A
cada minuto que passa, novas pessoas assinam a
Internet, novos computadores se interconectam,
novas informações são injetadas na rede.
Quanto mais o ciberespaço se estende, mais
universal se torna, menos totalizável o mundo
informacional se torna. O universal da
cybercultura está tão desprovido de centro
como de linha diretriz. Está vazio, sem conteúdo.
Ou melhor, aceita todos, pois contenta-se com pôr
em contato um ponto qualquer com qualquer outro,
qualquer que seja a carga semântica das
entidades postas em relação. Eu não quero
dizer com isso que a universalidade do ciberespaço
seja «neutra» ou sem conseqüências, pois o
fato-mor do processo de interconexão geral já
tem e terá ainda mais, no futuro, imensas
repercussões na vida econômica, política e
cultural. Esse evento está efetivamente
transformando as condições da vida em
sociedade. Trata-se, no entanto, de um universal
indeterminado e que tende até a manter sua
indeterminação, pois cada novo nó da rede de
redes em constante extensão pode tornar-se
produtor ou emissor de informações novas,
imprevisíveis, e reorganizar por conta própria
parte da conectividade global.
O ciberespaço
possui o caráter de sistema dos sistemas mas,
por isso mesmo, também é o sistema do caos. Máxima
encarnação da transparência técnica, acolhe,
no entanto, devido à sua irreprimível profusão,
todas as opacidades do sentido. Desenha e
redesenha a figura de um labirinto móvel, em
extensão, sem plano possível, universal, um
labirinto com o qual o próprio Dédalo não
poderia ter sonhado. Essa universalidade
desprovida de significado central, esse sistema
da desordem, essa transparência labiríntica,
eu a chamo o «universal sem totalidade».
Constitui a essência paradoxal da cybercultura.
A escrita e o
universal totalizante
Para
entender bem a mutação da civilização
contemporânea, é preciso fazer um retorno
reflexivo sobre a primeira grande transformação
na ecologia das mídias: a passagem das culturas
orais para as culturas da escrita. A emergência
do ciberespaço terá provavelmente – já tem
hoje até – um efeito tão radical sobre a
pragmática das comunicações como o teve em
seu tempo a invenção da escrita.
Nas sociedades
orais, as mensagens lingüísticas sempre eram
recebidas no momento e no local de sua emissão.
Emissores e receptores partilhavam uma situação
idêntica e, na maioria das vezes, um universo
semelhante de significado. Os atores da comunicação
mergulhavam no mesmo banho semântico, no mesmo
contexto, no mesmo fluxo vivo de interação.
A escrita abriu
um espaço de comunicação desconhecido pelas
sociedades orais, no qual tornava-se possível
tomar conhecimento de mensagens geradas por
pessoas situadas a milhares de quilômetros ou
mortas desde séculos, ou expressando-se desde
enormes distâncias culturais ou sociais. Assim
sendo, os atores da comunicação não
partilhavam necessariamente a mesma situação,
não estavam mais em interação direta.
Subsistindo fora
de seus condições de emissão e recepção, as
mensagens escritas mantêm-se "fora de
contexto". Esse "fora de
contexto" — que inicialmente se insere
apenas na ecologia das mídias e na pragmática
da comunicação — foi legitimado, sublimado,
interiorizado pela cultura. Tornar-se-á o núcleo
de uma certa racionalidade e acabará levando à
noção de universalidade.
É difícil
entender uma mensagem quando separada de seu
contexto vivo de produção. É por isso que, ao
lado da recepção, inventaram-se as artes da
interpretação, da tradução, toda uma
tecnologia lingüística (gramáticas, dicionários…).
Do lado da emissão, houve um esforço para
compor mensagens que fossem capazes de circular
por toda a parte, independentemente de suas
condições de produção, as quais contêm em
si, na medida do possível, suas chaves de
interpretação ou sua "razão". A
esse esforço prático corresponde a Idéia do
Universal. Em princípio, não há a necessidade
de recorrer a um testemunho vivo, a uma
autoridade externa, a hábitos ou a elementos de
um determinado ambiente cultural, para
compreender e admitir as proposições
enunciadas nos Elementos de Euclides. Esse texto
inclui em si as definições e os axiomas a
partir dos quais decorrem necessariamente os
teoremas. Os Elementos são um dos melhores
exemplos do tipo de mensagem auto-suficiente,
auto-explicativa, englobando suas próprias razões,
que não teria pertinência alguma numa
sociedade oral.
Cada uma à sua
maneira, a filosofia e a ciência clássicas
almejam a universalidade. Eu formulo a hipótese
de que é porque elas não podem ser separadas
do dispositivo de comunicação instaurado pela
escrita. As religiões "universais" (não
estou falando apenas dos monoteísmos: pensemos
no Budismo) são todas elas apoiadas em textos.
Se eu quiser converter-me ao Islamismo, posso
fazê-lo em Paris, em Nova Iorque ou na Meca.
Mas se eu quiser praticar a religião bororo
(supondo-se que esse projeto tenha um sentido),
não tenho outra solução que não ir viver com
os bororos. Os rituais, os mitos, as crenças e
os modos de vida bororo não são
"universais", mas sim contextuais ou
locais. De maneira alguma apóiam-se numa relação
com os textos escritos. Evidentemente, essa
constatação não implica nenhum julgamento de
valor etnocêntrico: um mito bororo pertence ao
patrimônio da humanidade e pode virtualmente
comover qualquer ser pensante. Por outro lado,
religiões particularistas também têm seus
textos – a escrita não determina
automaticamente o universal, ela o condiciona (não
há universalidade sem escrita).
Assim como os
textos científicos ou filosóficos que
supostamente contêm suas próprias razões,
seus próprios fundamentos e trazem consigo suas
condições de interpretação, os grandes
textos das religiões universalistas englobam
por construção a fonte de sua autoridade. Com
efeito, a origem da verdade religiosa é a
revelação. Ora, a Tora, os Evangelhos, o Alcorão
são a própria revelação ou o relato autêntico
da revelação. O discurso não está mais no
fio de uma tradição cuja autoridade vem do
passado, dos ancestrais ou da evidência
partilhada de uma cultura. Somente o texto (a
revelação) fundamenta a verdade, fugindo,
assim, de qualquer contexto condicionante. Graças
ao regime de verdade que se apóia num
texto-revelação, as religiões do livro
libertam-se da dependência de um meio
particular e tornam-se universais.
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