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O acesso direto à Justiça Internacional

ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE
Ph.D. (Cambridge), juiz-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, professor titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco. Membro Associado do Institut de Droit International.

Neste início do século XXI, o Direito Internacional dos Direitos Huma-nos vem de lograr a consolidação da capacidade jurídico-processual dos indivíduos nos procedimentos perante os tribunais internacionais de direitos humanos, que buscam determinar a responsabilidade internacional dos estados-partes por violações dos direitos protegidos. No continente europeu, o acesso direto (jus standi) à nova Corte Européia de Direitos Humanos (que substituiu as antigas Corte e Comissão européias) passou a ser outorgado a todos os indivíduos sujeitos à jurisdição dos estados-partes pelo Protocolo nº 11 (de 1994) de Reformas à Convenção Européia de Direitos Humanos (em vigor desde 1/11/1998).   No continente americano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos vem de dar um passo de grande transcendência: com a entrada em vigor, no dia 1º de junho de 2001, de seu novo Regulamento (adotado em 24/11/2000), passa a assegurar, pela primeira vez em sua história, a participação direta dos indivíduos demandantes em todas as etapas do procedimento, em denúncias — a ela enviadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos — de violações dos direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
  Trata-se — como me permiti assinalar aos chanceleres dos estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), em minha intervenção na Assembléia Geral da OEA em 4 de junho último — de ponto culminante de um longo processo histórico de gradual emancipação do ser humano vis-à-vis o próprio Estado.   Como não é razoável conceber direitos sem a correspondente capacidade processual de vindicá-los, essa evolução se consolidará no dia em que se adotar — como venho sustentando há anos — um Protocolo à Convenção Americana outorgando acesso direto dos indivíduos à Corte Interamericana (passando, assim, do locus standi ao jus standi). Mas já com o novo Regulamento do Tribunal, os indivíduos demandantes passam a desfrutar de igualdade processual com os estados demandados.
  O acesso direto dos indivíduos à jurisdição internacional constitui verdadeira revolução jurídica, que lhes possibilita vindicar seus direitos contra as manifestações do poder arbitrário, e que dá um conteúdo ético às normas tanto do Direito Público interno como do Direito Internacional. Sua importância, como última esperança dos esquecidos do mundo, vem de ser ilustrada, para citar um exemplo (entre vários outros), pelo caso paradigmático dos assassinatos dos ‘‘meninos de rua‘‘ (caso Villagrán Morales e outros), em que as mães dos meninos assassinados, tão pobres e abandonadas como os filhos, tiveram acesso à jurisdição internacional, compareceram a juízo (audiências públicas de 28 e 29/1/1999 e 12/3/2001), e, graças às sentenças da Corte Interamericana (quanto ao mérito, de 19/11/1999, e quanto às reparações, de 26/5/2001), que as ampararam, puderam ao menos recuperar a fé na Justiça humana.
  No continente africano, o primeiro Protocolo (de 1998) à Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos dispõe sobre a criação de uma Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos, em claro reconhecimento de que a solução judicial representa efetivamente a forma mais evoluída da proteção dos direitos da pessoa humana. Nos tribunais de direitos humanos o indivíduo figura como sujeito ativo, ao passo que, nos tribunais penais internacionais ad hoc (para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, criados em 1993 e 1994, respectivamente), somados ao Estatuto de Roma de 1998 do futuro Tribunal Penal Internacional permanente, voltados à determinação da responsabilidade penal internacional dos indivíduos (por crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, e crimes de guerra) — figura como sujeito passivo; mas, tampouco, aqui se pode excluir a responsabilidade internacional do Estado (certamente distinta da penal), na medida em que os crimes perpetrados por indivíduos configuraram uma política de Estado.
  Os sofrimentos das gerações passadas, e as privações das atuais, clamam pela imposição de limites à razão de Estado, o qual foi originalmente concebido para a realização do bem comum, e existe para o ser humano, e não vice-versa. O reconhecimento, em nossos dias, do acesso direto dos indivíduos à Justiça Internacional revela, neste início do século XXI, o novo primado da razão de humanidade sobre a razão de Estado, que acelera o processo histórico de humanização do Direito Internacional. Tal processo, por sua vez, acarreta um retorno às próprias origens históricas do Direito Internacional, que o concebiam não como um direito estritamente interestatal, mas como o direito das gentes.
  Nos séculos XVI e XVII, os escritos dos chamados fundadores do Direito Internacional (especialmente os de F. Vitoria, F. Suárez e H. Grotius, além dos de A. Gentili e S. Pufendorf) sustentavam o ideal da civitas maxima gentium, constituída de seres humanos organizados socialmente em estados e coextensiva com a própria humanidade. Nenhum Estado pode considerar-se acima do Direito, cujas normas têm por destinatários últimos os seres humanos. A consciência humana alcança em nossos dias um grau de evolução que torna possível — como ilustrado recentemente pelo referido caso dos ‘‘meninos de rua’’ decidido pela Corte Interamericana — fazer justiça no plano internacional mediante a salvaguarda dos direitos dos marginalizados ou excluídos. A titularidade jurídica internacional dos indivíduos é hoje uma realidade irreversível. O ser humano irrompe, enfim, mesmo nas condições mais adversas, como sujeito último do Direito tanto interno como internacional, dotado de plena capacidade jurídico-processual.

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