DESPEDIDA
A Última Prédica
Antônio Conselheiro
Praza aos céus que abundantes frutos
produzam os conselhos que tendes ouvido; que ventura para vós se assim
o praticardes; podeis entretanto estar certos de que a paz de Nosso
Senhor Jesus Cristo, nossa luz e força, permanecerá em vosso
espírito: Ele vos defenderá das misérias deste mundo; um dia
alcançareis o prêmio que o Senhor tem preparado(se converter-des
sinceramente para Ele) que é a glória eterna.
Como não ficarei plenamente satisfeito sabendo da vossa conversão, por
mim tão ardentemente desejada. Outra cousa, porém, não é de esperar
de vós à vista do fervor e animação com que tendes concorrido para
ouvirdes a palavra de Deus, o que é uma prova que atesta o vosso zelo
religioso. Antes de fazer-vos a minha despedida, peço-vos perdão se
nos conselhos vos tenho ofendido. Conquanto em algumas ocasiões
proferisse palavras excessivamente rígidas, combatendo a maldita
república, repreendendo os vícios e movendo o coração ao santo temor
e amor de Deus, todavia não concebam que eu nutrisse o mínimo desejo
de macular a vossa reputação. Sim, o desejo que tenho da vossa
salvação (que fala mais alto do que tudo quanto eu pudesse aqui
deduzir) me forçou a proceder daquela maneira. Se porém se acham
ressentidos de mim, peço-vos que me perdoeis pelo amor de Deus. É
chegado o momento para me despedir de vós; que pena, que sentimento
tão vivo ocasiona esta despedida em minha alma, à vista do modo
benévolo, generoso e caridoso com que me tendes tratado, penhorando-me
assim bastantemente! São estes os testemunhos que me fazem compreender
quanto domina em vossos corações tão belo sentimento! Adeus povo,
adeus aves, adeus árvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que
bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais se
apagarão da lembrança deste peregrino, que aspira ansiosamente a vossa
salvação e o bem da Igreja. Praza aos céus que tão ardente desejo
seja correspondido com aquela conversão sincera que tanto deve cativar
o vosso afeto. |