| 
                  
                
               
               
              A CIDADANIA EM
              2020 
              Belisário dos Santos
              Jr. * 
              "Irritado, já com a resposta
              azeda a sair-lhe da boca, 
              abriu os olhos e viu. Viu e gritou. Vejo, vejo..." 
              (Saramago, Ensaio sobre a cegueira) 
              "Nosotros estamos com la
              democracia, pero la democracia
              no está com nosotros." 
              (recolhido por Eduardo Galeano –
              Democracia - Compromiso) 
              "Cidadania é também
              obrigação: 
              A de ajudar a construir 
              a claridão na consciência 
              de quem merece o poder." 
              (Thiago de Mello, De uma vez por
              todas) 
              O futuro e o compromisso 
              Em manifestação lançada no II
              Encontro Ibero americano de Comunicação, em Caceres, Espanha, o
              escritor uruguaio Eduardo Galeano advertiu que a história
              latino-americana ensina a desconfiar das palavras. A linguagem
              oficial delira e seu delírio é a normalidade do sistema. 
              O sistema aplaude a infâmia, se
              bem sucedida e só a castiga quando fracassada. Somos treinados
              para não ver. A educação pode deseducar. Os meios de
              comunicação não comunicam. O democracímetro ocidental expressa
              uma cultura de aparência. O contrato do casamento importa mais
              que o amor; o funeral mais que o morto; a roupa mais que o corpo e
              a missa mais que Deus. O espetáculo da democracia importa mais
              que a democracia. A democracia é tratada como uma menor de idade,
              que não pode sair sem permissão, caminha nas pontas dos pés e
              pede desculpas por incomodar. A esperança, em verdade, reside no
              forte e incerto combate que as energias da criação humana travam
              contra o medo de mudar, contra o medo de ser e contra o medo de
              fazer. 
              Em nosso patamar de civilização,
              à beira do terceiro milênio, a linguagem de oposição aos
              direitos humanos não se expressa necessariamente como
              resistência, ganhando às vezes aspectos de aparente cumprimento. 
              Dalmo Dallari, chamando atenção
              para o fenômeno da perversão da retórica dos Direitos Humanos,
              mais de uma vez alertou que o princípio da igualdade, colhendo
              situações extremamente desiguais do ponto de vista cultural,
              econômico e social, pode ser instrumento de conservação de
              situações de opressão. Ou seja igualdade funcionando como vetor
              de desigualdade. 
              Paradoxalmente, fenômenos tão
              diversos como a democracia, seu exercício, mas também a
              violência desordenada, a tecnologia, o aumento da pobreza, a
              modernidade, o futuro crítico do emprego, contribuíram, de um
              lado para socializar tais medos, e de outro para reforçar a
              consciência da necessidade de novos padrões éticos para a vida
              em sociedade. 
              Neste mundo do confiar
              desconfiando, é que se insere qualquer compromisso de pensar a
              cidadania para o século XXI, para o ano 2020, para tomar uma data
              precisa. Mas à data devemos somar uma inequívoca e bem
              caracterizada vontade de aceitar mudanças, e bem assim de também
              promovê-las. 
              Em si, a idéia de futuro é bem
              aceita. O futuro implica algum descompromisso com a realidade
              presente, e assim a lei e a burocracia não são condicionantes do
              que se pensa sob a égide de "futuro". 
              Projetado o modelo ideal para o
              futuro, em seguida, deveria se retrotrair o produto da reflexão,
              para perguntar : Por quê não hoje? Por quê não ou como aplicar
              agora? 
              A data tem um caráter mágico. 
              A memória das sociedades precisa
              repousar em sinais inequívocos, sempre iguais a si mesmos. É a
              lição de Alfredo Bosi. 
              A memória carece de nomes e
              números. 
              2020 nos relembra um prazo. A
              fixação de prazo implica responsabilidade. 2020 é um longe
              perto. Permite o exercício do pensar alto, mas está ao alcance
              de nossa vida. 
              A data, em sua simplicidade
              numérica, tem uma força que liga os acontecimentos que
              projetamos a um tempo social, a um tempo cultural, a um tempo
              corporal, que pulsam sob a linha de superfície dos eventos. 
              À luz de tal reflexão, sugere-se
              conservar na mente a data, ainda que não escrita, que traduzirá
              responsabilidade, suscitará angústia e, portanto, alimentará a
              criatividade. 
              O conflito entre modernidade e
              igualdade 
              No Brasil, com o fim do regime
              militar, a recuperação das liberdades civis e políticas foi
              acompanhada da plena vigência de garantias judiciais (v.g., o
              habeas corpus e o mandado de segurança) e de mecanismos
              institucionais (v.g., o voto, a possibilidade de organização de
              partidos políticos) que deveriam assegurar a preservação dos
              direitos enucleados em torno da palavra liberdade. Ocorre que tal
              aparente recuperação foi acompanhada pela presença de duas
              características que praticamente a anulam. De um lado,
              conservamos (mesmo após a Constituição de 88) alguns vícios de
              nosso sistema representativo. Gerados na época da ditadura, se
              externam pelo superdimensionamento da representação das regiões
              de menor população, de mais precária cultura política e mais
              dependentes do governo federal e agora também pela elevação de
              territórios a estados e pela criação artificial de novas
              unidades federativas. De outro lado, um novo protagonista - o
              poder econômico - passou a influir decisivamente no processo
              eleitoral, seja manipulando os meios massivos de comunicação,
              seja prestigiando a crescente corporativização do Parlamento. 
              De outra parte, o aparato estatal
              revelou-se eficaz para a proteção dos direitos individuais, mas
              lento e burocrático, quando não ineficiente, na tutela dos
              direitos coletivos. Ademais de ineficiente, o Estado, por vezes,
              permite que dentro dele se gerem bandos organizados , para
              violação do próprio direito à vida. A tudo isso se soma a
              crescente demanda pelo atendimento às necessidades básicas do
              indivíduo e da coletividade, vinculadas à saúde, à
              habitação, ao lazer, à previdência social, à educação, ao
              trabalho , ao acesso à cultura, luta que vem sendo mais e mais
              reconhecida como importante para conquista de espaço político da
              cidadania. 
              Tais necessidades são hoje
              entendidas como verdadeiros direitos - direitos econômicos
              sociais e culturais - e se exprimem em torno do conceito de
              igualdade. 
              Como contribuirá a democracia para
              atendê-los ? 
              Como se conciliarão o avanço
              tecnológico e os bolsões de pobreza? 
              Nem sempre os avanços da
              modernidade vêm melhorar a qualidade de vida dos mais pobres.
              Consegue-se hoje produzir mais e melhor em menos espaço de terra
              e, apesar de tudo, a fome ainda é um flagelo, a violência ainda
              persiste como um dos grandes males de nossa época, notadamente
              contra os mais frágeis. 
              Hoje o Brasil concentra 44% dos
              pobres da América Latina. Em relação aos níveis de
              distribuição de renda entre todas as áreas do mundo, o Brasil
              foi pior do que a média regional da América Latina. É um dos
              países com mais alto nível de mortalidade infantil e
              analfabetismo no subcontinente, ao lado da Bolívia e da
              Guatemala. 40,9% da população brasileira é pobre ( leia-se
              miserável, já que têm renda de menos de US$ 60 por mês),cifra
              maior que a calculada em 1980. É o que revela o estudo
              "Pobreza e Distribuição de Renda na América Latina,
              realizado por técnicos do BANCO MUNDIAL (BIRD)(cf. Folha de
              S.Paulo,8.3.93). O Brasil, com tais números, pode ser o país
              mais injusto da América Latina. 
              Com tal realidade, convive uma
              ordem jurídica teoricamente insuscetível de crítica. A longa
              enumeração dos direitos individuais e coletivos feitas pela
              Carta de 1988, sua inserção logo no portal do novo texto
              constitucional, a previsão de novas garantias (mandado de
              injunção, habeas data, mandado de segurança coletivo), a
              contemplação de algumas formas de participação popular direta,
              são próprias de qualquer país democrático de verdade. 
              Essa e outras pistas indicam que os
              anos noventa se iniciam com a atenção voltadas para o binômio :
              modernidade - igualdade. 
              A correta perspectiva da defesa e
              promoção dos direitos humanos, nos próximos anos, dependerá do
              entendimento da solução de tal equação. 
              Cidadania: direitos e deveres 
              A definição do direito romano
              para justo incluía : viver honestamente; não lesar a ninguém e
              dar a cada um o que é seu. 
              Assim, desde sempre, na noção de
              justo, convivem os dois componentes fundamentais cujo exercício
              marca a cidadania: direitos e deveres. CIDADANIA seria um conjunto
              de direitos, mas igualmente de deveres. Interpretando a
              Constituição criativamente, teríamos cidadania, como coragem de
              participar dos esforços em criar a sociedade livre, justa e
              solidária de que trata a Constituição (artigo 3º, I). 
              Coragem de alterar a cultura de
              violação dos Direitos Humanos, para cultura de cumprimento,
              exigindo seus direitos, mas interiorizando a necessidade de
              cumprir deveres. Cultura da solidariedade, antes que cultura do
              individualismo e do jeitinho. 
              Coragem que implica a aceitação
              do outro. A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
              (abril de 1948), em seu artigo XXIX, dizia do dever de
              convivência do indivíduo com os demais, de maneira que todos e
              cada um possam formar e desenvolver integralmente a sua
              personalidade. 
              O trabalho não é só alterar a
              cultura dos outros. É a nossa, em primeiro lugar. Trabalhar uma
              nova relação ética a partir de casa, do trabalho, da família,
              das esferas da vida social e da vida política. Os agentes do
              Estado sempre terão um papel especial a desempenhar. Há alguns
              agentes em especial (professores, policiais, agentes comunitários
              de saúde) que, em sua ação, podem ser os arautos de um Estado
              mais moderno e igualitário. São os têm contato direto com a
              cidadania em formação, em risco, em emergência ou instantes de
              perigo. Resolvem problemas. Podem ser os grandes cobradores dos
              deveres de convivência e de tolerância. Podem preparar a
              identificação do cidadão-livre como cidadão co-dirigente. 
              Conceitos formadores da nova
              cidadania 
              Alguns elementos são básicos para
              a construção desse novo conceito de cidadania. Emanam de
              documentos internacionais tão distintos como o Plano de Ação da
              II Conferência Cimeira das Américas, (abril de 1998, em Santiago
              do Chile), como a Declaração e Programa de Ação da
              Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena (junho de 1993)
              ou do Documento "Elementos para a Modernização do
              Estado" produzido pelo Banco Interamericano de
              Desenvolvimento (BID), em julho de 1994. 
              Podem ser vistos como produto da
              atual reflexão sobre as características da cidadania no terceiro
              milênio. 
              Tais documentos , construindo uma
              nova visão de democracia e portanto um novo conceito de
              cidadania, apontam para as seguintes pistas: 
              a) uma nova visão dos direitos
              humanos; b) a educação para a democracia como chave do
              progresso; c) a construção de uma nova face para o Estado
              (recuperando-o para o estabelecimento do bem comum); d) o
              estabelecimento de uma cultura pautada pela ética da
              solidariedade e e) necessidade de parcerias criativas entre Estado
              e sociedade no exercício do dever de convivência. 
              Uma nova visão dos direitos
              humanos. 
              A partir de seu caráter
              histórico, de sua dimensão internacional, incorporam-se os
              conceitos de universalidade e indivisibilidade enunciados
              definitivamente na Conferência Mundial de Viena, em 1993. Os
              direitos humanos são, portanto, indivisíveis. Isto significa que
              eles devem ser cumpridos globalmente. 
              Os direitos humanos fundamentais
              são universais. Nem só dos brancos, nem só dos ricos. Isto pode
              implicar em afetar profundamente o poder dos ricos e
              privilegiados, sempre que tal riqueza ou privilégio seja o
              impedimento a uma vida decente de outras pessoas. 
              Não há uma relação estabelecida
              e final de tais direitos, já que seu caráter é progressivo,
              correspondendo a cada momento ao estágio cultural da humanidade,
              como se vê das sucessivas "gerações". 
              O direito a uma vida livre e digna
              de uns deve ser efetivado sem impedir tal direito a outros. 
              Os direitos humanos independem de
              registro escrito no acervo legislativo de uma nação. Seu
              reconhecimento pode ocorrer mesmo à revelia das leis e da
              Constituição. 
              Têm, outrossim, caráter
              internacional. Em outras palavras, a preocupação com a vigência
              dos direitos humanos é universal e o seu descumprimento em alguma
              parte atinge mesmo aqueles que ali não vivem e não estão
              submetidos à mesma autoridade. 
              A educação para a democracia como
              chave do progresso 
              A educação aponta para o futuro,
              para a construção de uma nova cidadania, para uma sociedade
              solidária. 
              Educar para quê ? Distribuir
              melhor o conhecimento teórico? 
              Talvez muito mais que isso.
              Preparar o projeto individual e coletivo de interferência na
              realidade. 
              Estabelecer as metas para levar a
              100% das crianças o ensino formal, até o 2º grau,
              preparando-as, trabalhando transversalmente estes temas, a
              trabalhar com os conceitos da tolerância, da convivência e do
              respeito à dignidade do outro. 
              Segundo dados da pesquisa da
              Latinobarômetro, entre os jovens da América Latina a democracia
              ainda prevalece, mas por pouco. Assim, o grande tema da educação
              deve ser a democracia, perpassando todos os conteúdos,
              impregnando o ensino e as práticas de vida da juventude. 
              Reconhecimento da necessidade de
              estabelecimento de uma ética da solidariedade. 
              O período do regime autoritário
              viveu a clara tentativa do Estado de empurrar a cidadania para a
              lógica do individualismo e do isolamento dos indivíduos em
              categorias estanques: "estudante estuda",
              "trabalhador trabalha", "professor ensina",
              etc. A condição de patriota era atribuída oficialmente a uns
              poucos, quando não apenas a uma categoria de servidores: os
              militares. Os outros eram todos suspeitos de práticas chamadas
              subversivas, quando não declarados como inimigos internos, dentro
              da tática de reconhecer um estado de guerra interno, na
              aplicação da doutrina da segurança nacional. 
              Mas, a oposição foi toda
              construída em moldes multissetoriais, suprapartidários,
              intercorporativos. O terceiro setor, esse conjunto de forças
              morais não detentor de poder oficial, construiu palanques
              extremamente amplos, forjando laços de solidariedade que
              determinaram sua atuação até o restabelecimento do estado de
              direito. O revigoramento das instituições democráticas se fez,
              de início, sob essa ótica. No entanto, após a volta ao
              convívio com os direitos civis e políticos mais elementares,
              verificou-se que essa aparente recuperação foi acompanhada pelas
              circunstâncias limitadoras já analisadas ao início do texto.
              Daí a necessidade de estabelecimento de uma nova cultura
              política, assentada em princípios éticos. 
              Os novos padrões éticos se
              retiram de uma nova visão dos direitos humanos. Esta nova visão
              pode ser construída a partir de instrumentos internacionais, como
              a Resolução 32/130 da ONU, tomada pela Assembléia Geral, em
              1977. Ali se estabelece o que se deve ter em conta ao se falar em
              direitos humanos: 
              - os direitos humanos e as
              liberdades fundamentais constituem um todo único indivisível; 
              - é impossível a realização dos
              direitos civis políticos sem o usufruto dos direitos econômicos,
              sociais e culturais; 
              - os direitos e liberdades
              fundamentais da pessoa humana e dos povos são inalienáveis ; 
              - os problemas afetos aos direitos
              humanos devem ser tratados globalmente; 
              - no marco da sociedade
              internacional, deve ser dada prioridade absoluta para a busca de
              soluções a violações massivas e flagrantes de direitos dos
              povos e pessoas vítimas de situações que lesam sua dignidade; 
              - é essencial para a
              consolidação dos direitos e liberdades fundamentais, a
              ratificação pelos Estados dos instrumentos internacionais a
              respeito do tema. 
              Estabelecimento de parcerias entre
              Estado e sociedade 
              O início dos anos 70 foi saudado
              no Brasil por uma frase presidencial que demonstrava a distância
              entre Estado e sociedade : " O país é rico, o povo é que
              é pobre". O Estado ocupado por militares opunha-se à
              sociedade, civil por excelência. 
              Na transição, na euforia da
              recuperação de alguns direitos, manteve-se em parte a
              desconfiança da cidadania em relação ao governo e aos
              governantes. 
              Essa desconfiança foi agravada no
              início da redemocratização, já pela multiplicação de
              escândalos causados pelos novos detentores do poder, em mau uso
              de recursos públicos, como pela volta à cena política, pelo
              voto popular, de figuras claramente identificadas com a ditadura
              militar. Aqui caberia uma reflexão, poupada pela falta de
              espaço, sobre a falta de relação, principalmente nas camadas
              populares, entre voto e melhoria de condições de vida. 
              A Constituição de 1988
              estabeleceu a importância da democracia participativa,
              reforçando a clássica figura da representação popular (C.F.,
              artigo 1º, parágrafo único). E a participação popular foi
              estabelecida sob duas óticas: no controle do poder político e na
              administração da coisa pública. Se, no controle do poder
              político, há uma grande gama de alternativas, como o referendo,
              o plebiscito e a iniciativa popular legislativa, em relação à
              participação popular na administração existe um campo
              inexplorado. 
              Há necessidade de criar
              instrumentos cujos objetivos possam ser assim sintetizados: 
              - Redimensionar o Estado.
              Privilegiar os espaços normais da iniciativa privada, por meio de
              parcerias(com universidades, com associações, com empresas, com
              entidades de classe, com ONGs, etc.); 
              - Incentivar atividades
              multissetoriais, diminuindo a superposição de órgãos (Poder
              Judiciário, outras Secretarias, M.P., Universidades); 
              - Reaproximar o Estado da
              cidadania, estabelecer formas alternativas de solução de
              conflitos, reduzindo os espaços de violência; 
              - Educar para o exercício da
              cidadania(direitos e deveres); 
              - Incentivar a solidariedade. 
              O conflito e a necessidade de
              solução criativa 
              A convivência civilizada não se
              faz só com o esvaziamento dos espaços de violência. O
              esvaziamento dos espaços de violência não deve nem pode ser
              cobrada só da Polícia. O Estado como um todo deve repensar
              criativamente na sua relação com a sociedade. 
              Devem ser reduzidos os espaços
              entre o Estado e as prestações por ele oferecidas e a cidadania
              e suas necessidades. O Estado deve funcionar de forma mais
              integrada, menos segmentada, com menos paredes, garantindo maior
              acesso à participação da comunidade na realização de
              programas com essa face. 
              Constituem, neste Estado de São
              Paulo, bom exemplos dessa filosofia e devem ser incentivados como
              a nova e revolucionária forma de Estado, os Centros de
              Integração da Cidadania e a as Jornadas da Cidadania e
              Educação Comunitária, os Fóruns de Cidadania, o Programa
              Estadual de Direitos Humanos, o Programa de Polícia Comunitária,
              o Programa de Proteção à Testemunha(PROVITA), o de Atendimento
              à Vítima ( Cravi – Centro de Atendimento à Vítima), os
              Parceiros do Futuro, a Lei de Defesa do Usuário do Serviço
              Público, também de iniciativa deste Governo do Estado,
              consagrando os direitos à informação, a um bom serviço
              público e ao controle adequado desse serviço. 
              As Comissões de Ética e o sistema
              de Ouvidorias criados pela Lei constituem canais importantes para
              a cidadania comunicar-se com a Polícia como instituição. As
              comissões de ética devem ser criadas. São obrigatórias,
              necessárias, mas, sobretudo, poderão constituir para os comandos
              das polícias importante termômetro de aferição não da
              prática de crimes ou transgressões apenas, mas do grau de
              conversão da tropa para a nova filosofia, afirmativa, positiva,
              de respeito à dignidade da pessoa, de cumprimento dos direitos
              humanos. 
              Não aceitar a participação
              sociedade civil organizada como importante fator de resolução
              alternativa de conflitos será ignorar a informação que vem do
              IBGE(PNAD, 1988): apenas 55% dos conflitos no Brasil é resolvida
              dentro da forma clássica, com interveniência de juiz, promotor,
              advogado, polícia. 
              Assim, só um Estado mais próximo,
              envolvendo-se com a comunidade em soluções alternativas com
              criatividade e respeito aos direitos humanos, vai impedir as
              soluções fora da legalidade, como os linchamentos, o
              vigilantismo, a cobrança de pedágios pelo crime organizado e
              outros da mesma linha. 
              É claro que tudo isso demandará
              outras reformas, legais, por uma Justiça que funcione 24 horas
              por dia; por um processo com menos meandros possibilitando mais e
              mais rápidas decisões de mérito, pelo fim do inquérito
              policial; ou tecnológicas, que viabilizam a resolução dos casos
              no local do fato, com emissão dos termos respectivos. É claro
              que não devemos descuidar de uma opção mais decidida pelas
              reformas sociais, com mecanismos eficientes de redistribuição de
              renda, de combate não apenas retórico à pobreza. 
              E chegamos ao momento de encarar
              esta aparente antinomia: Todos queremos segurança. Ter segurança
              significa abrir mão da liberdade? 
              Uma agenda concreta de cidadania 
              Nesta época de crise, em que
              prioridades devem ser estabelecidas, entre outras providências, a
              sociedade de São Paulo o Governo do Estado e a Assembléia
              Legislativa, criaram um significativo mecanismo da participação
              direta, e de ausculta das necessidades maiores do povo paulista
              que como previstos na Constituição, estabelecendo canais livres
              e desburocratizados de atuação da cidadania: o Programa Estadual
              de Direitos Humanos- PEDH, programa fundamental não só para a
              promoção dos direitos humanos como para o exercício da
              democracia participativa. 
              Ao se redigir o 1º Programa
              Estadual de Direitos Humanos do Brasil, a participação da
              sociedade civil foi marcada pela contribuição de mais de 600
              ONGs. Este Programa tem algumas características importantes. De
              início, é didático notar que o programa foi todo construído ao
              redor de ações afirmativas, concretas, com sabor de cotidiano,
              de urgência. 
              É interessante que, em nenhum
              momento, nele ressurge o mito de conflito entre segurança e
              liberdade, mito que deve ser confinado ao passado, aos anos de
              chumbo que não se quer esquecer, mas aos quais não se quer
              voltar. 
              Nos itens referentes ao acesso à
              justiça e luta contra a impunidade e à segurança do cidadão e
              medidas contra a violência, a cidadania marcou as relações
              importantes entre Justiça, Polícia e direitos humanos. Cria-se
              um verdadeiro programa, uma autêntica agenda para a cidadania na
              modernidade. 
              A educação em direitos humanos
              foi considerada fundamental. Cursos de capacitação em direitos
              humanos deverão se estender a lideranças populares. Devem ser
              estimulados núcleos municipais de direitos da cidadania, com
              fornecimento de documentos, orientação jurídica. 
              Fala-se em participação
              política, como direito de interferência na formulação e
              implementação de políticas públicas para redução de
              desigualdades. 
              O estímulo a solução pacífica
              de conflitos é ponto do tema acesso à justiça e da luta contra
              a impunidade. Na periferia das grandes cidades, aponta-se a
              necessidade dos Centros de Integração da Cidadania, integrando
              serviços de Polícia, Justiça, Ministério Público, Procon,
              assistência jurídica, atendimento social, requalificação
              profissional, geração de renda, concessão dos documentos
              básicos, prevenção de doenças, tudo contando com a
              co-dirigência da comunidade, em espaços que podem ser usados
              coletivamente. Aliás, o uso dos espaços públicos como o das
              escolas é ponto relevante de vários programas que associam, na
              periferia, lazer, cultura, esportes, vida participativa,
              restabelecendo espaços de convivência, além do "bar". 
              São lembrados os programas de
              proteção a testemunhas e de atenção a vítimas, e de
              indenização administrativa sempre que haja violação de
              direitos por agentes do Estado. 
              Fala-se em fortalecimento da
              Ouvidoria da Polícia e dos mecanismos constitucionais de seu
              controle. Pede-se o fim do trabalho forçado de crianças. Muitas
              são as providências lembradas contra a intolerância e o
              preconceito. Pede-se a instalação de canais especiais para
              denúncias, garantida a segurança do usuário. 
              A necessidade de promoção nos
              municípios de fóruns sobre políticas e programas de direitos
              humanos(ponto 7) entrosa-se com o estímulo à criação de
              núcleos municipais de defesa da cidadania (ponto 111). 
              O apoio ao estabelecimento de
              plantões permanentes do Poder Judiciário e do Ministério
              Público e da Procuradoria de Assistência Judiciária (ponto 114)
              vem logo antes do reconhecimento da importância do debate sobre a
              reorganização do Poder Judiciário, para melhor atender às
              demandas da população(ponto 115). 
              Fica esta agenda moldada nas
              recomendações do Programa Estadual de Direitos Humanos. Que
              melhor forma de compatibilizar os elementos do tema, que usar os
              critérios que a sociedade aspira sejam usados, já que os elegeu
              como legítimos e necessários? 
              Quase em conclusão 
              Os grandes temas que exigem
              discussão por um Fórum que pretende projetar seus efeitos para o
              século XXI, a partir da agenda fixada pela sociedade paulista
              podem ser assim resumidos: 
              EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
              (trabalhar práticas democráticas, formar os agentes do Estado
              para agirem de acordo com os conceitos fixados pela Constituição
              Federal, investir em pesquisa como controle de políticas
              públicas e formação de indicadores; combater o desperdício.) 
              PARTICIPAÇÃO POLÍTICA (dar nova
              cara do Estado, com integração das diversas instâncias de poder
              em face das grandes questões, incentivar novas formas de agir com
              a sociedade; evitar superposição de ações) 
              ACESSO À JUSTIÇA E COMBATE À
              IMPUNIDADE (discussão dentro do Estado, integrada por meios
              tecnológicos avançados, identificando os avanços possíveis,
              através de alteração da lei de organização judiciária, leis
              de procedimentos como possibilitado pela Constituição 
              ESTABELECIMENTO DE MECANISMOS DE
              SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS (irradiar a metodologia dos
              Centros de Integração da Cidadania por toda a Capital e pelos
              municípios médios e grandes; incentivar a criação de tribunais
              arbitrais) 
              MUNICIPALIZAÇÃO DO DEBATE SOBRE
              CIDADANIA (criar Comissões de Direitos Humanos em todas as
              Câmaras Municipais, incentivar a elaboração de programas
              municipais de direitos humanos e cidadania; trabalhar localmente a
              questão da educação pela democracia, da igualdade e do combate
              à discriminação; ) 
              GERAÇÃO DAS LEIS NECESSÁRIAS AO
              APOIO À CIDADANIA (estabelecer e incentivar as leis reclamadas
              pelo PEDH, como nova lei de terras, a regulação dos Centro de
              Integração da Cidadania, entre outros pontos) 
              Modernidade e igualdade (a título
              de conclusão) 
              Isto nos conduz ao fim desta
              exposição. Ao dualismo final de todos os propostos. A tecnologia
              e os direitos humanos. A modernidade e a igualdade. A modernidade
              que nos trouxe a integração globalizada da economia, dos
              costumes, a modernidade que nos traz a comunicação instantânea,
              com qualquer parte, que a cada dia traz mais novidades
              instigantes, com técnicas de produção que levam a produzir
              mais, melhor e em menos espaço, não inventou o fim da fome ou o
              fim da ignorância e da violência. 
              A igualdade surge como a ótica dos
              direitos humanos, como um viés ético, para enxergar e temperar a
              aparentemente "desideologizada" modernidade. A forma de
              solução achada para essa equação: modernidade- igualdade, nos
              antecipará o futuro que teremos. 
              Depende de nós adotarmos ou não a
              agenda que conduz a uma nova forma de ver o Estado e suas
              relações com a sociedade, acreditando nos direitos humanos e na
              participação popular como um instrumento de modernizar essas
              relações. A cada passo, deve-se perguntar, com pertinácia
              budista, eu diria: Isto que nós fizemos fortaleceu o processo
              democrático? Em caso negativo, não hesitemos em recomeçar.
              Falar em crise (krisis), lembra o seu sentido etimológico, de
              momento de decisão. É, assim, num exercício de otimismo
              racional, consciente, sinto que nós decidimos firme e
              definitivamente pela paz, não a ausência de guerra ou a calma
              dos cemitérios, mas a que seja, no dizer de Espinosa, a virtude
              originada na força d’alma no respeito às leis. 
              A paz não como fuga da morte, mas
              desejo de vida. Marilena Chauí ( Sobre o Medo), com base ainda em
              Espinosa, fornece a conclusão: 
              "A coragem da sociedade será
              sempre medida por sua esperança de cidadania. Ciência alguma
              garantirá por antecipação a derrota do medo. A luta aqui,
              passional, é combate entre duas paixões em tudo contrárias:
              fuga da morte e desejo de vida. Só depois que as paixões tiverem
              decidido o porvir, saberemos, se tristemente, morreremos de medo e
              sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas, ou se
              veredas se abrirão para as alamedas da razão, da liberdade e da
              felicidade." 
              * Belisário dos Santos Jr.,(belisariosantos@hotmail.com),
              advogado em São Paulo, membro da Comissão Justiça e Paz/SP e de
              organismos internacionais de promoção dos direitos humanos, foi
              Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São
              Paulo, desde janeiro de 1995 até julho de 2000. 
                
             |