Comissão
Brasileira de Justiça e Paz
Comissão
Brasileira
CARTA
DE PRINCÍPIOS
1. Concepção
Os antecedentes históricos, a experiência
acumulada e a transferência da sede
da CBJP para a Capital Federal com todas
as suas implicações e possibilidades,
mesmo sem tocar nas premissas de sua existência
aconselham a revisão atenta do modo
de ser da Comissão.
1.1. Missão
A CBJP assenta sobre o compromisso fundamental
da construção da Paz entre
os seres humanos, especialmente em nosso
país. Reconhece, ao mesmo tempo,
que a Paz ilumina os seres humanos, enquanto
peregrinos na Terra, como uma Utopia. Mas
é uma utopia a cuja luz deverão
ser vistas e projetadas as indispensáveis
ações do cristão na
busca incessante dessa meta, a cada momento,
em cada lugar - como e onde quer que ele
se situe.
Na verdade, emanados do Concílio
Vaticano II, especialmente da constituição
Gaudium et Spes, o Pontifício Conselho
Justiça e Paz e suas projeções
nacionais são chamados a desempenhar
um papel destacado na caminhada rumo ao
terceiro milênio. Este é um
momento forte que leva a Igreja Universal
a um aprofundamento teologal e pastoral,
a que a Igreja no Brasil não quer
furtar-se, do mistério da Encarnação
do Verbo, eixo fundamental de referência
para toda a história da humanidade.
É o mistério da encarnação
e pascal que ilumina e dá sentido
a todo o processo de inculturação
da Palavra e da Igreja na realidade humana
e orienta sua presença transformadora
e vivificadora em cada contexto histórico.
Nessa passagem para um novo milênio,
a encarnação de Cristo através
dos membros do seu Corpo Místico,
à revelia de demarcações
de fronteiras físicas, sociais ou
políticas, assume hoje um sentido
singular, dada a planetarização
crescente vivida pela humanidade.
Na prática, e ao abrigo dos atos
de criação das Comissões
Justiça e Paz, interpretados como
acima, é campo próprio da
CBJP realizar estudos aplicados sobre desafios
de caráter estrutural, ligados aos
destinos da Nação. Mas esses
estudos deverão sempre ser realizados
segundo as exigências evangélicas
e do ensino social da Igreja. Destaca-se
aí em especial o papel do Estado,
enquanto organização política
da sociedade, bem como o papel das relações
do Estado com a própria sociedade,
e ainda a significação das
políticas públicas na construção
do bem comum.
1.2. Atitude
A Comissão reitera a compreensão
básica de que o caminho que conduz
à Paz é o da Justiça
entre os povos e as pessoas. A atuação
da CBJP continuará a ser, por isso,
necessariamente, alicerçada em uma
vigilância constante perante as injustiças
estruturais e atuais, e a sua denúncia.
Mas se completará no anúncio
de avanços reais, atuais ou possíveis,
por mínimos que possam parecer, na
direção final, iluminadora,
da Justiça a edificar. No prolongado
processo de Encarnação, ainda
e sempre a Crucifixão, mas também
já a Ressurreição.
1.3. Parâmetros
Por esses motivos, o desempenho da CBJP
deve estruturar-se em torno de uma clara
percepção das pessoas, espaços
e assuntos a que deve atender. Não
é difícil entender a que pessoas
está vocacionada: os injustiçados,
os desamparados, os desassistidos, os excluídos,
os ameaçados - os que sofrem fome
e sede de Justiça. O espaço
natural de sua presença, por outro
lado, por definição é
a totalidade do território nacional,
embora com a sua variada gama de diferenças
sociais e econômicas, a serem essencialmente
superadas, ou em certos aspectos conciliadas.
Torna-se complexa, por isso, a delimitação
dos assuntos a que a Comissão deve,
prioritariamente, dedicar-se.
Em princípio, estão em causa
quaisquer matérias que, pela sua
natureza e relevância, têm a
ver com a edificação progressiva
da Justiça entre os brasileiros.
E também as matérias que,
ao inverso, impedem, abalam ou destróem
os fundamentos dessa construção.
Nada que, real ou potencialmente, tenha
a ver com o roteiro da instauração
da Paz entre os homens e mulheres de boa
vontade, lhe pode ser estranho.
A releitura atual dos documentos pontifícios
que inspiram a existência das Comissões
Justiça e Paz há-de fazer-se,
no entanto, à luz das ‘coisas
novas’ que se afirmaram nos trinta
anos transcorridos após o Concílio
Vaticano II e a Gaudium et Spes. Essas ‘coisas
novas’ têm a ver com desdobramentos
do progresso científico e tecnológico,
mudanças nas realidades humanas e
sociais, alterações no modo
do ser humano relacionar-se com o meio ambiente,
e ainda com atitudes culturais e desafios
éticos resultantes dessas transformações.
Tudo isso, e mais o processo inexorável
e aparentemente incontornável de
globalização, repercute poderosamente
na preparação dos caminhos
para praticar a Justiça e alcançar
a Paz entre indivíduos, grupos sociais,
sistemas econômicos, povos e países,
nesta passagem do segundo para o terceiro
milênio d.C..
1.4. Campo de ação
Na prática, pois, será desejável
adotar alguns parâmetros capazes de
estabelecer, com nitidez, os raios de ação
eficaz da CBJP. Em primeiro lugar, ela deve
voltar-se para temas nacionais, com suas
raízes e projeções
de âmbito mundial. Às Comissões
dispersas pelo Brasil incumbirá cuidar
preferencialmente de assuntos específicos,
localizados, nos limites geográficos,
jurisdicionais e vocacionais de suas competências.
Ao Regimento Interno e atos normativos daCBJP
cumpre disciplinar a matéria, cuidando
de evitar superposições e
conflitos de competências.
Em segundo lugar, o horizonte temporal da
CBJP, à semelhança do seu
horizonte espacial, deve ser o mais amplo,
dada a sua localização no
Distrito Federal. Parece, pois, apropriado
reservar para a CBJPpreocupações
relacionadas mais com questões estruturais
ou permanentes, do que com as dificuldades
do instante em curso, da conjuntura - salvo
quando estas, pela sua natureza e magnitude,
preencham os outros requisitos.
E, por fim, como corolário mesmo
desses requisitos, deve a CBJPconcentrar-se
em visões e propostas que tenham
a ver antes com as mudanças estratégicas,
e por isso de médio e longo prazos,
do que com as pequenas respostas ou solicitações
localizadas, do momento. Só aquelas
são adequadas à transformação
social desejada, a um tempo enraizada, duradoura
e completa - a aplicação aprimorada
da Justiça para todos, como processo
insubstituível de instauração
sustentável da Paz entre todos, desejadamente
para todo o sempre.
1.5. Um Projeto Nacional
Resulta dessa compreensão que a CBJP
sempre teve e deve manter a sua identidade
própria, somando-se às muitas
entidades que, dentro e fora da Igreja,
governamentais e não-governamentais,
enfrentam com dedicação exemplar,
competência inquestionável
e larga experiência, desafios importantes.
São desafios afins, mas ainda assim
distintos dos da CBJP. Situam-se aqueles
nos campos das migrações,
populações indígenas,
direitos humanos strictu sensu, meninos
e meninas de rua, minorias, terras, e tantas
outras. Situam-se, também, no terreno
das ‘coisas novas’ referidas
acima, tais como as que têm a ver
com assuntos relacionados à ecologia,
ao desenvolvimento sustentável, à
bioética, e também ao desenvolvimento
e funções dos meios de comunicação
e da informática, às práticas
culturais. A Comissão deverá,
sim, cooperar na medida do possível
com todas essas instituições.
Mas a sua função é
entendida diversa da de qualquer delas,
por ser necessariamente abrangente. A ela
compete assumir uma visão de conjunto
da realidade nacional, das articulações
que a cimentam, das interrelações
espaciais, econômicas, sociais, políticas,
institucionais e outras, que precisam ser
consolidadas, ou ao contrário abaladas,
no bojo de um grande Projeto nacional, que
seja não apenas tecnicamente eficiente,
mas também eticamente justo e, enfim,
socialmente pacificador. É esse,
no início do Terceiro Milênio,
o projeto a ser perseguido por todos os
brasileiros e o terreno propício
à reflexão e às proposições
da CBJP.
Nesse sentido, a Igreja no Brasil adotou
Diretrizes para sua ação evangelizadora
no quadriênio 1995-1998 (Documentos
da CNBB No. 54), e coerente com esses balisamentos
vem de assumir uma postura articulada Rumo
ao novo milênio. Mediando a concretização
desta postura a partir daquelas diretrizes,
a CNBB montou também, de forma providencial,
a Campanha da Fraternidade-96, com seu tema
"Fraternidade e Política"
e o lema orientador: Justiça e Paz
se abraçarão. O que se busca,
em resumo? Um rumo para a sociedade. E:
A Justiça caminhará à
sua frente e com seus passos traçará
um caminho. (Sl 85)
2. Procedimentos
Como deve, porém, a renovada CBJP
dar continuidade ao trabalho desenvolvido
já por décadas, sem prejuízo
da sua adaptação aos novos
sinais dos tempos?
2.1. Método
A sintonia ótima de cada um dos critérios,
bem como a atribuição do respectivo
peso relativo em cada concreto, terão
de ser procuradas pelo método de
tentativa e erro, iluminado pela mesma Fé
que anima os integrantes da Comissão.
Em cada situação, precisarão
saber vera realidade em toda a sua complexidade,
desenvolver a capacidade de julgar as interrelações
e descobrir as raízes mais profundas
dessa mesma realidade, e por fim dispor-se
a agir sem temor, visando a sua transformação
sob inspiração evangélica.
Por outro lado, sabe-se de antemão
que algumas vezes a ação da
CBJP se fará de modo aparentemente
temerário. Noutras, será inócua.
Ainda assim, mediante o balanço daqueles
critérios centrais, poderá
tornar-se imprescindível a manifestação
da Comissão, dado o dever ético
a que está jungida e a inspiração
maior a que se submete. ‘Voz que clama
no deserto’.
2.2. Inspiração
A CBJP quer ser vista como um sinal do Reino
e um serviço para os seres humanos
- uma forma de protagonismo dos leigos.
Almeja alçar-se à condição
verdadeira de manifestação
profética em nome e em favor dos
oprimidos. Instrumento a serviço
da comunhão. Cabe-lhe redescobrir
a missão da Igreja no mundo de hoje
e converter-se em instrumento da presença
do Espírito de Deus pela via dos
sinais de caridade, boa vontade, solidariedade
e participação.
A inserção da CBJP na Igreja
do Brasil é condição
e inspiração para inserção
dos seus integrantes no mundo - convivendo
neste com santos e pecadores. Vivendo com
eles as situações de injustiça
conflituosa, mas sem compactuar com esta.
Ao contrário, lutando sem esmorecimentos,
junto aos seus semelhantes, pela proclamação
da Paz fundada na Justiça.
2.3. Comportamento
Concebida como acima, a CBJP não
pretende substituir-se a ninguém,
nem dentro da Igreja, nem fora dela, na
busca dos seus objetivos. Sempre que organismos
e movimentos organizados, religiosos ou
leigos, tiverem assumido o enfrentamento
de problemas específicos, sobretudo
em questões tópicas e conjunturais,
a eles a Comissão deixará
o campo livre. Recorrerá a eles,
no entanto, quando a sua colaboração
se fizer conveniente na elucidação
da essência dos problemas e no encaminhamento
possível de soluções
de longo termo que a Comissão julgue
oportuno desencadear.
Mas há algumas posições
centrais que precisam ser destacadas, para
ordenação das ações
futuras da CBJP: primeiro, a sua íntima
associação aos rumos e propósitos
da CNBB e da Pontifícia Comissão
Justiça e Paz, e por via de conseqüência,
aos organismos a ela de algum modo vinculados,
em especial o Conselho Nacional de Leigos
e as Comissões Pastorais especializadas;
depois, o entrosamento que deve marcar,
com funda lucidez e firme determinação,
a ação comum ou complementar
entre a Comissão Brasileira e as
regionais; em seguida, a aproximação
crítica a que será levada
frente aos centros nacionais de decisão,
com os orgãos de governo e as entidades
representativas da sociedade civil; e, por
fim, a interação que, face
às novas realidades, se faz imperativa,
com movimentos, entidades e programas afins
atuantes em outros países, notadamente
nos da América Latina.
3. Linhas de ação
O balisamento desenhado deverá contribuir
para que, periodicamente, a CBJP prossiga
revendo as suas linhas de ação.
Será desejável, sem descer
a detalhes facilmente consumíveis
pela dinâmica social, traçar
de tempos em tempos o terreno preferencial
de seu exercício profético.
3.1. Preparação
No bojo desse mapeamento maior, por conseguinte,
deverá a Comissão definir
metas mais específicas e imediatas,
a cuja consecução irá
devotar-se de modo prioritário, se
não exclusivo, em intervalos de tempos
menores. Só assim estará ela
se preparando com seriedade e competência
para assumir a sua vocação
própria, de caráter público,
indelegável.
Em consonância com os parâmetros
adotados, segue-se que as linhas de ação
e os seus desdobramentos supõem o
conhecimento mais consistente e aprofundado
possível das matérias a abordar.
Há, portanto, no universo de trabalho
da CBJP, um largo espaço para a produção
do conhecimento aplicado e a reflexão
no campo de sua missão, que constituem
aliás sua função central.
Nada pode ser feito açodadamente,
superficialmente ou, pior, ao sabor de preconceitos,
ideologias, palavras de ordem.
A par disso, e não podendo a Comissão
abrigar em seu seio todos os autorizados
especialistas, pensadores e formuladores
de propostas que a complexidade dos seus
trabalhos requer, deve valer-se do apoio
religioso, filosófico, científico
e técnico que só as Universidades
e centros de pesquisa e outros podem proporcionar.
Daí que no seu dia-a-dia precise
a CBJP valer-se cada vez mais da contribuição
de pessoas e instituições
que se dedicam a esses domínios do
conhecimento. A par de consultas, encomenda
de pareceres e relatórios, será
importante promover amplo debate esclarecedor
dessas matérias, aberto a todas as
correntes de pensamento, antes de firmar
uma posição oficial.
3.2. Tomadas de posição
Devidamente preparada, a Comissão
estará apta a assumir, como já
foi dito, atitudes públicas de denúncia
de situações intoleráveis,
e sobretudo de anúncio ou profecia
de possibilidades novas, minimamente elaboradas,
mas com todo o rigor que a importância
do problema e a angústia pela sua
solução requerem. Não
se pretende que a CBJP venha a arrogar-se
o papel de portadora exclusiva da Boa Nova.
Há-de partilhá-la com outros.
Mas não poderá se furtar ao
dever de empunhar a bandeira e sustentá-la
contra todas as intempéries.
Ainda aqui, convém reiterar: em humilde
postura, e numa proposta de generosidade,
a CBJP há-de dispor-se ao intercâmbio
e àcooperação sincera
e eficaz com terceiros de boa fé
e boa vontade. Incorporar-se-á ao
seu comportamento, portanto, uma postura
complementar, de caráter ecumênico.
3.3. Realimentação
Infere-se do exposto que o trabalho a que
a CBJP se encaminha é um esforço
continuado, ininterrupto, perfectível
em cada minúcia. Não pode
ser feito aos arrancos, ao sabor dos influxos
do momento. Deve resultar de um conjunto
de idéias incessantemente meditadas.
ACBJP, nesta percepção, é
um autêntico moto-contínuo.
Presume-se, por detrás de tudo, um
forte esquema de realimentação
das energias espirituais e intelectuais
dos membros da Comissão. Convém
agora explicitá-las. O fortalecimento
da mística cristã há-de
ser buscado em reuniões de formação
(retiros, jornadas, colóquios e similares).
Estarão intimamente relacionados
com os próprios alicerces da Fé
que anima os membros da CBJP. O aprimoramento
intelectual, diretamente relacionado com
a formação científica
ou técnica, estará orientado
pela indispensável intimidade com
os assuntos em pauta. Exige pesquisa, debate,
formulações. E essas duas
buscas contribuirão para a adoção
consciente e conseqüente de procedimentos
de juízo, a serem oportunamente definidos.
A resultante avaliação de
resultados irá possibilitar o revigoramento
de energias, a correção de
rumos, a solidificação de
êxitos. Uma vez mais, ver, julgar,
agir - mas também reagir com consciência
a novas situações, novas avaliações,
novos métodos e meios.
4. Meios
No exercício de sua missão,
a CBJP estará prestando colaboração
à CNBB, devendo estruturar conjuntamente
com ela os meios humanos e materiais de
que precisará valer-se. Ainda assim,
não é prematuro sugerir alguns
cuidados a serem levados em conta na revisão
do seu Estatuto. Vários deles decorrem
diretamente dos parâmetros e critérios
assumidos, são óbvios. Não
é preciso explicitá-los aqui.
Mas convém lembrar os seguintes:
• o orgão máximo, que
se supõe deva assumir o caráter
deAssembléia Geral, deve compreender,
além dos fundadores, por isso membros
natos, e do responsável pela ação
social da CNBB e outros cristãos
indicados por esta, um número suficiente
de membros efetivos e seus suplentes capaz
de exibir uma saudável representação
regional e social da realidade brasileira;
• no intuito de garantir a continuidade
das ações e ao mesmo tempo
promover a renovação daquelas
representações, seria limitado
o número de reconduções,
envolvendo processos de substituição
obrigatória de parte dos membros
da Assembléia, pelo menos um terço,
a cada mudança de direção
da CNBB;
• pelas suas funções
eminentes, pode-se confirmar a freqüência
anual das reuniões ordinárias
desse colegiado, passando estas a revestir-se
do caráter de um evento verdadeiramente
nacional, de ressonância pública
em razão da envergadura intelectual
e moral dos participantes, da importância
e atualidade dos temas versados e das propostas
subseqüentes;
• entre a Assembléia Geral
e a Secretaria haveria um orgão intermediário,
incumbido das ações ordinárias,
permanentes, da CBJP, um Conselho Diretor,
com um número suficiente de membros
para assumir adequadamente as suas funções,
representativo dos grupos abrigados na Assembléia
Geral, e ágil bastante para responder
com presteza às necessidades de ação;
• as funções da Secretaria
Executiva, fundamentais, deverão
ser ajustadas a esse enquadramento.
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