
Direitos Humanos antes da Declaração Universal
O esforço para atingir
a justiça entre os homens se confunde com a própria história
das sociedades, criando a verdadeira gênese dos Direitos Humanos.
Antígona, contrariando as leis do Estado,
enterra o irmão que deveria ficar entregue aos abutres. Após
enterrá-lo, sua outra irmã, Ismene, pergunta porque ela desobedecera
a lei. Em resposta, Antígona diz que não nasceu para o ódio,
mas sim para o amor. Respondendo ao rei Creon, completa o raciocínio
afirmando que obedeceu uma lei que não é de ontem nem de hoje,
mas de sempre. A peça de Sófocles ilustra o primeiro tema da
reflexão grega: a justiça, a busca do equilíbrio entre o muito
e o muito pouco. O fato da pontuação de Antígona se dar na palavra
amor determina uma condição fundamental na espécie humana. Essa
condição, apresentada das mais diversas maneiras durante a história,
forma o caldo de cultura que permite ao homem da Idade Moderna
desenvolver idéias de igualdade e liberdade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
tem sua gênese freqüentemente associada à Idade Moderna, com
a criação dos direitos naturais. Porém, a questão deste ponto
de partida, se analisada de uma forma mais abrangente do que
pelo recorte legal, nos apresenta uma perspectiva muito mais
ampla.
Antes de seguir este caminho, é preciso
entender dois conceitos. O primeiro é a ligação direta que tiveram
os legados gregos e romanos para a formação do pensamento moderno.
A democracia grega ao lado do direito romano, que sedimentara
a tradição judaico - cristã, formam a base do pensamento ocidental.
O segundo como observou Ortega y Gasset, reside no fato da Europa
crescer dialogando com o Oriente. O exemplo mais contundente
deste fato é a convivência entre cristãos, judeus, muçulmanos
e ciganos na Península Ibérica, durante a Idade Média.
ORIENTE
O esforço humano para se organizar socialmente
pode ser considerado o primeiro passo para fugir à barbárie
e perceber o outro: caminho fundamental para a própria descoberta
humana e de seus direitos naturais. Para se organizar, as primeiras
sociedades se fundamentaram de formas distintas. Na Babilônia,
por exemplo, tem-se o primeiro registro da tentativa de se buscar
a justiça com o Código de Hammurabi (1730 - 1685 a.C.), onde
se lê que Hammurabi veio para "fazer brilhar a justiça
(...) para impedir o poderoso de fazer mal aos débeis".
O Corão, por sua vez, une à justiça a idéia da responsabilidade
universal do homem pela vida: "quem matar uma pessoa que
não tenha cometido nem crime nem pecado grave será como se tivesse
matado toda a humanidade. Quem salva a vida de um homem é como
se tivesse salvado a vida de toda a humanidade".
Contudo, nem todas as sociedades antigas
orientais se fundamentavam em códigos. Na China, o confucionismo
pauta a conduta dos homens pela via prática. Os ensinamentos
de Confúcio (551? - 479 ? a.C.) nunca perderam a perspectiva
do outro: "não faças ao outro o que não quiseres que façam
contigo. Não haverá então queixa contra ti no Estado nem em
família".
OCIDENTE A
idéia de justiça grega, ou a busca do equilíbrio, ganha ainda
mais força na civilização ocidental a partir do cristianismo,
que por sua vez assimilou toda a cultura hebraica, composta
não só do Velho Testamento como do Talmude. Enquanto a bíblia
hebraica aponta os judeus como os servos de Deus, o Talmude
comenta "mas não servos para servos", numa rebelião
explicita à idéia vigente de escravidão, promovendo desta forma
a justiça. Essa idéia ganha força ainda maior com o ensinamento
cristão do amor por todas as criaturas. Como demonstra a epístola
de João, "quem ama Deus, ama também o seu irmão".
O amor e o perdão são dois aspectos que nortearam o pensamento
humano da Antigüidade Clássica (Grécia e Roma) até o final do
século XIX, quando o materialismo ganha força. Assimilado pelos
povos bárbaros, o ideário cristão serve de esteio à eclosão
do racionalismo.
MODERNIDADE
Todas essas idéias de amor e justiça que
assombraram o espírito humano, muitas vezes de forma transcendente
e metafísica, ganharam o corpo de direitos durante a Idade Moderna.
O primeiro documento que reconhece explicitamente os direitos
naturais é o "Bill of Rights", declaração de direitos
inglesa, proclamada em 1689. O grande avanço desta Carta é a
extinção do direito divino dos reis e a idéia do freeborn englishmen
(inglês livre por nascença). Embora reconheça as liberdades
naturais dos ingleses, ela exclui todos os outros povos.
Em 1789 é dado um grande passo para a universalização
dos direitos durante a Revolução Francesa, quando a Assembléia
Nacional declara os Direitos do Homem e do Cidadão, válida para
todos os indivíduos. Essa Declaração, na prática, não garantiu
de fato todos os direitos "naturais", inalienáveis
e sagrados do homem".
O caso de Olympe de Gouges, que em 1791
propõe uma declaração dos direitos da mulher e acaba guilhotinada,
exprime bem as lacunas da Declaração. Nesse mesmo ano, são ratificadas
as dez primeiras emendas à Constituição americana, que determinam
com clareza os limites do Estado e definem os campos aos quais
a liberdade deve ser estendida aos cidadãos. Embora as emendas
garantam liberdade de culto, de palavra, de imprensa, de reuniões
pacíficas e de se dirigir aos ingleses, ainda promovem distinção
entre os homens, já que não aboliram a escravatura.
Esses três documentos são a base da Declaração
dos Direitos Humanos de 1948. Fortemente influenciado pelo horror
e violência da primeira metade do século, sobretudo pelas atrocidade
cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a Declaração estende
a igualdade a todos os humanos, incluindo direitos nos campos
econômicos, sociais e culturais.
JORNAL DA REDE
(Dezembro de 1998)
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