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              A luta pela anistia 
              Depoimento de Belisário dos Santos
              Júnior 
              O dia a dia nos tribunais
              militares. A noite nos teatros, contra a lei de segurança, pela
              anistia. A vida do advogado era assim. 
              A prisão foi a realidade para
              muitos, como produto de militante ação em organizações
              políticas, mas foi a defesa técnica e política exercida nas
              tribunas das Auditorias Militares que galvanizou a opinião
              pública. 
              O advogado foi o escolhido para
              denunciar a tortura do cliente pela polícia política. A
              perseguição aos parentes, a tortura, as revistas vexaminosas, o
              largo tempo de encarceramento, tudo militava contra os presos,
              dividindo famílias. O advogado era a família dos presos
              políticos. 
              Denúncias contra a atuação do
              Esquadrão da morte, no Presídio Tiradentes foram feitas pela voz
              de advogados. E seguiu-se a prisão de oito advogados paulistas,
              em vez do criminoso denunciado. Seus escritórios foram invadidos. 
              Colocar na emergência de um
              hospital de São Paulo um perseguido político baleado – figura
              de cartaz (aquela ignomínia que reproduzia a cara de patriotas e
              a expressão "procura-se") – a três advogados custou
              a prisão, a um digno procurador militar a carreira, mas valeu a
              vida – e isso ainda emociona – àquele mineiro simpático que
              a polícia política queria matar. 
              O dia a dia nos tribunais. A noite
              nos teatros... 
              A anistia assim construída não
              foi concebida apenas como "esquecimento" das condutas
              políticas cometidas contra a lei penal durante o período de
              chumbo. A anistia foi pensada – e só teria sentido assim –
              como forma de restabelecer a igualdade em relação àqueles que
              usaram do direito de insurgência contra a opressão, no caso a
              ordem autoritária constituída e, assim procedendo, foram
              processados, presos, afastados ou demitidos de seu trabalho,
              cassados em seus mandatos parlamentares. Por isso, não havia e
              não há sentido em se falar de anistia para os crimes comuns
              cometidos por agentes do Estado. Estes não cometeram crimes
              políticos... 
              A luta pela anistia foi a luta pelo
              retorno do exílio, pela saída da prisão de brasileiros, mas foi
              principalmente a forma da cidadania brasileira gritar o seu sonho
              por um estado de direito, por uma nova sociedade. Que vem vindo,
              vamos reconhecer os avanços. Há o que comemorar. Mas, saibamos
              identificar os nós, as muitas resistências. A democracia é um
              processo. É bom saber disso, para não desanimar. A luta segue. A
              indignação ante a injustiça não pode ser guardada. Há muito
              por fazer. 
              * Belisário dos Santos Jr.,
              advogado, foi defensor de presos e perseguidos políticos durante
              o regime militar e membro da Comissão Justiça e Paz da
              Arquidiocese de São Paulo; atualmente é Secretário da Justiça
              e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. 
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