Manifesto
do Frei Caneca
(1824)
Reunião popular no Recife para
deliberar-se sobre o juramento do Projeto de Constituição.
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Algumas pessoas de patriotismo fogoso, sabendo ou conjeturando com bons
fundamentos, que a Câmara Municipal da Cidade do Recife se dispunha a
jurar e fazer jurar o Projeto de Constituição, que o Imperador
impunha, reuniram-se na Casa da mesma Câmara; e esta ausente, a
declaram deposta, e elegeram outra; tudo isto, se ilegalmente feito, o
fizeram todavia sem o menor barulho, e em serena tranqüilidade.
Dissemos se ilegalmente feita; mas no
estado que desorganização social, em que nos achávamos, pela dissolução
da Assembléia Constituinte, suposto o diverso modo de confeccionar-se a
Constituição Política do Brasil, modo novo e avesso do que tínhamos
proclamado e jurado, e conosco o Imperador, novidade e mudança a que não
aderíamos; que havia aí de rigorosamente ilegal, naquelas deposição
e eleição? Em tão extraordinárias circunstâncias toda a aplicação
e cuidado, todo o zelo e afago dos espíritos exaltados e atônitos
dirigiam-se a procurar e manter o bem e dignidade nacional, a vigiar e
defender a nossa honra, inteligência e direitos, à salvação da pátria,
podemos dizê-lo. Havia boa-fé, e a melhor intenção. Nem se pode
fugir de reconhecer, que posto a salvação da Pátria seja as mais das
vezes um pretexto para o despotismo ou a anarquia, não deixa algumas
vezes o emprego dessa suprema lei de ser um verdadeiro e saudável
recurso para a boa conservação e liberdade social.
Mas a quem se deve imputar, em última análise,
tais ilegalidades, se de qualificarmos assim aquelas deposição e eleição
não cabe desdizer-nos?
A nova câmara por editais, que repetidos
fêz afixar, e por inumeráveis cartas, que dirigiu a todas as
autoridades, empregados públicos de todas as classes, proprietários e
pessoas notáveis do seu distrito, convidou-os a comparecer no dia, que
marcou, na casa da mesma câmara, para ai livremente darem o seu voto
sobre a execução do decreto, que mandava jurar o projeto de constituição
política, que oferecera o imperador; pois que este magno assunto
pertencia a todos resolver, e não a ela só, e menos impor com o seu
voto e conduta aos cidadãos do seu município. Muitos dos convidados
por cartas deixaram de comparecer no dia aprazado, e pelos que
compareceram foi o negócio discutido, e afinal venceu-se, que se não
devia receber nem jurar o projeto; primeiro por ser iliberal, contrário
à liberdade, independência e direitos do Brasil, e apresentado por
quem não tem poder para o dar; e segundo por envolver o seu juramento
perjúrio ao juramento cívico, em que se prometeu reconhecer e obedecer
à assembléia constituinte e legislativa. Frei Joaquim do Amor Divino
Caneca leu o seu voto, e este impresso correu pelas mãos de todos;
ei-lo aqui: "Senhor presidente, tendo eu recebido a honra de ser
convidado por V. Ex.ª para, como membro do corpo literário desta
cidade, dar o meu voto sobre a matéria do decreto de S.M.I. e C. de 11
de março deste presente ano, pelo qual o dito senhor manda jurar, como
constituição do império do Brasil, o projeto feito pelo ministério e
conselho de estado, apareci neste lugar, não só para provar a V. Ex.ª
quanto prezei o seu convite, mas também para fazer ver aos meus
honrados compatriotas, que me não poupo a cooperar com eles para o bem
e felicidade da Pátria, quanto permitem minha fraqueza e meu estado; e
não tenho, nem passar por oráculo em uma assembléia que compreende
tantas pessoas acima de mim em princípios luminosos e sentimentos
liberais. Portanto, me abalanço a manifestar as minhas curtas e
mesquinhas idéias na esperança de que dos sábios merecerei correção,
e dos que não se acham nesta linha, desculpa e docilidade; digo pois;
que não se deve adotar, nem jurar como constituição do império o
projeto oferecido para este fim.
A certeza, em que estou, de falar entre
cidadãos livres, patriotas e coroáveis da verdade, é o sustentáculo
da liberdade e fraqueza, com que avanço esta proposição, que por mais
escabrosa que pareça aos ânimos prejudicados, e idólatras fanáticos
de antigos prejuízos, se fará aceitável, se me não engano, pelas razões,
que desenvolverei; e é a quanto aspiro.
Parecia-me, que seria útil, para melhor
estabelecer o meu voto, fazer aqui uma ligeira exposição das
vicissitudes e mudanças políticas, por que há passado a nossa Pátria,
o Brasil, desde que S. M. I. se dignou ficar conosco até agora; mas
respeitáveis senhores, lembrando-me que talvez a julgásseis supérflua,
por estardes ao fato de tudo, a deixei de mão e passo logo a tratar da
matéria. Falarei primeiramente da qualidade do presente projeto, quanto
posso alcançar, para ao depois examinar, se se deve ou não adotar.
Uma constituição não é outra coisa,
que a ata do pacto social, que fazem entre si os homens, quando se
ajuntam e associam para viver em reunião ou sociedade. Esta ata,
portanto, deve conter a matéria, sobre que se pactuou, apresentando as
relações, em que ficam os que governam, e os governados, pois que sem
governo não pode existir sociedade. Estas relações, a que se dão os
nomes de direitos e deveres, devem ser tais, que defendam e sustentem a
vida dos cidadãos, a sua liberdade, a sua propriedade, e dirijam todos
os negócios sociais à conservação, bem-estar e vida cômoda dos sócios,
segundo as circunstâncias de seu caráter, seus costumes, usos e
qualidade do seu território etc. Projeto de constituição é o
rascunho desta ata, que ainda se há de tirar a limpo, ou apontamentos
das matérias que hão de ser ventiladas no pacto; ou, usando de uma metáfora,
é o esboço na pintura, isto é, a primeira delineação, nem
perfilada, nem acabada. Portanto, o projeto oferecido por S. M. nada
mais é do que o apontamento das matérias, sobre que S. M. vai a
contratar conosco. Vejamos, portanto, se a matéria ai lembrada, suas
divisões e as relações destas são compatíveis com as nossas
circunstâncias de independência, liberdade, integridade do nosso
território, melhoramento moral e físico, e segura felicidade.
Sendo a nossa primeira e principal questão,
em que temos empenhado nossos esforços, brio e honra, a emancipação e
independência de Portugal, esta não se acha garantida no projeto com
aquela determinação e dignidade necessária; porque primeiro no
projeto não se determina positiva e exclusivamente o território do império,
como é de razão, e o tem feito sabiamente as constituições mais bem
formadas da Europa e América; e com isto se deixa uma fisga, para se
aspirar à união com Portugal; o que não só trabalham por conseguir
os déspotas da santa aliança e o rei de Portugal, como o manifestam os
periódicos mais apreciáveis da mesma Europa e as negociações do
ministério português com o do Rio de Janeiro e correspondência
daquele rei com o nosso imperador, com o que S. M. tem dado fortes indícios
de estar deste acordo, não só pela dissolução arbitrária e despótica
da soberana assembléia constituinte, e proibição da outra que nos
havia prometido, mas também, além de outras muitas coisas, porque se
retirou da capital do Império para não solenizar o dia 3 de maio,
aniversário da instalação da assembléia, que por decreto era dia de
grande gala; e no dia 13, dia dos anos do rei de Portugal, S. M. deu
beija-mão no paço e foi à Ilha das Enxadas, onde se achavam as tropas
de Portugal, vindas de Montevidéu, estando arvorada com o maior escândalo
a bandeira portuguesa; segundo porquanto ainda que no primeiro artigo se
diga, que a Nação brasileira não admite com outra qualquer laço
algum de união ou federação, que se oponha a sua independência,
contudo esta expressão é para iludir-nos; pois que o executivo, pela
sua oitava atribuição (art. 102) pode ceder ou trocar o território do
império ou de possessões, a que o império tenha direito, e isto
independentemente da assembléia geral; terceiro porque jurando o
Imperador a integridade e indivisibilidade do império, não jura a sua
independência.
Ao depois é este Juramento contraditório
com esta oitava atribuição, porque se S. M. jura a indivisibilidade do
Império, como pode ceder ou trocar o seu território? Só se isto se
deve entender de ceder o território do Império todo por inteiro e
passar-nos então a todos, com suas famílias e haveres, ou para os
desertos da Tartaria, ou para os da África, ou afinal lá para os
Botocudos, entregando as nossas cidades e vilas ao que com ele
contratar.
O art. 2.º não pode ser mais
prejudicial à liberdade política do Brasil; porque permitindo que as
províncias atuais sofram novas subdivisões, as reduz a um império da
China, como já se lembrou e conheceu igual maquiavelismo no projeto dos
Andradas o Deputado Barata; enfraquece as províncias, introduzindo
rivalidades, aumentando os interesses dos ambiciosos para melhor poder
subjugá-las umas por outras; e esta desunião tanto mais se manifesta
pelo art. 83, em que se proíbe aos conselhos provinciais de poderem
propor e deliberar sobre projetos de quaisquer ajustes de umas para as
outras províncias, o que nada menos é, que estabelecer a desligação
das províncias entre si, e fazê-las todas dependentes do governo
executivo, e reduzir a mesma nação a diversas bordas de povos
desligados e indiferentes entre si, para melhor poder em última análise
estabelecer-se o despotismo asiático.
O poder moderador de nova invenção
maquiavélica é a chave mestra da opressão da nação brasileira e o
garrote mais forte da liberdade dos povos. Por ele o imperador pode
dissolver a câmara dos deputados, que é a representante do povo,
ficando sempre no gozo dos seus direitos o senado, que é a
representante dos apaniguados do imperador. Esta monstruosa desigualdade
das duas câmaras, além de se opor de frente ao sistema constitucional,
que se deve chegar o mais possível à igualdade civil, dá ao
imperador, que já tem de sua parte o senado, o poder de mudar a seu bel
prazer os deputados, que ele entender, que se opõem a seus interesses
pessoais, e fazer escolher outros de sua facção, ficando o povo
indefeso nos atentados do imperador contra seus direitos, e realmente,
escravos, debaixo porém das formas da lei, que é o cúmulo da desgraça
como tudo agora está sucedendo na França, cujo rei em dezembro passado
dissolveu a câmara dos deputados, e mandando-se eleger outros, foram
ordens do ministério para os departamentos a fim de que os prefeitos
fizessem eleger tais e tais pessoas para deputados, declarando-se-lhes
logo, que quando o governo empregava a qualquer, era na esperança de
que este marchará por onde lhe mostrassem a estrada. Demais, eu não
posso conceber como é possível, que a câmara dos deputados possa dar
motivos para ser dissolvida, sem jamais poder dá-los a dos senadores. A
qualidade de ser a dos deputados temporária, e vitalícia a dos
senadores, não só é uma desigualdade, que se refunde toda em aumentar
os interesses do imperador, como é o meio de criar no Brasil, que
felizmente não a tem, a classe da nobreza opressora dos povos; a qual só
se tem atendido naqueles povos, que foram constituídos depois de já
terem entre si seus duques, seus condes, seus marqueses etc. E este é o
mesmo fim da atribuição undécima do poder executivo, que na minha
opinião é o braço esquerdo do despotismo, sendo o direito o ministério
organizado da maneira que se vê no projeto.
Podem os ministros de estado propor leis,
(art. 53) assistir a sua discussão, votar sendo senadores e deputados
(art. 54). Qual será a coisa, portanto, que deixarão eles de conseguir
na assembléia geral? Podem ser senadores e deputados, (art. 30)
exercitando ambos os empregos de senadores e ministros; e o mesmo se diz
dos conselheiros, (art. 32) ao mesmo tempo que o deputado, sendo
escolhido para ministro, não pode conservar um outro emprego; isto além
de ser um estatuto sem o equilíbrio, que deve de haver entre os
mandados e o mandante, é um absurdo em política, que aqueles que fazem
ou influem na fatura das leis sejam os mesmos que as executem; e não se
pode apresentar uma prova mais autêntica da falta de liberdade do
projeto, do que esta. É por este motivo, que diz o sábio cardeal
Maury, que: "Todo o cidadão que sabe calcular as conseqüências
dos princípios políticos, deve abjurar uma pátria em que aqueles que
fazem as leis, são magistrados, e onde os representantes do povo que têm
fixado a legislação, pretendem influir na administração da justiça."
A suspensão da sanção imperial a
qualquer lei formada pela assembléia geral por duas legislaturas (art.
65) é inteiramente ruinosa à felicidade da nação, que pode muito bem
depender de uma lei, que não deva admitir uma dilação pelo menos de
oito anos, muito principalmente quando vemos, que para a lei como
sancionada, pela dilação do tempo, é indispensavelmente necessário
que as duas legislaturas seguintes insistam a eito sobre a mesma lei
(art. 65).
A oitava atribuição do poder executivo,
que é de fazer tratados de aliança defensiva e ofensiva, levando-os
depois de concluídos ao conhecimento da assembléia geral, é de muito
perigo para a nação, pois que ela não interfere com o seu
conhecimento e consentimento em negócio que tanta importância, muito
principalmente quando se vê, que o mesmo executivo julga necessária a
aprovação prévia da assembléia geral para execução dos breves,
letras pontifícias, decretos e concílios, quando envolverem disposição
geral (art. 14).
A atribuição privativa do executivo de
empregar, como bem lhe parecer conveniente à segurança e defesa do império,
a força armada de mar e terra (art. 148), é a coroa do despotismo e a
fonte caudal da opressão da nação, e o meio de que se valeram todos
os déspotas para escravizar a Ásia e Europa, como nos conta a história
antiga e moderna.
Pelos arts. 55, 56, 57, 58 e 59, a câmara
doa deputados está quase escrava da dos senadores, e o remédio que se
aplica, no caso de discórdia, me parece paliativo, obscuro e impraticável.
Os conselhos das províncias são uns
meros fantasmas para iludir os povos; porque devendo levar suas decisões
à assembléia geral e ao executivo conjuntamente, isto bem nenhum pode
produzir às províncias; pois que o arranjo, atribuições e manejo da
assembléia geral faz tudo em último resultado depender da vontade e
arbítrio do Imperador que arteiramente avoca tudo a si, e de tudo dispõe
a seu contento e pode oprimir a nação do modo mais prejudicial,
debaixo da forma da lei. Depois, tira-se aos conselhos o poder de
projetar sobre a execução das leis, atribuindo esta, que parece de
suma necessidade ao conselho; pois que este mais que nenhum outro, deve
de estar ao fato das circunstâncias do tempo, lugar, etc., da sua província,
conhecimentos indispensáveis para a cômoda e frutuosa aplicação das
leis.
Estas são as coisas maiores, que minha
fraqueza pode descobrir no projeto em questão, e que eu julgo de sumo
perigo para a independência do império, sua integridade, sustentação
da liberdade dos povos e conservação sagrada da sua propriedade; e
estas mesmas coisas as expus sumariamente, ou levemente tocadas, por não
admitir a presente conferência discursos extensos. Talvez eu nestas
mesmas me engane, e não tenha idéias exatas, nem saiba combiná-las e
conceder-lhes a necessária relação, que há entre si, por cujo motivo
me pareça mau, opressor e contraditório o projeto; mas no entanto é o
que por ora entendo, e sendo chamado para dar o meu voto, hei de votar não
pelas idéias que os outros têm, sim pelas minhas; portanto digo, que
pelo que é em si esta peça de política, estes rascunhos de constituição
não se deve admitir.
Agora direi o mesmo por outro princípio,
a saber, pela fonte de que manou. É princípio conhecido pelas luzes do
presente século, e até confessado por S. M., que a soberania, isto é,
aquele poder, sobre o qual não há outro, reside na nação
essencialmente; e deste princípio nasce como primária conseqüência,
que a mesma nação é quem se constitui, isto é, quem escolhe a forma
do governo, quem distribui esta suma autoridade nas partes, que bem lhe
parece, e com as relações; que julga mais adequadas ao seu aumento,
segurança da sua liberdade política e sua felicidade; logo é sem
questão, que a mesma nação, ou pessoa de sua comissão, é quem deve
esboçar a sua constituição, purificá-la das imperfeições e afinal
constitui-la; portanto como S. M. I. não é nação, não tem
soberania, nem comissão da nação brasileira para arranjar esboços de
constituição e apresentá-los, não vem este projeto de fonte legítima,
e por isso se deve rejeitar por exceção de incompetência. Muito
principalmente quando vemos, que estava a representação nacional
usando da sua soberania em constituir a nação, e S. M. pelo mais
extraordinário despotismo e de uma maneira a mais hostil dissolveu a
soberana assembléia e se arrogou o direito de projetar constituições.
Reflito, que só a ação de escolher por
si a matéria do pacto social, e dá-lo, como faz S. M., é um ato da
soberania, que ele não tem. Isto é uma conseqüência imediata da
soberania da nação, como pode ocorrer a qualquer que pensar por alguns
minutos neste negócio; mas se fossem precisos argumentos externos, além
de outros muitos, que por abreviar eu calo, basta lembrar o autor das
reflexões contra os redatores do investigador Português da Inglaterra,
o qual prova forte e justamente, que as cortes de Lamego, e outras de
Portugal nunca tiveram o poder legislativo, como as câmaras dos pares e
comuns da Inglaterra, porque os reis de Portugal foram os que nas cortes
propuseram a matéria das ordenações e das leis. Em segundo lugar, que
em S. M. não há atribuição alguma, donde se possa deduzir o poder de
nos dar constituição e mandá-la jurar, porquanto o título de
imperador, com que o Brasil extemporaneamente o condecorou, não foi
mais que uma declaração antecipada de que ele seria o chefe do poder
executivo no sistema constitucional, que proclamamos, com um certo poder
provisório, que se fazia indispensável para preparar a nação para o
efeito de se constituir como mesmo S. M. confessou no dia 3 de maio da
abertura da assembléia soberana, o qual poder provisório cessou com a
abertura da assembléia, e as atribuições que ele teria, ainda haviam
de ser declaradas pela mesma assembléia; é por isso que S. M a
dissolveu: as suas atribuições são tudo aquilo, que lhe adquirem as
suas armas, e lhe cederem a fraqueza e medo dos povos.
S. M. está tão persuadido, que a única
atribuição, que tem sobre os povos, é esta do poder da força, a que
chamam outros a última razão dos estados, que nos manda jurar o
projeto com um bloqueio à vista, fazendo-nos todas as hostilidades; por
cujo motivo não se deve adotar nem jurar semelhante esboço de
constituição, pois o juramento para ligar em consciências, e produzir
seu efeito, é indispensavelmente necessário ser dado em plena
liberdade, e sem a menor coação; e ninguém jamais obrou livremente
obrigado da fome, e com bocas de fogo aos peitos.
Ainda que, Ilustre senhores, para se
estabelecer uma verdade, não se faca mister multidão de provas,
contudo há ocasiões, em que ela deve ser encarada por todos os lados,
muito principalmente quando é de tanta monta como esta, e pode produzir
conseqüências funestíssimas; e além disto, correm impressos
sedutores, que se esforçam em sustentar o erro, adornando-o com as
galas emprestadas da verdade e da justiça. Portanto, ainda vos lembro,
que este juramento vos conduziria a um horroroso perjúrio, que vos
tornará detestáveis à face dos homens.
Vós, senhores, no dia 17 de outubro de
1822, na Igreja matriz do Sacramento, dissestes - Nós juramos perante
Deus, seus sacerdotes e altares, adesão à causa geral do Brasil, e seu
sistema atual, debaixo dos auspícios do Sr. Pedro, príncipe regente
constitucional, e defensor perpétuo do Brasil, a quem obedecemos; e
assim juramos reconhecer e obedecer as cortes brasilianas constituintes
e legislativas, e defender a nossa pátria, liberdade e direitos ate
vencer ou morrer."
Como agora podereis jurar uma carta
constitucional que não foi dada pela soberania da nação, que vos
degrada da sociedade de um povo livre e brioso para um valongo de
escravos e curral de bestas de carga? Um projeto, que destrói a vossa
categoria no meio das nações livres do orbe? Seria injusta a matéria
do primeiro juramento para não vos ligar? Ou estareis agora loucos
rematados? Ou haverá poder, que, dispensando-vos do primeiro juramento,
possa de vós exigir o segundo? Onde está vossa moral, vossos costumes,
vossa religião? Se tal desgraça sucedesse, como olhariam para nós os
outros povos nossos conterrâneos e externos? Quem quererá contratar
com um povo tão imoral e tão sem respeito aos laços mais sagrados da
sociedade, e tão sem acatamento para a religião de que faz glória?
Tenho ouvido a algumas pessoas, que se
pode jurar o projeto, à exceção daqueles artigos, que ofendam os
nossos interesses. Isto ou é uma velhacaria, para por este jeito
manhoso nos lançarem os ferros do cativeiro; ou uma Ignorância pueril,
que merece compaixão. Porque havendo-se demonstrada, que este artefato
político é um sistema de opressão; que os principais anéis desta
cadeia, são inteiramente destruidores da nossa independência, da
integridade do Brasil, liberdade política e civil, tem-se feito ver que
o sistema é mau, opressor e ruinoso, e portanto inadmissível, bem que
hajam alguns elos intermédios, que sejam bons, como se vêm alguns nas
disposições gerais. Depois disto, esperar-se, que o imperador, que
teve a valentia de dissolver a assembléia constituinte com o maior escândalo
da razão, da justiça e da constitucionalidade jurada; que se arrogou a
monstruosa atribuição de dar constituição a quem não devia dar, se
abaixe a reformar o seu projeto por representação daqueles, que ele
julga com o dever de lhe obedecer cegamente.
Se esta reflexão não vos convence de
que o oferecimento do projeto às câmaras para ser discutido era ilusório,
e sem o sincero desejo de o reformar conforme as anotações dos povos,
eu me lembro, senhores, que a capital da Bahia depois de tantos sacrifícios
de sua honra e dignidade, depois de tanto servilismo, não mereceu a
reforma de dois únicos artigos que requereram, e tiveram do ministro do
império a seguinte resposta: - "É conquanto desejasse S.M.I.
poder responder já a esta representação, manda pela secretaria de
estado dos negócios do império particular à sobredita câmara, que
requerendo todas as outras, se jure o projeto sem restrição, não é
possível por ora fazer nele mudança alguma, não havendo inconveniente
em que se remetam essas observações, para quando se fizer a revisão
marcada no mesmo projeto". (Cart. de 11 de março de 1822).
É por todas estas razões, que eu
sou de voto, que se não adote e muito menos jure o projeto de que se
trata, por ser inteiramente mau, pois não garante a independência do
Brasil, ameaça a sua integridade, oprime a liberdade dos povos, ataca a
soberania da nação, e nos arrasta ao maior dos crimes contra a
divindade, qual o perjúrio, e nos é apresentado a maneira mais coativa
e tirânica."
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Frei Joaquim do Amor Divino Caneca
Lente de Geometria.
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