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Comentário ao artigo 2º

  Dom Pedro Casadáliga
Bispo de São Félix do Araguaia, MT. 

A Pastoral de Migração sintetizou num Slogan simples e cabal – “Somos iguais, somos diferentes” – a verdade, o compromisso e a esperança que encerram o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Uma perspectiva mais “burguesa” dificilmente saberia conjugar as duas dimensões desse enunciado. Também não saberia conjulgá-las uma perspectiva colonialista ou de Primeiro Mundo, para dar o nome aos bois de hoje. Somos iguais pela igualdade fundada do nosso ser de pessoas humanas. Ser pessoa é a raiz de todos os direitos humanos que se possam reivindicar e reconhecer. Porque ser pessoa é um fim em si, mesmo que relacional; é um absoluto, mesmo que relativo. Essa matriz de direitos, que pertence por natureza a todo ser humano, fundamenta e possibilita todos os direitos civis, sociais, econômicos, culturais e religiosos.

E nenhum título acrescido – “de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra índole, origem nacional e social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição” – pode anular ou nem sequer relativizar esse supremo título, anterior e universal, de sermos, todos e todas, pessoas humanas.

Proclamar esse primeiro, inviolável, direito, mãe de todos os direitos humanos, abre-nos a uma perspectiva de humanidade como verdadeira fraternidade. Já alguém recordou oportunamente que os direitos humanos são muito mais que uma realidade jurídica, enquanto refletem um “dever ser”, uma desafiadora prospectiva que a humanidade se impõe para respeitar sua própria dignidade; para ser uma humanidade não apenas hominizada, mas plenamente humanizada.

Infelizmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que agora completa cinquenta anos de vigência teórica, não pode reivindicar cinquenta anos de vigência prática. Se fôssemos apurar as exigências reais dessa Declaração, deveríamos constatar que essa vigência prática não tem dado em nenhum país do mundo. Os chamados países desenvolvidos ou do Primeiro Mundo tampouco têm sido tão desenvolvidos nem tão pouco de primeira qualidade no que se refere, por exemplo, a respeitar cor, raça, condição social, diversidade política ou cultural.

O teólogo, testemunha em El Salvador, Jon Sobrino, escrevia com sensibilidade de Terceiro Mundo:

Creio que a humanidade se divide entre aqueles que consideram a vida como algo suposto (evidente) e aqueles que não podem dar como um suposto a vida, antes, têm como tarefa fundamental sobreviver... Nossa humanidade se divide entre aqueles que nascem, de fato, com direitos e aqueles que nascem, de fato, sem eles.

Muito menos tem sido vigência prática essa Declaração, e no caso o artigo 2º, no que e refere ao relacionamento entre os países ou entre os blocos de países, hoje um Mundo Primeiro ou um Mundo Terceiro. O flagelo da dívida externa, as condições de lucro e de intercâmbio comercial, os vetos dos grandes e as leis de "estrangeria” estão aí como feridas abertas denunciando a imposição da desigualdade por razão de nacionalidade ou de raça. A própria denominação de países centrais e periféricos, de grandes e pequenos, de “indispensáveis e descartáveis”, denuncia uma mentalidade e uma práxis de negação do artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A mesma ONU é a Organização das Nações Unidas ou é a organização, prepotente, excluidora, de algumas nações conchavadas?

As próprias religiões, por fundamentalismo ou por etnocentrismo de fé, vêm conculcando também esses direitos e abrindo fossas, com frequência mortais, entre pessoas e grupos humanos. São já clássicas na história as guerras de religião. E depois de cinquenta anos da Declaração dos Direitos Humanos, as guerras de religião continuam; ou explicitamente tais ou como suporte e até justificativa de lutas territoriais ou étnicas.

As Igrejas cristãs e a Igreja Católica, mais concretamente, nem sempre souberam acolher os direitos humanos como uma explicitação elementar, fundamental, inviolável, da própria fé cristã. O papa Leão XIII, em sua famosa encíclica Rerum Novarum, na qual acolheu alguns “direitos naturais do homem”, evitou a expressão “direitos humanos”. Em séculos anteriores a Leão XIII e na prática anterior e às vezes até posterior, com demasiada frequência, os direitos humanos têm sido vistos como contrários aos direitos divinos. A Comissão Teológica Internacional teve de explicitar, em sua declaração de 1987, que “a defesa e a promoção dos direitos do homem (e da mulher) estão cada vez mais ligados à missão da Igreja sicut elementum constitutivum integrale, como elemento constitutivo integral”. O saudoso para João XXIII, em sua encíclica Pacem in Terris, recordava à ONU que seu objetivo principal devia ser “garantir com eficácia os direitos do homem; direitos que brotam da dignidade da pessoa humana” (n. 145).

Dá para perceber nestas poucas linhas que deixo escritas como a mulher vinha ficando sempre fora da Declaração e dos comentários da mesma...

À luz da fé cristã, na qual eu medito singelamente este artigo 2º da cinquentenária Declaração, poderíamos sintetizar, com Rafael Belda, três supremos valores e/ou exigências que essa mesma fé proclama:

  • a igualdade essencial de todos os seres humanos e sua fraternidade universal;

  • a inadmissibilidade de quaisquer discriminações, que violariam essa fraternidade e a própria paternidade divina universal;

  • a condição primeira e suprema de ser a pessoa humana imagem de Deus, participante da natureza divina.

Nesta bela e violentada terra, que é a nossa casa comum, a única que aqui temos, a história humana, segundo a feliz expressão de Nicolai Berdiaev, é “o oitavo dia da Criação”.

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