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Comentário ao artigo 27

Introdução de Washington Araújo

A confissão de Leontina é mais que uma confissão. Á E o retrato falado da condição humana de milhões de pessoas que se sentem ultrajadas em sua dignidade, diminuídas em sua dimensão humana, espoliadas de seus direitos básicos. Leontina nasce do mesmo laboratório mental (ou emocional?) de Lygia Fagundes Telles, essa escritora que ousou ao discorrer sobre a estrutura da bolha de sabão e que soube tratar com delicadeza e sensibilidade temas tão complexos quanto humanos, tais como "as ficções da realidade" ou o poder que pesa sobre "a mão no ombro". Para Carlos Drummond de Andrade, segundo Lygia me disse em recente conversa, "esse seu conto era o mais belo e... o mais humano". Ouso chamar seu consagrado texto A confissão de Leontina de "A humanidade de Leontina". Uma personagem com todas as fraquezas de uma Macabéa e nenhuma de suas virtudes, que mergulha de ponta na realidade da qual faz emergir os mais inspirados sentimentos. E na fragilidade de Leontina que podemos encontrar um ser muito distante de participar livremente da vida cultural da comunidade e para quem o fruir das artes e a participação no progresso científico e nos seus benefícios é algo, realmente, de todo inacessível. Leontina é, para nós, o grande desafio, e sua humanidade é a grande conquista.
Após esta leitura, constatamos que ela move algo, algo transcendente, e que Leontina é a representante de uma imensa legião de seres que, apesar da maré vazante aguarda ainda a força das novas ondas, acredita ainda nas forças humanas que, vez por outra, podem vir a irromper na superfície do ser. O algo que ela move tem nome e atributo. Ela move a condição humana.
Lygia Fagundes TelIes, embora detentora de tantos e tão variados prêmios e honrarias, premia-nos agora com a distinção maior: dá vida a um personagem de carne e osso, que nos enternece a alma e nos faz refletir sobre o desafio do que é trabalhar pela elevação da qualidade da vida humana neste conturbado fim de século que vivenciamos.

A confissão de Leontina
Lygia Fagundes Telles

á contei esta história tantas vezes e ninguém quis me acreditar. Vou agora contar tudo especialmente pra senhora que se não pode ajudar pelo menos não fica me atormentando como fazem os outros. E que eu não sou mesmo essa uma que toda gente diz. O jornal me chama de assassina ladrona e tem um que até deu o meu retrato dizendo que eu era a Messalina da boca do lixo. Perguntei pro seu Armando o que era Messalina e ele respondeu que essa foi uma mulher muito à-toa. E meus olhos que já não têm lágrimas de tanto que tenho chorado ainda choraram mais.
Seu Armando que é o pianista lá do salão de danças já me aconselhou a não perder a calma e esperar com confiança que a justiça pode tardar mas um dia vem. Respondi então que confiança podia ter nessa justiça que vem dos homens se nunca nenhum homem foi justo pra mim. Nenhum. Só o Rogério foi o melhorzinho deles mas assim mesmo me largou da noite pro dia. Me queixei pro seu Armando que tenho trabalhado feito um cachorro e ele riu e perguntou se cachorro trabalha. Não sei eu respondi. Sei que trabalhei tanto e aqui me chamam de vagabunda e me dão choque até lá dentro. Sem falar nas porcarias que eles obrigam a gente a fazer. Daí seu Armando disse pra não perder a esperança que não há mal que sempre ature. Então fiquei mais conformada.
Puxa vida que cidade. Que puta de cidade a Rubi vivia dizendo. E dizia ainda que eu devia voltar pra Olhos D'Água porque isto não passa de uma bela merda e se nem ela que tem peito de ferro estava se agüentando imagine então uma bocó de mola feito eu. Mas como eu podia voltar? E voltar pra fazer o quê? Se minha mãe ainda fosse viva e se tivesse o Pedro e minha irmãzinha então está visto que eu voltava correndo. Mas lá não tem mais nada. Voltar é voltar pra casa de dona Gertrudes que só faltava me espetar com o garfo. E nem me pagava porque mal sei ler e por isso meu pagamento era a comida e uns vestidos que ela mesma fazia com as sobras que guardava numa arca.
Engraçado é que agora que estou trancafiada vivo me lembrando daquele tempo e essa lembrança dói mais do que quando me dependuraram de um jeito que fiquei azul de dor. Nossa casa ficava perto da vila e vivia caindo aos pedaços mas bem que era quentinha e alegre. Tinha eu e minha mãe e Pedro. Sem falar na minha irmãzinha Luzia que era meio tontinha. Pedro era meu primo. Era mais velho do que eu mas nunca se aproveitou disso pra judiar de mim. Nunca. Até que não era mau mas a verdade é que a gente não podia contar com ele pra nada. Quase não falava. Voltava da escola e se metia no mato com os livros e só vinha pra comer e dormir. Parecia estar pensando sempre numa coisa só. Perguntei um dia em que ele tanto pensava e ele respondeu que quando crescesse não ia continuar assim um esfarrapado. Que ia ser médico e importante que nem o doutor Pinho. Caí na risada ah ah ah. Ele me bateu mas me bateu mesmo e me obrigou a repetir tudo tudo o que ele disse que ia ser. Não dê mais risada de mim ficou repetindo não sei quantas vezes e com uma cara tão furiosa que fui me esconder no mato com medo de apanhar mais.
Minha mãe vivia lavando roupa na beira da lagoa. Ela lavava quase toda a roupa da gente da vila mas não se queixava. Nunca vi minha mãe se queixar. Era miudinha e tão magra que até hoje fico pensando onde ia buscar força pra trabalhar tanto. Não parava. Quando tinha aquela dor de cabeça de cegar então amarrava na testa um lenço com rodela de batata crua e fazia o chá que colhia no quintal. Assim que a dor passava ia com a trouxa de roupa pra lagoa. Essa erva a Tita também comia e depois vomitava. Vou ser médico e a senhora vai viver feito uma rainha o Pedro disse. Rainha rainha rainha, eu fiquei gritando e pulando em redor dela e a Tita latia e pulava comigo. Ela então fez que sim com a cabeça e riu com aquele jeito que tinha de esconder a boca.
Eu fazia a comida e cuidava da casa. Minha irmãzinha Luzia bem que podia me ajudar que ela já tinha seis anos mas vivia com a mão suja de terra e sem entender direito o que a gente falava. Queria só ficar esgravatando o chão pra descobrir minhocas. Está visto que sempre encontrava alguma e então ficava um tem-pão olhando pra minhoca sem deixar que ela se escondesse de novo. Ficou assim desde o dia em que caiu do colo de Pedro e bateu com a cabeça no pé da mesa. Nesse tempo ela ainda engatinhava e Pedro quis fazer aquela brincadeira de upa cavalinho upa. Montou ela nas costas e saiu trotando upa upa sem lembrar que a pobrezinha não sabia se segurar direito. Até que o tombo não foi muito feio mas desde esse dia ela não parou de babar e fuçar a terra procurando as benditas minhocas que às vezes escondia debaixo do travesseiro.
Até a lenha do fogão era eu que catava no mato. Perguntei um dia pra minha mãe por que Pedro não me ajudava ao menos nisso e ela respondeu que o Pedro precisava estudar pra ser médico e cuidar então da gente. Já que o dinheiro não dava pra todos que ao menos um tinha de subir pra dar a mão pros outros. Quando ele for rico e importante decerto nem vai mais ligar pra nós eu fui logo dizendo e minha mãe ficou pensativa. Pode ser. Pode ser. Mas prometi pra minha irmã na hora da morte que ia cuidar dele melhor do que de você. Estou cumprindo.
Imagine a senhora se minha mãe soubesse que não faz dois anos que encontrei Pedro e que ele fingiu que nem me conhecia. Eu tinha ido visitar minha colega Rubi que piorou do pulmão e foi pra Santa Casa. Levei um pacote de doces e uma revista de anedotas que Rubi tem paixão por anedotas. Foi quando Pedro entrou. Vinha com uma moça que devia ser doutora também porque estava com um avental branco que nem ele. Levei um susto tão grande que quase caí pra trás porque foi demais isso da gente se ver depois de tanto tempo. E como ele estava alto e bonito com aquele avental. Abri a boca e quis chamar Pedro Pedro. Mas uma coisa me segurou e foi bom porque assim que ele deu comigo foi logo disfarçando depressa com um medo louco que eu me chegasse. Então baixei a cabeça e fingi que estava vendo a revista. Ele foi virando as costas e pegando no braço da doutora foi saindo mais apavorado do que se tivesse visto o próprio diabo. Rubi percebeu tudo que Rubi não tem nada de boba e sabe até falar um pouco da língua que aprendeu quando morou com um gringo. Quis saber se por acaso aquele lá tinha dormido comigo pra ficar assim atrapalhado perto da bosta da namorada dele. E disse que eu era muito tonta de ficar desse jeito porque já devia estar acostumada com esse tipo de homem que faz aquelas caras pra gente quando a mulher está por perto. Que é que você queria que ele fizesse? Queria que te apresentasse olha aqui a vagabunda que trepou comigo? Era isso que você queria? Então me deu uma bruta vergonha daquela vida que a gente estava levando e que devia mesmo ser uma droga de vida pra Pedro não ter coragem nem de me cumprimentar. Contei tudo pra ela.
Esse teu primo é um grandessíssimo filho da puta. Um filho da puta ela ficou repetindo não sei quantas vezes. Acho você muito melhor do que ele. O grande cão. Ficou cheio de orgulho e fugiu da prima esculhambada mas o caso é que foi essa prima que durante anos e anos fez a comida dele. Veja Leo que se você tivesse dinheiro ele não te desprezava assim por mais à-toa que você fosse. O errado não é ficar dando mas dar pra pobre como você dá. Nisso é que está o erro. Mas também não posso falar muito porque sempre fui uma besta e a prova disso é que vim parar nesta enfermaria baixo-astral. Estou acabada Leo. Tenho só trinta e cinco anos mas estou podre de velha e você vai direitinho pro mesmo caminho. Não agüentei e abri a boca no mundo. Me mandou parar de chorar e começou a falar tanta asneira que quando chegou a janta a gente já estava rindo de novo. Dividiu comigo a canja de galinha que chamou de canja de defunto porque os médicos matam por engano e pra não contar que foi engano aproveitam a defuntada na canja. Então me lembrei daquela vez que teve galinha e minha mãe deu o peito pra ele. Fiquei com o pescoço. Não me comprava sapato pra que ele pudesse ter livros. E agora ele fugia de mim como se eu tivesse a lepra. E depois a gente não era bem isso o que a Rubi disse porque a gente trabalhava. A gente não trabalha? perguntei meio ofendida. Sei disso sua tonta ela me respondeu. Mas estamos na zona. Pergunta pros tiras se eles deixam a gente ficar lá de graça pergunta. Sendo da zona é tratada feito vagabunda e está escrito que tem de ser assim.
Mais tarde ela contou que uma noite ele veio conversar na enfermaria. Quis saber o que a gente fazia e mais isso e mais aquilo. Quando a Rubi disse que a gente era dançarina de aluguel ele ficou muito espantado e começou a rir ah ah ah. Quer dizer que tem homens que pagam só pra dançar com vocês? Mas ainda existe esse negócio? E achou graça porque não podia imaginar que justo eu que não sabia nem o que era uma valsa estivesse metida nisso. Rubi tem ódio da palavra valsa por causa de uma coisa que aconteceu e quando escutou essa palavra e viu ele zombando já engrossou e disse que esse era um trabalho tão direito como qualquer outro. O ruim é que pagavam tão pouco que as meninas tinham de continuar a dança na cama pra poder comer no dia seguinte. Avisa a Leontina que quando me encontrar com outras pessoas pra não se aproximar de mim ele recomendou. Se precisar de médico que me procure mas só no meu consultório ele foi dizendo enquanto tirava um cartão do bolso. Aqui não. Rubi então perdeu as tramontanas mas perdeu mesmo. Picou o cartão em pedacinhos e jogou tudo na cara dele. O senhor não passa de um sacana ela respondeu. E não precisa ficar com medo que a Leo nunca mais há de querer falar com um tipo assim ingrato e sujo. Vá pro fundo do inferno com toda sua importância que a Leo quer ver o diabo e não quer ver o senhor.
Ela me contou isso tão furiosa que me vi na obrigação de ficar furiosa também. Rubi é só bondade e virava onça se me faziam alguma mas a verdade é que bem que eu queria guardar aquele endereço e numa hora qualquer ir lá conversar com ele. Ela não entende que a gente foi criado junto que nem irmão. Gosto dele apesar de tudo e por mais que ele faça eu sei que vou continuar gostando igual porque não se arranca o bem-querer do coração. E quem mandou também eu ficar nessa vida? Mas também que outra vida eu podia ter senão esta? Mal sei escrever meu nome e qualquer serviço pôr aí já quer que a gente escreva até na máquina. Não sei como é com as outras moças que nem eu. Só sei que comigo tem sido duro demais e se Pedro soubesse disso quem sabe vinha me fazer uma vizinha e me dizer ao menos uma palavra. Mas já estou presa faz três meses e até agoira ele não deu sinal e decerto nem vai dar.
Às vezes fecho os olhos par ver melhor aquele tempo. Minha mãe tão calcinha com o lenço amarrado na cabeça e a trouxa de roupa debaixo do braço. Luzia com as minhocas. Pedro com os livros. E eu tão contente cuidando da casa. Quando tinha flor no campo eu colhia as mais bonitas e botava dentro da grainha em cima da mesa porque sabia que Pedro gostava de flor. Lembro de um domingo que minha mãe ganhou uns ovos e fez um bolo. Era tão quente o cheiro daquele bolo e Pedro comeu com tanto gosto e fiquei tão alegre que gritei de alegria quando ele agradou minha mãe e me chamou pra caçar vagalume. Anoitecia e a gente ia chacoalhando uma caixinha de fósforo e mentindo pros vagalumes numa cantiguinha que era assim vagalume tem-tem vagalume tem-tem tua mãe está aqui e o teu pai também.
Não conheci meu pai. Morreu antes de você nascer respondia minha mãe sempre que eu perguntava. Mas como ela não queria falar nisso fiquei até hoje sem saber como ele era. Então imaginava que era lindo e bom e podia escolher a cara que tinha quando me deitava na beira da lagoa e de tardinha ficava olhando o sol no meio das nuvens. Me representava então ver meu pai feito um deus desaparecendo detrás da montanha com sua capa de nuvem num carro de ouro.
No fim do ano tinha festa no grupo. Pedro era sempre o primeiro aluno e o diretor vinha então dizer pra minha mãe que não tinha na escola um menino assim inteligente. Nessas horas minha mãe chorava.
Me lembro que uma vez Pedro inventou uma festa no teatrinho. Quando acabou corri pra dizer que ele tinha representado melhor do que todos os colegas mas Pedro me evitou. Eu estava mesmo com o vestido rasgado e isso eu reconheço porque minha mãe piorou da dor e tive de passar a manhã inteira fazendo o serviço dela e o meu. Mas achei que Pedro estava tão contente que nem ia reparar no meu jeito. E me cheguei pra perto dele. Ele então fez aquela cara e foi me dando as costas. Essa daí não é a tua irmã? um menino perguntou. Mas Pedro fez que não foi saindo.
Fiquei sozinha no palco com um sentimento muito grande no coração. Quando voltava pra casa ele me pegou no caminho. Todo mundo já tinha ido embora. Então ele botou a mão no meu ombro e me perguntou se eu tinha gostado e mais isso e mais aquilo. Pedro Pedro por que você fingiu que nem me conhecia? eu quis perguntar. Mas ele estava tão contente e era tão bom quando ele ficava contente que não quis estragar a festa. E fiquei contente também.
Quando cheguei minha mãe estava com o pano amarrado na cabeça e já ia saindo pra ir ao Bentão curandeiro. E me lembro agora de uma coisa que parece mentira mas juro que foi assim mesmo. Já contei que a gente tinha uma cachorrinha chamada Tita que era uma belezinha de cachorra. Quando teve a última ninhada achei que emagreceu demais e começou a custar muito pra sarar. Não se importe não que ela vai ficar boa disse minha mãe. Mas uma tarde vi a Tita se levantar do caixotinho dela e ficar parada farejando o ar e olhando lá longe com um jeito tão diferente que até estranhei. Ela apertava os olhinhos e franzia o focinho olhando a estrada. Depois voltava e olhava pros cachorrinhos dentro do caixote. Olhou de novo pra estrada. A testa até franzia de tanta preocupação. Mas de repente resolveu e foi andando firme numa direção só. No dia seguinte foi encontrada morta naquelas bandas pra onde estava olhando. Com minha mãe foi igual. Antes de sair ficou sem saber se ia ou não. Olhou pra mim. Olhou pra Luzia. Olhou comprido pro Pedro. Depois olhou de novo a estrada franzindo a testa que nem a Tita. Parecida mesmo com a Tita medindo o caminho que ia fazer. Senti um aperto forte no coração. Não vai mãe eu quis dizer. Mas ela já tinha pegado a estrada com seu passinho ligeiro. Corri pro Pedro com um pressentimento. Ele estava lendo um livro. Deixa de ser burra que não vai acontecer nada de ruim ele disse sem parar de ler. Vou ser médico pra cuidar dela. Nunca mais vai sentir nenhuma dor ele prometeu. E a Luzia vai deixar de mexer com minhoca e você vai se casar e vai ser feliz ele disse e me mandou coar um café.
Aconteceu tudo ao contrário. Minha mãe caiu na estrada segurando a cabeça e Luzia se afogou quando procurava minhoca e eu estou aqui jogada na cadeia. Fico pensando que ele era mesmo diferente porque só com ele deu tudo certo e agora entendo por que merecia um pedaço de carne maior do que o meu.
Sempre achei a estaçãozinha de Olhos D'Água muito alegre por causa do trem mas naquela manhã não podia haver uma estação mais triste. Esperei que Pedro aparecesse ao menos uma vez na janela pra me dizer adeus. Não apareceu. Fiquei então abanando com a mão pra outras pessoas que por sua vez abanavam pra outras pessoas até que o último carro sumiu na curva.
O chefe da estação quis saber pra onde Pedro ia. Contei que a intenção dele era estudar e trabalhar na cidade. Pois vai morrer de fome disse um amigo do chefe que estava escutando a conversa. Fiquei então num estado que nem sei explicar É que me vi completamente sozinha no mundo e isso foi muito duro pra mim. Acabei me acostumando mas no começo fiquei com medo porque tinha só doze anos. Minha mãe estava enterrada. Assim que ela morreu tive de trabalhar feito louca porque Pedro ia tirar o diploma na escola e precisava de um montão de coisas. Continuei lavando pra fora e tinha ainda de cozinhar e cuidar da minha irmãzinha e catar lenha no mato e colher pinhão quando era tempo de pinhão. Me deitava tão cansada que nem tinha força de lavar a lama do pé. Voc6 está virando um bicho Pedro me disse muitas vezes mas o que eu queria é que ele estivesse limpinho e com a comida na hora certa. Era isso que eu queria. Depois eu me lavo eu respondia. Depois quando? ele perguntava. E eu olhava em redor e via as pilhas de camisa pra passar e engomar e a panela queimando no fogo e minha irmãzinha tendo de ser trocada porque ela fazia tudo na roupa. Quando você tirar o diploma não vou mais lavar pra fora. Então vou poder andar em ordem e até estudar. Era isso o que eu respondia. Foi isso que eu combinei. Mas o combinado não vigorou porque assim que ele tirou o diploma arrumou a trouxa e foi embora.
Aquele ano meu pai. Quando me lembro daquele ano. Até hoje se escuto falar em diploma me representa que vai começar tudo outra vez. Os meninos recebiam o diploma de tardinha e depois estava marcada a festa. De noite não dava pra ir mas se eu corresse ainda chegava em tempo pra festa de tarde. Não conto o nó que senti na garganta quando vesti o vestido cinzento que minha mãe devia usar no caixão e não usou porque a Cida que arrumou ela disse que logo logo o vestido ia servir direitinho pra mim. Era um desperdício. Ninguém está vendo se ela vai de vestido velho disse a Cida. Só Deus sabe mas Deus até que vai gostar quando ela aparecer pra lavar a alma com o mesmo vestidinho que usava pra lavar roupa. Agora eu estava com a sandália e o vestido dela e pensei que quando Pedro me visse ia pensar nisso também. Mas Pedro estava ocupado demais pra pensar noutra coisa que não fosse o discurso que ia fazer.
Quando comecei a pentear a Luzia ele parou de escrever e fez aquela cara que conheço bem. Ficou me olhando. Mas a Luzia também vai? Respondi que era preciso porque ela não podia ficar sozinha. Ele não disse nada mas notei que ficou aborrecido porque logo fez aquela cara. E que ele se envergonhava da gente e com razão porque a verdade é que não era mesmo muito agradável mostrar pros colegas uma priminha tonta assim. Confesso que isso me doeu porque a Luzia estava pronta e tão lindinha Com o cabelo louro todo encacheado caindo até o ombro e o vestidinho novo que fiz com um retalho de fazenda azul que uma freguesa me deu. Pensei em dizer que assim arrumada ninguém podia descobrir que ela não era muito certa da cabeça. Mas Pedro estava de tal jeito que achei melhor deixar a Luzia em casa e ir só com ele.
Estava quase na hora de Pedro começar o discurso da festa quando Malvina apareceu na porta me chamando com a mão depressa depressa. Ela era preta mas naquela hora estava com a cara cinzenta. Que foi que aconteceu com a minha irmãzinha eu perguntei quase sem poder me agüentar de pé. Então Malvina começou a tremer dizendo que não tinha tido tempo de fazer nada. Fazer o quê? perguntei tremendo também. Salvar a pobrezinha. Eu ia indo pra casa quando vi aquele anjinho na beira da lagoa cavucando a lama. Fui chegando e de repente não sei como ela deu uma cambalhota e desapareceu. Gritei o quanto pude mas demorou até o Bentão entrar na água trazendo a pobrezinha pelo cabelo. Roxinha roxinha.
Corri feito louca pra avisar o Pedro. Ele já ia entrar no palco. Pedro Pedro a Luzia se afogou fiquei repetindo sem chorar nem nada. A Luzia se afogou a Luzia se afogou. Só repetia isso sem poder dizer outra coisa a Luzia se afogou. Ele me olhava mais branco do que a camisa. Agarrou meu braço. Vá na frente que depois eu vou. Vá na frente está me escutando? Mas eu não conseguia sair do lugar. Então ele me sacudiu com força. Vá indo na frente já disse. Vá indo que depois eu vou mas não conte pra ninguém escutou agora? Vi ele subir a escadinha que dava pro palco. Vá na frente repetiu bem baixinho mas tão furioso que pensei que fosse voltar pra me bater. Não fique parada aí. Vá na frente que eu já vou. Eu já vou.
Saí zonza como se tivesse levado uma paulada. Da rua ouvi ainda a voz de Pedro começando o discurso. Me lembro de uma palavra que escutei. Nunca tinha escutado antes e não sabia o que era. Fui voltando pra casa e repetindo júbilo júbilo júbilo.
Foi assim que perdi minha irmãzinha que era linda como os anjos pintados no teto da igreja. Mais umas semanas e perdi Pedro. O diretor da escola me arrumou um emprego na cidade ele avisou. Vou trabalhar num banco. O ordenado é pequeno porque meu serviço é só dar recado mas nos dias de folga vou trabalhar num hospital onde me deixam dormir. Estudo de noite ele disse bebendo em grandes colheradas a sopa que eu esquentei. Comecei a dar pulos de alegria. Pedro Pedro que bom que agora tudo vai mudar pra nós eu disse cabriolando de tão contente. Faço sua comida e lavo sua roupa e como também ganhar alguma coisa porque sei trabalhar direito não sei? Ele então segurou no meu braço. Parei de rodopiar. Mas você não vai. Demorou um pouco pra eu entender. Eu não vou Pedro? Ele passou a mão na minha cabeça. Não pense que estou te abandonando ouviu bem? Eu não ia fazer uma coisa dessas. Mas o que vou ganhar não dá pra dois. Vou na frente e quando der jeito mando te chamar mas não fique triste porque você vai trabalhar na casa de uma mulher muito boa que o padre Adamastor conhece. Já falei com ele e assim que eu embarcar você vai pra lá. A gente vende esses trastes que preciso apurar algum dinheiro pra viagem. Agora bebe sua sopa senão esfria. Fui mexendo o caldo mas minha garganta estava trancada â meu pai. Ô meu pai. Só olhava pro caixotinho da Tita que agora servia pra guardar pinhão e da Tita passei pra minha mãe e então não agüentei mais segurar o choro. Mas nessa hora Pedro já tinha saído pra saber se a Malvina queria comprar nossas coisas e foi melhor assim porque então ele não viu como fiquei.
Vendi tudo e o que apurei entreguei na mão dele. Um dia ainda te devolvo com juro ele disse. Eu não sabia o que era juro e até hoje não entendo mas se vinha de Pedro devia ser bom. Guardou o dinheiro e me abraçou. Me leva Pedro me leva fiquei pedindo agarrada nele. Tenho de ficar sozinho se quiser fazer o que tenho de fazer ele disse. Mas logo você vai receber uma carta porque não quero te perder de vista ele repetiu enquanto ia amarrando o pacote de livros com uma cordinha.
Vesti meu vestido cinzento e fui pra casa do padre Adamastor. Mal podia parar em pé de tanto desânimo.
Uma tristeza no peito que chegava a doer. Minha mãe e Luzia e Pedro e a Tita mais os filhinhos dos filhinhos da Tita. Tinham sumido todos.
O padre me levou na casa de uma velha de óculos que começou a me olhar bem de perto. Mandou eu abrir a boca e mostrar os dentes. Perguntou mais de uma vez quantos anos eu tinha e se sabia ler. Respondi que andava pelos catorze e que conhecia uma ou outra letra mas fazia melhor as contas. Ela então apertou meu braço. Deve andar com uma fome antiga disse pro padre. Mas uma assim de perna fina é que sabe trabalhar. Remexeu meu cabelo. Vou cortar sua juba pra não dar piolho ela foi dizendo. Examinou minha mão. Quero ver essa unha cortada e limpa.
Fui recuando sem querer. A mulher tinha olhos pretos e redondinhos como os botões da batina do padre e um jeito de falar com a gente feito urubu bicando a carniça. Não parava de perguntar e agora queria saber se eu não tinha andado de brincadeiras com meu primo. Que brincadeiras? perguntei e ela riu com aquele jeito ruim que tinha de rir. Essa brincadeira de dar injeção naquele lugarzinho que você sabe qual é. O padre sacudiu a cabeça fingindo zanga mas bem que achou engraçado. Acho que ela é meio retardada como a irmã minha cara enquanto eu estava dormindo. Na procissão da Semana Santa ia vestido de Nosso Senhor dos Passos.
Assim que dona Gertrudes virava as costas o menino largava o caderno e fugia pra jogar futebol perto do matadouro. Então seu João Carlos vinha na cozinha pedir um café e prosear comigo. Era muito educado mas morria de medo da mulher. É uma verdadeira megera ele me disse certa vez e me lembro que achei graça na palavra que nunca tinha escutado antes. Ia enrolando seu cigarrinho de palha e se queixando tanto que até criei coragem e perguntei por que ele não fazia a pista duma vez. Quando era moço bem que tentei mas ela ameaçou se matar ele respondeu. Então fui ficando. Agora estou velho e não adianta mais nada mas você que é novinha devia fugir o quanto antes. Vá-se embora menina. Vá-se embora.
E foi o que eu fiz. O pouco de dinheiro que ela me dava fui juntando num pé de meia pra render mais como via minha mãe fazer. E numa madrugada levantei antes dela e vesti meu vestido cinzento e corri pra estação. O carro de primeira estava quase vazio mas o de segunda tinha gente até de pé. Arrumei um lugarzinho perto de uma mulher muito gorda que comia pão com cebola. Assim que o trem começou a andar espiei pela janelinha e quando vi a vila amontoada lá embaixo não aguentei e caí no choro. Me representou ver minha mãe lá longe com o pano amarrado na cabeça pensando se ia ou não que nem a Tita. E minha irmãzinha brincando Com as minhocas. E Pedro tão sério mexendo nos cadernos. Nossa mesa com uma flor dentro da garrafinha. Juro que me representou escutar até a fala deles. Onde estava nossa casa? Onde estavam todos?
A mulher perguntou se eu chorava por causa da cebola que ela picava num guardanapo aberto no coío. Respondi que chorava de verdade mesmo. Ela mastigava sem parar e quando o pão acabou abriu um embrulho com OVO cozido e me ofereceu um. Contou que tinha seis filhos que estavam na casa de uma comadre porque o marido era tão imprestável que não ganhava nem pro sustento de um tico-tico. Repartiu comigo o virado de feijão e riu muito quando contou como o caçula era engraçado. Depois chorou porque se lembrou que estava indo pra ficar de esmola na casa de uma irmã tudo por culpa daquele marido que só prestava pra fazer filho.
Anoiteceu e a gente ainda no trem. A mulher parou de comer e dormiu. Fiquei olhando o mato lá fora mais preto do que carvão. O céu também estava preto. Tive tanto medo que até me deu enjôo mas de repente vi minha cara no vidro da janela. Eu tinha mesmo a cara de lua cheia que dona Gertrudes vivia caçoando. Mas a pele era clarinha. E a boca muito bem-feita sim senhora. Passei a mão no meu cabelo louro louro. Mas louro de verdade e todo anelado sem ser de permanente. Achei bonito o meu cabelo ali no vidro e olhei de novo pro céu. O pretume tinha se rasgado e pelo rasgão apareceu um monte de estrelas. Me deu então uma bruta calma quando vi uma estrelinha brilhando lá longe. Imaginei que aquela bem que podia ser minha mãe. Então fechei os olhos e pedi que ela tomasse conta de Pedro. E que também olhasse um pouco por mim.
Quase todas minhas colegas do salão de danças contaram que se perderam com moços que prometeram casamento. Pois comigo foi diferente porque o Rogério até que não prometeu nada. Foi o primeiro conhecimento que fiz na cidade. Ele era grandalhão e tinha um riso tão bom que dava logo vontade da gente rir junto. Assim que cheguei sentei num banco da estação e fiquei ali parada sem saber pra onde ir. Então ele veio prosear comigo e se ofereceu pra me ajudar. Reparei que vestia uma roupa diferente que nunca vi antes e perguntei que farda era aquela. Mas esta é a roupa de marinheiro ele respondeu. E começou a rir porque achou uma coisa de louco topar com alguém que nunca tinha visto um marinheiro. Contou que morava no Rio mas estava agora de licença pra tratar de umas coisas que tinha de tratar aqui em São Paulo. E ficou olhando pro meu vestido. Já entendi tudo ele foi dizendo. Você fugiu de casa com vestido da sua mãe. Acertei?
Me levou numa confeitaria cheia de espelhos e luzes. Reparei então como eu estava mal-arrumada perto das outras moças e acho que ele adivinhou o que eu estava pensando porque me pediu que eu não ficasse com vergonha daquelas mulheres bem-vestidas mas todas umas vagabundas de marca. E prometeu que no dia seguinte me dava até um enxoval. Quer um enxoval heim Joana? Expliquei que meu nome não era Joana e sim Leontina. Leontina Pontes dos Santos. Não faz mal ele respondeu rindo. Esse seu cabelo todo anelado é igual ao cabelo do São João do Carneirinho e pra mim você será sempre Joana.
Fui contando minha vida enquanto bebia guaraná e comia um sanduíche. Ele bebia cerveja e escutava muito sério. Falei no Pedro e na esperança que tinha de me encontrar com ele apesar de não ter recebido nenhuma carta naqueles quatro anos.
Isto aqui é grande demais pra você achar esse primo ele disse sacudindo a cabeça. Neste puta bolo a gente não encontra nem com a mãe. E é melhor mesmo não contar com ninguém ele disse segurando minha mão. Foi o primeiro conselho que ouvi e agora que estou sozinha vejo coma era verdade isso que o Rogério me disse. Conte si com você que todo mundo já está até as orelhas de tanto problema e não quer nem ouvir falar no problema do outro. Depois me disse que se eu estivesse gostando dele como ele estava gostando de mim tudo ia ser muito fácil. A gente podia ir morar junto lá no hotelzinho mas desde já me avisava que não ia prometer nada. Nunca enganei nenhuma mulher ele avisou. Sou livre mas não vá ficar alegre com isso porque casar não caso mesmo. Meu compromisso é outro. Nunca esquentei o rabo em parte alguma ele disse despejando mais cerveja no copo. Fiquei olhando a espuma. Chega uma hora me mando pro mar e adeus. Está bem assim?
Respondi que nunca tinha visto o mar. Num desses domingos a gente vai comer uma peixada em Santos ele prometeu. E explicou que o mar era tanta água tanta que no fim ele parecia se juntar com o céu. Mas se a gente chegasse até lá tinha mais chão de mar pela frente. As vezes ele ficava arreliado e espumava feito louco varrido puxando tudo pro fundo. Mas que de repente a raiva passava. E sem ninguém saber por que a água se punha mansa e embalava os navios como berços. Engraçado é que conheci o mar mas não foi com ele. Cada domingo que a gente ficava de ir acontecia alguma coisa e acabei indo mesmo quando já andava com o Mariozinho.
O hotel ficava numa ruinha estreita cheirando a café porque tinha na esquina um armazém de café. Chamava Hotel Las Vegas. Subimos a escada de caracol e entramos no quarto. Então fiquei sentada na cama. Ele riu e agradou meu queixo. Depois me deu um sabonete verde e avisou que o banheiro ficava do lado. Não me envergonho de dizer que aprendi a tomar banho com o Rogério. Você tem de tomar banho todo dia e lavar bem as partes ele ensinou quando expliquei que em casa a gente só tomava banho de bacia em dia de festa porque nas outras vezes só lavava o pé. E na casa da minha patroa ela não gostava que eu me lavasse pra não gastar água quente.
Quando voltei do banheiro embrulhada na toalha ele me deu pra vestir uma cueca e uma camiseta com umas coisas escritas no peito. Ficou tudo muito grande pra mim e me escondi muito envergonhada debaixo do lençol. Ele riu e se deitou do meu lado. Você está com medo? ele perguntou. Confessei que estava. Não tenha medo ele disse. E como beber um copo d'água. Enquanto você estiver assim tremendo a gente não faz nada está bem assim? Te ensino depois como evitar filho e outras coisas. Fechou a luz e ficou fumando e eu fiquei sentindo o cheiro forte da fumaça e não sei por que lembrei do meu pai quando ele passou o braço debaixo da minha cabeça e chamou vem Joana.
Esse foi um tempo feliz. Rogério era muito paciente e muito bom pra mim. Sempre me trazia um presentinho da rua e quando tinha mais dinheiro me levava pra comer em restaurante. Se estava duro dizia estou duro e daí a gente se arrumava com um sanduíche num bar por perto onde o dono era amigo dele. Em todo bar que a gente ia o dono era amigo dele.
No sábado tinha cinema e depois o Som de Cristal que ele tinha paixão por tudo quanto era dança e dançava pra danar. Tão alegre o Rogério mas tão alegre. Foi com ele que aprendi a dizer não tem problema. Nada de se aporrinhar porque a vida acaba ficando uma puta aporrinhação ele repetia se eu me queixava de alguma coisa. Não tem problema Joana. Não tem problema. Aprendi também a fazer amor e a fumar. Até hoje não consegui gostar de verdade de fumar. Comprava cigarro e ficava fumando porque todas as meninas em nossa volta fumavam e ficava esquisito eu não fumar mas dizer que gostava isso não gostava não. Também fazia amor tudo direitinho mas com uma tristeza que não sei mesmo explicar. Não sei explicar por que justo esse sempre foi o pedaço mais sem graça pra mim. Toda vez de ir pra cama eu inventava de fechar uma torneira que deixei aberta ou ver se minha carteirinha de dinheiro estava dentro da bolsa. Vem logo Joana que já estou quase dormindo o Rogério chamava. Quando não tinha mais remédio então eu suspirava e ia mas com uma aflição que só disfarçava se bebia antes um bom copo de vinho. Era depois do fuque-fuque que o Rogério gostava de beber. E de cantar a modinha do marinheiro.
Cantava bem o Rogério e quando o Milani aparecia com o violão era aquela festa. Cantava muito o Adeus Elvira que o sol já desponta e de todas as modinhas eu preferia essa que me dava um ciúme porque ele quase chorava enquanto ia chamando Elvira Elvira. E como o Milani respeitava a tristeza dele eu ficava imaginando que essa tal de Elvira tinha existido.
Um dia achei o Rogério diferente. Comeu pouco. Falou pouco. Perguntei o que era e ele respondeu que não era nada. Depois de um sanduíche que comemos no quarto ficamos os dois debruçados na janela. A noite estava uma beleza e foi me dando um sentimento muito grande. Não tem problema Joana disse o Rogério passando o braço na minha cintura. Você é uma pequena muito direita e ainda vai encontrar um sujeito bem melhor do que eu. Escondi a cara na mão e nem consegui responder. Eu te quero Joana ele disse. Mas sou um tipo que não pode andar com mulher e panelas sempre atrás. Se te largasse até que te fazia um favor porque você precisa casar e não perder seu tempo com um camarada assim maluco. Como eu continuasse cobrindo a cara ele começou a me fazer cócegas e daí me beijou os olhos. Suas sobrancelhas são arqueadas como as asas das gaivotas ele disse. Você também não conhece gaivota mas no domingo que vem a gente vai pra Santos e lá você vai ver que elas têm as asas que nem suas sobrancelhas. E começou a contar uma historinha tão engraçada que aconteceu no navio que acabei contente de novo.
Nessa noite ele foi muito carinhoso e me fez tanto agrado que cheguei a perguntar por que a gente não casava duma vez e tinha filho. Ele sorriu. Estava escuro mas senti que ele sorriu quando encostei a cabeça no seu peito com aquele cheiro gostoso de sabonete. Acendeu um cigarro. Quando acordei na manhã seguinte Rogério não estava. Desceu mais cedo pra tomar café pensei. Nessa hora dei com a pulseira de pedrinhas vermelhas em cima da mesa. Debaixo da pulseira tinha dinheiro. E um bilhetinho. Escreveu numa letra bem grande e bem redonda pra eu entender mas a verdade é que nem precisei ler pra saber o que estava escrito. As lágrimas misturavam tanto as letras que eu já não sabia se elas estavam no papel ou nos meus olhos. O bilhete dizia que ele tinha de seguir viagem e essa era uma viagem comprida por isso o melhor mesmo era se despedir de mim. Que eu ficasse com aquele dinheirinho pra alguma necessidade porque o hotel estava pago até o fim do mês. Que procurasse o Milani pra me ajudar quando precisasse de uma ajuda e que ficasse com a pulseira como prova de afeição. Essa pulseira o Milani acabou vendendo.
Sem Rogério eu não podia achar mais nenhuma graça na vida. E agora lembro que só depois que ele foi embora pra sempre é que eu vi como gostava dele e como a gente tinha sido feliz naquele quartinho da rua com cheiro de café. Chorei até ficar com o olho que nem podia abrir de tão inchado. Depois fechei a janela e fiquei ali trancada no quarto só querendo chorar e dormir. Só chorar e dormir no travesseiro dele porque assim me representava que ele ainda estava ali. Veio o seu Maluf bater na porta com medo que eu fizesse alguma besteira. Aqui não menina. Aqui não que eu não quero encrenca no meu hotel. Se tiver de fazer pelo amor de Deus vá fazer na rua. Respondi como o Rogério me ensinou a responder. Não tem problema seu Maluf. Não tem problema. Tomei banho com o sabonete dele. Vesti a camiseta com coisas escritas no peito que ele esqueceu na gaveta e enquanto o perfume durou em mim fiquei pensando que tudo estava como antes.
Minha vizinha dona Simone veio me consolar quando escutou minha aflição. Homem é assim mesmo ela disse naquela fala enrolada que eu não entendia muito bem porque era gringa. No meio da conversa soltava tudo quanto é palavrão lá na língua dela que mulher pra dizer asneira estava ali. Fazia o gesto ao mesmo tempo que falava. E virava a garrafa de vermute que pra onde ia levava debaixo do braço. Falou demais num tal de Juju. E acabou confundindo esse Juju com o Rogério. Tudo farrine do mesmo saque berrou tão alto que seu Maluf voltou pra ver se a gente não estava brigando. Depois ficou com sono e se jogou na minha cama com aquele bafo tão forte que não agüentei e fui dormir no chão.
Voltou mais vezes. Usava um perfume que me enjoava por que ficava misturado com bafo. A bendita garrafa debaixo do braço. Se sentava com as pernas sempre pra cima porque o pé inchava demais e aí ficava bebendo e xingando até cair no sono. Numa tarde veio quase pelada e me mandou ficar pelada também. Começou a me agarrar. Expliquei que se nem com homem eu gostava quanto mais com mulher. Ela riu e ficou dançando feito louca agarrada no travesseiro. Depois cantou a música lá dos gringos e no meio do choro me xingou e xingou o Juju. Até que caiu de porre atravessada no chão do quarto. Tive de arrastar ela pra fora feito um saco de batata. Nessa noite me deu vontade de me matar. Respeitei seu Maluf que não queria confusão no hotel e fui pra rua comprar veneno. Bebo formicida no jardim pensei. Mas quando fui passando pelo bar da esquina me deu uma fome desgraçada. Foi então que encontrei o Arnaldo me perguntando se por acaso eu não era a pequena do Rogério. Nem pude responder. Então ele se sentou comigo no balcão. Disse que o navio do Rogério já devia estar longe e que era melhor mesmo eu tirar ele da cabeça porque não era homem de voltar nem pro mesmo porto nem pra mesma mulher. Aconselhou ainda que eu bebesse cerveja porque formicida queima que nem fogo e cerveja sempre lava o coração.
Arnaldo não era bonito que nem o Rogério e não tinha dinheiro nem pro cigarro. Mas serviu pra me distrair. Disse que era artista de cinema e que ia me botar pra trabalhar na mesma fita. Andei espiando por lá. Era uma fita de alma do outro mundo misturada com gente viva que só aparecia pelada ou então na cama. O papel dele era usar uma máscara medonha e assim mesmo tão depressa que não dava tempo pra nada. Mal aparecia e já sumia com os outros. Na próxima fita vou fazer o papel de galã ele vivia dizendo. Ficou uma semana aboletado comigo no hotel e quando gastei minha última nota ele fez a pista com aquela mesma cara contente que tinha quando me encontrou no bar. Procurei então o Milani que me arrumou um emprego de garçonete no bar Real. Fomos morar numa pensão cheia de artista de circo e foi nessa pensão que conheci a Rubi. Perguntei se ela também trabalhava no circo e me respondeu que já fazia muita palhaçada sozinha sem precisar de contrato. Contou que era táxi e mais aquela palavra que até hoje me enrola na língua quando digo. Me apresentou pro seu Armando caso eu quisesse um dia trabalhar no salão.
Minha amizade com o Milani não durou. De dia ele ficava metido num negócio de automóvel e até que ganhava dinheiro. Só voltava de noitinha justo na hora em que eu saía pra trabalhar. Então se punha a beber e bebia mesmo de não se agüentar de pé. Daí ficava ruim de gênio e quebrava tudo que tinha em redor. Foi assim que perdi todos os presentes que Rogério me deu. Numa só noite ele quebrou meu toca-discos e arrancou a porta do guarda-roupa e jogou na calçada. Fiquei muito aborrecida e mandei que ele sumisse pra sempre. Já vou já vou ele dizia enquanto ia jogando pra cima as roupas da cômoda. Depois pegou no violão e saiu cantando pela rua afora. Mais tarde um amigo veio me dizer que ele estava perdido de tanta maconha e outras porcarias e um dia esse mesmo cara contou que ele tinha casado. É verdade que fiquei um pouco triste mas está visto que nem pensei em me matar como da primeira vez.
Foi nessa ocasião que Rubi ficou minha amiga. Os homens são uns safados ela repetiu não sei quantas vezes. Vivi dez anos com um tipo que veio pra mim mais pesteado do que um cão sarnento. Cuidei das pestes e das bebedeiras dele. Deixou de beber e ficou bem-disposto que só vendo. Começou a trabalhar de novo e teve sorte porque logo ganhou tanto que comprou um carro. Eu devo minha vida a você ele vivia me dizendo. Eu estava morto quando te encontrei e nem minha mãe ia ter paciência de me agüentar como você me agüentou. Rubizinha Rubizinha você foi a minha salvação vivia me repetindo. Fiquei feliz e justo na hora em que pensei que podia descansar um pouco de tamanha trabalheira e viver em paz com meu homem ele me deu um bom pontapé no rabo e foi se casar com uma priminha. Agora tenho trinta e cinco anos e já estou escangalhada porque comecei com quinze e não é brincadeira essa vida de dar murros de dia e de noite ainda ter de fazer um extra com perigo de pegar filho e doença como já peguei. Mas naquele tempo queria saber ao menos a metade do que sei hoje. Ao menos a metade ela ficou me dizendo enquanto fazia furos com a ponta do cigarro numa folha de jornal.
A pensão ficou cara demais. Então a gente alugou um quarto perto do salão onde ela dançava. O almoço era de sanduíche e café que a gente fazia escondido no fogareiro que a dona proibia. A desforra vinha no jantar se por sorte aparecia algum convite Só então reparei como a cidade era grande. Podia ficar andando e não repetia nenhuma rua. Puxa que nunca imaginei que essa cidade fosse grande assim. E como não conhecia ninguém achei uma maravilha morar num lugar onde a gente dá as cabeçadas que quiser e nem o vizinho fica sabendo. E dei mesmo com a cabeça a torto e a direito mas se ia com este ou com aquele nunca era por interesse porque não sou dessas que têm o costume de pedir coisas em troca. A Rubi está aí de prova porque mais de uma vez ela disse que sentia muita pena de mim porque ela era igual quando tinha vinte anos. Que nem adiantava me aconselhar porque meu miolo era mesmo mole e que quando eu fosse um caco é que ia me lembrar de dar valor ao dinheiro.
Agora vem esse tira dizer que matei o velho pra roubar e que acabei fugindo de medo. Pelo amor de Deus a senhora não acredite porque isso é uma mentira. E uma grande mentira e a Rubi está de prova. E também seu Armando que vivia me dizendo que Deus dá noz pra quem não tem dente. Até hoje não sei o que seu Armando queria dizer com isso mas tinha qualquer relação com esse negócio de não me aproveitar dos homens. Seu Armando está aí de prova porque ele me conhecia muito bem e me achava a mais direitinha lá do salão.
Meu emprego não presta pra nada Rubi me avisou antes de me levar pra falar com seu Armando. Não tem sola de sapato que agüente e um dia desses meu peito ainda arrebenta que nem corda de violão. A gente tinha tomado uma média e ela ia conversando comigo enquanto fazia furos na toalha com a ponta do cigarro. Rubi tinha essa mania. Até na cortina do nosso quarto ela fez esses buracos. Contou que tinha ficado doente de tanto pular com aquela homenzarrada e que se ainda continuava é porque agora não tinha outro jeito senão ir até o fim. Mas que eu pensasse bem se queria mesmo levar essa vida.
Respondi que meu emprego no Pierrô não era melhor do que o dela. Fazia quase dois meses que a boate não me pagava nada e além do mais a polícia vivia rondando porque o Guido que já era viciado começou a passar a coisa pros fregueses. Não peguei o costume porque a única vez que experimentei de brincadeira fiquei tão ruim que virei do avesso de tanto que vomitei. Rubi então encolheu o ombro e me explicou como era o tal salão. A gente tinha de dançar com um montão de caras que tiravam os tiquetes e escolhiam as pequenas. Mas se precisam pagar pra isso é porque decerto são uns lobisomens eu disse e ela riu. Até que de vez em quando aparece um homem bonito mas vai ver tem isso ou aquilo que não funciona. Conheci um tipo de costeleta que parecia artista. Fiquei besta quando vi um tipo assim bacana metido com aquela raça de condenados e estava toda satisfeita quando ele me tirou. Saímos atracados num bolero mas quando ele abriu a boca pra falar tive de prender a respiração. A boca cheirava a merda. Não se espante Leo que lá tem de tudo. E não ligar pra tanta coisa maluca que aparece como a mulher que me tirou vestida de homem e tão bem-servida que fiquei me perguntando onde ela foi arrumar um negócio grande assim. O que a gente ouve então. E só botar o pensa- mento em outra coisa e ir mexendo as pernas no compasso de cada um. Tem os que vão só pra mexer as pernas mas a maior parte está mesmo querendo mulher e precisa desse aperitivo. Se te interessa aceita. Mas não custa nada apalpar um pouco o cara pra ver se não está armado. E cuidado com os tiras que vêm com parte de te ajudar porque esses são 05 piores.
No começo pensei que ia morrer de tanta canseira. Dançava com os fregueses das dez às quatro da manhã sem parar. E quando me esticava na cama era horrível porque se a cabeça dormia o pé continuava dançando. Rubi foi muito boa pra mim nessa ocasião e também o seu Armando que me pagou muito lanche e me deu muito conselho. Nunca diga não pro freguês. Responda de um jeito duvidoso e com isso ele não perde a esperança e volta. Sua comissão aumenta. Também não prometa bestamente que vai num encontro e depois não aparece que qualquer homem vira onça com essa história de prometer e não ir. Sei de muita menina que passou um mau bocado por causa disso. Dê a entender que por sua vontade você ia de muito bom gosto mas que alguém está esperando e que pode até te matar se souber. Tem drogado à beça. Não entre nisso que depois você não se livra mais. E ainda pior do que cafetão. Vê se bota na cabeça que é um trabalho como qualquer outro ter de dançar por obrigação e não pra se divertir. Mesmo que ele te pise o tempo todo não perca a carinha alegre e pergunte onde foi que ele aprendeu a dançar tão bem assim. Se ele te agarrar demais diga então que o regulamento não permite e no abuso quem perde o emprego é você com mãe e irmãozinho pra sustentar. Está visto que ninguém mais acredita nessa história de mãe mas não custa tentar que às vezes cola.
Não confessava nem pra Rubi mas no fundo do coração cheguei a esperar que de repente aparecesse alguém que gostasse de mim de verdade e me levasse embora com ele. Podia até ser alguém que me falasse em casamento. E em toda minha vida nunca quis outra coisa. Mas Rubi que parecia adivinhar meu pensamento me avisou que tirasse o cavalo da chuva porque nenhum homem quer casar com uma mulher que fica atracada a noite inteira com tudo quanto é cristão que aparece. Os tipos que transavam pela zona eram mesmo sem futuro. Agradeça a Deus se algum deles não se lembrar de te jogar pela janela ou te enfiar uma faca na barriga. E contou um montão de casos que viu com os próprios olhos de pequenas assassinadas por dá cá aquela palha. E a polícia não faz nada? perguntei. Ela ia furando com o cigarro a revista da anedota. Não seja burra Leo. Até que os tiras fazem e muito. Acho mesmo que são os que mais fazem e se não ficam ricos é porque os sacanas acabam deixando o dinheiro no mesmo lugar de onde arrancam.
Era bom quando seu Armando vinha prosear com a gente e de uma feita contou que uma tal de Mira acabou se casando com um cara que vinha dançar e que era dono de um montão de fazendas em Goiás. Hoje ela era uma granfa e vivia aparecendo no jornal em festa até de rainha. Essa história me animou demais. Mas quando seu Armando viu minha animação começou a rir. Sossega Leo que esse negócio de abóbora virar carruagem está ficando cada vez mais difícil. Em todo caso não perca a esperança que eu também não perco a minha de encontrar um rio de ouro como aquele mendigo da Califórnia.
Um santo o seu Armando. Pensando bem até que existe gente boa mas é difícil. Ainda outro dia ele veio aqui me visitar. Se eu não fosse um duro com quatro filhos pequenos pra sustentar era capaz de te contratar urna boa defesa ele disse. Porque pelo visto só com muito dinheiro é que eu podia me livrar da enrascada em que fui cair. E repetiu o que costumava repetir quando une via numa apertura. Que eu ficasse confiante e não perdesse a esperança. Que não perdesse a esperança. Não tem problema eu respondi. E fiz aquela cara contente que aprendi a fazer quando no fim da noite chegava mais um freguês querendo animação e eu só querendo desabar na cama e dormir. Perguntou pelo meu primo que parecia ser tão importante. Lembrei que Pedro foi sempre muito soberbo e que duas vezes já tinha acontecido de não querer nem falar comigo. A primeira vez foi naquela festa do teatrinho da escola e a segunda foi na enfermaria da Santa Casa. Daí seu Armando que é crente lembrou que Pedro tinha negado Jesus três vezes. Faltava ainda uma vez pra Pedro dizer que nunca me viu.
Rubi também veio me visitar e me animou tanto que chegamos a fazer uns planos. Você vai ficar livre ela disse. Sonhei que vai e quando isso acontecer a gente se muda sem nenhum conhecido por perto pra começar vida nova. Vida nova Leo. Vida nova. Com comida na hora certa e um pouco de sossego esse raio de doença não me pega mais pelo pé. E você também vai trabalhar tudo direitinho e pode conhecer um tipo que seja jovem a ponto de acreditar em casamento porque tem gente que ainda acredita. Então vai estourar de feliz. Que tal Leo que tal esse programa? ela me perguntou andando de um lado pra outro. Comecei a andar também. Isso mesmo. Não perder a esperança. O dia de hoje é ruim? Amanhã vai ser melhor como dizia o Rogério. E já ia repetir que não tinha problema mas nessa hora me lembrei do meu advogado quando avisou que eu estava me afundando cada vez mais. E o tira que me disse que no mínimo no mínimo eu ia pegar uns quinze anos. Então abracei Rubi e chorei no seu ombro e chorava ainda mais quando vi que ela estava chorando.
Que trapalhada que você foi fazer ela disse enxugando a cara e acendendo um cigarro. No seu lugar também eu tinha feito o mesmo porque sei que o velho era um grandessíssimo safado e teve o que mereceu. Mas é dono de jornais e mais isso e mais aquilo. A vagabunda matou pra roubar é o que repetem. Sei que não foi assim. Mas estão cagando pra o que eu sei. Justo agora que a gente podia melhorar de verdade disse cuspindo o cigarro com raiva. Acendeu outro e ficou soprando a brasa. Sempre sonhei com um lugar sossegado e longe de toda esta confusão. Eu sarava e quem sabe ainda arrumava um sujeito que não fosse esses maconheiros de merda que vivem em nossa volta. Você criava juízo. Mas vai acontecer tudo ao contrário. Você vai ficar aqui apodrecendo e eu vou continuar pulando e me encharcando de bebida até o dia em que botar o pulmão pela boca. Tinha de ser.
Achei que Rubi queria parecer furiosa andando de um lado pra outro mas quando olhei a cara dela vi que estava tão desesperada que me deu uma tremedeira e comecei a chorar de novo. Rubi Rubi pelo amor de Deus me diga agora o que é que eu vou fazer berrei me atirando na cama. Ela não respondeu. Andava sem parar feito um bicho. E ia repetindo que tinha de ser assim. Depois sentou e com a brasa do cigarro começou a fazer aqueles furos na bainha do lençol. Tinha de ser repetiu. Tinha de ser.
Engraçado é que agora que estou tanto tempo assim parada sempre me lembro de uma ou outra coisa que aconteceu quando eu era criança. Aqui faz muito frio. Frio igual só senti uma vez em que Pedro me empurrou pra dentro da lagoa. Eu estava fazendo bonequinho de barro e Pedro recitava uma poesia do livro de leitura. Estava tudo bem até que apareceu uma menina e um menino montados em dois cavalos pretos. A menina usava botas e o menino tinha um casaco de couro e botas também. Estavam vermelhos da disparada e riam olhando pra nós dois. Que é que você está fazendo nesse frio? perguntou a menina pra Pedro. Daí Pedro respondeu que não estava com frio. Vocês dois estão roxos de frio disse o menino apontando o chicote pra Pedro. Olha ai a cor do seu beiço. A menina balançou a cabeça e começou a cantar de um jeitinho enjoado Pedro não está com frio Pedro não está com frio. Daí Pedro se levantou como se tivesse levado uma chicotada e disse que nem ele nem eu tinha frio e a prova é que a gente tinha vindo tomar banho.
Fazia um frio pra danar e por isso não entendi por que Pedro foi inventar essa história da gente entrar na água com um tempo desses. E já estava mesmo disposta a dizer que não ia entrar na água coisa nenhuma quando ele me agarrou pelo braço e antes que eu adivinhasse o que ele ia fazer me puxou pra dentro da lagoa. Ficamos os dois sem poder respirar no meio daquele gelo. Eu nem sentia mais meu corpo com a mão de Pedro agarrada no meu braço pra que eu não fugisse.
Os dois ficaram quietos só olhando. A menina até abriu a boca de tão espantada. E de repente os dois bateram no lombo do cavalo e foram embora galopando. Duas vezes a menina ainda olhou pra trás. Saímos da lagoa. O frio era tamanho e eu estava tão desanimada que me sentei no barro e fiquei ali tremendo. Por que você foi fazer uma coisa dessas perguntei pra Pedro enquanto ia torcendo a barra do vestido. A gente pode até morrer e a mãe ainda vai botar a culpa em mim e decerto vou apanhar.
Ele tremia inteiro. Você não entende mas eu tinha de fazer isso. Agora nunca mais vão perguntar na escola por que estou sem casaco e descalço e se não sinto frio. Agora eles sabem que não sinto frio nunca e não vão me perguntar mais nada.
Lembrei muito dessa tarde na noite que fez aquele frio de cachorro aqui na prisão. E quando de manhã vieram me dizer que tinha uma visita pra mim meu coração pulou de alegria. E o Pedro que leu o caso no jornal e veio me ver correndo. Mas era a Segunda.
Puxa Leo que você mandou o velhote desta pra uma melhor ela disse rindo enquanto me abraçava. E logo começou a contar as novidades lá do salão. Contou que entrou no meu lugar uma pequena muito cafona chamada Janina. Que a Rubi tinha amarrado um porre monstro e que fez com a ponta do cigarro um monte de furos na roupa de um italiano que subiu pela parede de raiva. Que o homem do cravo no peito sempre perguntava por mim.
Eu quis mostrar que não estava ligando e comecei a rir e ela ria também mas notei que estava nervosa porque mascava o chiclete bem depressa como naquela noite em que o Alfredo veio tirar satisfações dela. Então apertei a cabeça e fiquei chamando minha Nossa Senhora minha Nossa Senhora enquanto ela ia passando a mão no meu cabelo e querendo saber por que justo eu que era tão boazinha fui fazer uma besteira dessas.
É o que me perguntam. Também não sei responder. Sei que nunca pensei em matar aquele raio de velho. Deus é testemunha disso porque até de ver matar galinha me doía o coração. Fugia pra dentro de casa quando dona Gertrudes torcia o pescoço delas como se fosse um pedaço de pano. Deus é testemunha. E agora vem o advogado e vem o tira me perguntar tanta coisa. Mas eu já disse tudo o que aconteceu e não sei mesmo o que mais que essa gente quer que eu diga.
Foi na tarde que inventei de comprar sapato porque o meu estava esbagaçado e quando chovia meu pé ficava nadando na água. Não comprei porque o dinheiro não deu e então como não tinha nada que fazer fui olhar vitrinas. Foi quando dei com o vestido marrom.
Amaldiçoada hora essa. Amaldiçoada hora que enveredei por aquela rua e parei naquela vitrina, O vestido estava numa boneca que tinha o meu corpo. E pensei que decerto ia servir pra mim e que era o vestido mais lindo do mundo. Foi quando ouvi uma voz perguntando bem baixinho se eu não queria aquele vestido. No vidro que parecia um espelho estava a cara do velho. Era gordão e mole que nem geléia. Juro que tive vontade de rir quando me lembrei daquela história do Sonho de Valsa que a Rubi me contou estourando de raiva. E uma historinha muito suja de um velho que tinha paixão por esse bombom mas só queria comer de um jeito e esse jeito era tal que até hoje a Rubi fica bufando só de ouvir essa palavra valsa. Me lembrei disso e juro que tive vontade de rir porque pensei que o velho do bombom bem que podia ser aquele dali. Mas fiquei firme porque já disse que dinheiro nunca me fez frente e a Rubi mesmo vivia caçoando de mim porque tinha mania de andar com esmolambentos. Juro que quis continuar meu caminho mas lá estava o vestido com aquela rosa de vidrilho vermelho no ombro. Quando ele fez a pergunta pela segunda vez então não agüentei e respondi que se ele quisesse me dar eu aceitaria sim com muito gosto.
Uma vendedora ruiva veio toda contente cumprimentar o velho. Os dois já se conheciam. Esta menina quer aquele vestido da vitrina ele disse. O vestido me assentou feito uma luva e a vendedora então me aconselhou que fosse com ele no corpo porque estava uma beleza. Fiquei zonza. E que nunca tinha visto um vestido assim caro e quando me olhava no espelho e passava a mão na rosa de vidrilho minha vontade era sair rodopiando de alegria. O caso é que tinha agora de aturar o velho. Mas já tinha aturado tantos sem vestido nem nada que um a mais um a menos não fazia diferença.
Na rua é que me lembrei que tinha deixado lá dentro da loja o meu vestido branco. Vou buscar meu vestido que esqueci eu disse mas o velho agarrou no meu braço e rindo um risinho meio esquisito falou que eu era muito engraçadinha por querer fugir fácil assim. Eu não estava querendo fugir coisa nenhuma e me aborreci muito quando escutei isso. Mas achei que tinha de ter paciência com ele e ir agüentando o tranco com a cara bem satisfeita que outra coisa não tenho feito desde que nasci.
Quando entrei no automóvel é que reparei o quanto o velho devia ser rico pra ter um carrão daqueles. O quanto era rico e feio com aquele jeito de peru de bico mole molhado de cuspe. O rádio tocava baixinho umas músicas tão delicadas mas o velho não parava de falar e fazer perguntas. Depois sossegou e eu preferi muito porque assim só ouvia o rádio e não carecia mais de ficar olhando pra cara dele. Não é que fosse tão feio assim. O nariz era bem-feito e os olhos azuis pareciam duas continhas, O que eu não agüentava era aquela boca inchada e roxa como se tivesse levado um murro. Mas não quis pensar nisso. Tinha um vestido novo como nunca tive um igual e estava num carro e minhas colegas iam ficar verdes de inveja se me vissem. Arre que ao menos uma vez você criou juízo a Rubi decerto ia me dizer. E fui indo tão contente assim perdida nessas idéias que nem vi que o automóvel corria agora por uma estrada.
Aqui a gente pode conversar melhor ele disse parando perto de um barranco. E foi logo agarrando na minha coxa e me puxando pra mais perto. Quando senti aquela boca molhada me lamber o pescoço me deu um bruta nojo mas disfarcei e fiquei firme quando a boca veio subindo e grudou na minha. Vi que ele queria me desabotoar mas não achava o botão e até que facilitei mas mesmo assim acho que ele adivinhou meu nojo porque ficou fulo de raiva e começou a dizer que se eu quisesse bancar a cachorrinha me largava ali mesmo.
Juro que eu estava disposta a aturar tudo porque sabia muito bem que a gente não ganha nada fácil não senhora. Rubi mesmo costumava dizer que homem nenhum diz bom-dia de graça. Eu ia pagar sim mas quando escutei aquela conversa de descer e voltar a pé fiquei feliz da vida porque está visto que eu não queria outra coisa. Mesmo que a cidade estivesse longe ia ser uma maravilha andar sozinha por aquelas bandas e ainda por cima respirando o cheirinho de mato que fazia tempo que eu não respirava. Tomara que ele me faça descer agora pensei. E quando veio aquela mãozona me apertando de novo e me levantando o vestido endureci o corpo e fechei a boca bem na hora em que me beijou. Sai já daqui sua putinha ele gritou. A bochecha cor de terra tremia. Sai já. Não esperei segunda ordem e ia abrindo a porta quando ele agarrou no meu braço avisando que eu podia bater as asas mas antes tinha de deixar a linda plumagem. Não entendi que plumagem era essa. Ele riu aquele riso ruim e puxando meu vestido disse que a plumagem era isso. Fiquei desesperada e comecei a chorar que ele não me tirasse o vestido porque podiam me prender se me vissem assim pelada. Não se pode fazer com ninguém uma indecência dessas mesmo porque eu ia pagar o presente não ia? Não tinha problema. Foi o que eu disse e disse ainda que prometia ser boazinha e fazer tudo o que ele quisesse.
Juro que quis ficar de bem e até pedi muitas desculpas. O caso é que não era mesmo muito esperta e minha colega Rubi vivia até me passando pito por causa desse meu jeito. Mas não tinha problema. Me arrependia muito da malcriação que tinha feito sem intenção e prometia ser boazinha. Até hoje não sei por que nesse pedaço ele ficou com mais raiva ainda e começou a espumar feito um touro me chamando disso e daquilo. Fui ficando ofendida porque eu não era não senhora aquelas coisas que ele dizia. E depois não tinha nada de puxar o nome da minha mãe que era mulher que só parou de trabalhar pra deitar a cabeça no chão e morrer. Isso não estava certo porque nela que estava morta ninguém tinha de bulir. Ninguém.
Foi o que eu disse. E disse ainda que não merecia tanta xingação porque trabalhava das dez às quatro num salão de danças. E se ia com este e com aquele era por amor mesmo. Era por amor.
O bofetão veio nessa hora e foi tão forte que quase me fez cair do banco. Meu ouvido zumbiu e a cara ardeu que nem fogo. Eu chorava chorava pedindo a ajuda da minha mãe como sempre fiz nas aperturas.
O outro bofetão me fez bater com a cabeça na porta e a cabeça rachou feito um coco. Apertei a cabeça na mão e pensei ainda no Rogério que um dia surrou um cara só porque ele esbarrou de propósito no meu peito. Agora estava apanhando que nem a pior das vagabundas. Me deixa ir embora pelo amor de Deus me deixa ir embora pedi me abaixando pra pegar minha bolsa. Foi então que num relâmpago o punho do velho desceu fechado na minha cara. Foi como uma bomba. Meu miolo estalou de dor e não vi mais nada. De repente me deu um estremecimento porque uma coisa me disse que o velho ia acabar me matando. Meu cabelo ficou em pé. Ah meu pai ah meu pai comecei a chamar. Acho que gritava de medo e dor mas nem lembro disso. Lembro que só queria fugir e dei com as costas na porta com toda força mas ela estava bem-fechada. Fui escorregando no banco. E já ia cair ajoelhada quando ele me agarrou de novo e me sacolejou tão forte que fiquei de quatro no fundo do carro. Nessa hora achei uma coisa fria e dura no chão. Era o ferro. Agarrei o ferro e pensei depressa depressa nas brigas que tinha visto no bar Real e nos homens que levavam cadeiradas e caíam desmaiados mas logo se levantavam como se não tivesse acontecido nada. Num salto me levantei e quando ele me puxou de novo pelo cabelo e me sacudiu assentei o ferro na cabeça dele. Assim que comecei a bater fui ficando com tanta raiva que bati com vontade e só parei de bater quando o corpo foi vergando pra frente e a cabeça caiu bem em cima da direção. A buzina começou a tocar. Tive um susto danado porque pensei que ele estivesse chamando alguém. Mas ele parecia dormir de tão quieto.
Fique agora aí beijando a buzina seu besta. Fique aí eu repeti e ele nem se mexeu. Me abaixei pra ver a cara dele e dei com aquela boca aberta como se quisesse me morder. O olho arregalado.
Comecei a suar frio. A buzina que não parava e aquele sangue gosmento e morno que não sei como pingou na minha mão. Fiquei maluca. Limpei depressa o dedo na almofada e catei minha bolsa. Fuja Leo eu disse pra mim mesma. Fuja fuja. Levei um bruta susto quando me vi disparando pela estrada com um sapato em cada mão e com aquela buzina correndo atrás e eu querendo correr mais depressa até que aquele onnnnnnnnnnnnn foi ficando mais fraco. Mais fraco. Parei pra respirar esfregando o pé na terra como fazia quando era criança. A brecha na cabeça já tinha fechado mas a boca doía pra danar porque o lábio partiu no murro. Um automóvel que passou na toda me assustou e fui então andando bem achegadinha ao barranco para me esconder dos carros.
Anoitecia e tive um medo daqueles no meio da escuridão que era uma escuridão diferente das estradas de Olhos D'Água. Minha Nossa Senhora o que significa isso. O que significa isso fui repetindo enquanto ia chorando como só chorei quando Rogério me largou. E que me Lembrei da minha mãe. De Pedro. Da minha irmãzinha. Justo naquela hora é que Pedro saía comigo pra catar vagalume. A sopa na panela. A coisa melhor do mundo era tomar aquela sopa quente. E minha mãe com sua carinha conformada e Pedro pensando sempre nos seus livros e minha irmãzinha pensando nas suas minhocas e crescendo linda como os anjos. Agora tinha acontecido tanta encrenca junta. Não tem problema o Rogério dizia. Mas pra meu gosto já fazia tempo que tinha problema até demais. Então estava certo? Dançando a noite inteira com uns caras que vinham pisando feito elefante e me apertando e beliscando como se minha carne fosse de borracha. Pobre ou rico era tudo igual com a diferença que os pobres vinham com cada programa que Deus me livre.
Fui andando mais depressa e pensando como a vida era ruim ainda mais agora com essa trapalhada do velho. E me veio de repente uma saudade louca do Rogério que tinha sido o melhor de todos os homens que conheci. Também senti um pouco de falta do Bruno e do Mariozinho mas mais ainda do Rogério rindo e contando casos enquanto a gente descascava laranja na janela do hotelzinho cheirando a café.
Acordei gritando com aquela buzina forte bem debaixo do travesseiro. Pelos buracos da veneziana vi que já era dia. Rubi tinha dormido na rua. Foi um sonho ruim pensei. Um sonho ruim e se Rubi não tivesse dormido fora eu ia pedir pra ela ler naquele livro dos sonhos o que era sonhar com essa embrulhada. Foi sonho. Foi sonho. E de repente dei com a rosa de vidrilho brilhando no escuro. Olhei minha mão onde tinha pingado o sangue da cor da rosa. Tive vontade de me enterrar no colchão.
Matei o velho. Matei o velho fiquei repetindo não sei quantas vezes sem poder despregar os olhos da rosa vermelha. Comecei a suar frio. Atirei longe a coberta e saltei da cama. Tudo besteira eu disse pra mim mesma. Ninguém morre assim à-toa. Anda Leo anda. Anda e não pense mais nisso porque o velho não morreu coisa nenhuma e a essas horas já está pulando por aí. Decerto quer me matar de ódio mas foi bem-feito porque ninguém mandou ser um malvado e encher a cara da gente de bofetão.
Abri a janela e o sol entrou no quarto. O despertador marcava duas horas. Então fiquei animada porque o dia estava uma maravilha e eu estava com uma fome louca. Comi o resto do bolo que Rubi tinha trazido da festa. Vou contar tudo e ela vai dar muita risada pensei enquanto me vestia. Desta vez não vai dizer que meu miolo é mole mas vai me achar até inteligente porque ganhei um vestido e dei uma lição num ricaço. Eles têm a mania de cuspir no prato onde comem Rubi me disse. Mas agora não ia dizer nada porque até um vestido ganhei sem precisar fazer aquilo que conforme já expliquei nunca me divertiu de verdade. Eu estava contente que só vendo. A senhora não pode fazer idéia como eu estava contente.
Donana varria a calçada. Que vestido bacana ela disse e eu fui indo e gostando de ver como o sol fazia brilhar minha rosa de vidrilho.
Saí pra ver se achava a Rubi e acabei não sei como defronte daquela vitrina. A mesma boneca vestia agora um vestido azul.
Diga se você quer esse vestido perguntou um homem atrás de mim. Quase tive um ataque de susto. E o velho pensei. É o velho que voltou e agora vou apanhar aqui mesmo na rua. Olhei apavorada pro vidro da vitrina como da outra vez. Então respirei. Era um moço falando com a namorada que riu dizendo que o vestido era medonho.
Já que estou aqui mesmo aproveito e peço meu vestido branco que esqueci na cadeira eu pensei. Amaldiçoada hora essa. Minha Nossa Senhora que é que eu tinha de pedir aquele vestido de volta? Ainda ontem a Rubi me disse que se eu não tivesse voltado lá nunca ninguém no mundo ia saber que eu tinha liquidado o velho. Ninguém me conhecia. E nem eu mesma ficava sabendo do crime porque não leio jornal. Cabeça de pau ela berrou encostando o cigarro na parede como se quisesse fazer um furo ali. Sua tonta. Por que voltou lá por quê? Nem arrependida você ia ficar nem isso. Ninguém te conhece ninguém. Nem você mesma ia ficar sabendo.
Mas foi como se uma coisa tivesse me arrastado e agora eu estava parada na porta e procurando ver lá dentro a vendedora ruiva. Peço meu vestido e se ela perguntar do velho digo que não sei. Melhor entrar pra pedir meu vestido porque se fujo vai ser pior.
Justo nessa hora tive um pressentimento. Meu cabelo arrepiou. Fuja Leo. Fuja depressa depressa. Pelo amor de Deus fuja agora sem olhar pra trás fuja fuja. Quando dei o primeiro passo pra correr a vendedora ruiva me viu. Ela estava proseando com um homem encostado no balcão. Assim que me viu ficou de boca aberta olhando. Depois me apontou com o dedo.
O homem dobrou o jornal e veio vindo devagar pro meu lado. Fiquei pregada no chão. Ele veio vindo veio vindo com um risinho na boca e com um jeito de quem não está querendo nada. Botou a mão no meu ombro. Belezinha do vestido marrom venha comigo mas bico calado. E me trouxe pra ca.

Lygia Fagundes Telles - Escritora; membro da Academia Brasileira de Letras e Prêmio Cidadania Mundial 1 996.

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