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A Construção coletiva dos 
Direitos Humanos na era da universalização

LUIZ PÉREZ AGUIRRE

Formado em Psicologia na Universidade Católica de Valparaíso (CHILE). Licenciado em Filosofia pela Universidade Pontifícia de San Miguel (ARGENTINA). Cursou Estudos de Teologia em Regis College (TORONTO University, CANADÁ). Obteve uma licenciatura em tecnologia pela Universidade Pontifícia de San Miguel (ARGENTINA). Pós-graduação em Teologia na Universidade Pontifícia de Comillas.

San Miguel de Coluna, como tantas favelas típicas de nosso continente, tem uma extensão de cerca de cinco quilômetros de comprimento, por oito de largura, nenhuma flor, nenhuma planta, nem pássaros, nem água potável. Lixo por todas as partes. O chão, saturado de salitre, é praticamente impermeável. No período seco se vive e se toma banho no pó. Enquanto chove, se vive e se circula no lodo. Não custa imaginar os lugares contaminados e infectados por terra misturada nos restos orgânicos, onde a água está parada embaixo de um sol cinza já tropical. Imaginamos o cheiro... e duzentas mil pessoas que vão todos os dias a trabalhar ou procurar trabalho ao centro da cidade.

Uma média de duzentas mil crianças se arrastam no lodo e procuram seu alimento no lixo, a rua é sua casa. Um só hospital desprovido de quase tudo, dentro da localidade. Não podemos esquecer a situação de Pedrinho Nogueira quando depois de vários dias de comer lixo começa a perder o apetite e a sentir-se febril. E assim um dia e outro. Depois outro. A febre sobe incontrolavelmente. Não tem mãe, porque ela o deixou nas ruas da grande cidade para que tratasse de sobreviver de qualquer jeito, roubando se for necessário.

Mas Pedrinho não soube viver assim. E a tosse sem razão aparente no refúgio das paredes de papelão debaixo do viaduto que dá acesso à grande cidade, onde seus companheiros de rua não sabem o que mais fazer. Seu corpo vai cobrindo-se de manchas de um vermelho intenso. Os dias seguem-se passando sem nenhuma melhora ou auxílio. Começa-lhe uma diarréia, sua pele se seca e a erupção alcança seus olhos provocando uma tremenda infecção e inflamação no rosto. Dias depois, a pele se descama e lhe deixa feridas abertas. As outras crianças o cobrem com uns panos sujos que fazem lençóis. Pedrinho tosse com acessos persistentes e prolongados. Continua a diarréia, já não ingere nenhum alimento, seu organismo fraco, perde água, sais e elementos nutritivos. Quando o encontramos debaixo de uns papelões e trapos com uns amigos numa calorosa manhã, estava desidratado de tal forma que sua sede era insuportável era sacudido por acessos de tosse que são demasiado fracos para limpar seus pulmões, mas demasiado fortes para os músculos de seu pequeno coração. Pouco a pouco, sua vida se apaga...

Não encontro melhor maneira de começar essa reflexão compartilhando com vocês uma preocupação pessoal. Uma preocupação que faz ficar incômodo frente a maneira clássica de encarar Direitos Humanos e em particular frente a maneira de lutar de muitas organizações de Direitos Humanos. Porque acredito que geralmente correspondem a um conceito limitado e individualista dos Direitos Humanos e tem dificuldade para ver a complexidade estrutural-causal da violência deles.

Em primeiro lugar as pessoas que têm violado os seus direitos são uma espécie de negação para a sociedade. Elas não são reconhecidas como seres humanos, como pessoas, como sujeitos de direitos. Elas são o que temos chamado na América Latina de não-pessoas, os sem rosto, a multidão pobre de nossos países do sul.

Na antigüidade os gregos elaboram o conceito de pessoa a partir da situação dos atores do teatro, que usavam máscaras como amplificadores da voz que se escutava através delas. Mas para o caso o importante não era ser um ator de teatro, senão sua condição: ser homens livres. Em toda troca os escravos não podiam atuar e essas pessoas precisamente eram chamadas: Apropos, que quer dizer, aquele que não vemos, o sem rosto, a não pessoa. Então, como hoje, também, o rosto velado dos excluídos, dos marginalizados, dos mendigos, das prostitutas, das crianças da rua, dos dependentes da droga, os esquecidos até da comunidade dos Direitos Humanos.

Na realidade, transborda absolutamente nosso enfoque para lutar contra a violação dos Direitos Humanos. Porque quem viu e acompanhou em sua agonia e em sua tortura a Pedrinho Nogueira não pode aceitar sem mais nem menos as maneiras de trabalhar e lutar da comunidade dos Direitos Humanos... Porque em Pedrinho estão 1500 Pedrinhos e Mariazinhas menores de cinco aos que morrem a cada hora diante de nossos olhos sobressaltados e impotentes. Quem viu essa morte lenta, essa tortura indescritível, já não pode ficar igual como antes.

E nós perguntamos: Quem matou e segue matando a Pedrinho? Quem organizou essa cruel “execução sumária”? Quem mandou matar? Porque em outros casos os torturadores e os assassinos se conhecem, tem nome e sobrenome, mas aqui não tem rosto, chamam-se estruturas injustas, sub-desenvolvimento gerador da cólera, da rubéola, do tétano, da diarréia... E isto acontece agora mesmo e acontecerá amanhã. Eles matam e torturam cada dia 1500 crianças por hora, mantendo a miséria, a humilhação humana mais absoluta a 450 milhões de pessoas, das quais 167 milhões são crianças. Eu não posso ficar tranqüilo ao saber quer por não Ter água potável morrem 17 pessoas por minuto, que 240 milhões de habitantes das zonas rurais de nossos países pobres, estão privados do acesso ao vital líquido, e que por isto vivem em condições de saneamento precário, e por isso morrem como moscas. A cada minuto morre um menor jovem (1500 por dia) por causas absolutamente evitáveis, relacionadas com a gravidez e o parto e por falta adequada de Assistência Médica.

Desculpem que repita cifras que todos conhecem. Mas o que acontece é que diante destas realidades que temos viva diante dos olhos de cada dia, nosso conceito dos Direitos Humanos e nossa maneira de lutar parece ridícula senão fosse tão estupidamente ingênua.

Não podemos fantasiar sobre o que está em jogo. Não podemos errar ou trapacear com as palavras. Nestas circunstâncias é muito difícil abordar o tema dos Direitos Humanos... É muito difícil perceber o matiz do vocabulário. Não chamemos política econômica aquilo que não é senão um tratado de guerra escrito com sangue, dos oprimidos. Poderíamos fazer crer que estamos diante de uma reflexão clássica dos Direitos Humanos e poderíamos terminar hoje cheios de irresponsabilidades utópicas. Na realidade este é um tema difícil, trata do terrível assunto de como evitar a morte e como fazer viver milhares de crianças que vão morrer antes que acabe este dia. É um problema abordar do ponto de vista daqueles que lhe é tirado sua dignidade e sua vida. Ao contrário do conceito liberal, que concentra seu discurso sobre os direitos da pessoa, nosso conceito das Direitos Humanos tem como objetivo e ponto de partida a não-pessoa, a multidão pobre de nossos povos do sul.

Comecemos reconhecendo descarnadamente, como os antigos profetas bíblicos começavam com seus preceptores maiores até os maiores pecadores que a violência e a violação dos Direitos Humanos mais grave, sem dúvida nenhuma, é a estrutural e institucional. E é assim por sua extensão como por sua profundidade e continuidade. Essa é a violência que pesa como uma lápide mortuária sobre o povo pequeno e inocente, rodeando-os em suas vidas desde que nascem numa cabana onde nem os cachorros vivem, até que são mortos nas ruas do tempo.

Se analisarmos a espiral da violência encontraremos um momento decisivo na violação dos Direitos Humanos a violência estrutural. Nesse conjunto de estruturas econômicas, sociais, jurídica e culturais que causam a dor profunda cruel e desumana na pessoa, que oprimem e impedem que seja liberado dessa opressão.

Lembrando-nos que a bomba de Hiroshima matou 70.000 pessoas, chegamos à conclusão de que o Brasil é um país que lança sobre sua própria população 13 bombas de Hiroshima cada cinco anos em que as vítimas são exclusivamente bebês que não chegam a completar um ano de vida. É a mais covarde das guerras porque as vítimas neste caso, são absolutamente indefesas. E não esqueçamos que a alegórica bomba de neutrons, não só mata as crianças calculada pela faixa social estudada pelo Banco Mundial no Brasil, ela mata também crianças maiores de um ano, adolescentes, adultos e velhos. A esperança de vida ao nascer, no Brasil, é de 65 anos, dez anos a menos que no Uruguai, ou Costa Rica, para não mencionar países desenvolvidos do norte.

No total da população de 150 milhões, isto representa perto de um bilhão e meio de anos de vida humana rifados. São um bilhão e meio de anos de alegrias, de amores, de esperança, de vida humana que nunca serão vividos. E a desgraça é que parece que todos já nos acostumamos com essa tragédia.

Direitos Humanos na agonia do Milênio

Este costume se dá no mesmo momento em que o milênio se acaba. Devemos tomar nota da vertiginosa seqüência do sucedido que são reflexos da agonia. Ainda sendo consciente de que nossa maneira de medir o tempo não é mais que uma convenção, devemos admitir que os últimos anos tem sido catastróficos no que se refere à direitos humanos. Talvez temos avançado novas formulações jurídicas, e em consciências a certa níveis da humanidade, mais induvidavelmente que esses logros se misturam com o horror na experiência diária.

Declarações Universais e famintas, Convenções e Terras arrasadas, riquezas nunca vistas e pobreza oprimida.

Órfãos de segurança, nós estamos debatendo para permanecer humanos na insensatez do último trecho do milênio.

A angústia é inevitável porque somos mortais e o nosso tempo se esgota no breve piscar de uma estrela. Não é fácil esperar. Mas na ânsia de crer e apostar no que parece utópico nos impulsiona a desafiar todos os temores.

Será muito importante que abordemos a utopia de outra maneira porque a cultura ocidental produziu nos últimos quatro séculos, quase um milhar de utopias. A maior parte delas só ficaram no papel. Algumas foram tentadas na prática, como nas reduções jesuíticas do Paraguai, a organização social que foi o coletivismo Marxista, os Kibutzen Israelitas, etc. desgraçadamente esses modelos utópicos, alternativos de organização da sociedade, naufragaram de uma ou outra maneira, e hoje pode um Francis Fukuyama proclamar friamente no fim da história. Mas o que é mais curioso é que a carência de projetos históricos mobilizadores não tem provocado nenhuma tragédia, nem apocalipse. Parece que hoje é perfeitamente possível viver sem idéias. Um exemplo típico é a propaganda que fazia a companhia de um ônibus a pouco tempo: “Um mundo totalmente cínico, uma só coisa merece que você se mobilize por ela: Suas férias!”.

Não está demais citar aqui a Oscar Wilde quando afirmava que “num mapa no qual não figure a Terra da Utopia, não merece ser visto pela Segunda vez”, e tem razão, porque uma condição dos humanos é da esperança. Por acaso o lactente não espera o peito de sua mãe? E a criança não espera manter-se em pé e caminhar? Não espera o enfermo se curar, e o prisioneiro, ficar livre, ou o faminto, comer? Quando se apaga a esperança se apaga a vida. Então aparece um Fito Paez que reclama: “Quem falou que tudo está perdido... eu venho a oferecer o coração!”.

Devemos compreender que o futuro não nasce do presente se não ao contrário, é do presente que nasce o futuro. E a utopia-esperança é um componente básico de nossa existência humana, que pode se fazer jubilosa, embora se debatendo na dor. A dor deve potenciar a lógica enexorável das coisas verdadeiras e desmanchar os êxitos aparentes, as pregações no final da história devem retirar os segredos da liberdade para todos.

No último meio século tem sido um crisol de mutação de muitas frases e desafios de todos nossos esquemas mentais, políticos, culturais e econômicos. Quando apenas restam 7 anos para o ano 2000 as transformações daquele mundo gerado em dores de parto da Segunda guerra mundial exigem um intento por retirar o que nos incubaram, e até onde nos conduzem, fazer um aporte a necessárias sínteses que se tornem viáveis como humanidade nesta transição do século XX ao século XXI.

Nestes 50 anos temos assistido ao questionamento de uma boa qualidade de certezas que acompanham o pensamento da humanidade durante séculos. Uma visão linear e acumulativa do progresso, a ciência como explicação das realidades e o culto da racionalidade, que se propuseram a expulsar mitos e superstições, enquadraram uma modernidade que hoje se revoluciona-se por dentro. Tudo se mistura vertiginosamente. Uma “Idade do Ouro”, utopias e nostalgias de um passado que poderia Ter sido perfeito, sonhos por um futuro que está por inventar-se.

O vetusto paradigma científico da modernidade tem voado em pedaços. O conceito de civilização se esgotou e os sistemas sócio-econômicos ficaram paralisados e sem horizonte nesta inesperada mudança da história.

Não se trata de uma época em que a humanidade se desintegra negativamente, senão o que faz escapar é uma força criadora, inovadora. Desde o interior do velho que se desintegra, brota o novo. Esse “novum” está formado por milhões de pequenas vidas comunitárias.

Vai se substituindo ao mundo anônimo e urbano pelos grupos menores que procuram articular dois extremos: de um lado está a pessoa única e insubstituível e de outro lado o planeta (aberto ao Cosmos e ao mistério do além das Galáxias). “Os direitos da pessoa se convertem nos direitos do planeta”.

Chegamos a comprovar que devemos repensar toda a relação que existe entre a pessoa humana e o cosmos. Temos que repensar também conceitos que se tornam equívocos, como a do Estado-Nação, o de cidade e o de Direitos Humanos. O conceito liberal que tínhamos deles já não respondem à nova realidade. Ao mesmo tempo a escala deve mudar: “tudo muito grande... e não grande o bastante. Aqui a paradoxa... moral da vida moderna”. As metrópoles que surgem em várias partes do mundo sofrem de gigantismo, mas ao mesmo tempo são provincianos na relação com o planeta intercomunicado que está surgindo. A descentralização aparece como desenfreada e desejável, na planetarização que está ao alcance da mão. Talvez nos Estados Unidos ainda tenham muita vida e os conflitos a esse nível não estejam esgotados (como a vida feudal resistiu mais do que se previa).

Mas os novos espaços sócio-políticos emergentes já estão aqui e teremos que aprender a ler a realidade em outras “freqüências simultâneas: a do pequeno imediato e a da areia mundial. Este é um grande desafio para nossas incipientes ciências sociais e políticas, que enfiaram seus instrumentos teóricos em função dos Estados modernos...

A sociedade planetária

Se o feudalismo terminou cercado pelo Estado Nacional, hoje esse mesmo Estado Nacional se encontra rodeado pôr dois lados opostos e complementários que fazem xeque-mate: essas pequenas comunidades de vida e de trabalho sem fronteiras políticas nem geográficas, ao nível do planeta inteiro. O Estado-Nação que tinha nascido com a modernidade vai acabando também com ela. Isto obriga a repensar muitas coisas na política, na sociedade e nos Direitos Humanos... Não estaria mal recuperar a afirmação de Marx de que “tudo que é sólido se dissolve no ar”. Mas se condensa mais na frente para continuar o processo. Mas isso seria entrar numa discussão antiga e quase semântica ao tentar saber se estamos diante do fim da história das ideologias ou se entramos no mundo pós-moderno ou pós-industrial.

A universalização da tecnologia arranca com o crepúsculo da Segunda guerra mundial e essa impossibilidade de uma solução isolada é paradoxalmente uma oportunidade para a humanização de nosso mundo marcado pelo avanço científico. Estamos, para o bem ou para o mal, inseridos na engrenagem do “mecanismo” que rege cada setor de nossa atividade. Para produzir mais eficazmente importa programar tanto o produtor quanto o consumidor. E para que a pessoa não seja um mero objeto no cálculo industrial, é necessário compartilhar as responsabilidades, no que se supõe certo grau de participação nas decisões do mundo que vai se formando.

Qualquer acontecimento, como uma quebra comercial em Nova Iorque, nos faz cair no conto daquela aldeia planetária que descreveu o sociólogo canadense Marshall McLuhan a mais de vinte anos. E estamos ainda na pré-história da comunicação local e planetária entre os computadores.

Todas as previsões para os próximos anos anunciam uma crescente e fantástica eclosão das redes de todo tipo, por satélites, fibras óticas intercontinentais, redes de microcomputadores locais conectados por sua vez com redes nacionais e intercontinentais. E até se descobre que esta civilização de alta tecnologia poderia converter-se num colosso “de pés de silício”, essa areia com que se fazem os “chips”, vulneráveis a qualquer mente do gênio pervertido que gostasse de inaugurar o “terrorismo eletrônico”, como ficou demonstrado em agosto de 1984 quando um estudante da Universidade de Califórnia do Sul, Fred Cohen, assombrou o mundo explicando como fabricou um “vírus eletrônico” capaz de penetrar nas redes eletrônicas e auto multiplicar-se indefinidamente perturbando todo o sistema.

E nesta mesma Universidade, Charles Ritcheson, novo decano de suas bibliotecas, espera que um futuro próximo a Biblioteca Nacional como a British Library em Londres e as Bibliotecas Nacionais de Roma. Tóquio e Seul “conversassem” com Los Angeles via satélite. Sugere-se que a época de uma biblioteca universal única terminou. “Não veremos mais, uma maravilha como a grande biblioteca de Alexandria, queimada pelos romanos em 47 a.C. a acumulação das informações e a abundância de matéria impressa é tanta que é indispensável que nos dividamos a tarca”, Richenson e outros colegas procuram estabelecer uma espécie de “biblioteca mundial”, cujas ramificações estarão indiferentemente em Los Angeles, Paris, Washington, Roma ou Moscou. Uma teia de aranha de bibliotecas interligadas eletronicamente responderá a todas as necessidades do conhecimento. Com as conseqüências que se prevêm, por exemplo: a supremacia já contestável da língua inglesa nos intercâmbios através do mundo, ainda de teer conquistado à diplomacia. “Se não estamos afogados sobre as informações, percebemos por falta de conhecimentos”, declara Rutherford D. Rogers, que acaba de aposentar-se como bibliotecário chefe da Universidade de Yale. 800.000 livros, 400.000 revistas e centenas de milhares de outros documentos são publicados no mundo atual a cada ano, ameaçando como paralisar a melhor biblioteca. Colúmbia, por exemplo, adquiriu desde 1967, milhares de livros em certas áreas especializadas, mais do que em todo o período de 150 anos desde sua fundação. Yale, que conta com 8 milhões de volumes, não recebe mais do que 8% do material impresso que se publica a cada ano no mundo, então: 175.000 volumes. Tudo se obriga em definir os campos de interesse, qualificar o intercâmbio de informações e fazer esforços em comum como base de uma biblioteca ideal à medida do planeta.

Também “a propriedade” adquiriu novas fronteiras. Possuir uma coisa é ter o direito de utilizá-la, e por isso de destruí-la também. A propriedade é uma resposta dos homens ao seu medo da morte e do amanhã, com a manipulação genética, é o homem quem se converterá em novo objeto de consumo!... Aqui temos todo um novo universo sem suspeitas para incluir na doutrina dos Direitos Humanos que tem ficado pequena diante destas realidades. Uma nova leitura da história a partir das regras da propriedade através das épocas, nos mostraria as relações de cada sociedade com a morte. Para durar, o homem procura sempre diversas formas de apropriar-se dos bens dos demais, que sã sua força de vida. E entre esses bens estão os que se destroem pelo uso, mas outros duram e produzem novos bens (bens férteis), conceito absolutamente central para compreender nossa história.

E desde o começo da humanidade, a primeira propriedade tem sido a vida mesmo. Por isso desde as épocas primitivas os bens férteis se concentraram nas mulheres e na terra, mas hoje se descobre que um novo bem fértil se converte numa peça chave: a informação. Em todas suas formas, desde a informação impressa até a eletrônica e, em particular, sobre a forma de vida. Hoje a informação tem adquirido um valor em si mesmo, não está submetida a regras do dinheiro, somente o substitue. Os institutos e centros de investigação são testemunhas disto. Uma nova ordem informativa internacional embasada nos Direitos Humanos se espera.

Também o tempo de produção e de distribuição dos bens se reduz consideravelmente. Alvin e heidi Toffler asseguravam, numa recente divulgação de seus estudos sobre “a divisão do mundo no século XXI”, que “o grande perigo no próximo milênio será a separação entre o mundo rápido e o mundo lento”. Tudo indica um possível distanciamento acelerado, distanciamento do Norte para um maior e mais rápido crescimento de riqueza e controle dos mecanismos vitais. O tempo se converte num fator crítico da produção. É algo evidente hoje, que em toda análise de custo-benefício intervêm decisivamente o fator tempo, e opera sobre suas superfícies um novo sistema de novos valores (individuais e sociais). O comportamento humano dentro dos atuais horizontes está ligado em que a vida humana parece breve, brevíssima. A aceleração geral que caracteriza este final de século faz do imediatismo um culto. Quanto menos esperança existe, com maior desespero o homem se refugia no paradoxo do presente. E essa atitude é incompatível com qualquer projeto de melhoramento do sistema atual dos Direitos Humanos.

Quanto mais rápido funcionam os processos econômicos, mais riquezas se criam no mesmo período de tempo com os mesmos ou ainda menos recursos. Tudo indica que a economia do século operará em tempos reais ou velocidades instantâneas. As novas tecnologias permitem uma nova fase de crescimento, diversificam os objetos e se orientam à satisfação das novas necessidades, à dos “solitários”. Aparece como alguém os chamou de “objetos nômades”, que começam com “Walkman” e chega, até os avanços da prótese humana, a última geração do bem chamado “de consumo” antes do quê o mesmo ser humano num futuro próximos e se converta em mais um desses bens. Derivamos perigosamente para “si mesmo” como objeto de consumo. E o problema, como desde o começo da humanidade, se apresenta em relação com a morte. A economia política da morte. A economia política da morte caminha sobre a economia política da vida. Este telão de fundo nos está obrigando a uma formulação de doutrina atual dos Direitos Humanos.

Temos ido assim, pela primeira vez na história, numa generalização que é proprietária da espécie humana. A bomba atômica anunciou a genética, nossa geração adquire o direito de manipular, de modificar a espécie humana. O ser humano, com as manipulações genéticas, sonha dono de sua vida. Estamos ainda a coincidência do que significa o problema da manipulação genética. Esperamos que nossa época seja capaz de economizar um “leviatá enérico”.

O ponto crucial

Por outro lado, nesses cinqüenta anos temos visto atônitos como  os sinais vitais do planeta se deterioram progressivamente e visivelmente. A cada ano os bosques são agredidos e as áreas ficam menores, os desertos se expandem, a área da terra fértil se afina. A proteção da camada de ozônio fica mais vulnerável, a diversificação biológica da vida na terra diminui e os níveis de dióxido de carbono na atmosfera chega a graus alarmantes.  A diminuição das reservas de combustíveis fósseis é evidente. Se estas tendências não se reverterem a tempo, criarão um caos das relações globais e levantarão perguntas desesperadoras sobre a vida futura do planeta. Todo o conceito de direito da segurança se volta mais para o sofisticado e deve modificar-se de maneira urgente para adequar-se a estes novos parâmetros. Porque não há nação ou povo que possa dar resposta por si mesmo a estas interrogações. Haverá que fortalecer o potencial que surgiu logo na Segunda Guerra Mundial plasmado no sistema das Nações Unidas mas entregando-lhes a finalidade que se idealizou e que atualmente está muito longe.

Não existe dúvida que estamos longe de aproximarmos ao fim da história, ou a uma nova ordem mundial, nos aproximamos, como dizia bem Fritjof Capra, do “ponto crucial” é uma encruzilhada, a uma mudança radical na percepção da realidade e dos Direitos Humanos... Tudo indica que a perspectiva mecanicista e de dedução a que se mostrava triunfalmente a modernidade é deixada de lado para buscar um paradigma de sistemas integrados. Capra vêm a dizer que a crise atual é essencialmente uma crise de percepção da realidade. Estamos passando por uma fase transcendental que nos permite passar de uma percepção fragmentada e mecanicista a uma concepção holística da realidade (do grego holos = tudo). Capra o define como uma maneira de entender a realidade desde o ponto de vista de várias unidades integradas, cujas propriedades não podem reduzir-se a uma unidade pequena. Estão dadas as condições para uma nova concepção dos Direitos Humanos muito mais articulada e global.

O ponto crucial que anuncia Capra é provalvemente uma transformação que não tem precedentes por suas características. Se dá com uma velocidade e tem uma extensão e universalidade nunca antes experimentada. No que coincidem vários processos de transição na significação e a percepção dos fenômenos. Não é um simples câmbio que produz certas crises nos indivíduos, nas instituições ou nos governos. No mesmo ecossistema planetário tem-se chegado a um momento crucial. E assim se modificam não só percepções que temos da realidade, senão também as relações sociais e as mesmas formas de organização social.

‘não estamos perto da teoria do surgimento de uma nova ordem mundial (ordem é um conceito do século XIX que sugere idéias Meternicheanas como “largo”, “pesado”, entidades certamente estáticas), senão estão mais perto da teoria do caos e do universo das partículas físicas. O universo que se move por estranhas acelerações, lógicas e probabilidades, por desconstruções e estalos de luz. Um universo que se apresenta com perigosas simultaneidades em atividade: comunicações planetárias instantâneas junto a gestos aváricos e famintos. É muito revelador que sempre se anuncie o fim da história e o triunfo do capitalismo ocidental, o Banco Mundial publica em seu informe sobre o Desenvolvimento Mundial que este ano a pobreza “é a questão que mais fez pressão na década” e nos adverte que os fenômenos dos mil milhões de pessoas com uma per capita menor de que 370 dólares ao ano não é tão somente vergonhosa, senão insustentável.

É necessário desemboca numa espécie de “ecologia profunda”, enraizada numa nova percepção da realidade e dos Direitos Humanos, que fosse além da estrutura científica, que chaga a um novo tipo de conhecimento e sabedoria intuitiva da realidade, da unidade da vida e de seus múltiplos ciclos de mudança. Assim foi emergindo uma nova consciência com a pessoa que se sente vinculada à totalidade do cosmo. Essa nova consciência ecológica e dos Direitos Humanos aparecerá como um novo sentido espiritual e terminará com as grandes manifestações místicas que passam por Heráclito e São Francisco de Assis para chegar até Gandhi e Mos. Romero.

As idéias que nos pode iluminar é a vida. Ela é a direção que recorre os atuais caminhos e as diferentes buscas que se intercomunicam (outra vez os “networks”), nas diversas situações sociais, políticas e culturais. A luta pela vida se lança como um vetor entre os limites mínimo da subrevivência das massas empobrecidas e os compridos horizontes da vida mais plena, de maior qualidade, mais humana. Assim se juntam as lutas de liberação com as lutas dos Direitos Humanos, pela dignidade, pela mulher, pela paz e pela preservação do meio ambiente. Desde diferentes situações se começa a converger na defesa da vida, do ser humano e de seus direitos, dos povos e seus direitos, do planeta e seus direitos.

As novas demandas, não só econômicas, estão pedindo um novo projeto de sociedade, novos valores e uma nova civilização afirmada numa nova ética que tem como embasamento os Direitos Humanos. Estas demandas vêm fundamentalmente dos novos sujeitos históricos – mulheres, indígenas, jovens – e da consciência crescente sobre a crise ecológica e a necessidade de salvaguardar o habitat. Ainda, a temática do gênero sexual, contra o machismo e o patriarcado, abre enormes potencialidades de ramificação de rumos, criatividade e mobilização popular. As demandas da mulher, das etnias e dos que chamam pelo respeita à natureza, são hoje as alternativas com mais esperança.

Estamos enfrentando o milênio que nasce. Todas as religiões, as ideologias e as experiências humanas se confrontam com os enormes desafios de um mundo que se tem unificado. O teólogo católico Ernesto Balducci, em seu livro “O Homem Planetário” diz que “se a humanidade deve enfrentar-se com o futuro como sujeito único, onde encontrará agora o princípio da própria consciência?”. Existe para Balducci um imenso “movimento ecológico”. Vê que os confrontos interconfessionais são uma mera manifestação de que algo está nas profundidades: “Chegou o tempo de dizer que o verdadeiro ecumenismo não é quem busca a reconciliação entre os crentes, senão a do homem com o homem”. Seu livro termina com uma coerente declaração de fé que se anuncia em todos os horizontes: Esta é a minha confissão de fé, sob a forma de esperança. Quem ainda se declara ateu ou maxista ou laico e necessita um cristianismo para completar a série de representantes no palco da cultura, que não me procure. Eu sou um homem”. Surpreendente afirmação de um cristianismo honesto, que quer viver com a intensidade do mundo que nasce na dimensão de um sagrado realmente universal. Surpreendente contraste com o endurecimento de tantas religiões, o neo-integrismo na Igreja Católica, os racismo, a xenofobia, a intolerância das seitas e o integrismo de algumas correntes muçulmanas.

reminiscências da pergunta de Lenin, que fazer?. Porque é necessário interrogar-se para não despojar do último humano que nos fica. Tem que assumir com radical sinceridade as crises dos paradigmas teóricos. Para endireitar este planeta torcido e acalmar o choro da dor dos oprimidos é preciso revisar com profundidade esses paradigmas, as referências concretas com as que temos lidado até agora.

 

Preocupar-se com a realidade

O primeiro e obrigado passo que devemos dar em caráter epistemológico. Meu irmão jesuíta e mártir de El Salvador, Ignácio Ellacurria, e vai aqui minha homenagem, ele dizia de maneira rápida numa formulação exata e como brincando com as palavras. Dizia que todo conhecimento verdadeiro está profundamente implicado com uma responsabilidade e com uma paixão o sofrimento; e defendia três tarefas: fazer-se responsável pela realidade, é dizer, conhecê-la realmente e vivenciá-la, sofrida visceralmente para assim descobri-la intelectualmente.

Preocupar-se com a realidade, ou seja, assumir a tarefa de transformá-la, colocando a inteligência a serviço da prática.

Carregar com a realidade, aceitando a responsabilidade ética da função intelectual e a dureza deste confronto.

Magnífico programa para enfrentar-mos o monumental desafio histórico. Ninguém o terá dito melhor, é verdade que num intento do socialismo acabou com o Este Europeu e que estamos ainda medindo as conseqüências. Mas também é verdade que o capitalismo, vista de uma ótica do sul, sempre sofreu de insuficiência crônica e demonstrou até o causador das náuseas da sua capacidade de responder às demandas sociais. E por esta simples razão é que é, por natureza, concentrador de riquezas, criador de desigualdades.

Não é casualidade que cada país capitalista rico seja o resultado de pelo menos vinte países-satélites pobres. Não é necessário ser um especialista econômico para dar-se conta de que maneira opera o sistema das instituições como o Banco Mundial, o FMI, o OCDE e o Clube de Paris, sempre fazendo crer ingenuamente que há dúvidas desinteressadas ou sinceramente interessadas pelo desenvolvimento dos países pobres. Na realidade, a tão celebrada “vitória” da concorrência do mercado não é mais que a cortina de fumaça para amortizar utopias e fortalecer a hegemonia das potências capitalistas transformando o imperativo categórico, o critério liberal que associa a liberdade e a felicidade ao padrão de consumo. “Nos últimos 10 anos, os pobres ficaram mais pobres. Hoje, dos 17 bilhões de dólares do PIB mundial, quase a metade se encontra nas mãos de apenas 7 países”. Calcula que faria falta uma ajuda de 94.000 milhões de dólares para que a América Latina pudesse Ter em 1995 o nível de pobreza que tinha em 1980.

O grande drama deste fim de século define-se em que a civilização dominante hoje não é a da solidariedade senão do capital. Essa “civilização do capital” é a que vem configurando o mundo atual e tem feito das 4/5 partes da humanidade um “cristo” (outra vez Ignácio Ellacurria). Frente a esta civilização que domina, não tem outro jeito senão lutar por opôr outra nova e diferente: a civilização solidário dos Direitos Humanos. Esse é nosso grande desafio. O importante, o decisivo, é que o destino da humanidade não fique estático pelas leis internas do mercado. E não porque algumas leis sejam imortais, senão porque são morais e levam dentro de si uma dinâmica muito precisa que arrasta a todos que entram nela.

É verdade que não temos ainda solução. Mas tampouco cairão do céu. Estamos diante de um monumental desafio à imaginação. Aqui só temos problemas, embora por mais doloroso que seja, “é melhor Ter problemas do que Ter uma só solução para o futuro da história. Evidentemente que a América Latina tem um terrível problema: toda ela é um problema. E o grande desafio atual consiste em resolver esse problema, mas não com a solução que ofereceu E.E.U.U. com isto não estou dizendo que tudo que tem e oferece os E.E.U.U é ruim e negativo, mas que a solução imposta não é boa. E não é somente por um princípio absolutamente relativo, uma solução não universal para todo o mundo, não é uma solução humana. Dado que a solução de E.E.U.U não é universal para todo o mundo, não é uma solução humana, não serve para a humanidade. Se todo o mundo tivesse os níveis de consumo de E.E.U.U (de carne, eletricidade, petróleo etc.) acabaríamos em vinte anos com os recursos existentes. Logo, desde o ponto de vista concreto, ecológico da realidade do mundo, essa não é e nem pode ser a solução.

Por outro lado não convém se esquecer que o projeto socialista nasceu de um profundo sentimento ético, nasceu como uma reação humanística diante do clamor e a dor dos povos pobres crucificados por algumas relações de acumulação que levaram a uma exploração cruel. Segue em pé mais do que nunca a utopia de inventar e testar uma sociedade que inclua a todos e não exclua a maioria.

Que não esteja baseado na apropriação privada e individual, mas também na solidariedade dos Direitos Humanos... E este sonho nós desejamos imperiosamente para que possamos aderir algum dia e considerar-nos filhos e filhas da alegria.

Então nos importa superar a idéia de que as sociedades novas nascem nos gabinetes universitários dos “engenheiros sociais”, ou dos “quadros” pensantes dos partidos políticos. Na realidade nasce de uma relação muito mais rica e complexa, de fatores diversos, históricos, econômicos, sociais, sexuais, religiosos, culturais etc. cabe citar aqui a Marx agora esquecido e renegado: “A história não faz nada... não libera nenhuma luta. É sob todo ser humano, o ser humano concreto e vivo, quem o faz tudo, quem possui e quem luta, e não simplesmente a “história” como se fosse uma pessoa que utiliza os seres humanos para alcançar objetivos. A história não é mais a atividade dos humanos em busca de seus próprios objetivos”.

 

O princípio da sociedade: Pathos e Eros

Então a única maneira de se safar desta confusão do discurso, é voltando às origens de nossa opção pelos Direitos Humanos. E nos encontraremos com que, esta opção se é autêntica, geralmente se inicia quando se dá a luz à vida humana, num grito: “O grito escutado e sentido como na carne própria (...). A opção pelos Direitos Humanos não nasce de uma teoria nem de uma doutrina em particular. A mesma declaração universal é produto de um comprido e complexo novelo de gritos de milhões de pessoas no comprimento e largura do planeta e da história. É necessário dar respostas a esses gritos. A legislação cabe a importância de “escutar “ e “sentir” o grito de quem se tem convertido em vítima, de quem tem sido despojado de sua dignidade ou de seus direitos.

Por isso sempre será um caminho errado aproximar-se dos Direitos Humanos desde uma teoria ou desde uma doutrina. Para que o compromisso seja estável e duradouro, para que não se desoriente ou se perca pelo caminho (comprido e arriscado), deverá partir, não de uma teoria, mas de uma experiência, de uma dor alheia ao sentido próprio (...) Se temos que procurar uma expressão que seja anterior e que permita transpor toda posição religiosa, “neutra” ou “ideológica”, uma expressão que permita que o exterior interrompa em nosso mundo íntimo e nos mobilize para uma opção pela justiça e pelos Direitos Humanos, nós teremos que remeter a palavra em prioridade, a exclamação ou a interjeição da dor, conseqüência imediata do traumatismo sentido. O “ai” de dor produzido por um golpe, uma ferida, que indica de maneira imediata, em alguém e não em algo. Quem escutar o grito de dor fica sobressaltado, porque o sinal interrompe o seu cotidiano e integrado mundo, o som, o ruído, que permite sentir a presença ausente de alguém com dor”.

E com o grito passamos à compaixão. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, dificilmente poderá ser de origem e direcionado de uma vocação sustentada e desinteressada em favor do sofrimento do oprimido. O importante é que na opção pelos Direitos Humanos o que provoca (pro- + diante; vocare + chamar) a mobilização de nossas energias amorosas, a compaixão, não é a teoria, nem sequer a reflexão, mas a capacidade de ouvir o grito do sofrente e Ter a sensibilidade para responder. O primeiro movimento passa então pela sensibilidade do “coração”, se sente nas entranhas, é uma opção e uma vocação incontestável. É necessário afirmar este princípio da sensibilidade, porque vemos, desde muitos séculos confusos de uma nefasta influência cultural que nos desvia calamitosamente do coração da opção e da vocação. Hoje, ninguém mantém que a razão possa explicar e dominar tudo. A razão já tem deixado de ser primeiro e o último momento da existência humana. Nossa existência está coberta para acima e para abaixo da razão. Porque existe o racional e o irracional.

Felizmente, abaixo, existe algo mais antigo, mais profundo, mais elementar e mais primitivo que a razão: a sensibilidade. Podemos dizer que a experiência humana está baseada no sentimento.

A capacidade de ser afetado e afetar: a afetividade. Nesta convicção está toda a base antológica da psicologia profunda (Freud, Jung, Adler e seus discípulos) e deve residir também a base antológica da prática dos Direitos Humanos. A última estrutura da vida é o sentimento e as expressões que derivam deles: O Eros, a paixão, a “ternura” (uma das palavras mais belas da língua espanhola, nem sequer tem tradução no Inglês ou no Alemão), a compaixão, o amor... É o sentimento que é entendido corretamente e em toda sua dimensão, não só como é movido pela psique, mas também como “qualidade existencial” como estruturação do ser humano.

Mas atenção, eu não estou afirmando que o sentimento (Pathos) e a “sensibilidade” se opunham ao Logos (compreensão racional), falo que eles são também uma forma de conhecimento muito mais abrangente e profundo que a razão, porque a incluem e a desbordam. Isto o expressa maravilhosamente Pascal, a quem ninguém poderia acusar de menosprezador da razão já que foi um dos criadores do cálculo da probabilidade e construtor da máquina de calcular. Pois bem, Pascal chegou a afirmar que os primeiros axiomas do pensamento são uma intuição do coração, e que é o coração quem coloca as premissas de todo possível conhecimento do real. Diz que o conhecimento por via do sentimento (Pathos) se apoia na simpatia (o sentir – com a realidade) e se canaliza pela empatia (sentir em, dentro de, identificado com, a realidade sentida).

Estamos afirmando algo que para o defensor dos Direitos Humanos é fundamental: que na origem não está a razão, mas a paixão (Pathos e Eros). E que a mesma razão atua movida, impulsionada pelo Eros que o habita. O militante dos Direitos Humanos não pode ignorar que Pathos não é a mera afetividade, não é a mera passividade que se sente afetada pela existência própria ou alheia, senão que é principalmente atividade, é o tomar da iniciativa de sentir e identificar-se com a realidade sentida. E o Eros não supõe um mero sentir, senão um co-sentir. Não é uma mera paixão, senão uma compaixão. Não é um mero viver, senão com co-viver, simpatizar e entrar em comunhão.

O próprio da razão é dar clareza, ordenar e disciplinar a direção. Mas nunca está sobre ele. A trapaça em que está nossa cultura é a de Ter cedido à primazia do Logos sobre o Eros, desembocando em mil cortes da criatividade e gestando mil formas repressivas de vida. E a conseqüência disto é que se suspeita profundamente do prazer e do sentimento, das razões do coração. E então surge a frieza da “lógica”, a falta de entusiasmo por cultivar e defender a vida, surge a morte da “ternura”. Isto, para os Direitos Humanos é mortal.

 

Princípio de interpretar: situar-se no lugar certo

O dito nos introduz num problema maior, não se pode lutar pelos Direitos Humanos de qualquer lugar e nem de qualquer posição anterior. Em nossos fracassos, por ser eles garantidos na realidade o que falha é o lugar onde pretendemos atuar. É pertinente lembrar a respeito daquela frase de Engels, convertida numa frase popular, de que “não se pensa o mesmo de um barraco de que num palácio”. Tão simples afirmação constitui, sem dúvida, numa das conquistas mais profundas e importantes do pensamento contemporâneo. O que está afirmando Engels com sua verdade é que embora a verdade seja absoluta, não se tem acesso a ela. É dizer, que embora seja possível para pessoa um certo acesso real à verdade, esse acesso nunca será neutro e sem condições. Nós deveríamos completar o afeto de afirmação de Engels dizendo que “não se sente (se vê ou se experimenta) a mesma realidade desde um barraco que desde um palácio”.

É fundamental perguntar-mos pela chave com a qual abrimos o cadeado que nos introduz à compreensão do objeto. Se queremos sublinhar o “desde ou onde” falamos, trabalhamos e interpretamos a realidade, o lugar chave, podemos falar de “lugar” ou de “horizonte” onde interpretamos.

Porque não é o mesmo lutar pelos Direitos Humanos em Curitiba que lutar em Genebra. Inclusive não é o mesmo lutar em Genebra diante da Declaração Universal. Do mesmo modo, não será exatamente igual um trabalho pelos Direitos Humanos por um membro da classe alta brasileira e outro pelo filho de um trabalhador metalúrgico de São Paulo. Inclusive, sendo filho de metalúrgico de São Paulo, não será o mesmo lutar sem um advogado, por exemplo, em Porto Alegre, que sendo um jovem militante da comunidade do Ceará. Igualmente não é o mesmo trabalhar pelos Direitos Humanos sendo um socialista ou um liberal.

E mais, supondo que tem muitos militantes, será diferente essa prática realizada por uma mulher, simpatizante do feminismo que a de um democrata incorporado ao OPUS DEI. Não é o mesmo trabalhar pelos Direitos Humanos sendo um professor de filosofia ou de literatura, que sendo sociólogo e economista.

E ainda no caso de que ambos foram filósofos, ainda não seria igual na prática pois quem se formou com influência tomista na Espanha será diferente de quem teve uma formação hegeliana adquirida em Louvaina...

Entender isto é de muita importância para lutar pelos Direitos Humanos como referência universal. Ainda supondo a melhor intenção, a melhor boa vontade e os melhores talentos intelectuais, tem lugares que desde que, simplesmente não se vê, não se sente a realidade que nos mostram os Direitos Humanos o amor e a solidariedade. Porque ninguém pode pretender olhar e sentir os problemas humanos, a violação dos direitos e a dignidade humana, a dor e o sofrimento dos outros, desde uma posição “neutra”, absoluta, cuja ótica garanta total imparcialidade e objetividade. Então existem lugares, posições pessoais desde que os que simplesmente querem lutar pelos Direitos Humanos a coisa é assim, simples, e é assim de grave, tirar a conta daquilo e tirar as conseqüências. Onde estou parado, dentro das tarefas pelos Direitos Humanos? Porque a questão é saber se estou situado no lugar “correto” para minhas tarefas.

O lugar se converte em algo mais decisivo para a tarefa que na qualidade dos conteúdos dos Direitos Humanos quero promover, defender ou contagiar. É pois, a maioria dos casos fazer uma ruptura da interpretação. A chave para se entender isto se encontra na resposta que cada um damos à pergunta pelo “desde onde atuam”, a pergunta pelo lugar que escolho para olhar o mundo ou a realidade, para interpretar a história, e para localizar minha prática humana.

Ignácio Illacurria, foi também eminente lutador pelos Direitos Humanos e por isso mesmo foi assassinado em El Salvador por militares falando na opção pelos pobres que tinha feito a Universidade Centro-Americana, de que o reitor, dizia que (a tarefa educativa) implica “primeiro, o lugar social pelo que se tem optado, segundo, o lugar desde que e para que se faz as interpretações teóricas e os projetos práticos, terceiro, o lugar que configura a prática e ao que se subordina a própria prática”.

Então se entende que na raiz assumimos este lugar social e que na indignação ética que sentimos diante da realidade da violação da dignidade e dos direitos de uma pessoa concreta: o sentimento de que a realidade de injustiça que se abate sobre os seres humanos é tão grave que merece uma atenção especial; a percepção de que a própria vida perderia seu sentido se fosse vivida de costas a essa realidade.

Para lutar efetivamente pelos Direitos Humanos será obrigatório adotar o lugar social da vítima. O ponto de vista dos satisfeitos e dos poderosos acaba inevitavelmente mascarando a realidade para justificar-se. Nunca será possível lutar pelos Direitos Humanos desde a ótica do centro e do poder, nem, sequer desde uma pretendida neutralidade. Esta prática estará condenada de ante mão para anular-se e a recair sobre si mesma quando afronta a prova dos fatos.

A trajetória de muitos lutadores de hoje é que estão buscando eliminar a compaixão e a dor, não desde o coração sensível que encontra os meios de luta adequados, senão desde outras “razões” e o único meio eficaz que tem encontrado é anestesiar a lucidez e a profundidade do coração para não senti-lo.

Por isso terminam ficando sem coração. É o que Antonio Machado expressou: “no coração tinha/a espinha de uma paixão/consegui arrancá-la um dia/já não sinto o coração!...” Os lutadores que pretendem desviar a ferida que provoca a opção pelo lugar social das vítimas, que pretendem desviar as conseqüências da opção exigida pelo lugar correto da luta, procuraram iludir a dor mas o fizeram pelo pior caminho: “quem lhes arrancou o coração” e lhes fez incapazes de sentir, de entender e superar a violação dos Direitos Humanos.  

Uma ética e uma cultura universal dos Direitos Humanos

Está claro que a falta de um projeto global de mudanças e de acumulação de força faz impossível e extraordinariamente difícil um projeto alternativo de um só indivíduo ou grupo num só país. No mundo global, não há revoluções, senão projetos alternativos.

O anti-imperialismo, o anti-liberalismo... não cabem num projeto eficaz que implique mudanças globais, universais, para uma cultura dos direitos humanos e a paz, onde o imperialismo perde toda a legitimidade e por isso passa a ser perseguido por todos como “inimigo da humanidade”.

Hoje, devemos lutar juntos por uma nova atitude criativa, dinâmica, que supere os protestos sem propostas. No novo milênio será impossível a convivência humana sem uma ética planetária entre todas as nações. O novo milênio se caracteriza pelas experiências tecnológicas limites do mais alto risco. Basta pensar na área da energia nuclear ou na tecnologia genética.

Tudo isso exige que a ética que foi considerada como assunto privado pela modernidade, volte a converter-se num assunto público de primeira ordem, pelo bem do homem e a sobrevivência da humanidade.

O mundo cada vez mais unificado, inter-relacionado, não poderá sobreviver sem a coexistência ética antagônica. Já não cabe uma ideologia única, senão um consenso nos valores éticos fundamentais, universais: uma ética planetária. Pensamos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma boa base para começar a trabalhar e pronto.

Devemos iniciar um caminho por esta trilha se é que ainda estamos em tempo. E devemos advertir que não será nada fácil porque é um dado pela experiência que a humanidade sempre tem encontrado muitas dificuldades para fundamentar uma ética da obrigatoriedade geral e incondicional. Nem sequer um possível direito e “dever” de sobreviver da humanidade” poderia provar-se com algum valor racional, dado que sempre poderemos perguntar-nos porque há de existir a humanidade porque há de respeitar a herança genética e porque tem que haver vida em geral?

Faz quinhentos anos Erasmo escreveu um livrinho intitulado Elogio à Insensatez”. Ao começar a ler, nós pensamos que seu autor está um pouco louco pelo que diz, mas ao terminá-lo, pensamos que não estamos tão seguros de sermos tão razoáveis.

É o único que aqui pretendemos dizer-lhes porque não cabem muitas razões éticas, se é que as têm. Cada qual tem sua ética e sua consciência. E não estou muito seguro que exista uma ética, e menos uma ética universal, nem que possamos impôr a outros nossas convicções. O que me parece claro que nenhuma ética se mantém se não for pelo menos coerente. O princípio básico de qualquer ética é sua coerência interna. A ética do chamado “nova ordem mundial” parece esgrimir razões éticas quando se trata dos pobres, e da racionalidade econômica quando trata-se dos ricos... Nós também exibimos razões de racionalidade moral quando se trata dos outros, e razões de racionalidade econômica quando se trata de nós... Oxalá esta “duplique a medida” e ponha em evidência nossa hipocrisia e nos disponhamos a trabalhar juntos pela primeira vez na elaboração da ética universal. Penso, como falei que a Declaração Universal dos Direitos Humanos que expressa o avanço da consciência da humanidade é uma belíssima base e uma oportunidade para colocar as mãos a obra.

Olhando o futuro acredito que temos que seguir sendo um pouco insensatos para sermos eficazes nesta tarefa dos Direitos Humanos sendo infiel a eles: predicar tolerância, por exemplo, sendo intoleráveis... Sob essa boa fé nos salvará de nos converter em verdadeiros mercenários dos Direitos Humanos. Porque nesse campo nenhuma simulação, nenhuma representação, por mais profissional que se considere, não conseguirá seu objetivo, não é admissível aqui uma ação, por mais neutra ou limpa que aceitemos, que não implique a expressão genuína e profunda de nossas atitudes cotidianas e de nossos valores pessoais.

Para fazer que outro assuma uma atitude semelhante à nossa prática dos Direitos Humano, será necessário comovê-lo amplamente e profundamente e assumindo pela simpatia de todos os pressupostos e as implicações deles. Isto supõe-se implicar-se também na ação de tal maneira que signifique uma profunda mutação em nossa e em sua concepção da realidade dos Direitos Humanos, isto implica uma boa dose de violência ao supor a possibilidade de desalojar uma velha axiologia em um e em outro, que geralmente está profundamente enraizada no coração, só se conseguirá desde que haja um fenomenal ato de amor. Do contrário seria como bater contra um muro...

Ser militante dos Direitos Humanos será isso, converter os demais em vulneráveis ao amor. Transmitir atitudes novas e transformar as realidades injustas só se podem fazer desde essa mútua vulnerabilidade, onde o amor se vive seriamente e naturalmente. Porque será inútil dizer que não mentimos, haverá simplesmente que dizer a verdade. O eficaz, não será predicar a justiça e a tolerância, mas ser simplesmente justos e tolerântes.

Vemos que se o caminho percorrido nestes anos tem sido comprido e tortuoso, muito mais ainda fica por percorrer e corrigir. Mas ainda é importante mudar a visão que temos dos Direitos Humanos na medida que não começa dos direitos das não-pessoas, dos empobrecidos. E haverá que integrar essa consciência universal dos Direitos Humanos e expressadas nas declarações, convenções e códigos, tudo aquilo que ainda adoece. Mas ainda, haverá que se lutar incansavelmente para que tenha sido aceitado como Diretor Humano.

Falta muito por fazer. Para dar um só exemplo do monumental desafio que temos pela frente, a recente convenção dos direitos da criança começa “reconhecendo que a criança para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade, deve crescer no seio da família, num ambiente de felicidade que a criança tem necessidade de ser amada para desenvolver-se como ser humano! É dizer, se insinua uma possível declaração do direito humano ao amor... A Declaração Universal não tinha previsto? E hoje nos perguntamos se é somente a criança que tem direito ao amor? E nós? Não será que qualquer ser humano durante tal, e para permanecer humano tem que Ter esse elementar direito a ser amado e poder amar seus semelhantes e ao redor amoroso e vivente que lhe possibilita existir? Guardamos no coração a esperança que esse homem e essa mulher jovem não serão uma mera utopia senão os parteiros do futuro.

 

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