UM
POUCO DA HISTÓRIA DA COMISSÃO BRASILEIRA
JUSTIÇA E PAZ
ORIGENS
A Comissão Brasileira Justiça e
Paz nasceu, no Brasil, como uma extensão da Comissão criada em
Roma após o Concílio Vaticano II. Na Constituição Pastoral Gaudium
et Spes, o Concílio indicou que julgava "muito oportuna
a criação de um organismo da Igreja universal, com o fim de
despertar a comunidade dos católicos para que promovam o
progresso das regiões indigentes e a justiça social entre as nações"(*).
Pouco mais de um ano depois (janeiro de 1967), Paulo VI criou a
"Comissão Pontifícia Justiça e Paz", com
representantes de todos os continentes, na mesma mensagem em que
criava o "Conselho dos Leigos". E estabeleceu como função
da Comissão Justiça e Paz o "estudo dos grandes problemas
da justiça social, com vistas ao desenvolvimento das nações
jovens e especialmente quanto à fome e à paz no mundo" -
temas retomados pelo mesmo Papa, dois meses depois (março de
1967), na encíclica Populorum Progressio.
Em sua primeira reunião essa
Comissão sugeriu que as Conferências Episcopais nacionais
criassem estruturas similares. Ora, no Brasil, em 1968, os Bispos
voltaram da Conferência de Medellín animados com os resultados
dessa Conferência - em que foi cunhada a expressão "opção
preferencial pelos pobres". E em outubro decidiram criar uma
Comissão Brasileira Justiça e Paz.
Na reunião de instalação da
Comissão, em outubro de 69, foi proposto que a Comissão
"teria como norte a concretização de princípios enunciados
na encíclica Populorum Progressio". E Alceu de
Amoroso Lima, um dos seus oito membros - que também fazia parte
da Comissão Pontifícia - propôs que o trabalho se estruturasse
"em três grandes áreas:
- uma essencialmente de estudos,
levantamento de dados e informações a serem transmitidas
tanto à Hierarquia nacional quanto à Comissão Pontifícia;
- outra de linhas gerais de
manifestação, pronunciamentos ou publicações;
- e a terceira linha num trabalho
de mobilização decorrente de consenso quanto às linhas
anteriores e já no âmbito de uma ação conjunta com outros
setores das instituições confessionais ou mesmo da
Hierarquia".
Nessa mesma reunião foi aprovada a
indicação de Cândido Mendes de Almeida como Secretário-Geral
da Comissão, cargo que ocupou até a transferência da Comissão
para Brasília, que viria a ocorrer em Setembro de 1996.
Mas a decisão de criação da
Comissão tinha sido tomada um pouco antes do Ato Institucional
no. 5, com o qual o regime militar brasileiro endureceu sua prática.
Em decorrência disso a nova Comissão foi logo levada a cumprir
um papel especial de proteção dos perseguidos pela ditadura.
Assim, na prática, quando a Comissão
iniciou ostensivamente suas atividades, em abril de 71, com o I
Seminário Brasileiro de Justiça e Paz, os membros da Comissão já
estavam sendo intensamente solicitados para proteger perseguidos
políticos. Como um sinal dos tempos, o Seminário se realizou
juntamente com o IV Encontro Regional Latino-Americano de Justiça
e Paz, para que se tivesse um respaldo no exterior. E durante o
Seminário muitas famílias de "desaparecidos" e
perseguidos vieram para pedir ajuda no próprio local em que ele
se realizava - o Convento do Cenáculo, no Rio de Janeiro.
Não foi outra aliás a razão pela
qual a Comissão assumiu inicialmente o nome de "Comissão
Pontifícia Justiça e Paz - Seção Brasileira", com o
assentimento do Secretário-Geral da Comissão Pontifícia, que
participava do Seminário e tivera também a oportunidade de ouvir
de muitas famílias o relato de seus sofrimentos. De fato, ao se
definir como uma extensão de Comissão do Vaticano, a Comissão
se protegia da repressão militar, para poder defender os direitos
violentados pelo regime.
Pouco depois (1973) foi criada,
nessa mesma perspectiva, uma Comissão Regional em São Paulo
(inclusive cogitando-se inicialmente de chamá-la, pelos mesmos
motivos, de "Sub-Seção da Seção Brasileira da Comissão
Pontifícia") e no Rio Grande do Sul (1974), a tentativa
feita em Belém do Pará não tendo podido se concretizar.
Já estão em nossa história
muitas das gestões da Comissão para proteger perseguidos,
especialmente a constituição da Rede Nacional de Advogados da
CJP, que mobilizava a assessoria de advogados de alto nível, sem
ônus para os que eram defendidos, para dar cobertura à atuação
dos advogados que trabalhavam ao nível regional e local. E são
de todos conhecidas as atitudes corajosas da Comissão regional de
São Paulo, a partir da ação de D.Paulo Evaristo Arns, Arcebispo
dessa cidade, na luta contra a tortura e os assassinatos de presos
políticos. Essas atividades estão também na raiz do surgimento
progressivo dos mais de 250 Centros de Defesa de Direitos Humanos
que existem hoje pelo Brasil afora, a partir de dioceses ou de
outras entidades religiosas e da sociedade civil.
Com a ampliação da onda de
repressão na América Latina, a Comissão articulou seu trabalho
com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados -
ACNUR, ao mesmo tempo que com CÁRITAS e com o Conselho Mundial de
Igrejas, com o qual iniciou uma colaboração ecumênica, sempre
no campo da defesa de perseguidos políticos.
Com o fim da repressão militar a
Comissão - que no final da década de 70 deixou de ser uma Seção
da Comissão Pontifícia para se tornar a Comissão Brasileira -
ampliou seu campo de preocupações, dentro da sua vocação
inicial de animar a presença de cristãos na questão social.
As Comissões Regionais criadas a
partir de 1978 (Pernambuco, Paraná, Santa Catarina, Espírito
Santo, São Luiz do Maranhão, e outras de menor duração como as
de Rio Branco, Manaus e Maceió) já começaram a atuar em torno
de outras questões, como os conflitos de terra, a expulsão de
posseiros e de moradores de áreas urbanas, a defesa das
comunidades indígenas, dos "brasiguaios", os direitos
dos trabalhadores de forma geral, o desemprego, os presidiários,
e a sempre presente violência policial.
Na verdade a Comissão retomava a
vocação da Comissão Pontifícia. Não aquela ligada mais
propriamente à questão do desenvolvimento dos paises pobres e
das relações entre estes países e o mundo desenvolvido, tratada
na encíclica Populorum Progressio, mas a que fora ampliada
pelo próprio Paulo VI, quando determinou as estruturas
definitivas da Comissão, em dezembro de 1976. A Comissão assumia
assim a perspectiva de atuação que iria ser enunciada em 1981
por João Paulo II na encíclica Laborem Exercens, quando
este disse que a Pontifícia Comissão Justiça e Paz
"tornou-se o principal centro de coordenação" das
diferentes "manifestações da viva aplicação da Igreja e
dos cristãos no que se refere à questão social".
Apesar disso, no entanto, a imagem
da Comissão ficou ligada, para muitos, a uma visão restrita dos
Direitos Humanos, relativa somente às garantias e direitos
individuais e de expressão, organização e ação política, ou
ao que se poderia resumir na expressão "Direitos Civís".
E por isso é ainda em torno da defesa desses Direitos a maior
parte dos apelos que chegam nos dias de hoje à Comissão.
Em Assembléia realizada em Brasília,
por convocação da CNBB, em 28 de setembro de 1996, a sede da
Comissão foi transferida para a Capital Federal, tendo sido
eleito um novo Conselho Diretor, a continuidade do trabalho sendo
assegurada pela presença, nesse Conselho Diretor, como membros
fundadores, dos seis integrantes da Comissão naquela data.
A Secretaria Executiva eleita nessa
Assembléia iniciou então seu trabalho realizando reuniões a
cada quinze dias, nas quais discutia as propostas feitas por seus
membros, e promovendo reuniões do Conselho Diretor com o mesmo
objetivo. As orientações práticas adotadas, a partir da Carta
de Princípios e dos Estatutos, foram apresentadas pelo Secretário
Executivo na Assembléia Geral dos Bispos realizada em Abril de
1997 em Itaici-SP.
Ver os tópicos "Rumos
atuais da CBJP" e "CBJP-Notícias"
* dados e citações retirados
de "Comissão Brasileira Justiça e Paz - 1969-1995 - Empenho
e Memória" - Candido Mendes e Marina Bandeira, Editora
EDUCAM - 1996
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