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Comentários ao artigo 24

A duração da jornada de trabalho não deve ser muito longa porque cada um tem direito a descansar e deve poder tirar férias anuais, que serão pagas

por Margarida Bulhões Pedreira Genevois

O trabalho é apresentado no Velho Testamento como o castigo que resultou  da desobediência do homem:

“A terra será maldita por causa da tua obra.  Tirarás dela o teu sustento à força de trabalho.  Colherás o teu alimento com o suor de teu rosto”.

São Paulo afirma no Novo Testamento : “Quem não trabalha , não come.”

Na pré-história, vigorava uma economia  predatória.  Caçador e pescador, o homem era nômade e trabalhava para assegurar o seu próprio sustento.  Com a  agricultura, o homem tornou-se sedentário, e motivado para o sistema de escambo; e  os mais fortes passaram a viver da  força do trabalho alheio - esta é uma das raízes da escravidão e do desprezo pelo trabalho manual.

A Grécia Antiga desdenhava  o trabalho. Ele só era admitido aos escravos;  os homens livres ocupavam o seu tempo com exercícios  corporais, jogos , torneios e guerras .Os filósofos da Antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho e o tinham como uma degradação do homem livre;  os poetas de então cantavam a preguiça como um  presente de Deus.

Na Idade Média, ao longo da vigência do sistema feudal  e  até o final do século XVIII, com  a Revolução Francesa, os detentores  do poder- os nobres e sucessivamente, os burgueses exploraram o trabalho dos camponeses. Tal exploração foi mantida pelos burgueses da pós Revolução.

A Revolução Industrial impôs transformações profundas na concepção do trabalho.  Era comum, no século passado, os trabalhadores terem jornadas diárias de trabalho de mais de 15 horas .  Progressivamente, o movimento sindical conquistou a   limitação desta jornada e a ampliação do período de descanso nos finais  de semana ( jornadas de 15 horas/dia  e repouso remunerado aos sábados e domingos).

Na época pré Industrial, o trabalho e o lazer  realizavam-se no mesmo espaço – ao contrário de compartimentos estanques, eram interdependentes.

Com a Revolução Industrial, as fábricas que, não raramente   situavam-se distantes  dos locais das moradias,  criaram  novas relações de trabalho e determinaram modos de vida muito diferentes das condições vigentes no período precedente  em que o trabalho era mais integrado  à vida familiar.

A Revolução Industrial, desta forma, alterou  a  concepção do tempo destinado  ao trabalho e particularmente do tempo livre.  O progresso técnico passou a exigir uma organização mais produtiva e trabalhadores mais eficientes – isto  implicava em um período necessário para a recuperação de forças físicas.  Contudo, tais conquistas, longe de serem acordadas gratuitamente,  foram conquistadas com um alto preço de lutas cruentas e muitas mortes.

Logo após a Primeira Grande Guerra, em 1919, a Sociedade das Nações criou a  OIT – Organização Internacional do Trabalho com o duplo objetivo de  formular regras internacionais de trabalho e de zelar pelo seu cumprimento.

Em seu  ato constitutivo, a OIT determinou  que o trabalho não deveria  ser  tido como uma mercadoria e afirmou que todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, religião ou sexo  deve ter assegurado o direito de conquistar o progresso material e o seu desenvolvimento espiritual na liberdade e na dignidade, na segurança econômica e com iguais possibilidades.

Neste mesmo ato, as  férias e o lazer são  reconhecidos como direitos naturais semelhantes aos demais direitos econômicos e sociais.

Contudo, é somente a partir de 1940 que a noção de lazer torna-se, na prática, uma preocupação nos Estados Unidos  e na Europa.

No Brasil, uma das principais reivindicações da greve dos trabalhadores da Companhia Industrial de São Paulo, em 1901, era pela redução da jornada diária de trabalho para 11 horas. Na década de 30 , as leis  trabalhistas já  previam a diminuição das horas de trabalho, os fins de semana livre e um período anual de  férias.  A Declaração Universal dos Direitos Humanos de l948 em seu artigo 24 consagrou o direito ao lazer e às férias.

De forma geral, no Brasil, foi sobretudo a partir dos anos 70 que se popularizou  a noção de lazer. 

Hoje, teoricamente, o lazer  existe  para todos e  é reconhecido como um direito natural semelhante  aos demais direitos sociais. No entanto, a realidade evidencia que  nem todos os cidadãos têm acesso ao lazer  como  descanso, recuperação de forças físicas e psíquicas, e  momentos de descontração.

Para as camadas privilegiadas da sociedade as  férias, de fato, representam um período de lazer pois significam viagens, passeios e diversões.

Já para os trabalhadores menos qualificados, as férias e o  lazer  freqüentemente significam  períodos extras de atividades que possibilitam melhorar o orçamento familiar. Dificilmente estes trabalhadores  viajam , já que qualquer saída de casa implicaria em gastos  que  comprometeriam as despesas essenciais. Assim sendo,como a Televisão se apresenta a eles como praticamente a única opção de divertimento – pelo menos, a mais acessível; eles passam dias inteiros assistindo  programas populares e filmes que, lamentavelmente, na maioria das vezes, são violentos e pouco educativos. Para as famílias de menos recursos, a televisão tornou-se um equipamento tão essencial  quanto o  fogão e a geladeira e até mais que esses pois ela  representa a válvula de escape e o acesso ao sonho. Para os homens, o futebol é também um lazer barato, mas para as mulheres restam muito poucas opções para o tempo livre, depois da dupla jornada de trabalho.

O direito ao lazer vem sendo significativamente valorizado ao mesmo tempo em que vem sendo convertido em artigo de consumo. Na atualidade, particularmente a televisão criou uma indústria do lazer ditadora de modismos que a propaganda impõe como  essenciais, e que gera necessidades  suplementares.

Atualmente, os trabalhadores de todas as classes sociais  vivem o paradoxo entre a  necessidade de trabalhar cada vez mais para ganhar mais dinheiro  e  a aspiração de trabalhar menos para  ter mais tempo para o lazer.

No século passado, Lafargue, um famoso militante socialista,publicou um breve ensaio intitulado “Elogio à Preguiça” que provocou  um grande impacto nas concepções  da época – essas idéias permanecem,  até  hoje,  atuais.

 Lafargue afirma que a civilização capitalista aflorou uma série de misérias individuais e   instintos  e, desprezando a sua missão histórica, deixou-se perverter pelo  vício do trabalho.  “Rude e terrível foi o seu castigo.  Todas as misérias individuais e sociais nasceram da paixão pelo  trabalho”.

Continua Lafarge: “Ao cansaço da jornada diária excessivamente longa - de pelo menos 15 horas -  acrescentam-se as longas e penosas  idas e vindas ao local de trabalho.  Resulta que à noite os trabalhadores retornam  exaustos às suas casas e no dia seguinte, antes de completamente recuperados, voltam ao trabalho. Considerando com atenção, são  falaciosas as afirmações  dos economistas que consideram que os proletários  - ao se  dedicarem de  corpo e alma ao vício do trabalho -  precipitam toda a sociedade  em crises industriais de superprodução que convulsionam o organismo social.

Consequentemente, como há excesso de mercadorias  e reduzido contingente de compradores, as fábricas fecham e a fome  graça pelas  populações.

Quando o trabalho for regulamentado, afirma Lafargue, tornar-se-á um exercício benfazejo para o organismo humano e apenas será  uma paixão útil ao organismo social, quando ele, sabiamente, for regulado e limitado ao máximo de 3 horas por dia.

Tais afirmações ainda constituem uma utopia.

De forma geral, o período de  trabalho reduziu-se ao máximo de  8 horas diárias e a 5 dias por semana.  Os trabalhadores têm direito a férias anuais remuneradas de trinta dias com um acréscimo de l/3 sobre o salário.

Nos dias de hoje, na França, há pressões pela regulamentação de 35 horas de trabalho semanais para  permitir aos operários não somente  terem mais tempo para o lazer, como também para possibilitar a contratação de um maior número de operários - sobretudo de jovens que estão ingressando no mercado de trabalho.

Em nossos dias, a automatização e a informática introduzidas nas fábricas suprimiu muitos postos de trabalho nas industrias, comércio, bancos, serviços públicos e privados,   excluindo do mercado de trabalho um contingente significativo de trabalhadores, que pouco provavelmente encontrarão uma recolocação profissional.

Existem hoje 800 milhões de desempregados no mundo a  arrastarem  consigo os drama da miséria, fome, sofrimentos e violências. Conseqüência: aumenta o trabalho informal, bem mais inseguro e sem quaisquer  garantias e direitos.

Por outro lado, o acréscimo da expectativa de vida, criou um contingente muito maior de pessoas dispondo de tempo livre, sem saber  definir o que fazer com este tempo disponível.

A chamada  terceira idade, possui conhecimentos e  experiência, que subitamente, com a chegada da aposentadoria, tornam-se inúteis e inaproveitados Paulativamente  vem sendo criadas opções  para o lazer dos aposentados: cursos de  reciclagem cultural, turismo, esportes, trabalho social. Na Europa por exemplo existem excelentes orquestras formadas por músicos com mais de 70 anos. O lazer é recreação e descanso mas também pode representar serviço à comunidade sentido de vida aos trabalhadores e aos aposentados.

Todos questionam-se angustiados sobre o que fazer para  gerar mais empregos ... Talvez Lafargue tivesse razão:  o que ele chamou de “vício do trabalho” levou o homem  à desmesurada ambição do acúmulo vertiginoso, ao consumismo, ao individualismo, ao egoísmo e à concorrência desenfreada.

A solução para a humanidade certamente  não será apenas a ampliação do período de lazer mas sobretudo o respeito à dignidade de todos os homens em  toda sua dimensão humana.

Bibliografia

Almeida, Fernando Barcellos de –  Teoria Geral dos Direitos Humanos - SA Fabris Editor – Porto Alegre, 1996

. Bobbio, Norberto – A Era dos Direitos – Ed. Campus – Rio de Janeiro, 1992

. Dallari, Dalmo de Abreu – O Renascer do Direito – Ed. Saraiva -São Paulo, 1980

. Dumazedier, Joffre – A Revolução Cultural do Tempo Livre – Livros Studio Nobel – São Paulo, 1980

. Lafarge, Paul – Le Droit à la Paresse – Ed. Dommanget Maspero – Paris, 1969

. Marcellino, Nelson Carvalho – Estudos do Lazer: uma introdução – Ed Autores Associados – Campinas, SP, 1996

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