Comentário
ao Artigo 10

Ao
longo da história dos povos e nações, o homem vem procurando implantar
normas universais de convívio para assegurar a proteção do direito
à vida e à dignidade do ser humano, numa marcha incessante que
passou por estágios diretos, dos quais o mais marcante, no mundo
moderno, havia sido a Declaração dos Direitos do Homem, resultante
da revolução francesa de 1789, por sua vez inspirada no pensamento
dos enciclopedistas do século XVIII, Rosseau, Montesquieu, Diderot...
Era uma vitória da civilização contra a barbárie, com a síntese
do lema: - liberdade, igualdade e fraternidade, espécie de utopia,
cuja atualidade não se esgota e vem se mantendo até hoje, com
o seu aparente romantismo e encanto intelectual, corno uma definição
precisa dos anseios da humanidade.
Desrespeitada
sucessivamente, no campo internacional, com as guerras que assolaram
países e regiões do planeta, e com a implantação de regimes ditatoriais
de governo em muitos cantos da terra, essa Carta de Direitos Humanos
sempre foi um referencial importante para os que nela encontraram
base e estímulo para continuar na luta em defesa dos princípios
que ela encarnava.
2.
Na primeira metade deste século, que está a findar, fornos testemunhas
dos mais graves atentados contra tudo o que aquele belo documento
proclamava. Até parecia que uma onda de insânia varria o mundo,
contagiando o pensamento e a ação de governantes insensatos e
de lideranças sem escrúpulos. De uma propaganda maciça e do engodo
das massas, de uma emulação ideológica e das aspirações de conquistas
territoriais, surgiram movimentos agressivos e ameaçadores, pouco
depois de terminada a primeira guerra mundial, de 1914 a 1918.
Foram instalados os estados totalitários, o comunismo na União
Soviética, o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. Armava-se
o cenário para a Segunda Grande Guerra e ninguém precisava ser
profeta para pressentir a irrupção de uma nova catástrofe, que
eclodiu em 1939 e terminou em 1945. Aí já se usou a bomba atômica.
A humanidade vivia temerosa de que outra hecatombe pudesse acontecer
e ocasionar um desastre terrível, de consequências imprevisíveis.
Era
preciso prevenir. Um instrumento valioso seria uma nova
Declaração dos Direitos do Homem, mais ampla, mais
cogente, mais eficaz. Foi o que se fez, em 10 de
dezembro de 1948, há cinquenta anos.
No
seu enérgico e sugestivo preâmbulo, a nova Declaração considera
“ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo
império da lei, para que o homem não seja compelido, como último
recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”. Essa linguagem,
no meio de outros preceitos que defendem a “paz no mundo” e condenam
“o desprezo e o desrespeito pelos direitos dos homens, que resultaram
em atos bárbaros e ultrajaram a consciência da Humanidade”, diz
bem da indignação dos seus autores (entre os quais Austregésilo
de Athayde, representando o Brasil), que a proclamaram
“como
o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações,
com o objetivo de que cada indivíduo cada órgão da sociedade,
tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do
ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos
e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter
nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e
a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos
dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição.”
3.
Na Conferencia da OAB, realizada em Porto Alegre, em 1988, o
professor Fábio Konder Comparato lembrou a opinião que distingue
os direitos humanos em três gerações: — a primeira correspondente
aos direitos individuais; a segunda aos direitos sociais, de natureza
trabalhista e os que não têm relação a emprego, como, por exemplo,
os direitos à educação, à moradia, ou à saúde; e a terceira, os
direitos da humanidade, como a preservação do meio ambiente.
4.
Aqui, entre outras observações, inclusive sobre a
globalização da economia, faremos ligeiro comentário
sobre o art. 10 da Declaração dos Direitos do Homem,
justamente aquele que assegura a qualquer pessoa o
direito de exigir o cumprimento do que lhe é conferido
pela Constituição e pelas leis do país.
Eis
o enunciado no art. 10, na sua íntegra:
“Todo
homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência
por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir
de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação
criminal contra ele”.
Esta
norma é abrangente de muitas situações em que alguma pessoa possa
necessitar de fazer cumprir direito seu que esteja sendo violado
ou ameaçado de violação. Ela emana da própria Constituição, que
não permite se exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito (art. 50, XXXV). Na verdade, todos os direitos
individuais (primeira geração dos direitos humanos, art. 5P da
Constituição), estão protegidos por essa norma. Se houver recusa
ou omissão ao cumprimento de um direito, parta de quem partir
ou de que natureza for, qualquer pessoa pode dirigir-se ao juiz
competente, presumivelmente independente e imparcial, pois é membro
do Poder Judiciário, para decidir a pretensão violada ou omitida.
Se se tratar de acusação criminal, o interessado tem o direito
de pleitear o reconhecimento da ilegalidade ou abuso de poder
através de habeas corpus (art. 59, LXVIII).
5.
No que diz respeito aos direitos sociais, (segunda geração dos
direitos humanos), previstos nos arts. 6º a 11º, da Constituição,
nos seus aspectos de natureza trabalhista, devem ser solvidos
pela justiça do trabalho, através do próprio interessado ou pelo
sindicato da categoria, mesmo em questões judiciais ou administrativas
(art. 8º, III). Neste passo, devemos abordar o problema do desemprego,
que está tomando proporções calamitosas com a chamada política
da globalização do capital mundial. A solução não está no caminho
traçado pelos atuais responsáveis da área econômica, por uma óbvia
constatação: - cada vez que mais se segue o critério adotado nos
últimos tempos, mais aumenta a taxa dos desempregados. A teimosia
em manter essa política não tem dado resultados brilhantes. Ao
contrário, têm sido desanimadores. Porque insistir por esse caminho
e não procurar outra solução para urna correção de rumos ou como
as que têm sido sugeridas e aconselhadas por especialistas até
dos quadros governamentais?
A
OAB tem feito coro para alertar o governo no sentido de reverter
a situação, que se agrava dia a dia, e está levando à miséria,
à fome e à desesperança um numero cada vez maior de trabalhadores,
nas cidades e no campo. Com a ameaça de uma grave recessão, podemos
estar a um passo do desespero, dificilmente controlável. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos dá a todos o direito ao trabalho
e à proteção contra o desemprego (art. 23).
Como
vencer a crise, que não cede ante as medidas tomadas pelo governo?
De duas, uma: ou as medidas empregadas não são corretas, ou a
política adotada está errada.
NA
VERDADE, TODOS ESTÃO ASSUSTADOS E INSEGUROS
Leigo,
não compreendia bem as oscilações das bolsas e suas consequências
contagiando a economia do mundo inteiro. Agora, com a leitura
do livro de Celso Furtado, “O capitalismo global”, da Coleção
Afrânio Peixoto, da Academia Brasileira de Letras, e publicado
também pela editora Paz e Terra, tudo ficou bem claro, para o
meu entendimento. Estamos endividados externamente de modo considerável.
O
mestre Celso Furtado ensina e até um “frade de pedra”
compreende:
“Grande
parte desse endividamento está financiando o consumo, e para
acalmar os especuladores são mantidas vultosas reservas de câmbio
e pagas elevadas taxas de juros. Tudo isso se traduz em esterilização
de poupança e em risco crescente de ingovernabilidade do país.
Se somos cada vez mais dependentes de recursos externos, qualquer
choque na conjuntura internacional poderá ter consequências desestabilizadoras,
com projeções políticas. A instabilidade macroeconômica potencial
aponta para a ingovernabilidade”. (grifo nosso)
Continuemos
com lição de Celso Furtado:
“A
globalização tem consequências negativas marcantes, das quais
destaco a crescente vulnerabilidade externa e a agravação da exclusão
social. Nos Estados Unidos, a exclusão social se manifesta como
concentração da renda e da riqueza, e, na Europa Ocidental, como
desemprego aberto. O grande desafio consiste em minimizar os males
resultantes da perda de comando provocada pela globalização, o
que requer políticas que tenham em conta a especificidade do país”
(grifos nossos).
Prossigamos
citando o grande economista e professor da Sorbonne:
“A
discussão que domina atualmente a cena européia centra-se na questão
de como evitar que a globalização agrave a exclusão social. Os
resultados das eleições de 1 997 na Inglaterra e na França mostram
que as populações estão atentas para esse problema. (Celso Furtado
escreveu antes das eleições na Alemanha, onde o resultado foi
idêntico, com a vitória da social democracia contra o neoliberalismo
(nota do Autor). Entre nós é óbvio que a questão social exige
uma política abrangente, pois o desemprego é gerado tanto pela
estagnação da economia como pelo seu crescimento. Projetos subsidiados
por agências governamentais, como a reestruturação da indústria
siderúrgica, são grandes criadores de desemprego. Parte-se do
princípio de que aumentar a capacidade competitiva internacional
deve prevalecer sobre tudo o mais. Como desconhecer que o combate
à fome e à exclusão social também é fundamental? O grave é que
os grupos que mais se beneficiam com a globalização são os de
maior peso político, e sua lógica econômica tende a prevalecer.
(Grifos nossos.)
Essa
estratégia de desenvolvimento que privilegia a inserção
internacional, reduz o peso político da mesa
trabalhadora, em particular do setor sindicalizado. Essa
é urna maneira de flexibilizar o sistema econômico e
reduzir os salários.
6.
Ainda quanto à segunda geração de direitos humanos, há a educação,
a saúde e a moradia, não vinculadas à área trabalhista. Nesse
ponto, com os cortes orçamentários e a redução dos recursos para
uma desejável e necessária melhoria, não podem ser otimistas as
expectativas de realizações ou de avanços que o país reclama para
livrar-se das críticas que estamos a sofrer de entidades e técnicos
nacionais e estrangeiros.
7.
No que toca aos direitos humanos de terceira geração (meio ambiente),
a Constituição a eles se refere em várias disposições, estabelecendo
ação popular contra ato lesivo (art. 5º, LXXIII): defesa e preservação,
Poder Público e coletividade (art. 225); fauna e flora, preservação
e proteção (art. 23, VII, e art. 225, § 1º, VIL); patrimônio genético,
preservação (art. 225, § II); patrimônio nacional, preservação
(art. 225, § controle da poluição, legislação concorrente (art.
24, VI); e ainda nos arts. 174, § 3Q; 23, VI; 129, III; 200, VIII;
225, § 2º 216, VI; e 225, § 6º.
Esse
é um ponto da maior importância. São os chamados delitos da humanidade.
E impressionante como o homem está destruindo, cada dia mais aceleradamente,
as condições de sua própria sobrevivência na Terra. O problema
da devastação da floresta amazônica está sendo objeto de preocupação
no mundo inteiro, O professor Fábio Comparato, na tese acima citada,
e cujas conclusões foram aprovadas na Conferência da OAB de 1988,
já advertia: “A questão, aliás, está na ordem do dia com a descomunal
extensão das queimadas praticadas na Amazônia, mais de três milhões
de hectares de floresta foram consumidos, somente este ano, o
que equivale à superfície total do Uruguai ou da Bélgica. O fato,
de proporções catastróficas, já repercutiu internacionalmente,
provocando o espanto e a indignação. O maior jornal dos Estados
Unidos, em editorial consagrado ao assunto, estimou que as queimadas
ocorridas em 1988, na Amazônia, aumentaram em 10% a emanação mundial
de dióxido de carbono, principal responsável pelo chamado “efeito
estufa: ou seja, o aumento da temperatura média do planeta”.
Realmente,
é mundial e grave a crise em relação à decadência ambiental. O
Programa das Nações Unidas para o meio ambiente, de 1996, como
anota Carlos Gabaglia Senna, afirma que
“a
humanidade está esgotando os recursos naturais renováveis
– a água potável, o ar das zonas urbanas, as
florestas e a terra – a uma velocidade maior do que
elas levam para regenerar-se”.
Isto
sem mencionar os recursos renováveis. Infelizmente, no mundo inteiro,
esmagadora maioria dos tomadores de decisão, ou desconhece ou
prefere ignorar como funcionam os mundos físico e biológico e
como eles interagem. Em geral dominam os jargões da economia e
as artimanhas da política, mas não se interessam em sabe se a
nossa civilização, baseada no consumo frenético, está rompendo
a residência da ecosfera, isto é, a capacidade do sistema Terra
em retornar ao seu estado de equilíbrio dinâmico após as agressões
sofridas” (J.B. 13.10.98, p. 9).
O
problema, com a indiferença geral, vai se agravando de modo dramático.
Jacques Dioni, diretorgeral da ONU para a Agricultura e Alimentação,
apreciando a contribuição das mulheres rurais e empresárias rurais,
critica a desatenção com que tem sido vista a sua atuação quando
ainda enfrentamos uma situação moralmente insustentável de que
mais de 800 milhões de homens, mulheres e crianças no mundo sofrem
de fome e desnutrição crônicas. Na Cúpula Mundial da Alimentação,
realizada pela FAO, em 1996, líderes de 186 países se comprometeram
a reduzir o número de pessoas famintas no mundo, ao menos à metade,
até o ano 2015”. (J.B., 13.10.98, p. 9).
Apesar
dos esforços da ONU, que lançou. em 1997 um programa,
o Tele Food, para suscitar solidariedade e apoio
mundiais para o combate à fome, a omissão ou a conivência
de governos não inibem, nem atuam para cooperar com
outra iniciativa da ONU — “Alimentos para todos”.
E aterrador o agravamento da crise, que está crescendo
e poderá acarretar a destruição dos bens indispensáveis
à manutenção da vida na Terra.
Dos
três chefes de Estado comandantes das forças que terminaram por
vencer, dominar e fazer recuar, da Rússia, o exército alemão,
em 1945, um deles, Franklin Roosevelt, presidente dos Estados
Unidos da América, quando o fim da guerra se avizinhava deixando
o rastro trágico) de campos calcinados pelas batalhas neles travadas,
cidades arrasadas pelos tanques e canhões da Wermacht (exército)
e pelos bombardeios demolidores da Luftwafe (aviação), ergueu
sua voz e como um missionário advertiu a todos os povos da provável
escassez de alimentos por terem os inimigos, como se bárbaros
hunos fossem, tudo inutilizado ou arrasado na sua passagem. Roosevelt
já estava falando, também, numa visão antecipada dos grandes fatos
da história, para uma Declaração de Direitos do Homem, quando
disse que o maior de todos eles é o direito de não passar fome.
E a defesa da vida, o bem supremo de que tudo decorre para o ser
humano. Esse é o superdireito, é o que condiciona a própria existência,
é um direito natural de todas as pessoas, independentemente de
raça, de sexo, de cor, de crença, de nacionalidade, de profissão.
A destruição do meio ambiente, com o fenecimento das plantas,
com o esgotamento das águas, com o incêndio das matas, com o extermínio
daquilo que compõe a natureza, para servir e assegurar a sobrevivência
do homem na Terra, essa é uma conduta de predador, que resseca
o solo e suprime a produção dos grãos e dos frutos que dão de
comer a todos os seres que habitam o planeta Terra.
O
direito de não passar fome é a legenda, é o dístico, que abarca
todos os direitos humanos. Explicita, traduz por outras palavras,
mais diretas, transmite a mesma idéia, de modo objetivo, exprime,
de modo claro e formal, propósito similar à igualdade do tríptico
da Declaração de Direitos de 1789 — liberdade, igualdade e fraternidade.
Todos os homens e mulheres são iguais, têm o direito de não passar
fome; são idênticos, têm o mesmo valor como criaturas humanas.
E uma regra absoluta, sem restrições, incondicional, abrangente.
O achado de Roosevelt representa uma notável contribuição para
interpretar a igualdade como direito humano, na época atual,
sem indeterminação ou vaguesa: — não é igualdade econômica, profissional,
cultural — é igualdade Como criatura, concebida e nascida de maneira
idêntica a todas as outras.
Voltemos
ao art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, de 10 de dezembro de 1948, que dá a todos e
garante uma audiência pública por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos
e deveres ou do fundamento de qualquer acusação
criminal.
A
Declaração é expressa: — assegura a qualquer pessoa direito de
audiência junto ao Poder Judiciário, que é independente e imparcial,
não só por força da investidura de seus membros, na carreira,
por concurso de títulos e provas, mas também por pertencer a um
poder que, pela Constituição, não é subordinado a nenhum outro.
A independência do juiz é absoluta e mesmo na hierarquia judiciária
ele não deve obediência a magistrados superiores, O seu julgamento
deve seguir exclusivamente o seu entendimento, de acordo com a
sitia consciência. Agora mesmo tem havido larga controvérsia sobre
a vinculação dos juizes inferiores às decisões ou súmulas dos
tribunais superiores. Sempre me manifestei contra a vinculação,
embora partidário das Súmulas, que aso pedagógicas e orientadoras
para juizes e advogados, que sempre as seguem e aplicam.
A
independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário
estão garantidas na Constituição (art. 2~) e na Lei Orgânica da
Magistratura (LOMAM, Lei Complementar n9 35, de 14
de março de 1979). O princípio da separação dos poderes é uma
das cláusulas pétreas do sistema constitucional, que não admite
sequer proposta de emenda visando a sua abolição ou alteração.
Para
a sua independência, os juizes gozam das garantias de vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (Constituição,
art. 95; LOMAM, arts. 25 a 32).
O
magistrado ainda está protegido por prerrogativas (arts. 33 e
34 da LOMAM), e tem deveres, entre eles a independência, a serenidade
e a exatidão (LOMAM, arts. 35 a 39).
Em
livro recente, o emérito professor René Anel Dotti faz pertinentes
observações sobre o direito de audiência a que se refere o art.
10 ora comentado.
“O
direito de audiência pode ser exercido pessoalmente pelo acusado
ou por seu defensor. No sistema processual penal brasileiro, esse
direito é exercido em suas duas modalidades. Haverá a presença
direta do suspeito ou acusado perante a autoridade policial ou
judiciária, quando estiver preso ou comparecer espontaneamente,
procedendo-se ao interrogatório, cuja realização, em tais circunstâncias,
é obrigatória sob pena de nulidade do processo (CPP arts. 6~,
V: 185 e 564,111, e, segunda parte). E ocorrerá a presença indireta
quando o suspeito ou o acusado comparecer através de petição de
seu defensor. O direito de petição (CF art. 59, XXXIV, a) é um
dos corolários do direito de audiência.”
Este
trabalho é escrito, sob a coordenação da Comissão Internacional
de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, num instante
dos mais difíceis por que passa o mundo neste final do tumultuado
século XX. Atravessamos um período de apreensões e temores, como
já acentuamos, com a chamada globalização da economia. O diagnóstico
de Celso Furtado sobre o tema é preocupante, dada a sua indiscutível
competência e o seu prestígio internacional (único estrangeiro
até hoje nomeado pelo presidente da França – General Charles de
Gaule – para lecionar economia na Sorbonne).
No
regime democrático as soluções são encontradas exatamente na diversidade
de opiniões e há, no próprio governo, objeções à política atualmente
seguida.
Celso
Furtado, com o seu livro, assume uma liderança que lhe cabe, par
droit de conquête, na discussão do tema e, como ele disse na Academia
Brasileira de Letras, “ainda que seja apenas para registro histórico
e cumprimento de um dever cívico”. No sintético documento que
leu para os seus pares, o autor do clássico Formação Econômica
do Brasil adverte que:
“a
chamada globalização em que fomos envolvidos paralisa os processos
políticos que conduzem à homogeneidade social e desarticula os
mercados nacionais, o que é particularmente grave em países de
grande heterogeneidade social como é o Brasil.
As
importantes decisões de política econômica que estão sendo tomadas
no momento atual, sob pressão externa, vão reduzir seguramente
a margem de manobra do governo. Estamos nos comprometendo de forma
irreversível com o aprofundamento do processo de globalização,
não porque tenhamos adotado conscientemente essa estratégia, mas
porque fomos obrigados por instâncias internacionais a tomar decisões
que respondem prioritariamente aos imperativos estratégicos da
globalização.
É
certo que fomos levados a essa posição de fraqueza por erros de
política econômica de nosso governo, erros que nos arrastam a
uma extrema dependência vis-à-vis do capital especulativo internacional.
Mas
insistir em políticas que comprometem o destino do país
é mais do que simples erro, e também é grave conivência
não denunciá-lo, ainda que seja apenas para registro
histórico e cumprimento de um dever cívico”.
A
advertência está ai e não é possível ignorá-la. E no livro já
citado, Celso Furtado reafirma que a “globalização está longe
de conduzir a políticas uniformes”, acrescentando:
“A
miragem de um mundo comportando-se dentro das mesmas regras ditadas
por um super FMI existe apenas na imaginação de certas pessoas.
As disparidades entre
economias não decorrem só de fatores econômicos, mas também de
diversidades nas matrizes culturais e das particularidades históricas.
/\ idéia de que o mundo tende a se homogeneizar decorre da aceitação
acrítica de teses economicistas”.
A
sociedade não pode ser alijada nem posta à margem do descarte
e da solução de um problema que a afeta fundamentalmente. Está
em jogo a execução de uma política econômica que afeta não apenas
um ou outro setor do regime de trocar valores, ou de rotineiras
relações de permuta de produtos, ou do comércio usual entre as
nações, mas de uma mudança de estratégias e de envolvimento do
próprio patrimônio público, e nenhum cidadão pode ficar neutro
ou indiferente ao seu desenrolar. Não se trata apenas de apoiar
ou de contrapor-se à chamada globalização. A preocupação é de
todos, não se limita ao sinônimo governo-oposição, O que está
em causa é o interesse nacional. Por isso, todo o povo brasileiro
tem o direito de conhecer os resultados e conferências de medidas
tomadas até agora, especialmente aquelas que imponham compromissos
e obrigações onerosas OU de outra natureza. Se algum erro houve,
é preciso corrigi-lo, de pronto, com o conhecimento da sociedade.
Não custa seguir o conselho preciso e apropriado de Rui Barbosa:
“corar menos de ter errado que de o não emendar”.
Evandro
Lins e Silva — Ministro aposentado do Supremo Tribunal
Federal: Membro da Academia Brasileira de Letras; Presidente
do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de
Direito Penal e advogado.
A lei é a mesma para
todo mundo, deve ser aplicada da mesma maneira para todos, sem
distinção.
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