
Homenagem
a Vladimir Herzog
Depoimento
de Paulo Evaristo, CARDEAL ARNS
Arcebispo Emérito de São Paulo
VLADO
HERZOG, DERRUBANDO O AI-5
Já se escreveu, muitas vezes, e se repete com insistência
justificada, que a liberdade das comunicações é a mais
essencial garantia de todas as liberdades. Só a pessoa humana
recebeu o dom da palavra para assegurar a expressão da
afetividade, das idéias e de toda a personalidade.
Disso
tivemos a prova, quando foi preso, torturado e morto o jornalista
tão estimado Vlado Herzog.
No
final da cerimônia ecumênica celebrada na Catedral de São
Paulo, o saudoso herói nacional, Dom Hélder Câmara me sussurrou
aos ouvidos: “Senhor Cardeal, é hoje que começa a derrocada da
ditadura militar.”
E
assim foi.
Para
confirmar o fato, logo após a cerimônia comovente e tão
concorrida, mais de mil jornalistas se comprometeram a revelar
todos os desmandos das autoridades militares contra os Direitos
Humanos. O povo que lotava, além da Catedral, todos os espaços
da Praça da Sé, se dispunha a reconquistar os direitos da
cidadania.
Foi
esse o maior consolo que pude transmitir à Clarice - esposa de
Vlado – desolada e aos filhos que levei em meu carro à residência
deles, ao final dos cumprimentos.
O
mérito de esvaziar o AI-5 compete, em primeiro lugar a Vlado e
sua família. Depois, aos comunicadores de São Paulo e do Brasil.
Enfim, aos que souberam perseverar na luta pela solidariedade até
ao fim.
A
morte, por tortura, do operário Manuel Fiel Filho desencadeou,
pouco depois, a crise militar e a deposição do General Ednardo,
Comandante do II Exército.
Mesmo
com a chegada de seu substituto, General Dilermando, não pude
aceitar o convite especial para participar das evocações de 31
de março, porque dias antes haviam explodido o “aparelho” da
Lapa da forma costumeira. Trégua não é sinônimo de paz.
A
invasão bárbara da PUC de São Paulo, comandada pelo Coronel
Erasmo Dias e o duplo incêndio do TUCA, célebre sala de
apresentações artísticas, prepararam a greve, chamada “do
ABC”, destinada à reposição dos salários. A população não
só forneceu alimentos, mas acorreu à Catedral para rezar em
favor dos treze líderes operários, presos junto com dois
presidentes da Comissão Justiça e Paz e diversos jornalistas.
A
cerimônia ecumênica por Vlado Herzog transformou-se em incentivo
de uma população, cansada, senão saturada pela ditadura
militar. O heroísmo do operário Santo Dias da Silva, quatro anos
depois, pôde levar ao Brasil inteiro as imagens da união dos
paulistanos – estudantes, trabalhadores, intelectuais –
dedicados à causa da paz e da liberdade, sem violência e sem
covardia.
A
juventude brasileira há de inspirar-se, assim espero, em Vlado
Herzog, para criar o Brasil novo, justo e fraterno, pelo qual ele
trabalhou e morreu.
São Paulo, 13 de
outubro de 2000
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