
A ofensiva dos EUA na América Latina: golpes,
retirada e radicalização
James Petras
Introdução
A atual ofensiva político-militar dos EUA se põe de manifesto
na América Latina em múltiplos contextos, usando uma variedade
de táticas (militares e políticas) e instrumentos, dirigida
a sustentar regimes clientes em decadência, desestabilizar os
regimes independentes, pressionar a centro-esquerda para que se desloque
para a direita e destruir ou isolar os movimentos populares em ascensão
que desafiam o império dos EUA e seus lacaios. Procederemos discutindo
em primeiro lugar as formas particulares da ofensiva dos EUA em cada
país, para logo em seguida explorar as razões gerais e
específicas da ofensiva na América Latina contemporânea.
Esta discussão nos dará as bases para a análise
teórica da natureza específica de "Novo Imperialismo"
que reveste esta ofensiva e seu impacto sobre os partidos eleitorais
de centro-esquerda e os movimentos sociopolíticos radicais. Na
seção final discutiremos as alternativas políticas
existentes no contexto da ofensiva dos EUA e do novo imperialismo.
Ofensiva Político-Militar: Métodos Diversos, Objetivo
Único
O aspecto mais chamativo da ofensiva político-militar dos EUA
na América Latina é constituído pelas variadas
táticas utilizadas para estabelecer ou consolidar os regimens
clientes e derrotar os movimentos sociopolíticos populares opostos
à dominação imperial. O centro da atenção
sobre a intervenção estadunidense de alta intensidade
se dá na Colômbia e Venezuela. Em ambos países Washington
mantém apostas muito altas, que têm a ver com interesses
políticos, econômicos e ideológicos, assim como
com considerações geopolíticas. Ambos países
têm costas para os países caribenhos e andinos, de igual
forma para o Brasil; a emergência de um regime revolucionário
na Colômbia ou a estabilização de um regime nacionalista
na Venezuela poderiam inspirar transformações similares
nas regiões adjacentes e minar o controle que os EUA exercem
através de seus regimes clientes. Mais ainda, caso se produzam
mudanças políticas significativas, estas poderiam afetar
o controle dos EUA sobre a produção e o abastecimento
de petróleo, não só na Venezuela e Colômbia,
como também poderiam impor pressão sobre México
e Equador para que retrocedam em seus processos de privatizações.
A todo custo Washington quer manter um abastecimento seguro de petróleo
no atual período de "guerra não declarada" contra
países produtores de petróleo do Golfo - quer dizer, Iraque
e Irã - e frente à crescente vulnerabilidade da Arábia
Saudita. Geopoliticamente, as transformações sóciopolíticas
na Colômbia e Venezuela poderiam levar a um pacto de integração
com a Cuba revolucionária, destruindo assim o embargo de quarenta
anos de Washington e criando uma alternativa viável ao Acordo
de Livre Comércio (ALCA/FTAA em inglês) patrocinado pelos
EUA. Washington optou por diferentes estratégias para esses dois
países.
Para derrotar a insurgência popular na Colômbia, adotou
uma estratégia de "guerra total". Na Venezuela, combina
uma estratégia civil de desestabilização político-econômica
que culminaria em um golpe militar. A estratégia contra-insurgente
de Washington na Colômbia operava sob a cortina de uma campanha
anti-narcóticos, para justificar a acelerada escalada militar.
As campanhas anti-narcóticos se centravam em regiões em
que as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)
eram mais fortes, ao mesmo tempo que ignoravam virtualmente as áreas
controladas pelos paramilitares aliados das Forças Armadas Colombianas.
O avanço político-militar das FARC a fins dos 90 obrigaram
ao governo colombiano ir à mesa de negociações
e incrementaram sua dependência de ajuda militar e de assessores
do exército dos EUA. Nos EUA (e na Colômbia) as "negociações
de paz" foram vistas como uma tática temporária para
prevenir uma ofensiva a grande escala das FARC sobre os centros urbanos
de poder e como uma trégua para fortalecer a capacidade militar
do exército colombiano. Também para estender e aprofundar
a influência militar dos EUA sobre as forças militares-paramilitares,
bem como sobre a estratégia militar das mesmas. Os "negociadores
da paz" do governo também esperavam distrair ou dividir
as FARC oferecendo-lhes uma "opção eleitoral",
tal como sucedeu na América Central (El Salvador e Guatemala).
As FARC, conhecedoras do brutal assassinato em massa de ativistas políticos
(4.000-5.000) na segunda metade dos 80 e do abjeto e estrepitoso fracasso
dos guerrilheiros centro-americanos, convertidos em políticos
eleitoralistas para quase não obterem mudanças sociais
significativas, negaram-se a se render. Insistiram em reformas fundamentais
das estruturas do estado e da economia como pré-condições
para qualquer acordo de paz duradouro. Essas propostas de reformas democráticas
e sócio-econômicas foram totalmente inaceitáveis
para os regimes dos EUA e de Pastrana, que estavam se dirigindo na direção
oposta, para uma maior militarização da vida política
e da liberalização da economia. Ao largo de todo o período
de negociações de paz, os EUA e Pastrana combinaram uma
retórica de paz com o financiamento e a promoção
de grupos paramilitares (através do exército colombiano)
envolvidos na tomada e destruição de povoados e aldeias,
o deslocamento de milhões de camponeses e sindicalistas, e o
assassinato de milhares de camponeses suspeitos de terem simpatias esquerdistas.
O objetivo era o de isolar às FARC dentro da zona desmilitarizada
e ao mesmo tempo treinar, armar e acumular tropas nas fronteiras, levar
adiante inspeções de reconhecimento de alta tecnologia
para identificar alvos estratégicos. Por fim, romper abruptamente
com as negociações e atacar de surpresa a região
por ar e por terra, capturando ou matando os líderes das FARC
e desmoralizando os insurgentes em retirada. Não é preciso
dizer que essas táticas falharam. A guerrilha continua ativa
fora da zona de paz, fortaleceram suas forças no interior da
zona desmilitarizada e não sofreram perdas sérias quando
Pastrana rompeu as negociações de paz. Os Estados Unidos
fizeram da Colômbia um "caso experimental" para sua
ofensiva político- militar na América Latina. Antes de
mais nada porque as FARC são a formação anti-imperialista
mais forte que ameaça tomar o poder do estado. Em segundo lugar,
porque tem fronteira com a Venezuela e é tida como um aliado
do Presidente Chávez. A derrota das FARC permitiria aos EUA "cercar"
e incrementar a pressão externa sobre Venezuela, e reforçar
a campanha de desestabilização interna. À medida
que a base política de Pastrana se corrói - devido à
prolongada recessão e aos cortes sociais resultantes do enorme
orçamento militar - os EUA aumentam sua ajuda militar. Agora,
toda a economia colombiana está subordinada à estratégia
militar estadunidense; e a estratégia militar está dirigida
por uma política de terra arrasada - guerra total. Isto significa
que todas as considerações civis e econômicas da
Colômbia são secundárias para o interesse primordial
de Washington de "ganhar a guerra" contra as FARC. Dadas a
força e a experiência das FARC e a formidável capacidade
estratégica de seu dirigente, Manuel Marulanda, e de seu Comando
Geral, a guerra entre os EUA e Colômbia promete um desenrolar
prolongado e sangrento, em que provavelmente haja uma escalada de grandes
dimensões de intervenção dos EUA, um maior uso
do terror paramilitar e maiores e mais indiscriminados bombardeios de
alvos civis. Entretanto, uma vitória militar dos EUA é
bastante duvidosa: o resultado final poderia estar mais próximo
do Vietnã do que do Afeganistão.
Os primeiros sinais de que a ofensiva de Washington poderia ter um efeito
boomerang são visíveis na Colômbia. Faz menos de
duas semanas, logo depois de os EUA terem pressionados o Presidente
Pastrana para que terminasse com as conversações de paz
e declarasse a área desmilitarizada como zona de guerra, o primeiro
general a frente das tropas que entraram na zona renunciou. Declarou
publicamente que a vitória militar era impossível. A causa
imediata de sua renúncia foi a destruição pelas
FARC de uma ponte que levava até a antiga zona desmilitarizada,
sob o comando militar direto do general. A exitosa ofensiva militar
das FARC que se seguiu ao término das conversações
de paz, levou o Embaixador dos EUA na Colômbia a admitir que o
Plano Colômbia era um fracasso.
Em contraste com a estratégia militar de terra arrasada na Colômbia,
os EUA implementam um enfoque cívico-militar para derrocar o
presidente Chávez na Venezuela. Chávez é um nacionalista
liberal: tem seguido uma política econômica interna bastante
ortodoxa ao mesmo tempo que tem empreendido uma política exterior
nacionalista e independente. A estratégia dos EUA tem várias
fases e combina ataques cívico-econômico-midiáticos
com esforços para provocar fissuras dentro do exército
com vistas a provocar um golpe de estado. A primeira fase deste conflito
é a desestabilização da economia, através
de ações bem coordenadas de grupos agregados de negócios
e profissionais, e dirigentes sindicais de direita. O propósito
é o de mobilizar a oposição pública e centrar
a atenção das mídias na instabilidade do país,
inibindo os investimentos dos capitalistas menos politizados que, no
entanto, têm medo de ver diminuir seus lucros frente a uma situação
conflitiva. Os meios de comunicação empreendem uma campanha
sistemática para derrocar o regime de Chávez, defendendo
uma tomada violenta do poder. Os protestos governamentais e públicos
contra o comportamento subversivo da mídia permitem que Washington
orquestrem uma campanha internacional contra as "violações
à liberdade de expressão", em especial através
da Associação Inter-Americana de Imprensa, influenciada
pelos EUA. A segunda fase da estratégia da Administração
Bush consiste em passar diretamente da desestabilização
a um golpe militar. Isto inclui duas fases. A primeira é a de
mobilizar os recursos de inteligência dos EUA, oficiais venezuelanos
reformados e aqueles denominados "dissidentes" entre os oficiais
militares na ativa dos ramos mais reacionários do exército
- no caso da Venezuela, a Força Aérea e a Marinha.
A idéia é a de forçar uma discussão política
no comando militar, provocar outros oficiais com idéias afins
para que "saiam" em defesa dos oficiais expulsos e reforçar
a mensagem da mídia/empresários acerca da "instabilidade"
e de uma iminente "derrubada de Chávez", estimulando
assim um incremento da fuga de capitais. O segundo passo é o
de organizar os oficiais autoritários da marinha e da força
aérea para que pressionem o exército - o grosso do apoio
a Chávez - para conseguir adesões, neutralizar os oficiais
apolíticos e isolar os leais a Chávez. A estratégia
de duas fases de Washington culminaria em um golpe militar com apoio
ativo dos EUA, no qual uma "junta cívico-militar de transição"
acabaria no poder. Vinculada a sua estratégia interna, baseada
em seus lacaios venezuelanos, Washington implementou uma "estratégia
externa". O Secretário de Estado Powell denunciou Chávez
publicamente como autoritário, e tanto ele como o FMI deram publicamente
seu apoio a um "governo de transição" - um sinal
claro e evidente do apoio dos EUA aos golpistas internos. As "Forças
Especiais" dos EUA já operam no Equador, Colômbia,
Peru, Panamá, Afeganistão, Iêmen, Filipinas, Geórgia,
Uzbequistão e outros estados lacaios da Ásia Central.
É mais do que provável que, no caso de uma tentativa de
golpe, o Pentágono envie elementos táticos operativos
e assessores políticos para "conduzir o golpe" e se
assegurar de que emirja a configuração apropriada de personalidades
civis com propósitos propagandísticos.
O perigo que o regime venezuelano enfrenta é o de que, na "guerra
de desgaste político" de Washington, em que abundam as avalanches
propagandísticas diárias e as ações provocadoras,
Chávez não pode depender das constantes mobilizações
de massas. Deve implementar seriamente políticas sócio-econômicas
redistributivas radicais para manter o compromisso das massas e o apoio
ativo organizado. A ofensiva orquestrada pelos EUA está orientada
a criar uma "tensão permanente" como um arma psicológica
para esgotar o apoio popular e afundar a moral do exército. A
política exterior independente de Chávez é o que
suscita o antagonismo dos EUA. Isto inclui sua oposição
ao Plano Colômbia, sua crítica à guerra dos EUA
no Afeganistão e à ofensiva imperial a nível mundial,
suas relações cordiais com Iraque, Irã e Cuba,
e seu rechaço a permitir que os EUA colonizem o espaço
aéreo venezuelano. Sua política exterior não foi
complementada com reformas sócio-econômicas integrais que
redundem no bem-estar de milhões de seus partidários desempregados
e mal remunerados que vivem nos bairros pobres e nas vilas miseráveis.
Os esforços dos EUA em derrocar Chávez estão baseados
em seu rechaço, a inícios de outubro, a apoiar a ofensiva
imperial mundial - a assim chamada "campanha anti-terrorista".
Assessores próximos a Chávez me informaram que uma delegação
de altos funcionários de Washington visitaram Chávez e
lhe disseram sem rodeios que "pagaria um alto preço por
sua oposição ao Presidente Bush". Pouco depois, a
câmara de comércio local e os dirigentes sindicais lançaram
suas campanhas - ainda quando o Presidente Chávez havia introduzido
uma reforma impositiva muito modesta (que em grande parte afetava às
companhias petrolíferas estrangeiras), um plano de aquisição
(remunerada) de terras, e havia privatizado a maior empresa elétrica
pública de Caracas. Claramente, os intentos de Chávez
de montar sobre dois cavalos - uma política exterior independente
e uma política interna liberal-reformista - o tornam muito vulnerável
à estratégia golpista desenhada pelos EUA.
A tática imperial dos EUA na Venezuela difere substancialmente
da empregada na Colômbia, em grande parte porque num caso está
defendendo um estado cliente contra a insurgência popular e no
outro está tentando criar um movimento civil para provocar um
golpe. Entretanto, estrategicamente, o resultado político buscado
é o mesmo: o de consolidar um regime lacaio que subordine o país
ao império neomercantilista personificado na ALCA, e se converta
em vassalo disposto a se fazer de polícia do império na
América Latina e talvez de provedor de mercenários para
as novas guerras de ultramar.
Argentina é o terceiro país em que Washington está
intervindo. Depois do levantamento popular de massas do 19/20 de dezembro
de 2001, e da caída de cinco "Presidentes" lacaios,
Washington começou a operar através de uma estratégia
de várias fases que foi desenhada para continuar transferindo
ativos de bilhões de dólares às companhias estadunidenses,
prejudicar os competidores europeus e assegurar novamente para si uma
posição privilegiada no sistema político e econômico
da Argentina. O colapso do regime vassalo de De La Rúa, e a debilidade
do regime de Duhalde para "impor" um retorno ao status quo
anterior ao levantamento popular, levou Washington a recorrer aos achegados
civis incondicionais (o ex-presidente Menem e o ex-ministro de economia
Murphy) e ao aparato de inteligência militar - relativamente intacto
desde os dias da sangrenta ditadura. O problema de Washington com o
regime de Duhalde não é sua "retificação"
das "medidas populistas" (acedeu ao pagamento parcial da dívida,
jurou apoio incondicional à ofensiva global dos EUA, propõe
limitar o gasto público, etc.).
O problema dos EUA é que Duahlde não pode cumprir de maneira
enérgica com seus compromissos com o FMI e Wall Street. Os movimentos
populares estão crescendo em tamanho e atividade, e são
mais organizados e radicais. Em suas assembléias, defendem questões
fundamentais assim como preocupações imediatas. Suas demandas
incluem o repúdio à dívida externa, a nacionalização
da banca e dos setores econômicos estratégicos e a redistribuição
da renda - em uma palavra, repudiam o "modelo neoliberal",
em um momento em que os EUA estão pressionando para estender
e aprofundar seu controle por meio da ALCA neomercantilista. Cabe poucas
dúvidas de que o regime de Duhalde está preparado para
aceder à maioria das demandas do FMI - mas lhe falta capacidade
de implementar o pacote completo de austeridade e resgatar economicamente
os bancos no tempo e nas condições que Washington e o
FMI demandam. Cada concessão ao FMI - como os cortes orçamentários
- atiça o fogo de mais manifestações de professores
e funcionários públicos; o resgate dos bancos estrangeiros
requer continuar o confisco das poupanças privadas; o rebaixamento
drástico dos orçamentos provinciais provoca mais desemprego,
fome e revoltas. O regime de Duhalde já aumentou o nível
de repressão e desatou seus capachos de rua - mas os movimentos
ainda proliferam e o tênue verniz de legitimidade deste regime
está se dissolvendo. O diretor da CIA Tenet já assinalou
a "preocupação" dos EUA com a instabilidade
na Argentina - referindo-se às mobilizações populares.
Os recursos estadunidenses no aparato de inteligência argentino
estão lançando balões de sondagem que avaliam a
resposta aos rumores de um golpe militar.
Essas tentativas, jogadas, exploratórias, foram desenhadas para
assegurar um consenso entre as elites militares, financeiras e econômicas
- junto com os banqueiros e multinacionais estadunidenses e européias,
especialmente espanholas. A mídia dos EUA e da Europa começaram
a fazer eco da estratégia em desenvolvimento de Washington -
escrevendo sobre o "caos", o "colapso", e a "instabilidade
crônica" do regime civil. Washington aponta para um regime
cívico-militar, se e quando Duhalde renuncie ou seja derrocado.
A estratégia de Washington é a de decapitar a oposição
popular. Pode ser resumida como o Triplo M, um regime conformado pelo
ex-presidente Menem, o ex-ministro da economia Murphy e os Militares.
A falta de todo apoio social entre as camadas médias e pobres
urbanos significa que esse seria um "regime de força":
desenhado para pôr a classe média contra a parede, levando-a
a um êxodo massivo por meio de uma redução brutal
dos níveis de vida para cumprir com os compromissos da dívida
externa. Em resumo, Washington está trabalhando em duas direções:
por um lado pressionando Duhalde para que se dobre a suas demandas assumindo
poderes ditatoriais totais, e pelo outro preparando as condições
para um novo regime vassalo "cívico-militar", mais
autoritário e direitista. O recurso das ditaduras militares com
uma fachada cívica proporciona à Administração
Bush a fachada ideológica de "defender a democracia e a
liberdade de mercado". A mídia dos EUA pode embelezar isto,
assim como toda uma variedade de motivos relacionados. A estratégia
de militarização de Washington também é
evidente no Equador, Bolívia e Paraguai, onde os regimes lacaios,
desprovidos de toda legitimidade popular, se aferram ao poder e impõem
as fórmulas neomercantilistas de Washington (mercados livres
na América Latina e protecionismo e subsídios nos EUA).
No Brasil e México, Washington depende grandemente de instrumentos
políticos e diplomáticos. No caso do México, Washington
tem acesso direto à Administração Fox em política
econômica e um virtual agente no Ministro de Relações
Exteriores, Jorge Castañeda. A meta da subordinação
mexicana ao neomercantilismo dos EUA não é questionada,
dado que Fox e Castañeda estão totalmente de acordo. O
que sim é questionado é a efetividade do regime em implementar
as políticas estadunidenses. O esforço de Fox para converter
o sul do México e a América Central em uma grande planta
de ensamblagem, centro petrolífero e turístico dos EUA
(Plano Puebla-Panamá) tem se chocado com uma oposição
substancial. O deslocamento massivo de capitais estadunidenses para
China, onde os salários são mais baixos, tem provocado
o desemprego em grande escala nos povoados da fronteira entre México
e EUA. Os assim chamados "benefícios recíprocos"
da "integração" brilham por sua ausência.
O dumping estadunidense de cereais e outros produtos agrícolas
tem sido devastador para os camponeses e agricultores mexicanos. A tomada
de controle estadunidense de todos os setores da economia mexicana (finanças,
telecomunicações, serviços, etc.) tem levado a
um fluxo massivo de pagamentos ao exterior por conta de benefícios
e licenças. Quanto às relações exteriores,
a influência de Washington nunca foi maior, dado que Castañeda
copia grosseiramente as políticas do Departamento de Defesa e
da CIA - declarando apoio incondicional à política estadunidense
no Afeganistão e em qualquer intervenção militar
futura, e intervindo toscamente na política interna de Cuba e
provocando o pior incidente na história recente das relações
diplomáticas Cubano-Mexicanas.
As grosseiras intervenções anti-cubanas de Castañeda
apoiando Washington tiveram resultado contrário, com a grande
maioria da classe política mexicana pedindo um voto de censura
para o ministro ou sua renúncia. No entanto, se vê claramente
que a mera presença de tão desavergonhado promotor da
política estadunidense, como é Castañeda na Administração
Fox, é indicativa da conquista agressiva de espaço por
parte de Washington no sistema político mexicano. A poderosa
presença de bancos e corporações multinacionais
dos EUA e de numerosos vassalos políticos locais e regionais,
facilitam a recolonização do México - contra uma
força laborativa cada vez mais empobrecida e difícil de
controlar. No Brasil, os EUA têm estado ativos, tanto na esfera
política como na econômica. Seu apoio a Cardoso produziu
resultados sem precedentes: a virtual entrega das principais empresas
públicas nos setores das finanças, os recursos naturais
e o comércio. Mais significativo ainda é que os vínculos
dos capitais dos EUA e Europa com os impérios brasileiros nos
setores da mídia e os grandes negócios, têm tido
uma poderosa influência sobre a classe política e sobre
a conformação da política eleitoral. Este bloco
de poder tem conseguido fazer virar políticos eleitoralistas
de centro-esquerda para direita, com o objetivo de assegurar o acesso
à mídia e o apoio financeiro para ganhar as eleições
nacionais. A hegemonia dos EUA sobre o Brasil é um processo político.
Sua influência se transmite tanto através de intermediários
locais e regionais como dos monopólios midiáticos nacionais.
A "conquista" mais recente da ofensiva estadunidense é
a da direção do assim chamado Partido dos Trabalhadores,
e em particular de seu candidato presidencial Luís Inácio
Lula da Silva. Em resposta à ofensiva dos EUA, Lula escolheu
um magnata têxtil do direitista Partido Liberal como candidato
à vice-presidência. Tentou congraçar a si mesmo
buscando uma reunião com Kissinger, declarando sua lealdade ao
FMI e jurando cumprir os compromissos da dívida externa, as indústrias
privatizadas, etc.. A guinada à direita de Lula e do Partido
dos Trabalhadores significa que todos os maiores partidos eleitorais
permanecerão dentro da órbita estadunidense e garantirão
a hegemonia indiscutível dos EUA sobre as classes políticas.
Em resumo, a ofensiva imperial tem adotado uma variedade de táticas
e enfoques em diferentes países, em uma variedade de contextos
político-militares. Ao mesmo tempo que dá uma maior supremacia
à intervenção militar e aos golpes militares (sempre
com alguma forma de fachada civil) em certos países (Colômbia,
Venezuela), Washington continua por um lado instrumentalizando seus
vassalos políticos e diplomáticos, e por outro "dando
a volta" em seus adversários políticos. O objetivo
estratégico de construir um império neomercantilista enfrenta
uma grande variedade de obstáculos políticos, sociais
e militares, o que é particularmente evidente na Colômbia,
Venezuela e Argentina. Em outras palavras, a projeção
imperial de poder está longe de ter se realizado. Encontra-se
enredada em uma série de relações conflitivas e
num contexto em que os fracassos sócio-econômicos do império
no passado não criam um terreno favorável ao avanço
nem justificam a suposição de uma vitória inevitável.
Pelo contrário, a atual ofensiva imperial é em parte o
resultado de importantes reveses nos anos recentes e do crescimento
da oposição entre seus antigos partidários nas
classes médias de alguns países.
A Decadência do Império: As Bases da Ofensiva Imperial
A ofensiva político-militar dos EUA na América Latina
faz parte de uma campanha mundial para reverter a deterioração
de sua influência política e sua dominação
econômica, e para estender e consolidar seu poder imperial por
meio de uma combinação de bases militares e regimes políticos
vassalos. Com o início em 7 de outubro de 2001 do bombardeio
massivo e a subsequente ocupação do Afeganistão,
Washington procedeu a estabelecer um regime títere, completamente
dependente do poder militar dos EUA. A construção de satélites
se estendeu até a Ásia Central, onde Washington afastou
abruptamente os enlaces russos e estabeleceu bases militares e relações
patrão-cliente com os regimes. Processos similares de intervenções
militares, ocupações de bases e relações
patrão-cliente foram estabelecidas com os governantes das Filipinas,
Iêmen e Geórgia. Na América Latina, antes do 7 de
outubro de 2001, os EUA já haviam estabelecido bases militares
no Equador, Peru, Aruba, El Salvador e no norte de Brasil. Mais significativo
ainda é que a localização de novas bases foi acompanhada
de um papel operacional extenso e direto no financiamento, treinamento
e direção de operações de contra-insurgência
das forças militares e paramilitares colombianas que combatem
a insurgência popular.
É importante fazer notar dois pontos. Primeiro, parte desta expansão
do poder dos EUA está dirigida a se contrapor aos avanços
dos movimentos populares e dos regimes anti-imperialistas. Segundo,
a ofensiva não só busca recuperar a influência perdida,
senão estabelecer novos centros estratégicos de poder
de maneira a impor um império mundial indiscutível. No
caso da América Latina, ambos processos estão a caminho:
um esforço imperial orquestrado para derrotar os desafios populares
ao poder imperial e estabelecer um império neomercantil mais
exclusivo, explorador e repressivo do que o que existiu durante o período
denominado como "neoliberal". O propósito imediato
da ofensiva político-militar dos EUA na América Latina
é o de recuperar sua dominação em uma região
em que seus regimes lacaios estão desacreditados e perdendo sua
capacidade de controlar as políticas macroeconômicas devido
à oposição das massas. Essencialmente, a presença
militar de longo prazo dos EUA tem um objetivo político - sustentar
regimes desacreditados, substituir regimes vassalos fracos por juntas
cívico- militares mais autoritárias e derrocar governos
nacionais independentes que se recusam a seguir as políticas
de Washington. Que os regimes vassalos dos EUA estão se debilitando,
salta à vista pelo fracasso do modelo econômico liberal,
o declive vertical da popularidade registrado nas pesquisas de opinião,
a fuga crescente de capitais locais e o que é mais importante,
em alguns países, a beligerância cada vez maior de robustos
movimentos populares de massas dirigidos a desafiar a autoridade do
regime - quando não, o poder do estado.
O desafio mais poderoso e organizado ao projeto de construção
de satélites do império se dá na Colômbia.
A oposição popular ao regime cívico-militar se
baseia em um poderoso movimento agrícola multi-setorial (que
inclui agricultores, camponeses e trabalhadores rurais), prejudicado
pelos cortes dos créditos, da política de portas abertas
às importações de alimentos baratos estadunidenses
e o baixo preço de seus produtos de exportação.
A oposição incluiu também lutas sindicais militantes,
particularmente dos sindicatos petroleiros, dos funcionários
públicos e da indústria. A terceira e mais significativa
oposição se encontra no movimento guerrilheiro mais poderoso
e melhor organizado da historia recente da América Latina. As
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)
e o Exército de Libertação Nacional (ELN) de menor
tamanho, incluem mais de 20.000 combatentes. A tarefa principal dos
especialistas em contra-insurgência é a de dirigir os esquadrões
da morte paramilitares para que expulsem do campo pela força
centenas de milhares de camponeses simpatizantes da guerrilha, e assassinar
os habitantes progressistas dos bairros pobres, ativistas estudantis,
trabalhadores pelos direitos humanos e líderes sindicais. A violência
das forças paramilitares está orientada a isolar as guerrilhas
de sua base natural de massas - e fonte de alimentos e recrutas - de
maneira a facilitar as Forças Armadas no enfrentamento direto
com a guerrilha. A amplitude e a profundidade da violência militar
- 40.000 civis assassinados na década de 1990 - sugerem o grau
em que a guerrilha esteve e está profundamente enraizada na população
trabalhadora e camponesa. A guerrilha controla ou tem influência
sobre a metade dos municípios rurais do país e não
sofreu derrotas significativas, apesar das freqüentes "campanhas
de extermínio" do exército. Pelo contrário,
a guerrilha se encontra ativa a menos de 80 quilômetros da capital,
Bogotá, controla estradas principais e domina uma vasta faixa
de zonas rurais.
Ao mesmo tempo que imersos em uma guerra móvel, mais do que de
posições, os insurgentes têm, de fato, estabelecido
um sistema de duplo poder em várias regiões do país.
Mais ainda, os insurgentes têm a vantagem do conhecimento do terreno,
a proximidade com a população local e uma direção
estrategicamente superior que, mais do que compensa a superioridade
tecnológica e numérica do exército dirigido pelos
EUA, em sua maioria composto por recrutas. A entrada massiva de armas
e oficiais estadunidenses está orientada a reforçar o
regime e a impedir sua deterioração ou colapso frente
à recessão que já leva dois anos, o descontentamento
civil e as arremetidas da guerrilha. Na Venezuela, o regime de Chávez
tem desafiado a política exterior dos EUA em várias regiões
vitais: 1) No Oriente Médio, nos Estados do Golfo e do Norte
da África. O governo de Chávez tem fortalecido a OPEP
e visitado Iraque, Irã e Líbia, rompendo assim o boicote
dos EUA. 2) No Sul da Ásia, Chávez se opôs à
intervenção militar dos EUA ("a resposta ao terror
não é mais terror"); na América Latina se
opôs ao Plano Colômbia e à estratégia militar
contra-insurgente dos EUA, proibiu os vôos espiões estadunidense
sobre o espaço aéreo venezuelano, rechaçou a implementação
imediata da ALCA, desenvolveu laços íntimos com Cuba e
ofereceu sua mediação na disputa entre a guerrilha e o
regime na Colômbia. Em termos mais gerais, Chávez tem fortalecido
a OPEP e revitalizou sua capacidade de tomada de decisões, e
sobretudo Chávez tem rechaçado a submeter-se à
cruzada pela dominação mundial do tandem Bush-Rumsfeld.
Esta última tomada de posição é a que levou
os EUA a retirarem temporariamente seu embaixador e enviar uma delegação
de alto nível de funcionários do Departamento de Estado
que ameaçaram Chávez em um estilo que lembra mais a máfia
do que os diplomatas de carreira. A política exterior independente
de Chávez marca um claro contraste com os anteriores regimes
vassalos corruptos, que se faziam de eco da política internacional
dos EUA.
O terceiro país que tem sido testemunha de um acentuado declive
da influência dos EUA é a Argentina. O colapso do regime
de De La Rúa e seu séquito de ministros, a reboque dos
banqueiros estrangeiros e dos bancos multilaterais controlados pela
Europa e EUA, fizeram soar as campainhas de alarme em Washington. A
instalação da camarilha de Duhalde e suas concessões
a Washington e ao FMI não têm pacificado à Casa
Branca porque seu regime é tido como instável e incapaz
de pôr fim de maneira efetiva às mobilizações
de massas. O fato político mais significativo é o de que
a grande maioria da classe média tem se colocado contra o neoliberalismo
e seus promotores estrangeiros, e rechaçam a todos os políticos
locais associados com eles. À diferença do golpe de 1976,
em que os EUA e os generais foram capazes de botar a culpa na esquerda
pela "desordem" e "violência", em 2002 são
os regimes liberais direitistas pró-estadunidenses os que confiscaram
as poupanças da classe média, fazendo baixar seus níveis
de vida e reprimindo violentamente as assembléias e os panelaços
da classe média.
Um golpe cívico-militar respaldado pelos EUA teria lugar em um
vazio político, praticamente sem nenhuma base social de apoio
e dependendo exclusivamente da repressão violenta contra a totalidade
prática das organizações da sociedade civil. O
total descrédito político dos lacaios políticos
dos EUA, como o ex-presidente Menem, o ex-ministro (ministro por 15
dias) Murphy e os comandantes genocidas do exército, significa
que Washington enfrenta uma correlação de forças
sócio-políticas bastante desfavorável neste momento
e num futuro imediato. Neste contexto, as estratégias mais prováveis
de Washington serão as de chamar Duhalde a tomar medidas repressivas
ainda mais severas como um meio de desmobilizar a oposição
para cumprir com as condições dos bancos estrangeiros,
com a promessa de novos empréstimos do FMI. Outro cenário
possível seriam novas eleições, em que uma renovada
versão de coalizão de centro-esquerda chegue ao poder,
e Washington recorra a uma estratégia de desgaste político
- minando os investimentos, empréstimos, etc. a efeito de provocar
o descontentamento, para assim descarregar um golpe de estado em um
entorno de caos e políticas falidas.
Neste contexto tem lugar uma corrida entre os movimentos de massas e
Washington, para ver quem consegue preencher o espaço deixado
pela direita civil em desintegração. Os EUA têm
as armas do estado mas não a base social. Os movimentos de massas
têm o apoio popular mas nenhuma direção nacional
organizada em uma posição de impulsionar a tomada do poder
do estado. Colômbia, Venezuela e Argentina expressam claramente
os centros da influência e poder em decadência dos EUA.
No entanto, forças alternativas avançam em vários
outros países latino-americanos. Há sinais claros de que
os regimes vassalos no Paraguai (Macchi), Bolívia (Quiroga),
Equador (Noboa), Peru (Toledo) estão desacreditados e têm
pouco apoio popular na implementação da agenda de Washington.
E mais, há poderosos movimentos de massas multi-setoriais nos
três primeiros países que têm demonstrado sua capacidade
para a ação direta ao bloquear algumas das leis mais retrógradas.
Ao passo que esses movimentos são poderosos, sua força
reside em regiões e em classes sociais particulares (camponeses)
e são propensos a negociar acordos limitados (que nunca são
implementados pelo regime - o que deste modo precipita novas mobilizações
e confrontações).
Analisar a influência política de Washington no Brasil
é muito complexo. Por um lado, o regime centro-direitista e pró-estadunidense
de Cardoso perdeu muito apoio na opinião pública - exceto
entre os banqueiros estrangeiros e as elites locais - debilitando assim
a hegemonia dos EUA. Por outro lado, a esquerda tem sido severamente
debilitada pela guinada à direita da direção do
Partido dos Trabalhadores e seu candidato presidencial Luís Inácio
Lula Da Silva. Sua aliança com o direitista Partido Liberal e
a adoção da maior parte da agenda neoliberal deixam os
EUA em uma situação em que só podem ganhar. A guinada
à direita alienará muitos dos votantes de base do PT e
talvez divida o partido, resultando na perda das eleições.
Ou, caso se dê o resultado improvável de uma vitória
do PT-Liberais, as conseqüências políticas não
afetarão os interesses fundamentais dos EUA. A incógnita
é em quê medida a guinada à direita do PT vai resultar
em um reagrupamento da esquerda - em que os poderosos movimentos sociais
(Trabalhadores Sem Terra, pequenos agricultores, movimentos urbanos
e habitacionais), os partidos de esquerda radicais (PSTU, PCdoB, etc.)
e os dissidentes da esquerda do Partido dos Trabalhadores possam unir
forças. Independentemente dos partidos eleitorais, há
uma poderosa e crescente corrente de opinião nacionalista e anti-imperialista,
que se opõe fortemente à ALCA e às políticas
econômicas promovidas pelos EUA e Europa que trouxeram consigo
uma década de estancamento econômico.
Mais ainda, o exército brasileiro não é um aliado
de confiança para o Pentágono, dado que há uma
forte corrente nacionalista com raízes históricas que
poderia resistir a uma maior intervenção estadunidense.
Em resumo, seria um equívoco atribuir a atual ofensiva político-militar
dos EUA exclusivamente a fatores globais. A contra-ofensiva dos EUA
é desde antes ao 11 de setembro e ao 7 de outubro. O Plano Colômbia
começou quase dois anos antes. Certamente, a ofensiva imperial
na América Latina recebeu um ímpeto ideológico
e militar maior logo depois dos eventos da segunda metade de 2001, mas
igualmente importante é o avanço dos movimentos populares
e a extensão dos sentimentos anti-imperialistas e anti-liberais
a setores substantivos das classes médias em alguns dos maiores
países. A complexa interação entre a decadência
da influência na América Latina e nos Estados do Golfo,
combinada com a competição da Europa, mudou dramaticamente
a concepção do império por parte de Washington.
O Novo Imperialismo: Do Neoliberalismo ao Neomercantilismo
O caso dos "regimes falidos" no interior do império
neoliberal dos EUA na América Latina foi ilustrado dramaticamente
pela Argentina, mas se repete em outros países. O Neoliberalismo,
como estratégia imperial para obter o controle dos mercados,
das empresas nacionais e dos recursos naturais, parece estar chegando
a seu ponto final. Isto não significa o fim do imperialismo.
O que está acontecendo é um maior grau de controle do
estado imperial sobre as economias e circuitos de circulação
do capital e mercadorias. A ALCA de Washington é precisamente
um plano para a construção de um império neomercantilista,
em que os EUA estabelecem o marco legal para consolidar uma posição
privilegiada nos mercados e na economia latino-americanos, acima e contra
seus concorrentes europeus/japoneses. Os impérios neomercantilistas
se baseiam essencialmente em decisões de estado unilaterais (rechaçando
as negociações) e na supremacia militar, ambas desenhadas
para impor políticas aos concorrentes internacionais, regionais
e nacionais. Dada a debilidade dos estados-clientes neoliberais para
conter a insurgência popular, o estado imperial neomercantilista
opta por um maior uso da força e da militarização
da política.
Contra as conquistas econômicas na América Latina de seus
aliados europeus, o neomercantilismo busca limitar as perdas futuras
atando a América Latina aos Estados Unidos.
A transição de um império neoliberal a um neomercantil
não é uma mudança abrupta; o novo imperialismo
ainda tem muitas das características do anterior: EUA ainda importam
muito mais mercadorias do que há 30 anos, e continuará
sendo dependente das importações num futuro previsível.
Mas de modo cada vez maior, Washington está indo na direção
do controle das importações, cotas e tarifas para proteger
as indústrias domésticas não- competitivas, desde
o aço até o camarão.
Segundo, muitas das exportações dos EUA têm sido
subsidiadas e, em certa medida, o protecionismo sempre existiu, mesmo
nos momentos mais álgidos do império neoliberal. A verdadeira
questão é o grau e, o que é mais importante, a
direção do comércio subsidiado pelo estado. Os
EUA têm incrementado desproporcionadamente seus subsídios
à agricultura, e por causa do dólar sobrevalorizado passaram
a impor tarifas alfandegárias ao aço, a um custo para
os exportadores de ultramar de quase 10 bilhões de dólares
em ingressos não-percebidos. Europa fará represálias;
os clientes latino-americanos, não - especialmente aqueles comprometidos
com a ALCA.
Terceiro, à medida que os EUA passam a ser um império
de comércio e investimentos dirigidos pelo estado, na América
Latina manterá sua retórica neoliberal implementando ao
mesmo tempo uma estratégia estatista, desorientando assim os
analistas superficiais. Vários fatores levam a uma coincidência
entre o neomercantilismo e o incremento da militarização.
Em primeiro lugar, a evidente assimetria das relações
comerciais - os EUA protegem e dão subsídios a sua indústria,
mas exigem "livre comércio" para América Latina
- conduz a desequilíbrios que só podem ser impostos e
mantidos pela força. Segundo, o Neomercantilismo degrada e aliena
setores das classes médias locais, dos agricultores, e dos pequenos
negócios urbanos, estreitando assim a base política do
regime lacaio local. Em terceiro lugar, o papel cada vez maior do estado
imperial politiza a oposição ao estado. Em quarto lugar,
o neomercantilismo debilita o emprego local nas indústrias e
nos serviços sociais do setor público, engrossando as
filas dos desempregados e subempregados e ampliando a base social para
a ação direta de massas. Quinto, a pressão do estado
imperial sobre os estados vassalos para que cumpram com o pagamento
da dívida externa, elimina a maior parte do ingresso para financiar
serviços sociais locais ou projetos de capital, reduzindo o emprego
de profissionais e o desenvolvimento da infra-estrutura. Em resumo,
a transição à economia neomercantil requer mais
exploração e dominação. A ideologia global
"anti-terrorista" usada para justificar uma maior militarização
estadunidense na América Latina é um ardil propagandístico:
as bases econômicas da militarização estão
enraizadas na transição para um novo imperialismo.
A Ofensiva dos EUA: Seu Impacto
na Esquerda
A atual ofensiva imperial dos EUA têm tido um impacto diferenciado nas
formações de esquerda na América Latina. Em geral, podemos dizer que
os partidos eleitoralistas têm virado à direita e que os movimentos
sociopolíticos têm se radicalizado. A ofensiva não só tem afetado as
configurações políticas e as estratégias, senão que também aos
programas econômicos. Comecemos pelo lado negativo - aqueles setores da
esquerda que, como resultado da intervenção dos EUA, ameaças,
pressões e propaganda, guinaram à direita. Os dois casos mais
destacados são os do Partido Sandinista (FSLN) na Nicarágua e o
Partido dos Trabalhadores no Brasil. Em ambos casos houve uma gradual
guinada para o centro durante a última década. Nas eleições
presidenciais da Nicarágua de 2001, Daniel Ortega escolheu um candidato
neoliberal para vice-presidente e logo após o 11 de setembro avalizou o
bombardeio dos EUA sobre Afeganistão, sua ofensiva militar a escala
mundial, a ALCA, o pagamento da dívida externa e a política neoliberal
ortodoxa. Isso não serviu de nada: Washington e o embaixador dos EUA
intervieram nas eleições favorecendo o candidato liberal convencional
e lançaram ameaças ao eleitorado caso votassem por uma guerrilha
reciclada convertida em liberal. Ortega perdeu as eleições e o apoio
da militância e da esquerda, sem conseguir garantir o apoio das elites
capitalistas.
No Brasil, a direção do Partido dos Trabalhadores passou de um
programa socialista a um social-democrata e, recentemente, a um
neoliberal. Enquanto que o Partido ainda conta com uma forte minoria de
social-democratas de esquerda e um contingente de intelectuais
marxistas, sua orientação atual é a de se deslocar para a
centro-esquerda para assegurar alianças com o conservador Partido
Liberal e o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
Enquanto que os dirigentes do partido dão a guinada para a direita, o
dirigente máximo, Lula, assume as características de um caudilho
autoritário - mais interessado em ganhar posições de poder do que em
reformar ou mudar o sistema sócio-econômico. Lula e seus seguidores na
direção têm tomado medidas tanto simbólicas quanto efetivas para
assegurar a Washington sua vontade de ser vassalos obedientes: prometem
garantir o pagamento da dívida, defender as empresas privatizadas e
estimular os investidores estadunidenses. No nível
simbólico-substantivo, a escolha por parte de Lula de um magnata
têxtil, hostil aos sindicatos militantes, aos homossexuais e ao
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e favorável à ALCA sugerem
que o PT continua em movimento… para a direita. Lula bajulou
Kissinger, arquidefensor das guerras imperiais e da OMC, durante sua
recente visita a São Paulo. Lula visitou Washington para dar garantias
à Casa Branca de seu apoio total à campanha global
"anti-terrorista". A guinada à direita, ainda mais
pronunciada por parte do PT depois do 11 de setembro, sugere que a
pressão de Washington acelerou um processo que já estava tendo lugar
como resultado da política partidária interna.
No México, o voto do PRD (junto com os outros dois principais partidos
de direita) a favor da legislação que prejudicava as comunidades
dirigidas pelos zapatistas - e de fato, todas as comunidades indígenas
- é um indicador das políticas conciliatórias da atual direção. A
negativa do atual líder do Partido em denunciar os provocadores
pronunciamentos do ministro de relações exteriores mexicano e das
ações contra Cuba, são indicadores de que alguns setores do PRD podem
estar competindo com o PAN para serem os lacaios favoritos de Washington
no Senado mexicano. Em resumo, a ofensiva dos EUA teve um impacto
significativo em empurrar a maioria dos partidos eleitoralistas de
centro-esquerda para a direita. Em quase todos os casos, no entanto,
esta guinada à direita já estava a caminho - a pressão só acelerou o
processo e talvez empurrou esses partidos muito mais para a direita do
que se podia prever. Em contrapartida, a ofensiva político-militar
estadunidense e o grande empurrão dado para impor a ALCA têm aumentado
a extensão, profundidade e radicalização de muitos dos movimentos
sócio-políticos da região.
Na Colômbia, a pressão dos EUA para romper as negociações de paz e
militarizar a zona neutral, levou a grandes e exitosas contra-ofensivas
das guerrilhas, a uma colaboração mais estreita entre as FARC e o ELN
e a uma drástica deterioração da economia, incluindo os fluxos de
petróleo e energia, e o abastecimento de água, produto dos ataques da
guerrilha. Mais ainda, sob condições de guerra e confrontação de
classes, é provável que as demandas programáticas da insurgência se
radicalizem. Ao menos em sua primeira fase, a ofensiva estadunidense na
Colômbia tem conduzido a várias derrotas táticas e, à parte da
captura de umas poucas populações isoladas na zona desmilitarizada,
tem levado a perdas significativas entre os esquadrões da morte
paramilitares patrocinados pelos exércitos dos EUA e Colômbia.
Na Argentina, o intento de Duhalde para tranqüilizar os EUA quanto ao
pagamento da dívida, oferecendo votar contra Cuba, honrar com o FMI,
etc., fortaleceu a oposição e radicalizou as demandas. Os grupos e
classes de oposição, outrora díspares, convergem cada dia mais para
uma coalizão efetiva. As reuniões de unidade nacional contam com a
presença de milhares e os panelaços da classe média continuam um
atrás do outro com grandes bloqueios de estradas a cargo dos
desempregados. A economia continua se afundando, se prevê um
crescimento negativo de dois dígitos. A massa da classe média com seus
fundos ainda confiscados sabe que os banqueiros estadunidenses e
europeus e seus clientes argentinos puderam enviar aos EUA, Europa e
Uruguai cerca de 40 bilhões de dólares antes que suas contas fossem
congeladas.
O resultado é um rechaço poderoso e consciente para com a classe
política. A ofensiva dos EUA teve o efeito de isolar seus vassalos
políticos. Não teve nenhum efeito quanto a amortizar ou neutralizar o
ascenso popular. Enquanto o regime de Duhalde respalda a ofensiva dos
EUA, se vê socialmente impotente e politicamente isolado, incapaz de
implementar medidas políticas significativas. Mais importante ainda é
que Washington não possui interlocutores estáveis na mansão
presidencial - o regime de Duhalde poderia terminar antes de cumprir o
período de seu mandato.
Na Venezuela, a ofensiva estadunidense tem mobilizado exitosamente as
elites comerciais (Fedecamaras), a hierarquia religiosa e os chefes
sindicais em manifestações de grande escala com a esperança de
provocar um golpe militar e substituir Chávez por um vassalo local. Por
outro lado, Chávez tem respondido fomentando manifestações massivas
de seus partidários entre os pobres das cidades e os sindicalistas
dissidentes. Também conta com a lealdade dos comandantes do Exército.
A intervenção dos EUA tem radicalizado os discursos de Chávez, que
tem dado sinais de que poderia introduzir mudanças sócio-econômicas
mais substanciais a favor dos pobres. As confrontações estão levando
a uma maior polarização social entre as classes altas ricas e classes
medias prósperas por um lado, e a classe média pauperizada e pobres
urbanos e rurais pelo outro. A ofensiva de Washington tem polarizado o
país e radicalizado as demandas políticas e sociais em ambos os lados:
as classes ricas e o empresariado apóiam abertamente uma solução
militar para voltar a impor um regime lacaio que reverta a política
exterior independente de Chávez; os pobres pedindo a Chávez que use
mão de ferro para tratar a oposição orientada do exterior e que
implemente um programa redistributivo radical. Chávez até o momento
mantém uma cada vez mais insustentável "posição
intermediária" - resistindo aos intentos da direita para
derrocá-lo, convocando a mobilizações de massas em apoio ao regime
constitucional, mantendo sua política exterior independente mas sem se
comprometer claramente em um processo de transformações sociais
claramente delineado.
No México, Brasil, Bolívia, Equador e Paraguai, os EUA têm assegurado
o respaldo dos regimes lacaios a sua ofensiva mundial. Mas nesse
processo, os próprios regimes se convertem cada vez mais em
instrumentos isolados e ineficientes das políticas dos EUA dentro da
América Latina. Mais ainda, abaixo do nível do governo, há pouco
apoio para qualquer campanha militar estadunidense que favoreça às
políticas econômicas assassinas e que se sustenta em forças militares
repressivas com um largo histórico de massacrar movimentos populares.
Washington consegue garantir alinhamentos favoráveis por parte da
maioria dos regimes nos fóruns internacionais, por meio das ameaças e
da compra de votos, mas tem perdido a hegemonia ideológica em toda a
região, exceto em alguns círculos de elites intelectuais e entre as
ONG's conformistas. Em contraste com isto, os bloqueios de estradas se
multiplicam - desde as "auto-pistas" da Patagônia até os
caminhos rurais da Bolívia ou as selvas da Colômbia: "eles"
não passam. Os EUA conseguem obter promessas dos Presidentes títeres,
mas cada vez mais os palácios presidenciais e os prédios do congresso
são cercados por manifestantes, enquanto que o cheiro de pneus
queimando se infiltra por entre os arames farpados e passa pelas caras
de mau dos soldados fortemente armados. A ofensiva estadunidense tem
intimidado ou cooptado os políticos oportunistas precisamente no
momento em que o eleitorado os estava abandonando.
Conclusão
Claramente, estamos entrando em um período de ofensiva política
e militar dos EUA, golpes militares (ou tentativas de golpes), ação
direta das massas, polarização política e novas
formas de representação social. Não há resultados
uniformes - os benefícios e as perdas que resultem da ofensiva
estadunidense não podem ser medidos contando os votos dos presidentes
e o nível de assentimento dos generais leais. Os movimentos sociais
em avanço e a insurgência popular têm desmascarado
o saque imperial e têm derrubado regimes lacaios, mas os resultados
políticos importantes estão ainda por vir. Os conflitos
sociais e os enfrentamentos militares acontecem a escala continental;
presidentes lacaios sobem e descem, impõem substitutos. Movimentos
e partidos crescem e logo enfrentam desafios decisivos: fazer compromissos
ou lutar pelo poder. As falhas e as limitações dos programas
reformistas voltaram a colocar o socialismo na agenda. Tem surgido uma
nova geração que não viveu na própria carne
as derrotas políticas e o terror das décadas de 1960 e
1970, mas que certamente tem vivido a fome, a pobreza, o desemprego
e a corrupção política da década de 1990.
Nenhum dos movimentos militantes emergentes ou das insurgências
populares experimentaram uma derrota histórica nesta década.
O movimento, com ascensos e descensos temporais, ainda segue uma trajetória
ascendente. Entretanto, nenhum resultado é inevitável
nem predeterminado: a organização consciente, a clareza
política e a audaz intervenção humana são
necessárias para se contrapor a atual ofensiva imperial e convertê-la
em uma derrota histórica, e mais do que isso, em uma revolução
socialista vitoriosa.
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