
Declaração
Universal dos Direitos Humanos
Dez de dezembro é dia de vigília
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de
um jeito decidido, lindo e leve, que permita que seu
texto esteja pousado em muitas partes
Por
Roseli Fischmann
Comemora-se
no dia 10 de dezembro a promulgação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas, em 1948.
É constituída de trinta artigos, precedidos de
um prólogo belíssimo e inspirador. Apresenta-se
como um ‘‘ideal comum’’ a ser perseguido pela
humanidade. Tem sido muito falada e é pouco conhecida.
No
Brasil recebeu popularização às avessas, sendo
sobretudo identificada com padrões estereotipados,
preconceituosos, na famosa e deletéria identificação
dos direitos humanos com ‘‘direitos de bandidos’’.
Obra de políticos inescrupulosos que exploram
o medo da população e a facilidade que um tratamento
maniqueísta oferece, esse estigma tem sido um
desserviço ao Brasil e aos brasileiros. É urgente
mudar semelhante padrão.
Mas
do que trata a Declaração Universal dos Direitos
Humanos? É indispensável ser lida na íntegra.
Para militantes e profissionais da área do Direito,
marcados por sua formação e atuação, conhecimento
histórico e exegético das matérias, sua leitura
é diferenciada. Contudo, o que poderia ser chamado,
do ponto de vista técnico, de ‘‘despreparo’’ não
só não é impeditivo da leitura, como, ao contrário,
mais ainda a recomenda.
Ao
coordenar a elaboração do Manual Direitos Humanos
no Cotidiano, da então Secretaria Nacional dos
Direitos Humanos, Unesco e USP, em 1997 e 1998,
a pedido de José Gregori, atual ministro da Justiça,
efetivamos cada um dos artigos da declaração como
um capítulo, todos com a mesma estrutura. Na seção
‘‘o olhar de’’, um artista das artes visuais demonstra
que sensibilidade e estética têm papel específico
e indispensável a desempenhar na transformação
da sociedade e do ser humano. Esse entendimento
reafirma-se no tratamento iconográfico do manual,
visibilizando trabalhos desenvolvidos por indivíduos
e organizações da sociedade civil, lembrando que
a luta em prol dos direitos humanos é antiga em
nosso país.
Na
seção ‘‘a palavra de’’, uma personalidade faz
um comentário, um poema, dá um testemunho de vida.
Encontram-se ali homens e mulheres, jovens e idosos,
religiosos e ateus, afro-descendentes, indígenas,
orientais, judeus, árabes, federação de indústrias
e sindicalistas, vivendo na prática a diversidade
etno-racial, cultural, religiosa que há no Brasil.
‘‘Personalidade’’ é quem faz algo por nosso país
e pela humanidade, mesmo que os holofotes da fama
não estejam sobre seu rosto — todos têm algo a
dizer sobre os direitos humanos universais, já
que se trata da possibilidade da reconstrução
da vida e do ser humano.
Na
seção ‘‘a experiência e a contribuição de’’ foram
incluídas sessenta organizações não-governamentais,
fundações e institutos da sociedade civil. Retomamos
aqui a idéia de que há muito trabalho já desenvolvido,
que o campo é vasto e tem sido abordado de maneira
fértil — e que existem alternativas para as mais
diversas vocações sociais.
A seção
‘‘aspectos jurídicos’’ apresenta estudo detalhado
dos instrumentos jurídicos nacionais e internacionais
que um cidadão pode invocar para proteger seus
direitos e conhecer seus deveres.
A
seção ‘‘a tradução indígena’’ foi inserida como
forma de, por intermédio do belo texto preparado
por Marcos Terena, prestar, em cada um dos artigos,
homenagem aos habitantes imemoriais de nossa terra.
A
seção ‘‘o que podemos fazer desde já?’’ traz sugestões
que todos têm condições de efetivar. É preciso
disseminar a compreensão de que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos trata do que é básico para
todo ser humano: dignidade humana, liberdade e
justiça, direito de defesa, direito de ir e vir,
direito à educação, à moradia, à saúde, ao desenvolvimento,
ao trabalho, a salários dignos, ao lazer, à liberdade
de consciência, de opinião e de crença, à liberdade
de associação, à nacionalidade, à privacidade,
ao acesso aos bens culturais que são patrimônio
da humanidade e de seu grupo específico, a ser
respeitado independentemente de sexo, raça/etnia,
classe social, idade, religião, origem social,
enfim, sem discriminação de qualquer tipo que
o exclua, direito de não ser escravizado, de não
ser torturado, direito a todos os direitos e condições
que permitam que o direito mais básico, o direito
à vida, possa ser vivido com dignidade, participando
da construção da sociedade a que pertence.
Essa
listagem sumária e incompleta é ‘‘aperitivo’’
para convidar os leitores a escolher algo que
podem fazer ‘‘desde já’’, estimulando a que procurem
conhecer o texto integral da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (site do Ministério da Justiça,
da Unesco e ONGs, www.institutoplural.org). Sobretudo,
que procurem divulgá-la em seu meio, refletir
sobre ela.
De
hoje até dia 10 há quase uma semana inteira, tempo
suficiente para preparar iniciativas simples:
proceder à leitura da declaração, distribuí-la
impressa, em papel simples, nas escolas e universidades,
nos cultos das diversas religiões, nos clubes
e restaurantes, nos táxis e nas lojas, nos shoppings,
espalhando pela cidade essa que é uma declaração
de esperança no ser humano e de confiança em sua
capacidade de construir um mundo melhor.
Tão
solene declaração, manifestação vívida da consciência
humana do universal que precisa ser construído
a partir da diversidade (e essa abordagem é tão
propriamente brasileira), merece todo o respeito.
Respeitá-la não é trancafiá-la, mas guardá-la,
no lindo sentido que o poeta Antonio Cícero deu
a esse verbo:
‘‘Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer/vigília
por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar/acordado
por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela./Por
isso melhor se guarda o vôo de um pássaro/Do que
um pássaro sem vôos’’.
Dez
de dezembro é dia de vigília pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos de um jeito decidido, lindo
e leve, que permita que seu texto esteja pousado
em muitas partes, porque fala da vida e do respeito
que o ser humano deve ao ser humano. Domingo é
um bom dia para celebrar. Veja o que pode fazer
e saiba que o menor gesto sempre pode fazer a
diferença. Não se esqueça.
Roseli
Fischmann é professora de pós-graduação na USP
e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenadora
do Instituto Plural e membro do júri internacional
do Prêmio Unesco de Educação para a Paz |