
A
Construção coletiva dos
Direitos Humanos na era da
universalização
LUIZ PÉREZ AGUIRRE
Formado em
Psicologia na Universidade Católica de Valparaíso (CHILE).
Licenciado em Filosofia pela Universidade Pontifícia de San
Miguel (ARGENTINA). Cursou Estudos de Teologia em Regis College
(TORONTO University, CANADÁ). Obteve uma licenciatura em
tecnologia pela Universidade Pontifícia de San Miguel
(ARGENTINA). Pós-graduação em Teologia na Universidade Pontifícia
de Comillas.
San
Miguel de Coluna, como tantas favelas típicas de nosso
continente, tem uma extensão de cerca de cinco quilômetros de
comprimento, por oito de largura, nenhuma flor, nenhuma planta,
nem pássaros, nem água potável. Lixo por todas as partes. O chão,
saturado de salitre, é praticamente impermeável. No período
seco se vive e se toma banho no pó. Enquanto chove, se vive e se
circula no lodo. Não custa imaginar os lugares contaminados e
infectados por terra misturada nos restos orgânicos, onde a água
está parada embaixo de um sol cinza já tropical. Imaginamos o
cheiro... e duzentas mil pessoas que vão todos os dias a
trabalhar ou procurar trabalho ao centro da cidade.
Uma
média de duzentas mil crianças se arrastam no lodo e procuram
seu alimento no lixo, a rua é sua casa. Um só hospital
desprovido de quase tudo, dentro da localidade. Não podemos
esquecer a situação de Pedrinho Nogueira quando depois de vários
dias de comer lixo começa a perder o apetite e a sentir-se
febril. E assim um dia e outro. Depois outro. A febre sobe
incontrolavelmente. Não tem mãe, porque ela o deixou nas ruas da
grande cidade para que tratasse de sobreviver de qualquer jeito,
roubando se for necessário.
Mas
Pedrinho não soube viver assim. E a tosse sem razão aparente no
refúgio das paredes de papelão debaixo do viaduto que dá acesso
à grande cidade, onde seus companheiros de rua não sabem o que
mais fazer. Seu corpo vai cobrindo-se de manchas de um vermelho
intenso. Os dias seguem-se passando sem nenhuma melhora ou auxílio.
Começa-lhe uma diarréia, sua pele se seca e a erupção alcança
seus olhos provocando uma tremenda infecção e inflamação no
rosto. Dias depois, a pele se descama e lhe deixa feridas abertas.
As outras crianças o cobrem com uns panos sujos que fazem lençóis.
Pedrinho tosse com acessos persistentes e prolongados. Continua a
diarréia, já não ingere nenhum alimento, seu organismo fraco,
perde água, sais e elementos nutritivos. Quando o encontramos
debaixo de uns papelões e trapos com uns amigos numa calorosa
manhã, estava desidratado de tal forma que sua sede era insuportável
era sacudido por acessos de tosse que são demasiado fracos para
limpar seus pulmões, mas demasiado fortes para os músculos de
seu pequeno coração. Pouco a pouco, sua vida se apaga...
Não
encontro melhor maneira de começar essa reflexão compartilhando
com vocês uma preocupação pessoal. Uma preocupação que faz
ficar incômodo frente a maneira clássica de encarar Direitos
Humanos e em particular frente a maneira de lutar de muitas
organizações de Direitos Humanos. Porque acredito que geralmente
correspondem a um conceito limitado e individualista dos Direitos
Humanos e tem dificuldade para ver a complexidade
estrutural-causal da violência deles.
Em
primeiro lugar as pessoas que têm violado os seus direitos são
uma espécie de negação para a sociedade. Elas não são
reconhecidas como seres humanos, como pessoas, como sujeitos de
direitos. Elas são o que temos chamado na América Latina de não-pessoas,
os sem rosto, a multidão pobre de nossos países do sul.
Na
antigüidade os gregos elaboram o conceito de pessoa a partir da
situação dos atores do teatro, que usavam máscaras como
amplificadores da voz que se escutava através delas. Mas para o
caso o importante não era ser um ator de teatro, senão sua condição:
ser homens livres. Em toda troca os escravos não podiam atuar e
essas pessoas precisamente eram chamadas: Apropos, que quer dizer,
aquele que não vemos, o sem rosto, a não pessoa. Então, como
hoje, também, o rosto velado dos excluídos, dos marginalizados,
dos mendigos, das prostitutas, das crianças da rua, dos
dependentes da droga, os esquecidos até da comunidade dos
Direitos Humanos.
Na
realidade, transborda absolutamente nosso enfoque para lutar
contra a violação dos Direitos Humanos. Porque quem viu e
acompanhou em sua agonia e em sua tortura a Pedrinho Nogueira não
pode aceitar sem mais nem menos as maneiras de trabalhar e lutar
da comunidade dos Direitos Humanos... Porque em Pedrinho estão
1500 Pedrinhos e Mariazinhas menores de cinco aos que morrem a
cada hora diante de nossos olhos sobressaltados e impotentes. Quem
viu essa morte lenta, essa tortura indescritível, já não pode
ficar igual como antes.
E
nós perguntamos: Quem matou e segue matando a Pedrinho? Quem
organizou essa cruel “execução sumária”? Quem mandou matar?
Porque em outros casos os torturadores e os assassinos se
conhecem, tem nome e sobrenome, mas aqui não tem rosto, chamam-se
estruturas injustas, sub-desenvolvimento gerador da cólera, da
rubéola, do tétano, da diarréia... E isto acontece agora mesmo
e acontecerá amanhã. Eles matam e torturam cada dia 1500 crianças
por hora, mantendo a miséria, a humilhação humana mais absoluta
a 450 milhões de pessoas, das quais 167 milhões são crianças.
Eu não posso ficar tranqüilo ao saber quer por não Ter água
potável morrem 17 pessoas por minuto, que 240 milhões de
habitantes das zonas rurais de nossos países pobres, estão
privados do acesso ao vital líquido, e que por isto vivem em
condições de saneamento precário, e por isso morrem como
moscas. A cada minuto morre um menor jovem (1500 por dia) por
causas absolutamente evitáveis, relacionadas com a gravidez e o
parto e por falta adequada de Assistência Médica.
Desculpem
que repita cifras que todos conhecem. Mas o que acontece é que
diante destas realidades que temos viva diante dos olhos de cada
dia, nosso conceito dos Direitos Humanos e nossa maneira de lutar
parece ridícula senão fosse tão estupidamente ingênua.
Não
podemos fantasiar sobre o que está em jogo. Não podemos errar ou
trapacear com as palavras. Nestas circunstâncias é muito difícil
abordar o tema dos Direitos Humanos... É muito difícil perceber
o matiz do vocabulário. Não chamemos política econômica aquilo
que não é senão um tratado de guerra escrito com sangue, dos
oprimidos. Poderíamos fazer crer que estamos diante de uma reflexão
clássica dos Direitos Humanos e poderíamos terminar hoje cheios
de irresponsabilidades utópicas. Na realidade este é um tema difícil,
trata do terrível assunto de como evitar a morte e como fazer
viver milhares de crianças que vão morrer antes que acabe este
dia. É um problema abordar do ponto de vista daqueles que lhe é
tirado sua dignidade e sua vida. Ao contrário do conceito
liberal, que concentra seu discurso sobre os direitos da pessoa,
nosso conceito das Direitos Humanos tem como objetivo e ponto de
partida a não-pessoa, a multidão pobre de nossos povos do sul.
Comecemos
reconhecendo descarnadamente, como os antigos profetas bíblicos
começavam com seus preceptores maiores até os maiores pecadores
que a violência e a violação dos Direitos Humanos mais grave,
sem dúvida nenhuma, é a estrutural e institucional. E é assim
por sua extensão como por sua profundidade e continuidade. Essa
é a violência que pesa como uma lápide mortuária sobre o povo
pequeno e inocente, rodeando-os em suas vidas desde que nascem
numa cabana onde nem os cachorros vivem, até que são mortos nas
ruas do tempo.
Se
analisarmos a espiral da violência encontraremos um momento
decisivo na violação dos Direitos Humanos a violência
estrutural. Nesse conjunto de estruturas econômicas, sociais, jurídica
e culturais que causam a dor profunda cruel e desumana na pessoa,
que oprimem e impedem que seja liberado dessa opressão.
Lembrando-nos
que a bomba de Hiroshima matou 70.000 pessoas, chegamos à conclusão
de que o Brasil é um país que lança sobre sua própria população
13 bombas de Hiroshima cada cinco anos em que as vítimas são
exclusivamente bebês que não chegam a completar um ano de vida.
É a mais covarde das guerras porque as vítimas neste caso, são
absolutamente indefesas. E não esqueçamos que a alegórica bomba
de neutrons, não só mata as crianças calculada pela faixa
social estudada pelo Banco Mundial no Brasil, ela mata também
crianças maiores de um ano, adolescentes, adultos e velhos. A
esperança de vida ao nascer, no Brasil, é de 65 anos, dez anos a
menos que no Uruguai, ou Costa Rica, para não mencionar países
desenvolvidos do norte.
No
total da população de 150 milhões, isto representa perto de um
bilhão e meio de anos de vida humana rifados. São um bilhão e
meio de anos de alegrias, de amores, de esperança, de vida humana
que nunca serão vividos. E a desgraça é que parece que todos já
nos acostumamos com essa tragédia.
Direitos Humanos na agonia do Milênio
Este costume
se dá no mesmo momento em que o milênio se acaba. Devemos tomar
nota da vertiginosa seqüência do sucedido que são reflexos da
agonia. Ainda sendo consciente de que nossa maneira de medir o
tempo não é mais que uma convenção, devemos admitir que os últimos
anos tem sido catastróficos no que se refere à direitos humanos.
Talvez temos avançado novas formulações jurídicas, e em consciências
a certa níveis da humanidade, mais induvidavelmente que esses
logros se misturam com o horror na experiência diária.
Declarações
Universais e famintas, Convenções e Terras arrasadas, riquezas
nunca vistas e pobreza oprimida.
Órfãos
de segurança, nós estamos debatendo para permanecer humanos na
insensatez do último trecho do milênio.
A
angústia é inevitável porque somos mortais e o nosso tempo se
esgota no breve piscar de uma estrela. Não é fácil esperar. Mas
na ânsia de crer e apostar no que parece utópico nos impulsiona
a desafiar todos os temores.
Será
muito importante que abordemos a utopia de outra maneira porque a
cultura ocidental produziu nos últimos quatro séculos, quase um
milhar de utopias. A maior parte delas só ficaram no papel.
Algumas foram tentadas na prática, como nas reduções jesuíticas
do Paraguai, a organização social que foi o coletivismo
Marxista, os Kibutzen Israelitas, etc. desgraçadamente esses
modelos utópicos, alternativos de organização da sociedade,
naufragaram de uma ou outra maneira, e hoje pode um Francis
Fukuyama proclamar friamente no fim da história. Mas o que é
mais curioso é que a carência de projetos históricos
mobilizadores não tem provocado nenhuma tragédia, nem
apocalipse. Parece que hoje é perfeitamente possível viver sem
idéias. Um exemplo típico é a propaganda que fazia a companhia
de um ônibus a pouco tempo: “Um mundo totalmente cínico, uma só
coisa merece que você se mobilize por ela: Suas férias!”.
Não
está demais citar aqui a Oscar Wilde quando afirmava que “num
mapa no qual não figure a Terra da Utopia, não merece ser visto
pela Segunda vez”, e tem razão, porque uma condição dos
humanos é da esperança. Por acaso o lactente não espera o peito
de sua mãe? E a criança não espera manter-se em pé e caminhar?
Não espera o enfermo se curar, e o prisioneiro, ficar livre, ou o
faminto, comer? Quando se apaga a esperança se apaga a vida. Então
aparece um Fito Paez que reclama: “Quem falou que tudo está
perdido... eu venho a oferecer o coração!”.
Devemos
compreender que o futuro não nasce do presente se não ao contrário,
é do presente que nasce o futuro. E a utopia-esperança é um
componente básico de nossa existência humana, que pode se fazer
jubilosa, embora se debatendo na dor. A dor deve potenciar a lógica
enexorável das coisas verdadeiras e desmanchar os êxitos
aparentes, as pregações no final da história devem retirar os
segredos da liberdade para todos.
No
último meio século tem sido um crisol de mutação de muitas
frases e desafios de todos nossos esquemas mentais, políticos,
culturais e econômicos. Quando apenas restam 7 anos para o ano
2000 as transformações daquele mundo gerado em dores de parto da
Segunda guerra mundial exigem um intento por retirar o que nos
incubaram, e até onde nos conduzem, fazer um aporte a necessárias
sínteses que se tornem viáveis como humanidade nesta transição
do século XX ao século XXI.
Nestes
50 anos temos assistido ao questionamento de uma boa qualidade de
certezas que acompanham o pensamento da humanidade durante séculos.
Uma visão linear e acumulativa do progresso, a ciência como
explicação das realidades e o culto da racionalidade, que se
propuseram a expulsar mitos e superstições, enquadraram uma
modernidade que hoje se revoluciona-se por dentro. Tudo se mistura
vertiginosamente. Uma “Idade do Ouro”, utopias e nostalgias de
um passado que poderia Ter sido perfeito, sonhos por um futuro que
está por inventar-se.
O
vetusto paradigma científico da modernidade tem voado em pedaços.
O conceito de civilização se esgotou e os sistemas sócio-econômicos
ficaram paralisados e sem horizonte nesta inesperada mudança da
história.
Não
se trata de uma época em que a humanidade se desintegra
negativamente, senão o que faz escapar é uma força criadora,
inovadora. Desde o interior do velho que se desintegra, brota o
novo. Esse “novum” está formado por milhões de pequenas
vidas comunitárias.
Vai
se substituindo ao mundo anônimo e urbano pelos grupos menores
que procuram articular dois extremos: de um lado está a pessoa única
e insubstituível e de outro lado o planeta (aberto ao Cosmos e ao
mistério do além das Galáxias). “Os direitos da pessoa se
convertem nos direitos do planeta”.
Chegamos
a comprovar que devemos repensar toda a relação que existe entre
a pessoa humana e o cosmos. Temos que repensar também conceitos
que se tornam equívocos, como a do Estado-Nação, o de cidade e
o de Direitos Humanos. O conceito liberal que tínhamos deles já
não respondem à nova realidade. Ao mesmo tempo a escala deve
mudar: “tudo muito grande... e não grande o bastante. Aqui a
paradoxa... moral da vida moderna”. As metrópoles que surgem em
várias partes do mundo sofrem de gigantismo, mas ao mesmo tempo são
provincianos na relação com o planeta intercomunicado que está
surgindo. A descentralização aparece como desenfreada e desejável,
na planetarização que está ao alcance da mão. Talvez nos
Estados Unidos ainda tenham muita vida e os conflitos a esse nível
não estejam esgotados (como a vida feudal resistiu mais do que se
previa).
Mas
os novos espaços sócio-políticos emergentes já estão aqui e
teremos que aprender a ler a realidade em outras “freqüências
simultâneas: a do pequeno imediato e a da areia mundial. Este é
um grande desafio para nossas incipientes ciências sociais e políticas,
que enfiaram seus instrumentos teóricos em função dos Estados
modernos...
A sociedade planetária
Se
o feudalismo terminou cercado pelo Estado Nacional, hoje esse
mesmo Estado Nacional se encontra rodeado pôr dois lados opostos
e complementários que fazem xeque-mate: essas pequenas
comunidades de vida e de trabalho sem fronteiras políticas nem
geográficas, ao nível do planeta inteiro. O Estado-Nação que
tinha nascido com a modernidade vai acabando também com ela. Isto
obriga a repensar muitas coisas na política, na sociedade e nos
Direitos Humanos... Não estaria mal recuperar a afirmação de
Marx de que “tudo que é sólido se dissolve no ar”. Mas se
condensa mais na frente para continuar o processo. Mas isso seria
entrar numa discussão antiga e quase semântica ao tentar saber
se estamos diante do fim da história das ideologias ou se
entramos no mundo pós-moderno ou pós-industrial.
A
universalização da tecnologia arranca com o crepúsculo da
Segunda guerra mundial e essa impossibilidade de uma solução
isolada é paradoxalmente uma oportunidade para a humanização de
nosso mundo marcado pelo avanço científico. Estamos, para o bem
ou para o mal, inseridos na engrenagem do “mecanismo” que rege
cada setor de nossa atividade. Para produzir mais eficazmente
importa programar tanto o produtor quanto o consumidor. E para que
a pessoa não seja um mero objeto no cálculo industrial, é
necessário compartilhar as responsabilidades, no que se supõe
certo grau de participação nas decisões do mundo que vai se
formando.
Qualquer
acontecimento, como uma quebra comercial em Nova Iorque, nos faz
cair no conto daquela aldeia planetária que descreveu o sociólogo
canadense Marshall McLuhan a mais de vinte anos. E estamos ainda
na pré-história da comunicação local e planetária entre os
computadores.
Todas
as previsões para os próximos anos anunciam uma crescente e fantástica
eclosão das redes de todo tipo, por satélites, fibras óticas
intercontinentais, redes de microcomputadores locais conectados
por sua vez com redes nacionais e intercontinentais. E até se
descobre que esta civilização de alta tecnologia poderia
converter-se num colosso “de pés de silício”, essa areia com
que se fazem os “chips”, vulneráveis a qualquer mente do gênio
pervertido que gostasse de inaugurar o “terrorismo eletrônico”,
como ficou demonstrado em agosto de 1984 quando um estudante da
Universidade de Califórnia do Sul, Fred Cohen, assombrou o mundo
explicando como fabricou um “vírus eletrônico” capaz de
penetrar nas redes eletrônicas e auto multiplicar-se
indefinidamente perturbando todo o sistema.
E
nesta mesma Universidade, Charles Ritcheson, novo decano de suas
bibliotecas, espera que um futuro próximo a Biblioteca Nacional
como a British Library em Londres e as Bibliotecas Nacionais de
Roma. Tóquio e Seul “conversassem” com Los Angeles via satélite.
Sugere-se que a época de uma biblioteca universal única
terminou. “Não veremos mais, uma maravilha como a grande
biblioteca de Alexandria, queimada pelos romanos em 47 a.C. a
acumulação das informações e a abundância de matéria
impressa é tanta que é indispensável que nos dividamos a tarca”,
Richenson e outros colegas procuram estabelecer uma espécie de
“biblioteca mundial”, cujas ramificações estarão
indiferentemente em Los Angeles, Paris, Washington, Roma ou
Moscou. Uma teia de aranha de bibliotecas interligadas
eletronicamente responderá a todas as necessidades do
conhecimento. Com as conseqüências que se prevêm, por exemplo:
a supremacia já contestável da língua inglesa nos intercâmbios
através do mundo, ainda de teer conquistado à diplomacia. “Se
não estamos afogados sobre as informações, percebemos por falta
de conhecimentos”, declara Rutherford D. Rogers, que acaba de
aposentar-se como bibliotecário chefe da Universidade de Yale.
800.000 livros, 400.000 revistas e centenas de milhares de outros
documentos são publicados no mundo atual a cada ano, ameaçando
como paralisar a melhor biblioteca. Colúmbia, por exemplo,
adquiriu desde 1967, milhares de livros em certas áreas
especializadas, mais do que em todo o período de 150 anos desde
sua fundação. Yale, que conta com 8 milhões de volumes, não
recebe mais do que 8% do material impresso que se publica a cada
ano no mundo, então: 175.000 volumes. Tudo se obriga em definir
os campos de interesse, qualificar o intercâmbio de informações
e fazer esforços em comum como base de uma biblioteca ideal à
medida do planeta.
Também
“a propriedade” adquiriu novas fronteiras. Possuir uma coisa
é ter o direito de utilizá-la, e por isso de destruí-la também.
A propriedade é uma resposta dos homens ao seu medo da morte e do
amanhã, com a manipulação genética, é o homem quem se
converterá em novo objeto de consumo!... Aqui temos todo um novo
universo sem suspeitas para incluir na doutrina dos Direitos
Humanos que tem ficado pequena diante destas realidades. Uma nova
leitura da história a partir das regras da propriedade através
das épocas, nos mostraria as relações de cada sociedade com a
morte. Para durar, o homem procura sempre diversas formas de
apropriar-se dos bens dos demais, que sã sua força de vida. E
entre esses bens estão os que se destroem pelo uso, mas outros
duram e produzem novos bens (bens férteis), conceito
absolutamente central para compreender nossa história.
E
desde o começo da humanidade, a primeira propriedade tem sido a
vida mesmo. Por isso desde as épocas primitivas os bens férteis
se concentraram nas mulheres e na terra, mas hoje se descobre que
um novo bem fértil se converte numa peça chave: a informação.
Em todas suas formas, desde a informação impressa até a eletrônica
e, em particular, sobre a forma de vida. Hoje a informação tem
adquirido um valor em si mesmo, não está submetida a regras do
dinheiro, somente o substitue. Os institutos e centros de
investigação são testemunhas disto. Uma nova ordem informativa
internacional embasada nos Direitos Humanos se espera.
Também
o tempo de produção e de distribuição dos bens se reduz
consideravelmente. Alvin e heidi Toffler asseguravam, numa recente
divulgação de seus estudos sobre “a divisão do mundo no século
XXI”, que “o grande perigo no próximo milênio será a separação
entre o mundo rápido e o mundo lento”. Tudo indica um possível
distanciamento acelerado, distanciamento do Norte para um maior e
mais rápido crescimento de riqueza e controle dos mecanismos
vitais. O tempo se converte num fator crítico da produção. É
algo evidente hoje, que em toda análise de custo-benefício
intervêm decisivamente o fator tempo, e opera sobre suas superfícies
um novo sistema de novos valores (individuais e sociais). O
comportamento humano dentro dos atuais horizontes está ligado em
que a vida humana parece breve, brevíssima. A aceleração geral
que caracteriza este final de século faz do imediatismo um culto.
Quanto menos esperança existe, com maior desespero o homem se
refugia no paradoxo do presente. E essa atitude é incompatível
com qualquer projeto de melhoramento do sistema atual dos Direitos
Humanos.
Quanto
mais rápido funcionam os processos econômicos, mais riquezas se
criam no mesmo período de tempo com os mesmos ou ainda menos
recursos. Tudo indica que a economia do século operará em tempos
reais ou velocidades instantâneas. As novas tecnologias permitem
uma nova fase de crescimento, diversificam os objetos e se
orientam à satisfação das novas necessidades, à dos “solitários”.
Aparece como alguém os chamou de “objetos nômades”, que começam
com “Walkman” e chega, até os avanços da prótese humana, a
última geração do bem chamado “de consumo” antes do quê o
mesmo ser humano num futuro próximos e se converta em mais um
desses bens. Derivamos perigosamente para “si mesmo” como
objeto de consumo. E o problema, como desde o começo da
humanidade, se apresenta em relação com a morte. A economia política
da morte. A economia política da morte caminha sobre a economia
política da vida. Este telão de fundo nos está obrigando a uma
formulação de doutrina atual dos Direitos Humanos.
Temos
ido assim, pela primeira vez na história, numa generalização
que é proprietária da espécie humana. A bomba atômica anunciou
a genética, nossa geração adquire o direito de manipular, de
modificar a espécie humana. O ser humano, com as manipulações
genéticas, sonha dono de sua vida. Estamos ainda a coincidência
do que significa o problema da manipulação genética. Esperamos
que nossa época seja capaz de economizar um “leviatá enérico”.
O ponto crucial
Por
outro lado, nesses cinqüenta anos temos visto atônitos como
os sinais vitais do planeta se deterioram progressivamente
e visivelmente. A cada ano os bosques são agredidos e as áreas
ficam menores, os desertos se expandem, a área da terra fértil
se afina. A proteção da camada de ozônio fica mais vulnerável,
a diversificação biológica da vida na terra diminui e os níveis
de dióxido de carbono na atmosfera chega a graus alarmantes.
A diminuição das reservas de combustíveis fósseis é
evidente. Se estas tendências não se reverterem a tempo, criarão
um caos das relações globais e levantarão perguntas
desesperadoras sobre a vida futura do planeta. Todo o conceito de
direito da segurança se volta mais para o sofisticado e deve
modificar-se de maneira urgente para adequar-se a estes novos parâmetros.
Porque não há nação ou povo que possa dar resposta por si
mesmo a estas interrogações. Haverá que fortalecer o potencial
que surgiu logo na Segunda Guerra Mundial plasmado no sistema das
Nações Unidas mas entregando-lhes a finalidade que se idealizou
e que atualmente está muito longe.
Não
existe dúvida que estamos longe de aproximarmos ao fim da história,
ou a uma nova ordem mundial, nos aproximamos, como dizia bem
Fritjof Capra, do “ponto crucial” é uma encruzilhada, a uma
mudança radical na percepção da realidade e dos Direitos
Humanos... Tudo indica que a perspectiva mecanicista e de dedução
a que se mostrava triunfalmente a modernidade é deixada de lado
para buscar um paradigma de sistemas integrados. Capra vêm a
dizer que a crise atual é essencialmente uma crise de percepção
da realidade. Estamos passando por uma fase transcendental que nos
permite passar de uma percepção fragmentada e mecanicista a uma
concepção holística da realidade (do grego holos = tudo). Capra
o define como uma maneira de entender a realidade desde o ponto de
vista de várias unidades integradas, cujas propriedades não
podem reduzir-se a uma unidade pequena. Estão dadas as condições
para uma nova concepção dos Direitos Humanos muito mais
articulada e global.
O
ponto crucial que anuncia Capra é provalvemente uma transformação
que não tem precedentes por suas características. Se dá com uma
velocidade e tem uma extensão e universalidade nunca antes
experimentada. No que coincidem vários processos de transição
na significação e a percepção dos fenômenos. Não é um
simples câmbio que produz certas crises nos indivíduos, nas
instituições ou nos governos. No mesmo ecossistema planetário
tem-se chegado a um momento crucial. E assim se modificam não só
percepções que temos da realidade, senão também as relações
sociais e as mesmas formas de organização social.
‘não
estamos perto da teoria do surgimento de uma nova ordem mundial
(ordem é um conceito do século XIX que sugere idéias
Meternicheanas como “largo”, “pesado”, entidades
certamente estáticas), senão estão mais perto da teoria do caos
e do universo das partículas físicas. O universo que se move por
estranhas acelerações, lógicas e probabilidades, por desconstruções
e estalos de luz. Um universo que se apresenta com perigosas
simultaneidades em atividade: comunicações planetárias instantâneas
junto a gestos aváricos e famintos. É muito revelador que sempre
se anuncie o fim da história e o triunfo do capitalismo
ocidental, o Banco Mundial publica em seu informe sobre o
Desenvolvimento Mundial que este ano a pobreza “é a questão
que mais fez pressão na década” e nos adverte que os fenômenos
dos mil milhões de pessoas com uma per capita menor de que 370 dólares
ao ano não é tão somente vergonhosa, senão insustentável.
É
necessário desemboca numa espécie de “ecologia profunda”,
enraizada numa nova percepção da realidade e dos Direitos
Humanos, que fosse além da estrutura científica, que chaga a um
novo tipo de conhecimento e sabedoria intuitiva da realidade, da
unidade da vida e de seus múltiplos ciclos de mudança. Assim foi
emergindo uma nova consciência com a pessoa que se sente
vinculada à totalidade do cosmo. Essa nova consciência ecológica
e dos Direitos Humanos aparecerá como um novo sentido espiritual
e terminará com as grandes manifestações místicas que passam
por Heráclito e São Francisco de Assis para chegar até Gandhi e
Mos. Romero.
As
idéias que nos pode iluminar é a vida. Ela é a direção que
recorre os atuais caminhos e as diferentes buscas que se
intercomunicam (outra vez os “networks”), nas diversas situações
sociais, políticas e culturais. A luta pela vida se lança como
um vetor entre os limites mínimo da subrevivência das massas
empobrecidas e os compridos horizontes da vida mais plena, de
maior qualidade, mais humana. Assim se juntam as lutas de liberação
com as lutas dos Direitos Humanos, pela dignidade, pela mulher,
pela paz e pela preservação do meio ambiente. Desde diferentes
situações se começa a converger na defesa da vida, do ser
humano e de seus direitos, dos povos e seus direitos, do planeta e
seus direitos.
As
novas demandas, não só econômicas, estão pedindo um novo
projeto de sociedade, novos valores e uma nova civilização
afirmada numa nova ética que tem como embasamento os Direitos
Humanos. Estas demandas vêm fundamentalmente dos novos sujeitos
históricos – mulheres, indígenas, jovens – e da consciência
crescente sobre a crise ecológica e a necessidade de salvaguardar
o habitat. Ainda, a temática do gênero sexual, contra o machismo
e o patriarcado, abre enormes potencialidades de ramificação de
rumos, criatividade e mobilização popular. As demandas da
mulher, das etnias e dos que chamam pelo respeita à natureza, são
hoje as alternativas com mais esperança.
Estamos
enfrentando o milênio que nasce. Todas as religiões, as
ideologias e as experiências humanas se confrontam com os enormes
desafios de um mundo que se tem unificado. O teólogo católico
Ernesto Balducci, em seu livro “O Homem Planetário” diz que
“se a humanidade deve enfrentar-se com o futuro como sujeito único,
onde encontrará agora o princípio da própria consciência?”.
Existe para Balducci um imenso “movimento ecológico”. Vê que
os confrontos interconfessionais são uma mera manifestação de
que algo está nas profundidades: “Chegou o tempo de dizer que o
verdadeiro ecumenismo não é quem busca a reconciliação entre
os crentes, senão a do homem com o homem”. Seu livro termina
com uma coerente declaração de fé que se anuncia em todos os
horizontes: Esta é a minha confissão de fé, sob a forma de
esperança. Quem ainda se declara ateu ou maxista ou laico e
necessita um cristianismo para completar a série de
representantes no palco da cultura, que não me procure. Eu sou um
homem”. Surpreendente afirmação de um cristianismo honesto,
que quer viver com a intensidade do mundo que nasce na dimensão
de um sagrado realmente universal. Surpreendente contraste com o
endurecimento de tantas religiões, o neo-integrismo na Igreja Católica,
os racismo, a xenofobia, a intolerância das seitas e o integrismo
de algumas correntes muçulmanas.
reminiscências
da pergunta de Lenin, que fazer?. Porque é necessário
interrogar-se para não despojar do último humano que nos fica.
Tem que assumir com radical sinceridade as crises dos paradigmas
teóricos. Para endireitar este planeta torcido e acalmar o choro
da dor dos oprimidos é preciso revisar com profundidade esses
paradigmas, as referências concretas com as que temos lidado até
agora.
Preocupar-se com a realidade
O
primeiro e obrigado passo que devemos dar em caráter epistemológico.
Meu irmão jesuíta e mártir de El Salvador, Ignácio Ellacurria,
e vai aqui minha homenagem, ele dizia de maneira rápida numa
formulação exata e como brincando com as palavras. Dizia que
todo conhecimento verdadeiro está profundamente implicado com uma
responsabilidade e com uma paixão o sofrimento; e defendia três
tarefas: fazer-se responsável pela realidade, é dizer, conhecê-la
realmente e vivenciá-la, sofrida visceralmente para assim
descobri-la intelectualmente.
Preocupar-se
com a realidade, ou seja, assumir a tarefa de transformá-la,
colocando a inteligência a serviço da prática.
Carregar
com a realidade, aceitando a responsabilidade ética da função
intelectual e a dureza deste confronto.
Magnífico
programa para enfrentar-mos o monumental desafio histórico. Ninguém
o terá dito melhor, é verdade que num intento do socialismo
acabou com o Este Europeu e que estamos ainda medindo as conseqüências.
Mas também é verdade que o capitalismo, vista de uma ótica do
sul, sempre sofreu de insuficiência crônica e demonstrou até o
causador das náuseas da sua capacidade de responder às demandas
sociais. E por esta simples razão é que é, por natureza,
concentrador de riquezas, criador de desigualdades.
Não
é casualidade que cada país capitalista rico seja o resultado de
pelo menos vinte países-satélites pobres. Não é necessário
ser um especialista econômico para dar-se conta de que maneira
opera o sistema das instituições como o Banco Mundial, o FMI, o
OCDE e o Clube de Paris, sempre fazendo crer ingenuamente que há
dúvidas desinteressadas ou sinceramente interessadas pelo
desenvolvimento dos países pobres. Na realidade, a tão celebrada
“vitória” da concorrência do mercado não é mais que a
cortina de fumaça para amortizar utopias e fortalecer a hegemonia
das potências capitalistas transformando o imperativo categórico,
o critério liberal que associa a liberdade e a felicidade ao padrão
de consumo. “Nos últimos 10 anos, os pobres ficaram mais
pobres. Hoje, dos 17 bilhões de dólares do PIB mundial, quase a
metade se encontra nas mãos de apenas 7 países”. Calcula que
faria falta uma ajuda de 94.000 milhões de dólares para que a América
Latina pudesse Ter em 1995 o nível de pobreza que tinha em 1980.
O
grande drama deste fim de século define-se em que a civilização
dominante hoje não é a da solidariedade senão do capital. Essa
“civilização do capital” é a que vem configurando o mundo
atual e tem feito das 4/5 partes da humanidade um “cristo”
(outra vez Ignácio Ellacurria). Frente a esta civilização que
domina, não tem outro jeito senão lutar por opôr outra nova e
diferente: a civilização solidário dos Direitos Humanos. Esse
é nosso grande desafio. O importante, o decisivo, é que o
destino da humanidade não fique estático pelas leis internas do
mercado. E não porque algumas leis sejam imortais, senão porque
são morais e levam dentro de si uma dinâmica muito precisa que
arrasta a todos que entram nela.
É
verdade que não temos ainda solução. Mas tampouco cairão do céu.
Estamos diante de um monumental desafio à imaginação. Aqui só
temos problemas, embora por mais doloroso que seja, “é melhor
Ter problemas do que Ter uma só solução para o futuro da história.
Evidentemente que a América Latina tem um terrível problema:
toda ela é um problema. E o grande desafio atual consiste em
resolver esse problema, mas não com a solução que ofereceu
E.E.U.U. com isto não estou dizendo que tudo que tem e oferece os
E.E.U.U é ruim e negativo, mas que a solução imposta não é
boa. E não é somente por um princípio absolutamente relativo,
uma solução não universal para todo o mundo, não é uma solução
humana. Dado que a solução de E.E.U.U não é universal para
todo o mundo, não é uma solução humana, não serve para a
humanidade. Se todo o mundo tivesse os níveis de consumo de
E.E.U.U (de carne, eletricidade, petróleo etc.) acabaríamos em
vinte anos com os recursos existentes. Logo, desde o ponto de
vista concreto, ecológico da realidade do mundo, essa não é e
nem pode ser a solução.
Por
outro lado não convém se esquecer que o projeto socialista
nasceu de um profundo sentimento ético, nasceu como uma reação
humanística diante do clamor e a dor dos povos pobres
crucificados por algumas relações de acumulação que levaram a
uma exploração cruel. Segue em pé mais do que nunca a utopia de
inventar e testar uma sociedade que inclua a todos e não exclua a
maioria.
Que
não esteja baseado na apropriação privada e individual, mas
também na solidariedade dos Direitos Humanos... E este sonho nós
desejamos imperiosamente para que possamos aderir algum dia e
considerar-nos filhos e filhas da alegria.
Então
nos importa superar a idéia de que as sociedades novas nascem nos
gabinetes universitários dos “engenheiros sociais”, ou dos
“quadros” pensantes dos partidos políticos. Na realidade
nasce de uma relação muito mais rica e complexa, de fatores
diversos, históricos, econômicos, sociais, sexuais, religiosos,
culturais etc. cabe citar aqui a Marx agora esquecido e renegado:
“A história não faz nada... não libera nenhuma luta. É sob
todo ser humano, o ser humano concreto e vivo, quem o faz tudo,
quem possui e quem luta, e não simplesmente a “história”
como se fosse uma pessoa que utiliza os seres humanos para alcançar
objetivos. A história não é mais a atividade dos humanos em
busca de seus próprios objetivos”.
O princípio da sociedade: Pathos
e Eros
Então
a única maneira de se safar desta confusão do discurso, é
voltando às origens de nossa opção pelos Direitos Humanos. E
nos encontraremos com que, esta opção se é autêntica,
geralmente se inicia quando se dá a luz à vida humana, num
grito: “O grito escutado e sentido como na carne própria (...).
A opção pelos Direitos Humanos não nasce de uma teoria nem de
uma doutrina em particular. A mesma declaração universal é
produto de um comprido e complexo novelo de gritos de milhões de
pessoas no comprimento e largura do planeta e da história. É
necessário dar respostas a esses gritos. A legislação cabe a
importância de “escutar “ e “sentir” o grito de quem se
tem convertido em vítima, de quem tem sido despojado de sua
dignidade ou de seus direitos.
Por
isso sempre será um caminho errado aproximar-se dos Direitos
Humanos desde uma teoria ou desde uma doutrina. Para que o
compromisso seja estável e duradouro, para que não se desoriente
ou se perca pelo caminho (comprido e arriscado), deverá partir, não
de uma teoria, mas de uma experiência, de uma dor alheia ao
sentido próprio (...) Se temos que procurar uma expressão que
seja anterior e que permita transpor toda posição religiosa,
“neutra” ou “ideológica”, uma expressão que permita que
o exterior interrompa em nosso mundo íntimo e nos mobilize para
uma opção pela justiça e pelos Direitos Humanos, nós teremos
que remeter a palavra em prioridade, a exclamação ou a interjeição
da dor, conseqüência imediata do traumatismo sentido. O “ai”
de dor produzido por um golpe, uma ferida, que indica de maneira
imediata, em alguém e não em algo. Quem escutar o grito de dor
fica sobressaltado, porque o sinal interrompe o seu cotidiano e
integrado mundo, o som, o ruído, que permite sentir a presença
ausente de alguém com dor”.
E
com o grito passamos à compaixão. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, dificilmente poderá ser de origem e direcionado
de uma vocação sustentada e desinteressada em favor do
sofrimento do oprimido. O importante é que na opção pelos
Direitos Humanos o que provoca (pro- + diante; vocare + chamar) a
mobilização de nossas energias amorosas, a compaixão, não é a
teoria, nem sequer a reflexão, mas a capacidade de ouvir o grito
do sofrente e Ter a sensibilidade para responder. O primeiro
movimento passa então pela sensibilidade do “coração”, se
sente nas entranhas, é uma opção e uma vocação incontestável.
É necessário afirmar este princípio da sensibilidade, porque
vemos, desde muitos séculos confusos de uma nefasta influência
cultural que nos desvia calamitosamente do coração da opção e
da vocação. Hoje, ninguém mantém que a razão possa explicar e
dominar tudo. A razão já tem deixado de ser primeiro e o último
momento da existência humana. Nossa existência está coberta
para acima e para abaixo da razão. Porque existe o racional e o
irracional.
Felizmente,
abaixo, existe algo mais antigo, mais profundo, mais elementar e
mais primitivo que a razão: a sensibilidade. Podemos dizer que a
experiência humana está baseada no sentimento.
A
capacidade de ser afetado e afetar: a afetividade. Nesta convicção
está toda a base antológica da psicologia profunda (Freud, Jung,
Adler e seus discípulos) e deve residir também a base antológica
da prática dos Direitos Humanos. A última estrutura da vida é o
sentimento e as expressões que derivam deles: O Eros, a paixão,
a “ternura” (uma das palavras mais belas da língua espanhola,
nem sequer tem tradução no Inglês ou no Alemão), a compaixão,
o amor... É o sentimento que é entendido corretamente e em toda
sua dimensão, não só como é movido pela psique, mas também
como “qualidade existencial” como estruturação do ser
humano.
Mas
atenção, eu não estou afirmando que o sentimento (Pathos) e a
“sensibilidade” se opunham ao Logos (compreensão racional),
falo que eles são também uma forma de conhecimento muito mais
abrangente e profundo que a razão, porque a incluem e a
desbordam. Isto o expressa maravilhosamente Pascal, a quem ninguém
poderia acusar de menosprezador da razão já que foi um dos
criadores do cálculo da probabilidade e construtor da máquina de
calcular. Pois bem, Pascal chegou a afirmar que os primeiros
axiomas do pensamento são uma intuição do coração, e que é o
coração quem coloca as premissas de todo possível conhecimento
do real. Diz que o conhecimento por via do sentimento (Pathos) se
apoia na simpatia (o sentir – com a realidade) e se canaliza
pela empatia (sentir em, dentro de, identificado com, a realidade
sentida).
Estamos
afirmando algo que para o defensor dos Direitos Humanos é
fundamental: que na origem não está a razão, mas a paixão (Pathos
e Eros). E que a mesma razão atua movida, impulsionada pelo Eros
que o habita. O militante dos Direitos Humanos não pode ignorar
que Pathos não é a mera afetividade, não é a mera passividade
que se sente afetada pela existência própria ou alheia, senão
que é principalmente atividade, é o tomar da iniciativa de
sentir e identificar-se com a realidade sentida. E o Eros não supõe
um mero sentir, senão um co-sentir. Não é uma mera paixão, senão
uma compaixão. Não é um mero viver, senão com co-viver,
simpatizar e entrar em comunhão.
O
próprio da razão é dar clareza, ordenar e disciplinar a direção.
Mas nunca está sobre ele. A trapaça em que está nossa cultura
é a de Ter cedido à primazia do Logos sobre o Eros, desembocando
em mil cortes da criatividade e gestando mil formas repressivas de
vida. E a conseqüência disto é que se suspeita profundamente do
prazer e do sentimento, das razões do coração. E então surge a
frieza da “lógica”, a falta de entusiasmo por cultivar e
defender a vida, surge a morte da “ternura”. Isto, para os
Direitos Humanos é mortal.
Princípio de interpretar:
situar-se no lugar certo
O
dito nos introduz num problema maior, não se pode lutar pelos
Direitos Humanos de qualquer lugar e nem de qualquer posição
anterior. Em nossos fracassos, por ser eles garantidos na
realidade o que falha é o lugar onde pretendemos atuar. É
pertinente lembrar a respeito daquela frase de Engels, convertida
numa frase popular, de que “não se pensa o mesmo de um barraco
de que num palácio”. Tão simples afirmação constitui, sem dúvida,
numa das conquistas mais profundas e importantes do pensamento
contemporâneo. O que está afirmando Engels com sua verdade é
que embora a verdade seja absoluta, não se tem acesso a ela. É
dizer, que embora seja possível para pessoa um certo acesso real
à verdade, esse acesso nunca será neutro e sem condições. Nós
deveríamos completar o afeto de afirmação de Engels dizendo que
“não se sente (se vê ou se experimenta) a mesma realidade
desde um barraco que desde um palácio”.
É
fundamental perguntar-mos pela chave com a qual abrimos o cadeado
que nos introduz à compreensão do objeto. Se queremos sublinhar
o “desde ou onde” falamos, trabalhamos e interpretamos a
realidade, o lugar chave, podemos falar de “lugar” ou de
“horizonte” onde interpretamos.
Porque
não é o mesmo lutar pelos Direitos Humanos em Curitiba que lutar
em Genebra. Inclusive não é o mesmo lutar em Genebra diante da
Declaração Universal. Do mesmo modo, não será exatamente igual
um trabalho pelos Direitos Humanos por um membro da classe alta
brasileira e outro pelo filho de um trabalhador metalúrgico de São
Paulo. Inclusive, sendo filho de metalúrgico de São Paulo, não
será o mesmo lutar sem um advogado, por exemplo, em Porto Alegre,
que sendo um jovem militante da comunidade do Ceará. Igualmente não
é o mesmo trabalhar pelos Direitos Humanos sendo um socialista ou
um liberal.
E
mais, supondo que tem muitos militantes, será diferente essa prática
realizada por uma mulher, simpatizante do feminismo que a de um
democrata incorporado ao OPUS DEI. Não é o mesmo trabalhar pelos
Direitos Humanos sendo um professor de filosofia ou de literatura,
que sendo sociólogo e economista.
E
ainda no caso de que ambos foram filósofos, ainda não seria
igual na prática pois quem se formou com influência tomista na
Espanha será diferente de quem teve uma formação hegeliana
adquirida em Louvaina...
Entender
isto é de muita importância para lutar pelos Direitos Humanos
como referência universal. Ainda supondo a melhor intenção, a
melhor boa vontade e os melhores talentos intelectuais, tem
lugares que desde que, simplesmente não se vê, não se sente a
realidade que nos mostram os Direitos Humanos o amor e a
solidariedade. Porque ninguém pode pretender olhar e sentir os
problemas humanos, a violação dos direitos e a dignidade humana,
a dor e o sofrimento dos outros, desde uma posição “neutra”,
absoluta, cuja ótica garanta total imparcialidade e objetividade.
Então existem lugares, posições pessoais desde que os que
simplesmente querem lutar pelos Direitos Humanos a coisa é assim,
simples, e é assim de grave, tirar a conta daquilo e tirar as
conseqüências. Onde estou parado, dentro das tarefas pelos
Direitos Humanos? Porque a questão é saber se estou situado no
lugar “correto” para minhas tarefas.
O
lugar se converte em algo mais decisivo para a tarefa que na
qualidade dos conteúdos dos Direitos Humanos quero promover,
defender ou contagiar. É pois, a maioria dos casos fazer uma
ruptura da interpretação. A chave para se entender isto se
encontra na resposta que cada um damos à pergunta pelo “desde
onde atuam”, a pergunta pelo lugar que escolho para olhar o
mundo ou a realidade, para interpretar a história, e para
localizar minha prática humana.
Ignácio
Illacurria, foi também eminente lutador pelos Direitos Humanos e
por isso mesmo foi assassinado em El Salvador por militares
falando na opção pelos pobres que tinha feito a Universidade
Centro-Americana, de que o reitor, dizia que (a tarefa educativa)
implica “primeiro, o lugar social pelo que se tem optado,
segundo, o lugar desde que e para que se faz as interpretações
teóricas e os projetos práticos, terceiro, o lugar que configura
a prática e ao que se subordina a própria prática”.
Então
se entende que na raiz assumimos este lugar social e que na
indignação ética que sentimos diante da realidade da violação
da dignidade e dos direitos de uma pessoa concreta: o sentimento
de que a realidade de injustiça que se abate sobre os seres
humanos é tão grave que merece uma atenção especial; a percepção
de que a própria vida perderia seu sentido se fosse vivida de
costas a essa realidade.
Para
lutar efetivamente pelos Direitos Humanos será obrigatório
adotar o lugar social da vítima. O ponto de vista dos satisfeitos
e dos poderosos acaba inevitavelmente mascarando a realidade para
justificar-se. Nunca será possível lutar pelos Direitos Humanos
desde a ótica do centro e do poder, nem, sequer desde uma
pretendida neutralidade. Esta prática estará condenada de ante mão
para anular-se e a recair sobre si mesma quando afronta a prova
dos fatos.
A
trajetória de muitos lutadores de hoje é que estão buscando
eliminar a compaixão e a dor, não desde o coração sensível
que encontra os meios de luta adequados, senão desde outras
“razões” e o único meio eficaz que tem encontrado é
anestesiar a lucidez e a profundidade do coração para não
senti-lo.
Por
isso terminam ficando sem coração. É o que Antonio Machado
expressou: “no coração tinha/a espinha de uma paixão/consegui
arrancá-la um dia/já não sinto o coração!...” Os lutadores
que pretendem desviar a ferida que provoca a opção pelo lugar
social das vítimas, que pretendem desviar as conseqüências da
opção exigida pelo lugar correto da luta, procuraram iludir a
dor mas o fizeram pelo pior caminho: “quem lhes arrancou o coração”
e lhes fez incapazes de sentir, de entender e superar a violação
dos Direitos Humanos.
Uma ética e uma cultura universal
dos Direitos Humanos
Está
claro que a falta de um projeto global de mudanças e de acumulação
de força faz impossível e extraordinariamente difícil um
projeto alternativo de um só indivíduo ou grupo num só país.
No mundo global, não há revoluções, senão projetos
alternativos.
O
anti-imperialismo, o anti-liberalismo... não cabem num projeto
eficaz que implique mudanças globais, universais, para uma
cultura dos direitos humanos e a paz, onde o imperialismo perde
toda a legitimidade e por isso passa a ser perseguido por todos
como “inimigo da humanidade”.
Hoje,
devemos lutar juntos por uma nova atitude criativa, dinâmica, que
supere os protestos sem propostas. No novo milênio será impossível
a convivência humana sem uma ética planetária entre todas as nações.
O novo milênio se caracteriza pelas experiências tecnológicas
limites do mais alto risco. Basta pensar na área da energia
nuclear ou na tecnologia genética.
Tudo
isso exige que a ética que foi considerada como assunto privado
pela modernidade, volte a converter-se num assunto público de
primeira ordem, pelo bem do homem e a sobrevivência da
humanidade.
O
mundo cada vez mais unificado, inter-relacionado, não poderá
sobreviver sem a coexistência ética antagônica. Já não cabe
uma ideologia única, senão um consenso nos valores éticos
fundamentais, universais: uma ética planetária. Pensamos que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma boa base para
começar a trabalhar e pronto.
Devemos
iniciar um caminho por esta trilha se é que ainda estamos em
tempo. E devemos advertir que não será nada fácil porque é um
dado pela experiência que a humanidade sempre tem encontrado
muitas dificuldades para fundamentar uma ética da obrigatoriedade
geral e incondicional. Nem sequer um possível direito e
“dever” de sobreviver da humanidade” poderia provar-se com
algum valor racional, dado que sempre poderemos perguntar-nos
porque há de existir a humanidade porque há de respeitar a herança
genética e porque tem que haver vida em geral?
Faz
quinhentos anos Erasmo escreveu um livrinho intitulado Elogio à
Insensatez”. Ao começar a ler, nós pensamos que seu autor está
um pouco louco pelo que diz, mas ao terminá-lo, pensamos que não
estamos tão seguros de sermos tão razoáveis.
É
o único que aqui pretendemos dizer-lhes porque não cabem muitas
razões éticas, se é que as têm. Cada qual tem sua ética e sua
consciência. E não estou muito seguro que exista uma ética, e
menos uma ética universal, nem que possamos impôr a outros
nossas convicções. O que me parece claro que nenhuma ética se
mantém se não for pelo menos coerente. O princípio básico de
qualquer ética é sua coerência interna. A ética do chamado
“nova ordem mundial” parece esgrimir razões éticas quando se
trata dos pobres, e da racionalidade econômica quando trata-se
dos ricos... Nós também exibimos razões de racionalidade moral
quando se trata dos outros, e razões de racionalidade econômica
quando se trata de nós... Oxalá esta “duplique a medida” e
ponha em evidência nossa hipocrisia e nos disponhamos a trabalhar
juntos pela primeira vez na elaboração da ética universal.
Penso, como falei que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos que expressa o avanço da consciência da humanidade é
uma belíssima base e uma oportunidade para colocar as mãos a
obra.
Olhando
o futuro acredito que temos que seguir sendo um pouco insensatos
para sermos eficazes nesta tarefa dos Direitos Humanos sendo
infiel a eles: predicar tolerância, por exemplo, sendo intoleráveis...
Sob essa boa fé nos salvará de nos converter em verdadeiros
mercenários dos Direitos Humanos. Porque nesse campo nenhuma
simulação, nenhuma representação, por mais profissional que se
considere, não conseguirá seu objetivo, não é admissível aqui
uma ação, por mais neutra ou limpa que aceitemos, que não
implique a expressão genuína e profunda de nossas atitudes
cotidianas e de nossos valores pessoais.
Para
fazer que outro assuma uma atitude semelhante à nossa prática
dos Direitos Humano, será necessário comovê-lo amplamente e
profundamente e assumindo pela simpatia de todos os pressupostos e
as implicações deles. Isto supõe-se implicar-se também na ação
de tal maneira que signifique uma profunda mutação em nossa e em
sua concepção da realidade dos Direitos Humanos, isto implica
uma boa dose de violência ao supor a possibilidade de desalojar
uma velha axiologia em um e em outro, que geralmente está
profundamente enraizada no coração, só se conseguirá desde que
haja um fenomenal ato de amor. Do contrário seria como bater
contra um muro...
Ser
militante dos Direitos Humanos será isso, converter os demais em
vulneráveis ao amor. Transmitir atitudes novas e transformar as
realidades injustas só se podem fazer desde essa mútua
vulnerabilidade, onde o amor se vive seriamente e naturalmente.
Porque será inútil dizer que não mentimos, haverá simplesmente
que dizer a verdade. O eficaz, não será predicar a justiça e a
tolerância, mas ser simplesmente justos e tolerântes.
Vemos
que se o caminho percorrido nestes anos tem sido comprido e
tortuoso, muito mais ainda fica por percorrer e corrigir. Mas
ainda é importante mudar a visão que temos dos Direitos Humanos
na medida que não começa dos direitos das não-pessoas, dos
empobrecidos. E haverá que integrar essa consciência universal
dos Direitos Humanos e expressadas nas declarações, convenções
e códigos, tudo aquilo que ainda adoece. Mas ainda, haverá que
se lutar incansavelmente para que tenha sido aceitado como Diretor
Humano.
Falta
muito por fazer. Para dar um só exemplo do monumental desafio que
temos pela frente, a recente convenção dos direitos da criança
começa “reconhecendo que a criança para o pleno e harmonioso
desenvolvimento da sua personalidade, deve crescer no seio da família,
num ambiente de felicidade que a criança tem necessidade de ser
amada para desenvolver-se como ser humano! É dizer, se insinua
uma possível declaração do direito humano ao amor... A Declaração
Universal não tinha previsto? E hoje nos perguntamos se é
somente a criança que tem direito ao amor? E nós? Não será que
qualquer ser humano durante tal, e para permanecer humano tem que
Ter esse elementar direito a ser amado e poder amar seus
semelhantes e ao redor amoroso e vivente que lhe possibilita
existir? Guardamos no coração a esperança que esse homem e essa
mulher jovem não serão uma mera utopia senão os parteiros do
futuro.
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