
A Visão
da Palestina da Paz
YASSER
ARAFAT
Especial para The New York Times
Nos últimos
16 meses, israelenses e palestinos estão enredados num catastrófico
ciclo de violência, um ciclo que só promete mais derramamento de
sangue e medo. O ciclo levou muita gente a concluir que a paz é impossível,
um mito nascido da ignorância da posição palestina. Chegou a hora de
os palestinos definirem claramente, e para que o mundo ouça claramente,
a visão palestina.
Mas antes
deixem-me ser muito claro. Condeno os ataques praticados por grupos
terroristas contra civis israelenses. Estes grupos não representam o
povo palestino ou suas legítimas aspirações de liberdade. São
organizações terroristas, e estou decidido a pôr um paradeiro em suas
atividades.
A visão
palestina de paz é um Estado palestino independente e viável nos
territórios ocupados por Israel em 1967, existindo como vizinho em pé
de igualdade junto de Israel, com paz e segurança para os povos
israelense e palestino. Em 1988, o Conselho Nacional Palestino adotou
uma resolução histórica pedindo a aplicação de resoluções da ONU
aplicáveis, especialmente as Resoluções 242 e 338. Os palestinos
reconheceram o direito de Israel existir em 78% da Palestina histórica,
com o entendimento de que nós podíamos viver em liberdade nos
restantes 22%, que estão sob ocupação israelense desde 1967. Nosso
compromisso com esta solução de dois Estados continua inalterada, mas
infelizmente continua sem ter retribuição.
Buscamos
independência autêntica e soberania plena: o direito de controlar
nosso próprio espaço aéreo, recursos hídricos e fronteiras;
desenvolver nossa própria economia, ter relações comerciais normais
com nossos vizinhos e viajar livremente. Em resumo, queremos só o que o
mundo livre hoje usufrui e só aquilo em que Israel insiste para si: o
direito de controlar nosso destino e assumir nosso lugar entre nações
livres.
Além do
mais, buscamos uma solução limpa e justa para a dura situação de
refugiados palestinos que há 54 anos não têm permissão para voltar a
seus lares. Compreendemos as preocupações demográficas de Israel e
compreendemos que o direito da volta de refugiados palestinos, um
direito garantido pela lei internacional e pela Resolução 194 da ONU,
precisa ser implementado de um modo que leve em conta tais preocupações.
Mas, da mesma forma como nós palestinos precisamos ser realistas a
respeito dos desejos demográficos de Israel, os israelenses também
precisam ser realistas e entender que não pode haver solução para o
conflito israelense-palestino se os legítimos direitos desses civis
inocentes continuarem sendo ignorados. Deixada sem solução, a questão
dos refugiados tem o potencial de solapar qualquer acordo de paz
permanente entre palestinos e israelenses. Como um refugiado palestino
entenderá que seu direito de voltar não vai ser honrado, mas o dos
albaneses de Kosovo, dos afegãos e dos (refugiados) do Timor Leste têm
sido? Há os que afirmam que não sou parceiro no processo de paz. Em
resposta digo que o parceiro de Israel para a paz é e sempre foi o povo
palestino. Paz não é um documento assinado entre duas pessoas - é uma
reconciliação entre povos.
Dois povos
não podem reconciliar-se quando um exige controle sobre o outro, quando
um se nega a tratar o outro povo como parceiro na paz, quando um adota a
lógica do poder em vez do poder da lógica. Israel precisa entender que
não pode ter paz enquanto negar justiça. Enquanto a ocupação de
terras palestinas continuar, enquanto palestinos não tiverem liberdade,
então a via que leva à "paz dos bravos", na qual embarquei
com meu falecido parceiro Yitzhak Rabin, estará repleta de obstáculos.
Ao povo
palestino tem sido negada sua liberdade, até agora e há tanto tempo, e
é o único povo do mundo que ainda vive sob ocupação estrangeira.
Como é possível que o mundo inteiro consiga tolerar esta opressão,
discriminação e humilhação? Os Acordos de Oslo de 1993, assinados no
jardim da Casa Branca, prometeram liberdade aos palestinos para maio de
1999. Em vez disso, desde 1993 o povo palestino aguenta a duplicação
das colônias israelenses, a expansão de colônias israelenses ilegais
em território palestino e o aumento de restrições à liberdade de
locomoção. Como vou convencer meu povo de que Israel quer mesmo paz
enquanto na última década Israel intensificou a colonização de terra
palestina da qual estava ostensivamente negociando a retirada? Mas
nenhum grau de opressão nem nível de desespero pode jamais justificar
o assassinato de civis inocentes. Condeno o terrorismo.
Condeno o
assassinato de civis inocentes, sejam israelenses, americanos ou
palestinos; sejam eles mortos por extremistas palestinos, colonos
israelenses ou pelo governo Israelense. Mas condenações não
interrompem o terrorismo. Para interromper o terrorismo precisamos
entender que terrorismo é simplesmente o sintoma, não a doença.
As críticas
pessoais a mim dirigidas, hoje em voga, podem ser altamente eficazes
para dar a israelenses uma desculpa para ignorar o próprio papel na
criação da presente situação. Mas essas críticas pouco contribuem
para impulsionar o processo de paz e, na verdade, não se destinam a fazê-lo.
Muita
gente acredita que Ariel Sharon, o primeiro-ministro de Israel, em face
de sua oposição a todo tratado de paz que Israel tenha assinado, atiça
as chamas da agitação, na tentativa de retardar indefinidamente a
volta às negociações.
Lamentavelmente
ele tem feito pouco para provar que elas estão erradas.
As práticas
do governo israelense, de construção de colônias, demolição de
casas, assassinatos políticos, fechamentos e o vergonhoso silêncio
diante da violência israelense e outras humilhações diárias
decididamente não visam a acalmar a situação.
Os
palestinos têm uma visão de paz: é uma paz baseada no fim total da
ocupação e na volta às fonteiras que Israel tinha em 1967, o
compartilhamento de toda a Jerusalém como cidade aberta e como a
capital de dois Estados, Palestina e Israel. É uma paz calorosa entre
dois iguais desfrutando de cooperação econômica e social mutuamente
benéficas. Apesar da brutal repressão dos palestinos nas últimas
quatro décadas, creio que quando Israel vir palestinos como iguais, e não
como povo subjugado sobre o qual pode impor sua vontade, tal visão se
concretizará. Na verdade, precisa concretizar-se.
Os
palestinos estão dispostos a acabar com o conflito. Estamos dispostos a
nos sentar à mesa com qualquer líder israelense, seja qual for sua
história, a fim de negociar a liberdade para os palestinos, o fim total
da ocupação, segurança para Israel e soluções criativas para a dura
sorte dos refugiados, enquanto ao mesmo tempo respeitamos as preocupações
demográficas de Israel.
Mas só
vamos sentar-nos à mesa em pé de igualdade, não como suplicantes;
como parceiros, não como submissos; como os que buscam uma solução
justa e pacífica, não como uma nação derrotada e agradecida por
quaisquer migalhas atiradas em nosso rumo. Pois, apesar da esmagadora
superioridade militar de Israel, possuímos algo até maior: a força da
justiça.
Yasser
Arafat foi eleito presidente da Autoridade Palestina em 1996 e é também
presidente da Organização de Libertação da Palestina (OLP)
Biblioteca
Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo
Comissão de Direitos Humanos
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