ENTREVISTA
/ Leonardo Boff
Boff propõe modelo de educação através da
cidadadia e ciência
Processado no Vaticano na década
passada por causa do livro Igreja, Carisma e Poder, sendo
condenado a um ano de silêncio, o frei Leonardo Boff, autor de 62
livros e precursor da Teologia da Libertação, esteve ontem, em
Jaboatão dos Guararapes, fazendo uma palestra no I Encontro Pedagógico
do Colégio Geo. Tendo abandonado o sacerdócio em 1992, mas ainda
realizando sacramentos, este catarinense, hoje com 60 anos, prega
o despertar de uma nova consciência no homem e na Igreja, às
portas do terceiro milênio. "Sou considerado um sub-leigo
pelo direito canônico", diz Boff, que é professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Veja a entrevista ao repórter
Jomeri Pontes.
Jornal do Commercio - Qual a sua
análise da educação no Brasil?
Leonardo Boff - Há um novo
paradigma de cidadania. A escola está tendo uma nova dimensão a
partir da crise mundial e da globalização. É preciso que se
cuide da formação da pessoa, tornando-a capaz de ser várias
coisas, e não apenas que se formem profissionais. É preciso
discutir a educação pelo prisma da cidadania, ecologia e ciência.
A educação, no Brasil, é muito burocrata, mas já há grupos
que vêm do construtivismo e que buscam melhores caminhos. As
escolas do MST são um exemplo disso.
JC - Como são as escolas?
LB - São escolas de uma
linha altamente politizada, com uma construção coletiva do
saber. Por esse ângulo, o Brasil é também um celeiro de
educadores novos. Nos lugares onde o Partido dos Trabalhadores
(PT) assumiu o poder, por exemplo, há uma grande revolução na
educação. As pessoas compreendem melhor o processo. Famílias e
comunidades discutem que escola querem ter.
JC - A propósito, o senhor
mantem ligação com o PT?
LB - Não. Não sou nem
mesmo filiado, mas tenho afinidade com o partido porque luta pela
democracia social. A orientação deles é a de mudança do poder
e a outra pilastra foi a igreja de base. Nós ajudamos a criar o
partido.
JC - Partido político, esquerda
brasileira, qual a sua visão sobre o assunto?
LB - As esquerdas são
altamente politizadas e, quando há excesso de politização, há
dificuldades de se criar um projeto coletivo. Mas o problema maior
não é das esquerdas e sim do pensamento único de que a coisa
mais normal é o capitalismo e o mercado. Por esse pensamento, a
esquerda não tem acesso a mostrar suas alternativas. A lógica de
mercado, que é competitiva, e não cooperativa, destrói tudo. Há
um processo de exclusão fantástico e uma teologia que esconde
tudo isso, criando uma dificuldade de oposição.
JC - A vida do senhor está
associada à Igreja. Como vê a Igreja Católica da atualidade?
LB - O tecido eclesial está
rompido. Há uma luta entre a Igreja romana, tradicional, e a
Igreja cuja missão é social. A Igreja precisa ser um fator de
mudança e não de conservação. É preciso dar um voto de
confiança ao pobre, que é uma pessoa que tem interesses, que
deseja uma sociedade com mais chances de vida e de sucesso. Como
tratar os pobres é a grande questão. É preciso se fazer aliança
para ajudar quem não tem. Dois terços da população são de
pobres e se a Igreja não se aliar a eles, se tornará
desinteressante. A Igreja que tem consciência dos pobres e da
luta deles tem mais visão social.
JC - A Igreja não está em
sintonia com os pobres, então?
LB - O papa consegue, com
sua força, transferir bispos, afastá-los das comunidades, quando
ali há um trabalho de renovação. O papa conseguiu romanizar a
Igreja. Diria que a Igreja clássica é cínica, não colabora
para diminuir a violência, renuncia a sua missão profética, se
desvincula da questão social.
JC - Como o senhor enxerga a
Igreja do terceiro milênio?
LB - A Igreja chega ao ano
2000 dividida e o papa a unifica sob sua batuta, sob a doutrina
romana, o que é um retardo no processo social, além de
comprometer o futuro do Cristianismo. É preciso que a igreja
renuncie a arrogância.
JC - Que avaliação o senhor
faz da proliferação de seitas no Brasil?
LB - Essa efervescência
revela uma insatisfação e descrença generalizadas nos projetos
sociais e políticos. O poder não é mais político, é econômico
e midiático. A cultura percebe o vazio disso e segue o religioso,
fazendo surgir as seitas substitutivas. Elas são uma resposta a
alguma demanda, mas têm também um efeito benéfico, que é a
referência espiritual que dão às pessoas.
JC - O que o senhor pensa do
padre Marcelo Rossi?
LB - Há uma tese filosófica
que diz que, onde há religião, há muita esperança, e
simultaneamente gera muito dinheiro porque o pobre, esfolado, dá
a dentadura para garantir seu espaço. O padre Marcelo Rossi se
esconde por trás de um capital simbólico que rende, e muito,
embora seja apenas uma peça. Só que a religião tem de moderar
este mercado porque ela não é feita para isso.
JC - Como está a relação da
Igreja Católica com as demais, incluindo a Carismática?
LB - É uma relação de
amizade e inimizade por causa da disputa de mercado. Na medida em
que essas igrejas criam lideranças e conduzem os fiéis, colocam
em xeque a liderança dos padres. O padre Zeca, do Rio de Janeiro,
é um exemplo. Foi punido com uma transferência. Isso porque cria
uma sombra na igreja do bispo. Aconteceu comigo, em 1992. O meu
castigo foi não poder dar mais entrevistas. Mas a relação dos
católicos com outras igrejas existe desde que todos aceitem o
poder do papa, já que a Igreja Católica corre do diálogo.
JC - Não há nada em comum
entre as igrejas?
LB - O que há de comum é o
ecumenismo de base. A nível mundial, a gente vai se projetando
para o Cristianismo, não importa os caminhos internos das
igrejas. Elas devem defender a vida, a ecologia, o planeta, a
fraternidade, e não o poder. Católicos, budistas, hindus, todos
devem se unir e renunciar à pretensão de ser portador único da
verdade.
JC - Para onde o mundo está
caminhando neste próximo milênio?
LB - Ao encontro de um caos
político e financeiro. São poucas pessoas controlando a riqueza
mundial. No Brasil, 15% da população controlam as riquezas. No
campo ecológico, poderá haver grande crise também. Nossa
esperança é a de que surja um novo planeta, com um novo governo
mundial e uma nova civilização.
|