Jornal
de Natal – Caderno de informática – 01.05.1995 –
pág. D 1
BBS
ENGAJADA
INFORMÁTICA
REFORÇA OS DIREITOS HUMANOS
A
partir de hoje. com a inauguração da BBS Direitos Humanos
e Cultura, uma central eletrônica de serviços que o
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP)
coloca à disposição dos usuários de computador, o
Rio Grande do Norte passa a integrar da maneira mais
original a malha planetária de computadores que forma o
sistema lnternet, no qual o Brasil ,ingressa oficialmente
também a partir de hoje, via Embratel.
Como
o acesso individual á Internet exige dos iniciantes certa
dose de prudência. a filiação a uma BBS (Bulletin
Board System). que é uma espécie de banco de dados
interativo. como a do Centro de Direitos Humanos toma-se
mais aconselhável. com a vantagem de se aproveitar a
diversificada pauta de assuntos do seu menu, sendo alguns
dos seus itens absolutamente inéditos.
Com
apenas o micro conectado a uma linha telefônica por
fax-modem, o usuário poderá ter acesso à BBS do CDHMP,
sem pagar nada, podendo navegar por 20 minutos, a
qualquer hora de hoje, dia da inauguração, por todo o
acervo já instalado.
“Neste
dia 1º de maio, como é inauguração, a BBS ficará disponível
durante todo o dia. passando a receber os usuários. a
partir de amanhã, das 18h às 08h da manhã. Numa Segunda
fase, a BBS Direitos Humanos e Cultura estará disponível
em qualquer horário, todos os dias”, explica o técnico
em computação Carlos Andrade Freitas. responsável
pela montagem técnica da central. “Se a pessoa quiser
fazer o cadastro, pagará urna taxa mensal, podendo tirar
todas as informações que a BBS oferece, assim como
interagir, colocando as informações que quiser. Maiores
informações podem ser obtidas pelo telefone 221-5932”,
informa Carlos Andrade, adiantando que, se as BBS
existentes tão mais genéricas. sem uni tema fixo,
voltadas para pessoas que gostam de computador, que ali
vão colocar e apanhar programas, a BBS Direitos Humanos e
Cultura vai além das BBS comuns, pela diversificação
de temas que oferece.
ENGAJAMENTO
Explicando
que a BBS funciona como se fosse um rádio EM cm
computador. oferecendo, contudo, além do som, imagens em
movimento e cores - “só não tem cheiros” -, o
secretário-executivo do CDHMP. economista Roberto
Monte, adianta que a BBS Direitos Humanos e Cultura
emerge dos movimentos populares organizados, utilizando,
em termos tecnológicos, o que há de mais avançado.
“Não
é a toa que a gente está inaugurando a BBS do Centro no
dia 1º de maio, por ser o Dia do Trabalhador. É porque a
nossa, na verdade, é uma BBS engajada, uma BBS dos
excluídos. A gente está querendo discutir, agora com
muito mais pessoas, aquilo que sempre se discutiu,
utilizando-se agora de um novo tipo de linguagem. Se nos
anos 80 a onda era o vídeo. agora a gente está, antes de
todos, discutindo a questão dos direitos humanos. a
questão da cidadania, a questão do homem integral, de
Theilard de Chardin, em termos de computador. Nós não
somos neutros, somos uma BBS engajada. Trabalhamos com
uma segmentação e queremos colocar a nossa visão de
mundo, a visão dos excluídos, bem no esquema da
Campanha da Fraternidade. E queremos dar espaço a quem
não tem vez e
não tem voz”, informa Monte.
Assim
é que além dos arquivos de direitos humanos, contendo
uma verdadeira biblioteca jurídica, orientando como
fazer um habeas corpus, como agir diante da
violência policial, da violência contra as mulheres,
enfrentando as questões do deficiente. do negro e dos
homossexuais, entre outros. Roberto adianta que a BBS também
cria fóruns para discutir a poesia, indo além dos
direitos e colocando para discussão os desejos.
HOMEM
NOVO
“A
gente está querendo criar um espaço de aglutinação
para movimentos que, de alguma forma, tentam trabalhar o
homem novo. Não estão discutindo uma nova ótica? Pois
eu quero discutir o homem novo. Porque tecnologia está
sempre nova, na visão desses caras. Agora, para nós,
mais importante do que o ter, é o ser. E eu
estou sendo, fazendo parte desse grupo que começa a
discutir, dentro da forma de Internet e tudo, a questão
da integralidade do homem. Para acessar, precisa-se de um
computador de qualquer tipo, de uma placa de
comunicação, um modem e um programa de comunicação. A
gente vai utilizar esse programa de comunicação,
através da placa e do modem, fazendo a ligação entre o
computador pessoal com o computador da BBS”.
Na
área cultural, a grande novidade são os bancos de dados
interativos, onde o usuário encontrará desde um arquivo
de contos, organizado por Tarcísio Gurgel, a um de
poesia, editado por Horácio Paiva, um de charges e histórias
em quadrinhos, aos cuidados de Emanoel Amaral, a
Biblioteca da Paz, montada por Washington Araújo, sem
falar nos arquivos especializados em cordel, ecologia,
teatro e alimentação popular.
“Além
dos desejos, a gente quer trabalhar os direitos culturais
como um direito humano. Temos a Biblioteca da Paz. Segurança
Pública. Violência Criminalizada e a questão dos mortos
e desaparecidos políticos, mas logo depois a gente vai
fazer um fórum sobre os desejos humanos. A gente acha que
os direitos têm que ser ultrapassados. Se os movimentos
trabalham os direitos humanos de terceira geração, a
gente já quer os de quarta, quer ir mais adiante: quer
os desejos dos povos. E de alguma forma a discussão dos
Titãs: a gente não quer apenas casa, comida; a gente
quer diversão e arte. E também quer lazer. Porque na
nossa sociedade, às vezes, a pessoa que discute muito
lazer é tomada como se fosse um preguiçoso ou um vagabundo.
E assim só se trabalha para sobreviver”.
PRATICA NOVA
Roberto
Monte admite que se torna “complicado” falar-se em “robótica”.
“telemática” ou “interatividade” num país onde
ainda falta água ou onde a água chega de trem, ou onde
ainda se registra a presença de ‘lombrigas”. “É
uma coisa meio louca”, confirma. Mas acredita no
trabalho da BBS Direitos Humanos e Cultura como “um
projeto mais amplo de confluência dos excluídos da
sociedade”.
“Acho
que toda prática nova tem que estar alicerçada em idéias
novas. Não vejo muita diferença entre o que a gente
está tentando fazer com o que Maiakóvskv fazia entre os
anos 15 e 20, na Revolução Russa, ou como Djalma
Maranhão fazia nos anos 60. Assim como existem os
sem-terra, existem agora os ‘sem-tela’, que seriam os
‘excluídos tecnológicos’. Porque uma discussão
bem interessante, colocada por Ivan Ilycht nos anos 50,
60, era a questão da apropriação do saber. No momento
em que um grupo vinculado a movimentos de base discute
uma tecnologia de ponta. a gente também vai desmistificar
a questão da comunicação. Porque a comunicação, num
veículo de exploração, a gente tenta reverter esse
lance da opressão, transformando o veículo enquanto
meio num veículo de libertação. Numa linguagem bem
teológica da libertação. A gente tem um corte muito
claro: numa sociedade de excluídos e de exclusores, de
pessoas que oprimem e de oprimidos, nós estamos do lado
dos lascados. Estamos do lado dos excluídos. E vamos ser
a ferramenta, vamos ser o fermento, como se dizia
antigamente, exatamente para levantar essa discussão”,
resume.
No
momento em que, no Brasil, 300 BBS estão querendo
discutir pela ótica do neoliberalismo, explica Monte, o
CDHMP aparece entre as redes como um contraponto, colocando-se
como uma semente, como se estivesse em plena caatinga e,
por uma questão de autodefesa, fazendo enriquecimento
de plutônio...
“Onde
é que você encontraria um guia lhe dando dicas para
quem é deficiente físico?” - indaga. “Onde você
teria um guia de proteção aos gays? Onde você teria uma
espécie de vademecum, como dizem os de notório saber
jurídico, com as questões da violência doméstica, a
violência sexual?. Temos que ser guerrilheiros em termos
de método e de mentalidade, para contrapor-se à
pasteurização do mundo. Recusamo-nos a ser padrão. Sei
que o que estamos fazendo aqui em Natal é uma coisa
pequena, mas é uma coisa que tem alma. E é isto que
está faltando”. (Paulo Augusto).
|