana acaba por criar uma responsabilidade estatal, ainda que
            formalmente contrária ao direito positivo.
             
             Uma
            das práticas mais nefandas do regime militar que se impôs entre nós
            a partir do golpe de 1964 foi a dos desaparecimentos forçados
            (homicídio com ocultação de cadáver). Em 1980, a Comissão de
            Direitos Humanos das
             
             Nações
            Unidas criou um Grupo de Trabalho para Desaparecimentos Forçados, o
            qual registrou, até 1998, 45.000 casos. Em 18 de dezembro de 1992,
            a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou uma Declaração
            sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados.
             
             Antes
            de deixarem o poder, porém, os governantes militares fizeram votar
            a Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979, a qual lhes concedeu, por
            via de uma falsa conexidade, uma anistia por todos os crimes que
            haviam cometido desde os anos de preparação do golpe. Ademais, nos
            termos da legislação federal, qualquer pretensão indenizatória
            contra a União, com base nesses crimes, estaria prescrita em cinco
            anos.
             
             Apesar
            disso, a pressão da opinião pública, tanto no País quanto no
            estrangeiro, acabou por conseguir fosse votada a Lei n.º 9.140, de
            4 de dezembro de 1995, que reconheceu “como mortas pessoas
            desaparecidas em razão de participação, ou acusação de
            participação, em atividades políticas, no período de 2 de
            setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”, e atribuiu uma indenização
            aos cônjuges, companheiros ou familiares das vítimas. Ou seja, o
            direito à vida, pressuposto de todos os direitos, acabou por se
            impor entre nós, mesmo contra disposições expressas do direito
            positivo.
             
             Os
            direitos humanos suprapositivos representam, pois, um fator de
            constante progresso ou aperfeiçoamento do direito interno ou
            internacional, na direção de uma mais adequada proteção da
            dignidade humana.
             
             Ora,
            essa multiplicidade de níveis em matéria de direitos humanos
            acarreta, naturalmente, uma multiplicidade de conflitos normativos,
            que o sistema jurídico deve resolver. Vejamos quais as regras de
            solução, às quais deve recorrer a autoridade incumbida de fazer
            aplicar o direito em vigor.
             
            
             Conflitos entre normas
            constitucionais e normas legaisÉ
            preciso distinguir, aqui, entre o conflito normativo real e o de
            simples aparência.
             
            No
            primeiro caso, ocorre uma contradição insuperável entre uma norma
            constitucional de direitos humanos e uma norma legal, no plano do próprio
            enunciado normativo. A solução para esse conflito é, obviamente,
            o reconhecimento de que a norma legal não tem validade, pois ela
            infringe a Constituição.
            No
            segundo caso, não existe essa contradição em tese entre os dois
            conteúdos normativos, mas a aplicação da lei, na hipótese do
            caso concreto, conduz a uma violação incontestável da norma
            constitucional.  
             o que sucede, por exemplo, com a proibição de penas cruéis,
            determinada pelo art. 5.”, XLVII, alínea e, da Constituição.
              
            A
            crueldade de uma pena não pode ser aferida unicamente em tese, como
            se o sentido ético dos modelos jurídicos fosse imutável
            historicamente, ou seja, que uma pena considerada não cruel no
            passado não pudesse ser sentida como desumana ou degradante no
            presente. E esse, de modo paradigmático, o caso da pena de morte.
            Durante milênios, ela foi cominada e aplicada, em todas as
            sociedades, para uma grande variedade de crimes. Aos poucos, o seu
            emprego foi sendo limitado aos crimes considerados mais graves,
            notadamente o homicídio. Hoje, a tendência universal é a da abolição,
            pura e simples, da pena capita!, considerada cruel e abusiva em si
            mesma. Prova disto é a disposição constante do art. 4.’, ~3.,
            da Convenção Americana de Direitos Humanos, estatuindo que “não
            se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam
            abolido”, bem como o fato de as Nações Unidas terem aprovado, em
            1 989, o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre
            Direitos Civis e Políticos, objetivando a abolição dessa pena.
              
            Além
            disso, é preciso sempre distinguir entre a pena, abstratamente
            cominada na lei, e a forma de sua execução na prática.
              
            E
            exatamente por isso que a Constituição emprega sabiamente, naquela
            disposição, um conceito jurídico indeterminado, dando ao Poder
            Judiciário a capacidade de aplicar a norma com a necessária prudência.
            Com efeito, faz sentido admitir-se que, quando a lei penal fala em
            cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado, os
            Poderes Públicos possam, por exemplo, decidir, discricionariamente,
            que os condenados permanecerão vinte e quatro horas por dia em
            masmorras hermeticamente cerradas e desprovidas de iluminação?
              
            Na
            verdade, a proibição constitucional de penas cruéis dirige-se a
            todos os órgãos do Estado e não apenas ao legislador. Viola também
            a Constituição o Poder Executivo que não providencia prisões
            decentes para o recolhimento de condenados, assim como o Judiciário
            que, ciente dessa omissão culposa do governo, torna-se cúmplice
            deste, ordenando o cumprimento cego e indiferençado da norma legal.
              
            Ademais,
            seria ilógico que no sistema de controle difuso da constitucionalidade
            das leis e atos jurídicos, próprio de nosso ordenamento jurídico,
            o juiz pudesse declarar a invalidade de uma lei, mas não tivesse
            competência para afastar a sua aplicação à lide em julgamento.
            Afinal, como reza o lugar-comum, quem pode o mais, pode o menos.
              
            Aliás,
            a consideração integral do sistema de direitos humanos, para além
            do direito interno, conduz claramente à solução aqui recomendada.
            “Toda pessoa privada de sua liberdade”, dispõe o art. 10 do
            Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1 966,
            ratificado pelo nosso país, “deverá ser tratada com humanidade e
            respeito à dignidade inerente à pessoa humana”. Não havendo
            condições institucionais para que essa exigência seja cumprida, o
            juiz deverá ordenar que o condenado cumpra a pena privativa de
            liberdade em regime aberto, até que sejam providenciadas instalações
            carcerárias decentes.
              
            Consideremos,
            agora, a outra possibilidade de conflito normativo em matéria de
            direitos humanos, aquele que ocorre entre o direito internacional e
            o direito interno.
             
            
             Conflito entre o direito
            internacional e o direito internoEsta
            questão, ao contrário daquela referente à colisão entre norma
            constitucional e norma legal no caso concreto, que é praticamente
            ignorada pelos autores, tem sido assaz debatida na doutrina e nos
            tribunais, sobretudo em matéria de prisão civil do depositário
            infiel.
             
             O
            art. II do já citado Pacto sobre Direitos Civis e Políticos de
            1966 dispõe que “ninguém poderá ser preso apenas por não poder
            cumprir com uma obrigação contratual”. Reafirmando essa proibição,
            a Convenção Americana de Direitos Humanos estatui em seu art.
            7., § 7.: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este principio
            não limita os mandados de autoridade judiciária competente,
            expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”
            Ambos esses tratados internacionais foram ratificados pelo Brasil.
             
             Ora,
            a Constituição de 1988, na seqüência das que a precederam,
            excepciona expressamente da proibição de prisão civil por dívidas
            o caso do depositário infiel (art. 5.’, LXVII).
             
             E
            óbvio que a regra de integração, constante do art. 5., § 2.,
            exige que essa contradição normativa seja superada. Qual o critério
            adequado para solucionar o conflito?
             
             Justamente
            porque nos encontramos diante de um sistema que integra, num mesmo
            ordenamento, direito interno e direito internacional, a solução
            para esse conflito de normas não pode ser encontrada com fundamento
            numa pretensa superioridade da Constituição sobre os tratados
            internacionais, ou vice-versa. O intérprete é obrigado a remontar
            ao princípio jurídico que legitima o sistema como um todo. E esse
            princípio supremo é, evidentemente, o da dignidade transcendente
            da pessoa humana.
             
             Devemos,
            portanto. nos perguntar, qual das duas situações — o sacrifício
            da liberdade do depositário, ou o do interesse econômico do
            depositante —
             
             representa
            a solução que melhor respeita a dignidade humana. De modo geral, a
            liberdade é um valor mais elevado que o interesse econômico, pois
            este constitui o meio ou instrumento para a preservação daquele.
            Ademais, em nosso País, a mora do depositário em restituir o
            objeto cuja guarda lhe foi confiada ocorre, indefectivelmente, não
            no depósito mercantil, mas sim nas estipulações de alienação
            fiduciária em garantia, como pactos adjetos de contratos de
            financiamento bancário. E óbvio, em tais condições, que a norma
            que melhor respeita a dignidade humana é a estabelecida nos
            mencionados tratados internacionais, proibindo a prisão civil do
            depositário infiel.
             
             Ao
            encerrar a primeira parte desta exposição, seja-me permitido
            formular as seguintes recomendações aos magistrados:
             
             1. 
            Como o sistema de direitos humanos situa-se no ápice do
            ordenamento jurídico, o juiz não deve julgar demanda alguma,
            antes de verificar a possível incidência, no caso, das normas
            desse sistema, ainda que não haja a esse respeito nenhuma alegação
            das partes.
             
             2. 
            Tratando-se de um sistema integrado de normas, nacionais e
            internacionais, deve o juiz, em atenção ao disposto no art. 5.,
            ~ 2.’, da Constituição Federal, certificar-se sempre da vigência
            dos tratados internacionais sobre direitos humanos, de que o Brasil
            é parte.
             
             SEGUNDA
            TESE:
             
             Para
            a correta aplicação do sistema de direitos humanos ao caso em
            julgamento, o juiz deve levar em consideração a diferente natureza
            das normas que o compõem.
             
             A
            grande distinção a ser feita, no conjunto das normas componentes
            do sistema de direitos humanos, é entre princípios e regras.
             
             Para
            entender o sentido dessa distinção categorial, é preciso analisar
            a norma jurídica, decompondo-a em seus dois elementos
            constitutivos: o conteúdo e o campo de aplicação. O conteúdo
            corresponde ao enunciado normativo, ou seja, à proposição de
            dever-ser, O campo de aplicação é formado pelas situações da
            vida social, às quais a proposição normativa se refere.
             
             Ora,
            enquanto nas regras jurídicas o campo de aplicação é sempre
            delimitado, nos princípios ele nunca se define com precisão. O
            princípio representa, por conseguinte, o protótipo da norma
            aberta, aplicável a situações sociais que não podem nunca ser
            precisadas de antemão. E essa indeterminação de contornos dos
            princípios repercute, necessariamente, sobre o seu conteúdo
            normativo, que é sempre mais abstrato que o das regras jurídicas,
            cuja função precípua, aliás, consiste em concretizá-los. Tomemos,
            por exemplo, o princípio inscrito no caput do art. 5. da Constituição:
            “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
            natureza”. A generalidade da norma é absoluta, não só quanto
            aos sujeitos (“todos), como também no tocante ao atributo, que
            vem sublinhado pela repetição enfática: ., sem distinção de
            qualquer natureza”. É óbvio, por conseguinte, que nos
            encontramos, neste exemplo, diante de uma norma ilimitada quanto ao
            campo de sua aplicação e, por conseguinte, dotada de um teor de máxima
            abstração.
              Pois
            bem, em hipóteses que tais, o constituinte (ou o legislador),
            temeroso sem dúvida da incerteza na aplicação do princípio pelos
            diferentes ramos do Estado, inclusive pelo próprio Judiciário,
            encarregado de dizer o direito em definitivo, costuma concretizar o
            conteúdo normativo em relação a algumas situações mais sensíveis
            à controvérsia, ou suscetíveis de elusão normativa. Assim, por
            exemplo, logo no primeiro inciso do art. 5., superando a
            desigualdade de gênero que vigorou até o século XX em todos os países
            do mundo, a Constituição precisa que “homens e mulheres são
            iguais em direitos e obrigações. No inciso XLI, determina ao
            legislador que se estabeleça a punição de “qualquer discriminação
            atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. No inciso
            seguinte, declara que “a prática do racismo constitui crime
            inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
            termos da lei”. No art. 12, ~ 2., vem enunciada a regra de que
            “a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros
            natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”.
            No art. 7.’, a Constituição estabelece ainda varias regras de
            igualdade nas relações de trabalho assalariado.
              Ressalte-se,
            no entanto, que, apesar do seu elevado grau de abstração, os princípios
            são normas jurídicas e não simples recomendações programáticas,
            ou exortações políticas. Mais ainda: trata-se de normas jurídicas
            de eficácia plena e imediata, a dispensar a intermediação de
            regras concretizadoras. Provocado ou não pelas partes, o juiz está
            sempre autorizado a aplicar diretamente um princípio ao caso
            trazido ao seu julgamento, por força do disposto no § 1 . do art.
            5. da Constituição: “As normas definidoras de direitos e
            garantias fundamentais têm aplicação imediata.” O mandado de
            injunção, criado pelo art. 5º., LXXI da Constituição veio
            justamente dar ao titular de direitos fundamentais a possibilidade
            jurídica de impor judicialmente ao sujeito passivo, seja ele um órgão
            público ou uma pessoa privada, o cumprimento da norma
            constitucional mencionada.
              Por
            aí se vê quão aberrante da boa teoria jurídica é a decisão
            liminar do Supremo Tribunal Federal, tomada no julgamento do mandado
            de injunção n.0 107, do Distrito Federal, pouco mais de
            um ano após a promulgação da Constituição, de que “o exercício
            (desse remédio jurídico) está inviabilizado pela falta de norma
            regulamentadora”; e que o provimento jurisdicional demandado deve
            ser assimilado a uma simples declaração, por aquele tribunal, da
            inconstitucionalidade por omissão de medida para tomar efetiva
            norma constitucional. O contra-senso é palmar: uma garantia de
            direitos fundamentais, criada para suprir a omissão legislativa,
            não se considera em vigor justamente por falta de lei
            regulamentar...
              Vale
            a pena ainda ressaltar que essa eficácia direta e imediata dos
            princípios, não obstante o teor necessariamente abstrato de sua
            formulação normativa, autoriza o juiz a denegar vigência às
            regras legais que lhe pareçam contrariar o sentido de um princípio,
            mesmo quando tais regras tenham a seu favor um longo tempo de vigência
            incontestada. A sensibilidade jurídica pode se alterar com o passar
            dos anos e fazer aflorar uma incompatibilidade que no passado jamais
            foi sentida. É o que está em vias de suceder, por exemplo, com a
            norma constante do art. 295 do Código de Processo Penal, que
            garante o privilégio da prisão especial para nada menos do que 11
            (onze) categorias de cidadãos.
              Vejamos
            agora, tal como fizemos no tocante às diferentes fontes normativas
            dos direitos humanos, quais os conflitos que podem surgir entre dois
            ou mais princípios, ou entre princípios e regras.
             
            
             Conflito entre princípios jurídicos
            fundamentaisAqui,
            diferentemente do que ocorre em matéria de conflito de normas
            legais, não há revogação de um princípio por outro, mas apenas
            a preferência dada pelo juiz a um deles em detrimento do outro ou
            outros, no caso concreto.
             
             Mas
            qual o critério que deve orientar o juiz nessa preferência? A meu
            ver, tal como preconizado na hipótese de colisão entre normas do
            direito interno e do direito internacional, o julgador deve remontar
            à fonte legitimadora do sistema como um todo, que é o valor
            supremo da dignidade humana.
             
             Cuida-se,
            por exemplo, de saber se determinada lei, que autoriza para fins
            tributários a quebra do sigilo de contas bancárias, é compatível
            ou não com o sistema de direitos fundamentais. Há, de um lado, o
            princípio da liberdade da pessoa humana, dentro do qual se insere o
            direito à preservação da intimidade, e que, pela sua própria
            natureza, diz respeito tão-só à pessoa natural, não podendo ser
            estendido às pessoas jurídicas. De outro lado, entra
            necessariamente em consideração, no caso, o princípio da
            solidariedade, que conduz à obrigatória participação
            proporcional de todos, no ônus cívico de contribuir,
            pecuniariamente, para o custeio das atividades estatais. Em outras
            palavras, a contraposição se estabelece, numa hipótese como essa,
            entre os indivíduos e a comunidade. Ao juiz cabe ponderar
            criteriosamente (os alemães falam em Ahwãgung. os anglófonos em
            balancing) todas as disposições da lei em questão, em seus
            efeitos diretos e indiretos, para ver qual dos dois princípios
            melhor preserva, no caso, o valor da dignidade humana.
             
            
             Conflito entre princípios e regrasA
            questão é análoga àquela, já examinada, do conflito entre
            normas constitucionais e normas legais. Em ambas as hipóteses, é
            preciso distinguir entre o conflito real e o aparente.
             
             Quando
            a colisão é real e inarredável, como sucede com a regra da prisão
            especial em confronto com o princípio fundamental da igualdade, a
            regra não tem validade, pois os princípios situam-se, como foi
            assinalado, no ápice da pirâmide normativa.
             
             Muitas
            vezes, porém, os conflitos entre princípios e regras são meramente
            aparentes: embora determinadas regras, quando abstratamente consideradas,
            não sejam contrárias às disposições constantes dos princípios,
            a sua aplicação pode ser afastada, no caso concreto, se ela
            importar em inquestionável violação do princípio.
             
             Podemos
            ilustrar esse tipo de solução, imaginando o conflito entre, de um
            lado, o direito que tem o locador, ou o sublocador, de prédio de
            residência coletiva de despejar o locatário em mora do pagamento
            de alugueres, e, de outro lado, o direito à moradia do locatário
            insolvente, que não tem condições econômicas de se instalar em
            outro local de residência. A Emenda Constitucional n. 26 inseriu
            o direito à moradia no texto do art. 6.’, onde são enumerados os
            direitos sociais, como expressões do princípio fundamental da
            solidariedade. E indisputável que o sacrifício do direito do
            locador à recuperação da posse direta do imóvel é muito menos
            atentatório à sua dignidade de pessoa, do que seria, para a pessoa
            do locatário, o não reconhecimento do direito fundamental de
            dispor de um teto sob o qual se abrigar.
             
             E
            incabível alegar que, em tais situações, o Judiciário nada tem a
            fazer, pois os direitos sociais só se concretizam mediante a
            implementação de políticas públicas, que entram na competência
            exclusiva do Poder Executivo. A alegação é descabida, porque o
            que o titular do direito social violado pede ao juiz, no caso, não
            é obviamente a implementação de um programa de ação
            governamental, mas sim a satisfação de um interesse próprio da
            parte, fundado em direito fundamental. E isto o Judiciário não
            pode se recusar a dar ao jurisdicionado, sob pena de denegação de
            justiça.
             
             Estabelecida
            assim a distinção entre princípios e regras, e discutidas, à luz
            dessa distinção, as soluções cabíveis para as hipóteses de
            conflitos normativos, nem por isso a função judicial de dar aplicação
            efetiva aos direitos humanos fica livre de dificuldades. Subsistirá,
            sempre, o problema maior da interpretação de disposições
            normativas vazadas em termos semanticamente imprecisos.
             
             Eu
            assinalei, a esse respeito, a dificuldade de se dar sentido prático
            à proibição constitucional de penas cruéis (art. 5., XLVII, e).
            E um exemplo paradigmático de conceito indeterminado ou impreciso,
            segundo a terminologia alemã, ou de noção de conteúdo variável,
            como querem os doutrinadores de língua francesa.
             
            ????t??????¹/font>/span> No
            final do século XVIII, por ocasião das grandes revoluções
            burguesas que inauguraram a história contemporânea, o ideal
            largamente proclamado era suprimir o arbítrio do ancien regimen, em
            que a lei nada mais representava do que a vontade do monarca (quod
            placuit principi legis habet vigorem, como sentenciou Ulpiano, áulico
            do imperador romano). Para tanto, impunha-se proibir ao magistrado
            qualquer liberdade exegética.
             
             A
            grande justificativa ideológica, para isso, era a concepção de J.
            J. Rousseau de que só O POVO ~ soberano, e que só ele, por
            conseguinte, teria o poder de editar a lei, enquanto expressão
            daquele princípio supremo, por ele denominado vontade geral. Por
            via de consequência, só ao povo soberano competia a interpretação
            autêntica da lei. Afastava-se, com isto, a necessidade ou mesmo a
            conveniência de se constituir no Estado um corpo de juizes
            independentes, incumbidos de dizer o direito em última instância.
             
             É
            claro que esse radicalismo da soberania popular não agradava nem um
            pouco à burguesia, em vias de se tornar classe dominante. Era
            indispensável que houvesse certeza na aplicação da lei em
            determinado sentido, quando mais não seja porque a economia
            capitalista é toda fundada em previsões e cálculos de
            produtividade e lucratividade. O efeito da aplicação das Leis
            deveria ser previsível, o que supunha a univocidade das normas
            legais, com o emprego de termos técnicos previamente definidos pela
            ciência do direito, a modo de conceitos geométricos.
             
             Nessa
            concepção, era indispensável estabelecer uma rígida separação
            entre os campos do direito e da moral, tarefa de que se desincumbiu
            a corrente doutrinária conhecida sob a denominação de positivismo
            jurídico, e que fora inaugurada já na primeira metade do século
            XIX pelo jurista inglês John Austin. Ao juiz, segundo essa teoria,
            não cabe julgar da justiça ou moralidade da solução legal, pois,
            no regime de separação de Poderes (essa a justificativa política)
            o magistrado não é legislador. Compete-lhe, apenas, obedecer ao
            ditado legal. Citavam-se, em apoio anacrônico a essa opinião, as
            considerações tiradas do De Legibus de Cícero (III, 1, 2):
             
             “Do
            mesmo modo que as leis governam os magistrados (na acepção romana,
            isto é, os governantes dotados de poder —potestas, imperium —
            sobre o povo, o que incluía os juizes, mas não se limitava a
            eles), assim também o magistrado governa o povo, podendo dizer-se
            que o magistrado é a voz da lei, e a lei um magistrado sem voz (vere
            dici potest, magistratum legem esse loquentem, legem autem mutum
            magistratum)”.
             
             O
            que se procurou esconder, no entanto, é que o conceito de lex, aí
            empregado, era de natureza filosófica e não política: era a reta
            razão (recta rufia), inconfundível com a norma jurídica editada
            pela autoridade estatal.
             
             Tornada
            classe dominante e substituta política do povo, a burguesia passou
            a controlar estreitamente o exercício do poder legislativo, e não
            tinha a menor intenção de permitir que as leis votadas pelos mal
            denominados representantes do povo pudessem ser julgadas segundo os
            perigosos critérios de justiça, legitimidade, ou mesmo
            razoabilidade.
             
             Um
            só elemento destoava nesse novo quadro político: era justamente a
            Constituição, cuja razão de ser, como proclamou a Declaração de
            1789, consistia em assegurar os direitos humanos e evitar o abuso de
            poder.
             
             Mas
            a pureza teórica dessa concepção foi desde logo comprometida na
            prática. O paradigma de todas as Constituições, a
            norte-americana, foi promulgada, como se sabe, sem declaração de
            direitos fundamentais. O bill of 
            rights, a ela acrescentado em 179 1, veio redigido em estilo
            cerradamente técnico, de modo a se evitar, tanto quanto possível,
            o emprego de fórmulas de conteúdo moralizante, tal como as
            constantes da Declaração de Direitos de Virgínia.
             
             Mas
            essa recusa do uso de termos de sentido vago, ou de claro conteúdo
            axiológico, não foi absoluta. A 5; Emenda à Constituição
            norte-americana, por exemplo, ressuscitou a fórmula medieval
            inglesa do due process of law. Graças a ela, a Suprema Corte dos
            Estados Unidos pôde controlar a compatibilidade das leis editadas
            pelo Congresso, com o interesse particular das classes dominantes na
            sociedade norte-americana, de início os proprietários rurais,
            depois os empresários industriais e os banqueiros. No famoso Dred
            Scott case, julgado em 1 857, a Suprema Corte declarou
            inconstitucional o chamado Compromisso de Missouri de 1820, segundo
            o qual a prática da escravidão ficava proibida no território recém-adquirido
            da França, a Louisiana. Em 1905, no processo Lochner v. New York,
            uma lei deste Estado, que estabelecia um máximo de 60 horas
            semanais para o trabalho dos padeiros assalariados, foi invalidada
            por inconstitucionalidade. Na mesma época, a Suprema Corte julgava
            não abusivas as cláusulas dos chamados yellow-dog contracts, em
            que os patrões impunham aos seus empregados a obrigação de não
            se filiarem a nenhum sindicato. Em Adkins v. Children ‘s Hospital,
            julgado em 1923, a lei federal que fixava um salário mínimo para
            mulheres e crianças trabalhadoras foi também declarada
            inconstitucional. Em todas essas decisões, o fundamento de decidir
            foi a cláusula de due process law, cuja vigência a 14ª. Emenda
            estendeu também aos Estados, e que passou a ser interpretada
            substantivamente, ou seja, fora do processo judicial: ninguém
            poderia ser privado de seus bens ou direitos, sem o devido processo
            jurídico.
             
             Que
            dizer, então? As normas que contenham standards, ou conceitos jurídicos
            indeterminados, reintroduzem no direito moderno a arbitrariedade
            decisória, típica da era pré-constitucional?
             
             De
            modo algum. O que elas fazem é atribuir ao Judiciário a delicada e
            importante função de julgar, de acordo com os grandes parâmetros
            de moralidade e justiça, estabelecidos pela consciência ética
            coletiva, e expressos no sistema vigente de direitos humanos. A
            arbitrariedade supõe o subjetivismo de julgamento, a fixação da
            vontade própria do julgador como critério supremo de decisão. Mas
            os direitos humanos, sobretudo aqueles já positivados no
            ordenamento interno ou internacional, denominados direitos
            fundamentais, constituem parâmetros objetivos de apreciação, que
            se impõem ao juiz, ainda quando contrariem a visão pessoal que
            este tenha do mundo, ou o interesse próprio da classe social a que
            ele se acha ligado, sociologicamente.
             
             Ademais,
            as Constituições mais recentes, como a nossa de 1988, já
            consagram princípios fundamentais de natureza funcional ou finalística,
            a indicar os objetivos supremos da organização política. É o que
            se lê no art. 3. da Constituição brasileira, onde se indicam como
            objetivos fundamentais da República: ~I — construir uma sociedade
            livre, justa e solidária; II -~ garantir o desenvolvimento
            nacional; III — erradicar a miséria e reduzir as desigualdades
            sociais e regionais; IV — promover o bem de todos, sem
            preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
            formas de discriminação.” Trata-se de imposições
            constitucionais, não de meras recomendações programáticas. Tomemos,
            por exemplo, a norma do art. 5., XXIV, que manda seja atribuído ao
            expropriado uma justa indenização. Juizes e tribunais, como
            sabido, recusando-se a dar a esse qualificativo o seu evidente
            sentido ético, preferindo refugiar-se no critério falsamente
            objetivo do valor venal da coisa expropriada. Com isto, acabam por
            submeter-se à estimativa dos peritos avaliadores, como se se
            tratasse de decidir uma questão de fato e não de direito.
              Ora,
            de um lado, não pode o juiz desatender ao imperativo constitucional
            de usar do poder de julgar para construir uma sociedade mais livre,
            justa e solidária, bem como de colaborar para reduzir as
            desigualdades sociais, como determina o art. 3.. De outro lado, a
            Constituição impõe a todo proprietário o dever fundamental de
            cumprir a função social inerente a esse direito (art. 5., 
            XXIII).
              Se
            assim é, para que o juiz fixe nas desapropriações uma indenização
            justa, como manda a Constituição, deve ele considerar, em seu
            julgamento, antes a pessoa do proprietário do que a coisa
            expropriada. Se o proprietário não deu a esta a sua obrigatória
            destinação social, não pode ser premiado com uma indenização
            correspondente ao preço que obteria, se decidisse vender o bem no
            mercado.
              Se,
            diferentemente, a coisa expropriada é, por hipótese, a pequena
            casa de residência de um modesto assalariado, ou de um aposentado
            de parcos recursos, o juiz não pode deixar de considerar toda a
            extensão do dano pessoal causado pela expropriação, quando, por
            exemplo, o expropriado não tem como adquirir, com o montante do
            valor venal da coisa, outra casa onde morar em condições
            semelhantes às daquela que lhe foi tirada. Assim sendo, o dever
            constitucional de uma justa indenização obriga o juiz, neste caso,
            a fixá-la em valor acima do preço de mercado da coisa expropriada.
              Com
            isto, ao concluir esta segunda parte de minha exposição,
            permito-me fazer aos juizes as seguintes recomendações:
              1.  
            Os juizes não podem ignorar que todas as normas relativas a
            direitos humanos, inclusive as normas de princípio, são de aplicação
            direta e imediata, nos precisos termos do disposto no art. 5., ~ li,
            da Constituição Federal. Por conseguinte, quando estiver
            convencido de que um princípio constitucional incide sobre a matéria
            trazida ao seu julgamento, o juiz deve aplicá-lo, sem necessidade
            de pedido da parte.
             
             2.
            Ao verificar que a aplicação de determinada regra legal ao caso
            submetido a julgamento acarreta clara violação de um princípio
            fundamental de direitos humanos, muito embora a regra não seja
            inconstitucional em tese, o juiz deve afastar a aplicação da lei
            na hipótese, tendo em vista a supremacia dos princípios sobre as
            regras, o que acarreta a necessidade lógica de se interpretarem
            estas em função da norma de princípio.
             
             3.
            Na eventual colisão entre dois princípios para a solução da
            lide, o juiz deve preferir aquele cuja aplicação ao caso
            representa maior respeito à dignidade humana. 4.
            No exercício da função jurisdicional, os magistrados, como todos
            os demais agentes públicos, devem orientar-se pelos objetivos
            supremos de nossa organização política, expressos no art. 3. da
            Constituição Federal, os quais expressam os grandes valores de
            liberdade, igualdade e solidariedade, em função dos quais
            constituiu-se, progressivamente, o sistema de direitos humanos.
             
             5.
            As normas jurídicas que contêm standards, ou termos de sentido
            valorativo, abrem ao magistrado a possibilidade de adequar tecnicamente
            as suas decisões a esses objetivos fundamentais do Estado
            brasileiro, submetendo as leis ao espírito da Constituição, bem
            como os interesses próprios de cada classe ou grupo social à
            supremacia do bem comum.
             
            
            6.
            O juiz não pode, sob o falso argumento de que não é um órgão
            político, recusar-se a apreciar eticamente as lides submetidas ao
            seu julgamento. A finalidade última do ato de julgar consiste em
            fazer justiça, não em aplicar cegamente as normas do direito
            positivo. Ora, a justiça, como advertiu a sabedoria clássica,
            consiste em dar a cada um o que é seu. O que pertence
            essencialmente a cada indivíduo, pela sua própria natureza, é a
            dignidade de pessoa humana, supremo valor ético. Uma decisão
            judicial que negue, no caso concreto, a dignidade humana é imoral
            e, portanto, juridicamente insustentável. 
            
             
 Doutor
            Honoris Causa da Universidade de Coimbra.
            
             Doutor
            em Direito da Universidade de Paris.
            
             Professor
            Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
            
            
             
            
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