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A Internet e a Esfera Pública

> considerações sobre a possibilidade de uma democracia eletrônica

Um computador pessoal ligado a um telefone, pode se transformar em uma editora ou em uma estação de transmissão de imagens e sons (TV e rádio), ou mesmo em um fórum de troca de informação entre pessoas situadas em diversas partes do mundo. Enfim, a conexão da informática à telefonia - que pode ser realizada por indivíduos isolados, empresas e organizações sociais de todos os tipos - cria um novo meio de comunicação com propriedades únicas. Cria, ainda, formas alternativas de acesso ao conhecimento e à interpretação da informação, que viabilizam aspectos democráticos e criativos imprecedentes nos meios tradicionais de comunicação.

A Internet é um canal para informações que, historicamente, não figuram nos meios de comunicação de massa. Traz, ainda, uma oportunidade para que as pessoas possam compartilhar impressões e dados de qualidades diferentes sobre os grandes eventos do mundo, os quais não são contemplados pelo padrão de notícia dos veículos tradicionais.

Um grande dilema que se coloca, no entanto, é o da qualificação da informação que se recebe. Se nos meios tradicionais a informação é avalizada pela reputação da fonte, seja ela apresentada pelo repórter ou a a própria reputação do veículo, na rede, os critérios de seleção e avaliação ou não existem, ou ainda são fluidos, ou são alicerçados em uma reputação prévia, anterior à Internet. Apesar da credibilidade dos órgãos tradicionais da imprensa ser, em última instância, questionável, no âmbito da Internet esse fator é crucial e incipiente.

Uma das questões mais importantes sobre o acesso a formas alternativas de informação e, principalmente, ao poder de se ser um pólo alternativo de informação, é que este fenômeno político e social, sem precedentes, gera várias implicações na ordem política e social. Mudanças na forma e no acesso à informação indicam e mobilizam diferentes formas e graus de acesso ao poder por diferentes grupos. Este fator tem a possibilidade de transformar a organização instituída na sociedade.

No campo social, por exemplo, há uma "urbanização" do mundo, com o acesso de áreas rurais a uma cultura globalizada. Observa-se, ainda, uma transposição para a rede da informalidade das conversas e do cotidiano, no surgimento e desenvolvimento de comunidades virtuais. Pode-se dizer que a Internet é uma organização e materialização comunicativa da esfera pública, como teorizada por exemplo por Jürgen Habermas.

Por esfera pública, seguindo a proposta de Habermas, pode-se entender o domínio da sociedade onde a opinião pública é formada e fundada.

Uma porção da esfera pública é constituída em cada conversação, cada interação entre os seres humanos, no cotidiano de suas vidas. Essa ação comunicativa, por sua vez, é movida por uma razão comunicacional própria, voltada para um entendimento.

"O meu interesse fundamental está voltado primordialmente para a reconstrução das condições realmente existentes, na verdade sob a premissa de que os indivíduos socializados, quando no seu dia-a-dia se comunicam entre si através da linguagem comum, não têm como evitar que se empregue essa linguagem também num sentido voltado ao entendimento. E ao fazerem isso, eles precisam tomar como ponto de partida determinadas pressuposições pragmáticas, nas quais se faz valer algo parecido com uma razão comunicativa." 

A constituição de uma esfera pública "saudável", capaz de abrigar diferentes opiniões e qualidades de interação pode ser considerada um dos fundamentos de uma sociedade democrática e participativa. Daí a importância que a Internet assume nesse processo de organização da esfera pública, da ordem social e política atual.

É claro que não basta que o meio possua uma natureza democrática, é preciso que o seu uso também reflita essa possibilidade. Como a Internet é um reflexo, uma parte integrante de sociedade, que por sua vez está povoada por imensas contradições e desafios, essas questões também se colocam vivamente na estruturação, regulamentação e desenvolvimento da rede.

Os discursos da publicidade, dos monopólios econômicos e as políticas estatais estão presentes na configuração da rede e convivem, "numa mesma panela", com iniciativas mais diversas: loucos, poetas, cientistas, donas de casa, hackers etc.

Na sua teoria crítica, Jürgen Habermas descreve três tipos de interesses que produzem, por sua vez, três qualidades de discurso: o técnico, o prático e o emancipatório. Cada tipo de interesse é responsável pela geração de um determinado tipo de razão, de lógica e, também, de uma ação comunicativa. Os vários tipos de discurso coexistem, sobrepõem-se e interagem tanto na sociedade, como na configuração da rede.

O interesse técnico nas sociedades modernas, vem, segundo ele, do paradigma positivista e se volta para a previsão e o controle que advêm da interação da sociedade com a natureza. A razão técnica foi a responsável pelo desenvolvimento de cunho especialista, mecanicista, do paradigma da modernidade. É um tipo de pensamento direcionado para a solução de problemas.

Já o interesse prático é aquele que surge a partir da interação cotidiana das pessoas. Está voltado para a compreensão do processo de produção de sentido nestas relações, bem como no tipo de conhecimento prático que este tipo de interesse produz. Grande parte das relações discursivas do cotidiano podem ser incluídas nesta categoria, em diferentes graus de complexidade. São alguns exemplos possíveis as trocas de experiências, bens, serviços...

O conhecimento emancipatório vem do interesse da libertação de qualquer tipo de dominação. É a razão que perscruta as contradições entre os desejos, as aspirações, as crenças do indivíduo e da sociedade, e contrapõe, a estes, a realidade da existência. É um processo de auto-experiência e auto-entendimento, ligado a idéias éticas e morais, que resulta num ganho de autonomia.

"...esclarecimento e emancipação referem-se a processos nos quais a gente experimenta em si mesma com os quais se transforma quando aprende a se comportar racionalmente sob pontos de vista formais. Esclarecimento é um reflexo da auto-experiência no decurso de processos de aprendizagem. Emancipação tem a ver com libertação em relação a parcialidades." 

Os conceitos de entendimento e agir comunicativo se relacionam àquele da emancipação, ampliando sua extensão para além do nível puramente biográfico. Estes conceitos são o centro das reflexão de Habermas. O agir comunicativo vem a ser a fala humana dirigida ao consenso, que sempre vem junto a um interesse em entendimento. Esta ação pressupõe relações simétricas de reconhecimento recíproco. Para a sua ocorrência, há a necessidade de uma linguagem comum, de um mundo pré-interpretado com formas de vida compartilhadas, contextos normativos, tradições, rotinas... Enfim, que os mundos dos falantes se interpenetrem, se interliguem. Já a argumentação, parte de uma ação estratégica, almeja um outro fim que não o entendimento.

"A emancipação -- em sentido categórico -- torna os homens mais independentes mas não necessária e automaticamente mais felizes."

Num mesmo discurso podem coexistir vários interesses, sendo que geralmente um deles predomina. Não há uma ênfase nem no "predictive knowledge" gerado pelo paradigma positivista, nem no "constructed meaning" gerado pelo paradigma interpretativo. Ambos os enfoques são vistos como inter-relacionados - tese e antítese, criando um terceiro tipo de conhecimento.

Do ponto de vista do teórico, a informação nunca é totalmente neutra. Há uma hierarquia de contextos, do individual ao coletivo, deste ao contexto evolutivo social. O contexto histórico é uma variável importante, na qual o conhecimento deve ser revisto na criação de novas condições determinantes da história.

Na compreensão de Habermas a racionalização de uma ação comunicativa envolve sempre o fim das hierarquias de poder. Essa racionalização seria exatamente a extirpação de toda relação de força inserida na estrutura da comunicação, que não permite o entendimento consensual entre as partes, que gera uma comunicação estratégica e distorcida.

Na realidade social existem dois tipos de relações: as de dominação e as relativas ao sistema e à vida comum. A primeira é responsável pela criação de ações comunicativas estratégicas, onde uma das partes desenvolve o seu discurso, visando um objetivo pessoal, em detrimento de um entendimento comum entre as partes.

As relações existentes na vida cotidiana estão baseadas na interação e prática comunicativa do dia-a-dia. Os seres humanos interagem buscando a satisfação de suas necessidades materiais e criam uma realidade cultural que se adiciona à natural.

Numa situação de opressão, a razão prática é colocada a serviço da razão estratégica, pelo sistema por ela perseverado. Os seres humanos se tornam objetos, estatísticas...

A opressão, assim como outros tipos de comunicação distorcida, acontece quando conceitos de um nível, de um tipo específico de interesse, são estendidos a outros níveis. Os conceitos de uma razão estratégica por exemplo, são aplicados à legitimação e sustentação de relações distorcidas na sociedade.

Foi destilando da dinâmica da realidade o que seria uma situação ideal de fala, que Habermas encontrou os princípios do que seria uma conversação realmente interativa, sustentada livremente.

Uma situação ideal de fala, de comunicação, existe, quando o que é dito é compreendido por ambas as partes. Nesta instância, pressupõe-se, ainda, que a fala é verdadeira e que aquele que desenvolve a fala o faz de forma também verídica. Para os teóricos críticos, este tipo de situação não acontece normalmente, mas mantém-se sempre como um ideal a ser alcançado.

"A prática cotidiana orientada pelo entendimento está permeada de idealizações inevitáveis. Estas simplesmente pertencem ao médium da linguagem coloquial comum, através do qual se realiza a reprodução de nossa vida. (...) quando eu falo em idealizações, não me refiro a idéias que o teórico solitário erige contra a realidade tal qual é; eu apenas tenho em mente os conteúdos normativos encontráveis em nossas práticas, dos quais não podemos prescindir, porque a linguagem, junto com a idealização que ela impõe aos falantes, é constitutiva para formas de vida socioculturais." 

Para os gregos, a opinião pública estava inserida no âmbito da phronesis, do conhecimento prático, que era gerado a partir de insights e teorias práticas acumuladas pela ação cotidiana, no espaço público. Para Habermas, a esfera pública é o espaço para o debate engajado e crítico. Para que se compreenda o que seria essa esfera é necessário observar a íntima conexão existente entre os conceitos de deliberação, opinião e política.

Não foi acidentalmente que os conceitos de esfera pública e de opinião pública como conhecemos atualmente, surgiram, concomitantemente, no século XVIII. Ambos se relacionam intimamente com o surgimento da compreensão dos direitos humanos, da democracia, do exercício político. Desde então, tanto a democracia como a esfera pública foram grandemente influenciadas pelos meios de comunicação.

A imprensa escrita foi o primeiro meio de comunicação, ainda no século XIX, a interagir na formação da opinião pública e na organização da esfera pública, como um todo. Foi a primeira geração, por assim dizer, do que mais tarde seriam os meios de comunicação de massa.

Com o surgimento da publicidade e do desenvolvimento da comunicação no âmbito das organizações, observou-se a mudança do foco das discussões e temas pertinentes à organização da esfera pública para um discurso consumista, despido de pretensões políticas explícitas. O público passa a ser, apenas, o público consumidor e a opinião pública, um aglomerado de interesses e opiniões individuais.

A televisão marcou o ápice do processo de depauperação do cidadão em consumidor. A esfera pública tornou-se um espetáculo. O modelo consumista se tornou o padrão de atividade individual, política e social. Os discursos foram despidos de conteúdo, em detrimento da forma, da publicidade, do marketing. Utilizados para moldar opiniões e atingir resultados. Haveria alguma relação entre o sucesso comercial da televisão e do discurso do consumo com a perda de interesse e participação política dos cidadãos?

Difícil pergunta, difíceis respostas. No entanto, as redes de comunicação podem oferecer caminhos. Elas dispõem de um "potencial democratizante", um "potencial participativo", porém dependem, para concretizá-los, de que se observem como elas se relacionam com a sociedade, cuidando para que a democracia e a interatividade não se transformem em mais um discurso que busca vender a tecnologia e a modernidade como a última maravilha, "o último grito da moda de Paris".

A história, forjada pelo paradigma moderno, nos mostra que os avanços tecnológicos, ao invés de melhorar a "autenticidade da comunicação" em direção a uma situação ideal de fala como a proposta por Habermas, têm sido apropriados pelos meios de comunicação de massa e interesses econômicos e políticos do poder.

 

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