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O UNIVERSAL SEM TOTALIDADE, ESSÊNCIA DA CYBERCULTURA
Pierre Lévy
 
A cada minuto que passa, novas pessoas assinam a Internet, novos computadores se interconectam, novas informações são injetadas na rede. Quanto mais o ciberespaço se estende, mais universal se torna, menos totalizável o mundo informacional se torna. O universal da cybercultura está tão desprovido de centro como de linha diretriz. Está vazio, sem conteúdo. Ou melhor, aceita todos, pois contenta-se com pôr em contato um ponto qualquer com qualquer outro, qualquer que seja a carga semântica das entidades postas em relação. Eu não quero dizer com isso que a universalidade do ciberespaço seja «neutra» ou sem conseqüências, pois o fato-mor do processo de interconexão geral já tem e terá ainda mais, no futuro, imensas repercussões na vida econômica, política e cultural. Esse evento está efetivamente transformando as condições da vida em sociedade. Trata-se, no entanto, de um universal indeterminado e que tende até a manter sua indeterminação, pois cada novo nó da rede de redes em constante extensão pode tornar-se produtor ou emissor de informações novas, imprevisíveis, e reorganizar por conta própria parte da conectividade global.  

O ciberespaço possui o caráter de sistema dos sistemas mas, por isso mesmo, também é o sistema do caos. Máxima encarnação da transparência técnica, acolhe, no entanto, devido à sua irreprimível profusão, todas as opacidades do sentido. Desenha e redesenha a figura de um labirinto móvel, em extensão, sem plano possível, universal, um labirinto com o qual o próprio Dédalo não poderia ter sonhado. Essa universalidade desprovida de significado central, esse sistema da desordem, essa transparência labiríntica, eu a chamo o «universal sem totalidade». Constitui a essência paradoxal da cybercultura.  

A escrita e o universal totalizante  

 Para entender bem a mutação da civilização contemporânea, é preciso fazer um retorno reflexivo sobre a primeira grande transformação na ecologia das mídias: a passagem das culturas orais para as culturas da escrita. A emergência do ciberespaço terá provavelmente – já tem hoje até – um efeito tão radical sobre a pragmática das comunicações como o teve em seu tempo a invenção da escrita.   

Nas sociedades orais, as mensagens lingüísticas sempre eram recebidas no momento e no local de sua emissão. Emissores e receptores partilhavam uma situação idêntica e, na maioria das vezes, um universo semelhante de significado. Os atores da comunicação mergulhavam no mesmo banho semântico, no mesmo contexto, no mesmo fluxo vivo de interação.  

A escrita abriu um espaço de comunicação desconhecido pelas sociedades orais, no qual tornava-se possível tomar conhecimento de mensagens geradas por pessoas situadas a milhares de quilômetros ou mortas desde séculos, ou expressando-se desde enormes distâncias culturais ou sociais. Assim sendo, os atores da comunicação não partilhavam necessariamente a mesma situação, não estavam mais em interação direta.  

Subsistindo fora de seus condições de emissão e recepção, as mensagens escritas mantêm-se "fora de contexto". Esse "fora de contexto" — que inicialmente se insere apenas na ecologia das mídias e na pragmática da comunicação — foi legitimado, sublimado, interiorizado pela cultura. Tornar-se-á o núcleo de uma certa racionalidade e acabará levando à noção de universalidade.  

É difícil entender uma mensagem quando separada de seu contexto vivo de produção. É por isso que, ao lado da recepção, inventaram-se as artes da interpretação, da tradução, toda uma tecnologia lingüística (gramáticas, dicionários…). Do lado da emissão, houve um esforço para compor mensagens que fossem capazes de circular por toda a parte, independentemente de suas condições de produção, as quais contêm em si, na medida do possível, suas chaves de interpretação ou sua "razão". A esse esforço prático corresponde a Idéia do Universal. Em princípio, não há a necessidade de recorrer a um testemunho vivo, a uma autoridade externa, a hábitos ou a elementos de um determinado ambiente cultural, para compreender e admitir as proposições enunciadas nos Elementos de Euclides. Esse texto inclui em si as definições e os axiomas a partir dos quais decorrem necessariamente os teoremas. Os Elementos são um dos melhores exemplos do tipo de mensagem auto-suficiente, auto-explicativa, englobando suas próprias razões, que não teria pertinência alguma numa sociedade oral.  

Cada uma à sua maneira, a filosofia e a ciência clássicas almejam a universalidade. Eu formulo a hipótese de que é porque elas não podem ser separadas do dispositivo de comunicação instaurado pela escrita. As religiões "universais" (não estou falando apenas dos monoteísmos: pensemos no Budismo) são todas elas apoiadas em textos. Se eu quiser converter-me ao Islamismo, posso fazê-lo em Paris, em Nova Iorque ou na Meca. Mas se eu quiser praticar a religião bororo (supondo-se que esse projeto tenha um sentido), não tenho outra solução que não ir viver com os bororos. Os rituais, os mitos, as crenças e os modos de vida bororo não são "universais", mas sim contextuais ou locais. De maneira alguma apóiam-se numa relação com os textos escritos. Evidentemente, essa constatação não implica nenhum julgamento de valor etnocêntrico: um mito bororo pertence ao patrimônio da humanidade e pode virtualmente comover qualquer ser pensante. Por outro lado, religiões particularistas também têm seus textos – a escrita não determina automaticamente o universal, ela o condiciona (não há universalidade sem escrita).  

Assim como os textos científicos ou filosóficos que supostamente contêm suas próprias razões, seus próprios fundamentos e trazem consigo suas condições de interpretação, os grandes textos das religiões universalistas englobam por construção a fonte de sua autoridade. Com efeito, a origem da verdade religiosa é a revelação. Ora, a Tora, os Evangelhos, o Alcorão são a própria revelação ou o relato autêntico da revelação. O discurso não está mais no fio de uma tradição cuja autoridade vem do passado, dos ancestrais ou da evidência partilhada de uma cultura. Somente o texto (a revelação) fundamenta a verdade, fugindo, assim, de qualquer contexto condicionante. Graças ao regime de verdade que se apóia num texto-revelação, as religiões do livro libertam-se da dependência de um meio particular e tornam-se universais.  

 

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