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 O FUTURO DA
                  MORTE James J. HughesEspecial para o "Journal of Evolution and Technology"
 Sumário
                   A
                  erosão da Morte
                   Além do antropocentrismo
                   Mortos
                  Cerebrais e Congelados
                   Não-Pessoas
                   Legalmente
                  Mortos
                   Definições desmoronando
                    
                   A tecnologia está
                  problematizando a morte. A tecnologia oferece condições de
                  congelamento entre a vida e a morte que antes só haviam sido
                  consideradas na mitologia, na fantasia ou na filosofia. Até o
                  advento do respirador artificial, a cessação da respiração
                  espontânea levava imediatamente à cessação da circulação
                  e a dano cerebral irreversível. Desde os anos 60, expandimos
                  constantemente as áreas cinzentas entre a vida e a morte,
                  estabilizando uma série de processos no até então
                  inexorável trajeto da vida ao pó.A tecnologia realmente não criou essa área cinzenta, mas a
                  ampliou e a tornou evidente. A morte sempre foi um processo,
                  mais que uma situação binária. Na visão budista ou
                  parfitiana (de Derek Parfit, professor de filosofia da
                  Universidade de Nova York), que eu adoto, não há uma
                  identidade essencial ou real nas coisas.
 Os limites que traçamos ao
                  redor da "vida" e do "self" são
                  arbitrários, motivados por interesses e objetivos
                  específicos. A vida e o "self" não têm uma
                  realidade essencial que possa ser claramente discernida ou
                  limites que possam ser marcados definitivamente. Há,
                  sobretudo, uma variedade de processos envolvidos em nascer ou
                  morrer, processos envolvidos na ilusão da identidade
                  contínua do "self". As linhas traçadas têm a ver
                  principalmente com a política, a economia, a cultura e a
                  tecnologia dos que as desenham. Essa foi a posição adotada
                  por Robert Ettinger, em seu manifesto de 1965 do movimento
                  criônico, "The Prospect of Immortality" (A
                  Perspectiva de Imortalidade). Embora ele tenha alegado a
                  natureza ilusória do "self", também sentiu o
                  desejo apaixonado de persistir na ilusão da existência
                  pessoal contínua. Em conseqüência, propôs congelar o corpo
                  e, mais especificamente, o cérebro das pessoas logo após a
                  morte. Se o congelamento preservasse informações
                  neurológicas críticas da identidade, uma futura tecnologia
                  poderia reparar os tecidos danificados e fazer o congelado
                  reviver. Ettinger e crionistas
                  posteriores afirmaram que os congelados devem ser considerados
                  pacientes vivos à espera de tratamento. Atualmente, cerca de
                  cem "pacientes" estão "suspensos crionicamente"
                  nos EUA, e organizações criônicas estão crescendo na
                  América do Norte e na Europa. Cerca de mil americanos se
                  inscreveram em organizações criônicas para serem suspensos
                  quando morrerem. Angariou-se dinheiro para a construção de
                  uma instalação criônica capaz de conter 900 corpos e/ou
                  cabeças congelados. Os crionistas enfrentam muitos
                  desafios. Governos estaduais e médicos os tratam com desprezo
                  e ironia. O público rejeita o aspecto mórbido dos "mortos-vivos",
                  enquanto muitos cientistas e médicos concluíram que os danos
                  aos tecidos causados pela formação dos cristais de gelo
                  destruiriam células demais, tornando irrecuperáveis o corpo
                  ou o cérebro. Pesquisadores de criônica vêm aperfeiçoando
                  lentamente métodos menos destrutivos de congelamento e
                  substâncias crioprotetoras para preservar o tecido cerebral. Um grande progresso para a
                  aceitação da criônica ocorreu com a publicação em 1986 do
                  plano de nanotecnologia de Eric Drexler, "Engines of
                  Creation" (Motores de Criação). Drexler, que é um
                  crionista, incluiu no texto uma discussão sobre a viabilidade
                  de reparar por meio de nanotecnologia um tecido danificado
                  pelo gelo. Posteriormente, ele e outros destacados defensores
                  da nanotecnologia do Instituto Foresight forneceram sólidas
                  bases científicas para a afirmação de que os congelados por
                  meio das técnicas atuais poderão ser revividos dentro de 30
                  a 70 anos. A definição de morte está
                  mudando rapidamente com o avanço da tecnologia de
                  manutenção e reparo dos pacientes com lesão cerebral. Os
                  principais teóricos da morte cerebral recentemente
                  concluíram que a iniciativa para definir um padrão final de
                  morte deve ser abandonada em favor de um conjunto de perguntas
                  mais pragmáticas: quando alguém está "suficientemente
                  morto" para interromper o suporte à vida, transplantar
                  órgãos, efetivar testamentos e enterrar o corpo?O avanço da tecnologia de cuidados essenciais também está
                  desafiando a irreversibilidade. As atuais definições de
                  morte cerebral têm como predicado a suposição de que esses
                  pacientes não podem se manter em vida física, mas hoje está
                  demonstrado que isso não é verdade. As tecnologias
                  emergentes para tratamento de danos cerebrais aprofundarão o
                  dilema das atuais leis e práticas sobre a declaração de
                  morte cerebral. As condições antes consideradas como morte
                  passarão a ser reversíveis, exigindo a elaboração de novas
                  leis, definições e práticas relativas à morte.
 A erosão da morte Logo depois da proposta do
                  padrão de morte cerebral (Beecher, 1968), formaram-se grupos
                  para debater quanto o cérebro precisa estar destruído para
                  que um paciente seja declarado morto. Veatch (1975) abriu a
                  discussão dizendo que seres humanos deveriam ser declarados
                  mortos quando tiverem perdido a capacidade de interagir
                  significativamente com os outros humanos. Veatch recebeu o
                  apoio de um pequeno grupo de "neocorticalistas".
                  Esses afirmaram que o limite legal da morte deveria ser o
                  estado de inconsciência permanente, que marca a morte da
                  pessoa. Em resposta, partidários do
                  "cérebro inteiro" defenderam um padrão que exige a
                  completa morte cerebral. Esse padrão foi posteriormente
                  endossado pela Comissão Presidencial para o Estudo de
                  Problemas Éticos na Medicina e Pesquisa Biomédica e
                  Comportamental, em seu relatório "Defining Death"
                  (Definindo a Morte), de 1981, e inscrito no Decreto de
                  Declaração de Morte, que foi aprovado em 36 Estados
                  norte-americanos. O debate nas décadas de 70 e
                  80 deixou claro que a vantagem do padrão do cérebro inteiro
                  não é a coerência ética, mas o pragmatismo. O padrão do
                  cérebro inteiro era mais fácil de operacionalizar, tendia
                  conservadoramente para o lado da vida e foi considerado a
                  mudança mais radical que o público poderia tolerar. A
                  definição de cérebro inteiro foi desde o princípio um
                  compromisso entre os que preferiam uma definição neocortical
                  e os que preferiam a definição somática de morte. O padrão de cérebro inteiro
                  foi adotado como um compromisso entre os três campos: morte
                  corporal, morte do cérebro inteiro e morte neocortical. O
                  padrão de morte do cérebro inteiro foi apresentado para os
                  neocorticalistas como uma versão conservadora de seu padrão:
                  se o cérebro inteiro estivesse morto, não haveria
                  possibilidade de recuperação da consciência. Para os
                  defensores da morte corporal, afirmou-se que a morte do
                  cérebro inteiro destrói processos autônomos e conduz,
                  inexoravelmente, à cessação da respiração e da
                  circulação: a morte do cérebro inteiro seria simplesmente
                  uma extensão do padrão anterior. Na década de 90, porém, houve
                  uma erosão da posição do cérebro inteiro, ao menos nos
                  círculos em que é debatida. A erosão derivou de uma
                  variedade de problemas crescentes. Um desafio foi o conceito
                  de reversibilidade como critério para a morte. Durante
                  décadas ficou claro que alguns pacientes foram declarados
                  mortos porque eles, seus responsáveis e seus médicos não
                  queriam revivê-los, mesmo quando poderiam ter sido
                  ressuscitados. Essa admissão foi codificada na "Ordem de
                  Não Ressuscitar" (DNR, na abreviação em inglês). Os cirurgiões da Universidade
                  de Pittsburgh deram o próximo passo lógico. Em 1992, o
                  centro médico dessa universidade aprovou uma diretriz
                  permitindo que os pacientes com doenças terminais ou lesões
                  cerebrais fossem inscritos para se tornar "doadores sem
                  batimento cardíaco" (NHBDs, na sigla em inglês), caso
                  suas doenças permitissem o uso de seus órgãos. Os pacientes
                  não preenchem o critério de morte cerebral, mas têm danos
                  cerebrais que os tornam dependentes de ventilação. O
                  procedimento é colocá-los num ambiente cirúrgico, desligar
                  o respirador, esperar dois minutos e então iniciar os
                  procedimentos para preservar e remover seus órgãos. Assim
                  como na DNR, a morte não é declarada porque é tecnicamente
                  irreversível, mas porque se decide não revertê-la. O procedimento NHBD se
                  disseminou por dezenas de outros hospitais, e houve grande
                  debate sobre sua aceitabilidade ética. Em resposta, alguns
                  céticos importantes mudaram para a posição de que a morte
                  se tornara irrelevante. Notadamente os bioéticos Robert
                  Arnold e Stuart Youngner (1993) afirmaram que a regra do
                  doador morto deveria ser abandonada. Wikler (1988), por
                  exemplo, indica a circularidade de definir esses corpos como
                  "mortos" cujo tratamento desejamos suspender, e
                  então suspender o tratamento dos "mortos". O
                  protocolo de Pittsburgh amplia a atual definição de morte
                  porque os órgãos vitais só são retirados de doadores
                  mortos com permissão, e não temos autorização para
                  "matar" um paciente para salvar outro. Linda Emanuel (1995), da
                  Associação Médica Americana, propôs que a lei seja
                  redefinida para reconhecer uma "zona de morte" entre
                  a inconsciência permanente e a cessação da respiração.
                  Dentro dessa zona seria permitido que as pessoas
                  estabelecessem suas próprias definições de morte, admitindo
                  a suspensão do tratamento e a remoção de órgãos até a
                  inconsciência permanente. Ninguém deve sofrer eutanásia se
                  estiver acima dessa zona, e ninguém deve ser enterrado ou
                  cremado antes de parar de respirar.Outra linha desafiadora para a posição do cérebro inteiro
                  veio dos defensores do padrão de morte da circulação e da
                  respiração. Por exemplo, Alan Shewmon (1998), neurologista
                  na Universidade da Califórnia em Los Angeles, demonstrou que
                  alguns pacientes sobrevivem mais de dez anos depois de ter
                  diagnosticada a "morte cerebral". A pesquisa de
                  Shewmon demonstra que não há nada essencial no cérebro para
                  a regulação e a manutenção do corpo.
 Os defensores do cérebro
                  inteiro afirmam que esse padrão estaria intimamente ligado à
                  morte somática, já que a morte do cérebro inteiro levaria
                  inevitavelmente à morte somática. Já se revelou que essa
                  ligação é enganosa. Se a separação do cérebro de sua
                  função na integridade somática fosse equivalente à morte,
                  diz Shewmon, condições como "transecção da junção
                  cérvico-medular mais vagotomia", com a completa
                  separação do cérebro da coluna vertebral, também seria
                  equivalente à morte, embora o paciente permaneça consciente
                  e o corpo continue funcionando. Tecnologias emergentes de
                  tratamento neurológico logo provocarão uma crise total do
                  infeliz padrão de morte do cérebro inteiro. Pesquisas com
                  células-tronco demonstraram que o cérebro tem a capacidade
                  de gerar novas células pluripotentes para reparar danos
                  cerebrais, e que essas células migram para as áreas
                  danificadas, assumindo as funções necessárias. Vetores
                  adenovirais têm sido usados com sucesso para introduzir
                  fatores de crescimento de nervos e estimular esse crescimento
                  em áreas lesionadas. Pesquisas conseguiram bloquear cadeias
                  químicas que em geral suprimem a regeneração de neurônios
                  no sistema nervoso central. Dentro de uma década, deveremos
                  ver próteses neurais capazes de assumir as funções de
                  tecidos neurais danificados. O desenvolvimento de dispositivos
                  de informática usando materiais biológicos e de software
                  desenvolvido sobre modelos biológicos sugere futuras
                  convergências entre computação orgânica, software de redes
                  neurais e interfaces entre o sistema nervoso e o computador.
                  No futuro, vítimas de lesões neurológicas devastadoras, que
                  antes seriam declaradas sem esperança ou mortas, serão
                  vistas como pacientes potencialmente vivos que merecem uma
                  tentativa de terapia reparadora, a menos que partes do
                  cérebro com estruturas críticas de identidade estejam
                  comprovadamente destruídas. Se a restauração fracassar, o
                  paciente poderá então ser deixado para morrer. Além do antropocentrismo Em junho de 1999, o Escritório
                  de Patentes dos EUA recusou uma patente para um híbrido de
                  humano e animal, ou "quimera", que havia sido
                  apresentada pelo ativista antibiotecnologia Jeremy Rifkin. Ao
                  recusar a patente, o departamento admitiu que, embora tenha
                  permitido extenso patenteamento de formas de vida criadas pela
                  biotecnologia e de DNA humano, a 13ª emenda constitucional
                  proíbe a propriedade de seres humanos e, portanto, seu
                  patenteamento. Como a Suprema Corte, o Congresso e o
                  Escritório de Patentes nunca definiram o que é um ser
                  humano, rejeitaram a patente de um meio-humano/meio-animal
                  transgênico, que consideraram estar próximo demais dessa
                  fronteira.Na próxima década, os transgênicos obrigarão os EUA e o
                  mundo a definirem o que é humano. Se não na primeira
                  tentativa, e trabalhando a partir de princípios democráticos
                  e liberais, a definição de humano deverá enfocar as
                  capacidades cognitivas, a subjetividade e a autoconsciência
                  como base da cidadania, em vez dos limites das espécies,
                  enganosos e em via de desaparecer.
 Por exemplo, o filósofo bioético Peter Singer e um grupo
                  internacional de ativistas organizaram o Projeto Primata
                  Superior. Sua proposta é que devemos ampliar os limites dos
                  direitos primeiramente e de forma extensiva aos primatas
                  superiores, já que há fortes evidências de que eles
                  compartilham nossas capacidades de autoconsciência. Eles
                  afirmam que esses macacos devem ter os mesmos direitos que as
                  crianças humanas: não devemos permitir que crianças e
                  macacos sejam mortos, torturados ou presos. A pedido do
                  projeto, a Nova Zelândia proibiu experimentos médicos com
                  esses animais. Singer (1990) estendeu o argumento a uma
                  crítica da pecuária industrial, afirmando que bebês humanos
                  e gado doméstico têm mais ou menos as mesmas capacidades
                  mentais e, portanto, deveriam ser tratados igualmente, de
                  acordo com a lei.
 Parece improvável que o
                  consumo de carne seja proibido num futuro próximo, ou que
                  tenhamos permissão para comer bebês. Mas parece provável
                  que a tendência a aumentar a proteção dos interesses dos
                  animais continue. De modo similar, a biotecnologia continuará
                  criando vários tipos de quimera e fazendo experimentos com o
                  aperfeiçoamento da inteligência dos animais, forçando a
                  concepção de uma ética centrada na consciência a suplantar
                  o antropocentrismo. Os primeiros animais de cognição
                  aperfeiçoada que se expressarem de maneira clara causarão
                  mudança drástica no pensamento sobre os direitos das coisas
                  vivas. Essas mudanças não ocorrerão
                  facilmente e serão uma das divisões políticas fundamentais
                  nos próximos anos, entre biofundamentalismo e transumanismo.
                  De um lado, os biofundamentalistas insistirão nos direitos de
                  todos os seres humanos, conscientes ou não, e tentarão banir
                  as tecnologias reprodutivas, a eliminação, pela transgênese,
                  dos limites entre as espécies e a relativização da
                  definição de morte. Por outro lado, a emergente visão de
                  mundo transumanista abrangerá a transgressão tecnológica e
                  manterá o foco nas capacidades cognitivas de várias formas
                  de vida. Em outras palavras, os transumanistas serão os
                  agentes dessa elucidação final da lei e da ética
                  liberal-democráticas.A controvérsia que hoje gira em torno da coerente ética
                  utilitária da vida de Peter Singer é uma amostra das futuras
                  lutas. A aplicação liberal de um padrão de direitos com
                  base na consciência poderá permitir certas conseqüências
                  que muitos consideram "repulsivas", como a criação
                  de clones sem cabeça para transplantes, a eutanásia de
                  recém-nascidos e dos gravemente dementes e mais direitos para
                  alguns animais do que para alguns humanos, como propõe
                  Singer. Mas os benefícios tangíveis do novo padrão, ainda
                  mais do que sua coerência com o pensamento ocidental,
                  oferecerão enormes incentivos para sua adoção. Poucos
                  dentre nós estarão dispostos a recusar os potenciais
                  benefícios da ciência médica com base em um terreno
                  "moral" incoerente, com base na repulsa.
 Mortos cerebrais e congelados Se um padrão ético com base
                  na consciência fosse institucionalizado nas próximas
                  décadas, é improvável que tivesse um impacto imediato sobre
                  as pessoas preservadas crionicamente. Em 1965, Ettinger
                  argumentou que os congelados devem ser classificados como
                  cidadãos vivos: "Os congelados serão proprietários e
                  contribuintes". De modo similar, a maior organização
                  criônica do mundo, Alcor, afirma que os pacientes criônicos
                  devem ser considerados vivos por seu potencial de
                  renascimento. Stephen Bridge e a Alcor
                  resumiram as vantagens e desvantagens jurídicas de o paciente
                  criônico ser considerado morto ou vivo. Se o crionauta está
                  morto, pode legalmente doar seu corpo à Alcor para
                  armazenamento sob leis que regem as doações anatômicas. Mas
                  poderia decidir ser "tratado" na Alcor se fosse
                  considerado vivo. Se o crionauta estiver morto, pode usar
                  apólices de seguro de vida para custear a suspensão e
                  mecanismos estatais para deixar dinheiro para se manter em
                  criostase e se sustentar após a reanimação. Se estivesse
                  "vivo", também poderia deixar seu dinheiro num
                  fundo. O principal motivo para os
                  crionistas se preocuparem com a definição de seu status é
                  que muitos gostariam de ser congelados antes de legalmente
                  mortos, de ser tratados como pacientes em unidades de
                  emergência em vez de cadáveres. Não apenas eles têm de
                  esperar até que a doença tenha potencialmente destruído
                  seus cérebros, como "após a morte" podem sofrer
                  atrasos no congelamento e até autópsias, que tornam
                  impossível a boa conservação de informações
                  neurológicas.?????AE????/font>/p>
                  Thomas Donaldson defendeu
                  recentemente o caso do congelamento pré-morte. Ele tem um
                  tumor inoperável no cérebro, que atualmente está em
                  remissão, mas nos anos 80 ele acreditou que aquilo ameaçava
                  sua vida. Processou o Estado da Califórnia para ter o direito
                  de que seu provedor criônico, a Alcor, fosse protegido de
                  acusações de assassinato ou suicídio assistido por
                  ajudá-lo a ter sua cabeça removida e congelada. Os tribunais
                  da Califórnia recusaram o processo em apelação. Qual a probabilidade de que
                  crionautas sejam redefinidos como "suficientemente
                  vivos" para ter direitos como o de ser congelado sem uma
                  declaração de morte?Quando as pessoas potenciais devem ser tratadas como pessoas
                  reais? Um embrião codifica as informações de uma potencial
                  pessoa autoconsciente, da mesma maneira que o tecido cerebral
                  congelado. É claro que o embrião não contém um padrão de
                  personalidade autoconsciente, enquanto o cérebro adulto
                  congelado potencialmente contém. Mas isso é suficiente para
                  tratar o cérebro adulto congelado como "vivo"?
                  Claramente os congelados não preenchem uma definição
                  baseada na consciência da vida como percepção contínua em
                  vigília, muito menos personalidade autoconsciente. Por outro
                  lado, se tal padrão for aplicado com muita rigidez, as
                  pessoas que estão em sono profundo ou em suspensão
                  hipotérmica, mas podem ser reanimadas, ou que foram colocadas
                  em estados terapêuticos de suspensão temporária, também
                  estariam mortas. Desejamos continuar tratando pessoas
                  potenciais sem percepção como "vivas", mas quais?
 Em minha ontologia budista/parfitiana,
                  "vivo" e "morto" não podem ser definidos
                  absolutamente, mas somente num contexto histórico
                  específico. Então, em vez de perguntar que pessoas estão
                  realmente vivas ou mortas, a questão se reduz às condições
                  sob as quais a definição da Alcor dos congelados como vivos
                  seria aceita pela lei e pela opinião pública. O fator-chave
                  nas decisões sociais e jurídicas para tratar pessoas
                  potenciais como pessoas reais é a probabilidade de que o
                  potencial se realize: qual a probabilidade de que uma pessoa
                  potencial se torne pessoa real? Pessoas dormindo ou em coma
                  temporário têm probabilidade suficiente de retornar à
                  personalidade consciente para continuar possuindo direitos de
                  pessoas vivas. Adotar a definição de vida da Alcor
                  significaria que a persistência da memória que codifica
                  informações e da personalidade no cérebro congelado devem
                  ser consideradas vida, mesmo que essa informação nunca seja
                  reanimada como autoconsciência. Mas, se uma pessoa congelada
                  for enviada para flutuar eternamente no espaço, de que
                  serviria considerá-la em estado de "vida"? Não-pessoas A probabilidade de se tornar
                  uma pessoa, ou de retornar à condição de pessoa, é na
                  verdade produto de dois fatores: a capacidade de as
                  não-pessoas se tornarem novamente pessoas e a intenção dos
                  responsáveis socialmente legítimos de retornar não-pessoas
                  à condição de pessoas. A intenção de ressuscitar uma
                  pessoa com o coração e a respiração suspensos determina
                  parcialmente quando no processo de morte uma pessoa é
                  declarada morta. Pessoas com parada cardíaca são tratadas
                  como pessoas vivas a serem reanimadas, se sob outros aspectos
                  forem saudáveis e reanimáveis. Mas se estiverem doentes e
                  sem condições de recuperar a consciência, ou se elas e seus
                  responsáveis não quiserem que sejam reanimadas, são
                  tratadas como mortas. O responsável deve ter a sanção
                  social. Se uma enfermeira decidir não ressuscitar alguém em
                  suspensão, poderá ser acusada de assassinato. A lei de morte cerebral de Nova
                  Jersey, sob pressão dos judeus ortodoxos, que não aceitam a
                  morte cerebral como morte, permite uma exceção religiosa ao
                  estatuto de morte cerebral. Em outras palavras, os mortos
                  cerebrais estão mortos em Nova Jersey, a menos que seus
                  parentes, que fazem parte de um poderoso lobby religioso, não
                  queiram que estejam. Um feto é tratado como paciente se sua
                  mãe pretender levá-lo a termo, ou se o Estado tiver aprovado
                  a legislação de proteção fetal, para proteger os fetos de
                  drogas ou violência. Mas não será tratado como paciente se
                  for tão deficiente que não possa sobreviver. Será abortado. Supostamente, os responsáveis
                  por crionautas sempre desejarão sua reanimação um dia, mas
                  serão sempre uma parcela reduzida da população. Por isso a
                  situação social em mutação dos congelados será
                  determinada pelas mudanças nas avaliações da probabilidade
                  de que o congelado possa ser reanimado com sucesso. Com
                  efeito, embora os congelados tenham sido pragmaticamente
                  classificados como mortos porque estão ausentes do mundo dos
                  vivos, poderiam ser reinseridos nesse mundo se houvesse
                  evidências de que estariam apenas em uma longa viagem. Há várias outras
                  circunstâncias em que a situação de uma pessoa como morta
                  ou viva é determinada pela probabilidade estatística de seu
                  retorno. Por exemplo, a classificação de alguém como em
                  estado "permanentemente vegetativo" é uma questão
                  de probabilidade estatística. A prática americana se baseia
                  nas recomendações da Força-Tarefa Multissocietária sobre o
                  Estado Vegetativo Permanente (1994) de que os pacientes devem
                  ser considerados permanentemente inconscientes se ficarem
                  inconscientes durante três meses depois de uma lesão
                  não-traumática (como overdose química) ou 12 meses depois
                  de uma lesão cerebral traumática. Uma vez classificado como
                  permanentemente vegetativo, os médicos têm muito maior
                  latitude para o tratamento conservador, com frequência
                  permitindo que a morte "siga seu curso".Outra situação semelhante é a da pessoa desaparecida.
                  Quando alguém desaparece em alto-mar ou não volta da guerra,
                  a lei comum há muito tempo permite que essas pessoas
                  desaparecidas sejam declaradas mortas, por motivos práticos.
                  Se as circunstâncias da morte da pessoa desaparecida forem
                  incertas e houver alguma possibilidade de que ela tenha
                  naufragado ou seja refém numa prisão secreta no Vietnã ou
                  esteja simplesmente escondida para evitar o pagamento de
                  pensão aos filhos, o tribunal impõe um período de espera de
                  alguns anos para que a morte seja declarada. O Código
                  Uniforme de Validade de Testamento, aprovado por 18 Estados
                  americanos e parcialmente válido nos demais, declara a morte
                  como tendo ocorrido depois de um período de espera de cinco
                  anos.
 Em certo sentido, embora
                  conheçamos a localização de seus corpos, os que estão
                  suspensos crionicamente são pessoas desaparecidas. Eles
                  estão numa condição da qual poderão ou não retornar.
                  Mesmo quando a tecnologia começa a convencer o público e os
                  tribunais de que os suspensos poderão teoricamente ser
                  reanimados, existe a possibilidade de que eles tenham sofrido
                  perda de informação além da capacidade tecnológica de
                  restauração. Os tribunais provavelmente continuarão a
                  declará-los mortos, por pragmatismo, para que seus negócios
                  e seus herdeiros não sejam deixados no limbo, à espera de
                  sua potencial futura reanimação. Para que os congelados
                  sejam novamente declarados vivos, como um soldado que retorna
                  depois de 20 anos perdido na selva, será preciso esperar a
                  reanimação com sucesso de pelo menos um crionauta,
                  estabelecendo que a probabilidade de retorno é maior do que
                  zero.A Alcor salienta que a atual definição de morte é só uma
                  confissão da ineficácia da medicina atual. Na medida em que
                  a tecnologia alterar o padrão de morte cerebral, a futura
                  definição operacional de "suficientemente morto"
                  se tornará algo como: "O paciente não pode ser trazido
                  de volta à autoconsciência, com continuidade das memórias e
                  personalidade anteriores, porque perdeu essa informação de
                  maneira irrecuperável, ou não somos capazes de
                  recuperá-las, ou ele ou seus guardiões não desejam que seja
                  reanimado".
 Quando houver reanimação com
                  sucesso, ou houver provas substanciais da possibilidade de
                  reanimação por meio de experimentos com animais, o status e
                  os direitos dos suspensos crionicamente aumentarão
                  gradualmente. Halperin (1998) apresenta isso muito bem em
                  "The First Immortal" (O Primeiro Imortal) -as
                  pessoas talvez não sejam acusadas de assassinato por
                  descongelamento indevido, mas isso se tornará um delito cada
                  vez mais sério, ligado à probabilidade de que a pessoa
                  pudesse ter sido recuperada. Ettinger propôs em 1965 que
                  "talvez a lei passe a reconhecer três tipos de
                  pessoas... as que estão em animação suspensa, as que foram
                  congeladas após a morte e as que estão totalmente mortas
                  porque foram queimadas, decompostas, perdidas no mar ou de
                  alguma forma se considerou improvável sua
                  recuperação". Halperin adotou a proposta de
                  Ettinger e a ampliou, sugerindo um acordo legal que reconheça
                  quatro categorias de mortos, com direitos crescentes:
                  "Primeiro, os irrevogavelmente mortos, isto é, cremados,
                  perdidos no mar etc.; segundo, pessoas congeladas ou com seu
                  DNA preservado de alguma forma, mas com lesões cerebrais
                  irreparáveis; terceiro, pessoas congeladas após a morte com
                  tecido cerebral razoavelmente salvo; quarto, pessoas em
                  animação suspensa, congeladas antes da morte e de qualquer
                  tipo de decomposição material cerebral". A quarta
                  categoria retorna à verdadeira questão no debate sobre o
                  status dos congelados: será um dia legal ser congelado antes
                  da declaração de morte, garantindo a maior preservação
                  possível de informação neuronal? Legalmente mortos "Os critérios legais e
                  médicos atuais para declarar a morte geralmente são
                  irrelevantes para o prognóstico definitivo do paciente, se a
                  suspensão criônica for iniciada imediatamente e as
                  condições pré-morte não tiverem prejudicado a estrutura
                  cerebral. Na prática, a necessidade de esperar até que esses
                  critérios sejam satisfeitos pode resultar em danos sérios e
                  até irreversíveis em casos específicos" (Alcor, 2000). O principal motivo de
                  preocupação dos crionistas sobre a definição de seu status
                  é que muitos gostariam de ser congelados antes de estarem
                  legalmente mortos e de ser tratados como pacientes que recebem
                  tratamentos emergentes, em vez de cadáveres. As pessoas sempre terão de
                  estar mortas para serem congeladas? Talvez não. Desde que
                  estar congelado é considerado "morto", ajudar a
                  congelar alguém que ainda não está morto é considerado
                  assassinato ou "suicídio assistido". Quando Thomas
                  Donaldson enfrentou os tribunais da Califórnia sem sucesso no
                  início da década de 90 pelo direito de ter sua cabeça
                  removida e congelada, a Suprema Corte da Califórnia
                  considerou que, embora o suicídio seja legal, Donaldson não
                  tinha o direito de "assistência do Estado", e que a
                  "assistência" da equipe criônica poderia ser
                  considerada assassinato. Por isso, a capacidade de congelar
                  pessoas antes de estarem mortas dependerá da legalização de
                  um conjunto muito liberal de modos aceitáveis de suicídio
                  assistido.A maioria dos americanos apóia o direito ao suicídio
                  assistido. Pessoas com educação superior são mais seculares
                  e aprovam uma maior liberdade pessoal, e parcela crescente de
                  americanos recebe educação superior. As perspectivas a longo
                  prazo de liberalização do suicídio assistido e de muitas
                  outras liberdades pessoais parecem promissoras.
 A aceitação de um
                  procedimento experimental aumenta na medida em que o risco de
                  mortalidade diminui. Quando houver provas substanciais de que
                  a reanimação é possível, a suspensão será considerada
                  uma opção de tratamento experimental com uma chance de
                  sucesso maior do que zero.Um novo tratamento contra a Aids pode ficar em teste clínico
                  por anos. O dilema ético colocado pelos pacientes terminais
                  de Aids que poderiam ser beneficiados pelo tratamento
                  experimental é muito conhecido. Se o paciente receber
                  tratamento antes do término do teste clínico, é possível
                  que sua situação piore significativamente. Por outro lado,
                  negar um tratamento que poderia salvar a vida de alguém que
                  morrerá em breve é de todo modo eticamente insustentável.
                  No caso da criônica, isso não é um dilema enquanto se
                  aguarda o resultado dos testes clínicos (quase concluídos).
                  É um dilema inerente à natureza da proposta.
 Quando a viabilidade da
                  reanimação for provada, e o risco de mortalidade,
                  minimizado, a tecnologia deverá estar suficientemente
                  desenvolvida para que menos pessoas precisem recorrer a medida
                  tão extrema. Em outras palavras, quando os congelados forem
                  considerados pessoas vivas submetidas a um procedimento
                  experimental, ninguém mais estará sendo congelado. O status de uma pessoa
                  reanimada será determinado pelo quanto daquela pessoa
                  sobreviveu. Uma das avaliações-chave a fazer sobre a
                  situação de cada cérebro congelado é a da probabilidade de
                  que tenha retido informação suficiente para recuperar a
                  pessoa congelada. Muito antes que a sociedade tenha de
                  enfrentar essas decisões, porém, o terreno para elas será
                  criado pelos debates sobre o tratamento e a situação dos que
                  sofreram lesões cerebrais. Numa era de tratamentos
                  neurológicos para lesões cerebrais graves, teremos de
                  enfrentar o significado de recuperar uma pessoa viva que
                  perdeu toda informação crítica à identidade. Diremos que
                  essa pessoa é idêntica à anterior, com seus direitos e
                  obrigações, ou será considerada uma nova pessoa? Quando formos capazes de
                  reanimar os congelados, provavelmente poderemos prever a
                  probabilidade de recuperar informações críticas à
                  identidade com certa precisão. Fazer essa previsão será
                  importante para as famílias que estão pensando em tentar a
                  reanimação. Se a recuperação for improvável, diretrizes
                  prévias da pessoa ou de seus responsáveis deverão
                  especificar se a reanimação deve ser tentada, com o
                  provável resultado de uma nova pessoa. Quando a pessoa for
                  reanimada, deverá ser avaliada para ver se de fato cumpre a
                  exigência de continuidade. Se for uma nova pessoa, haverá
                  uma forte tendência de que seja considerada uma sucessora ou
                  parente da pessoa morta, e não a mesma pessoa. "Apesar
                  de nossos instintos em contrário, há uma coisa que a
                  consciência não é: uma entidade nas profundezas do cérebro
                  que corresponde ao "self", uma espécie de núcleo
                  de consciência que dirige o espetáculo, assim como o
                  "homem atrás da cortina" manipulava a ilusão em
                  "O Mágico de Oz". Depois de mais de um século de
                  buscas, os pesquisadores do cérebro há muito concluíram que
                  não existe um lugar concebível para esse "self" se
                  localizar no cérebro físico, e que ele simplesmente não
                  existe" (Nash, Park e Wilworth, 1995).Assim como a tecnologia nos leva a reconhecer que valorizamos
                  pessoas contínuas, singulares e autoconscientes mais do que
                  as plataformas em que se apresentam, também nos forçará a
                  reconhecer que essas pessoas são ficções. A tecnologia
                  eventualmente desenvolverá a capacidade de traduzir o
                  pensamento humano em mídias alternativas. Essa tecnologia
                  ameaça os limites e a continuidade do "self", a
                  autonomia do indivíduo e suas decisões e a útil ficção da
                  igualdade social.
 "Quando é possível
                  facilmente modificar, emprestar ou se fundir com outros, e
                  separar quaisquer de suas características externas e internas
                  (...) não haverá mais linhas distintas entre os indivíduos.
                  Existe um bom termo -"divíduos'- para as entidades de
                  "self" configurável; também há o aspecto da
                  sobreposição de entidades em uma ecologia funcional
                  líquida. Você poderia dizer se as florestas ou trechos de
                  grama são iguais? E as coisas de estrutura mais fluida, como
                  as comunidades da internet ou as idéias? Os núcleos de
                  conhecimento serão mais fluidos e entrelaçados do que
                  qualquer coisa que conhecemos, e o conceito de igualdade
                  pareceria a eles uma relíquia" (Alexander Chislenko,
                  1997).Ameaças ao "self" surgirão em muitas áreas. Nosso
                  controle do cérebro lentamente deixará claro que a
                  cognição, a memória e a identidade pessoal são na verdade
                  muitos processos que podem ser desagregados. Teremos um
                  controle cada vez maior sobre nossas próprias personalidades
                  e memórias, e sobre as de nossos filhos. A completa
                  nanorreplicação do processo mental abre a possibilidade de
                  clonagem de identidades, distribuição da identidade de uma
                  pessoa em diversas plataformas, compartilhamento de
                  componentes mentais com outros e fusão de vários indivíduos
                  numa só identidade.
 Quando chegarmos ao ponto em
                  que as funções neurológicas possam ser controladas,
                  projetadas, clonadas, compartilhadas, vendidas e desligadas, a
                  ilusão da auto-identidade autônoma e contínua se tornará
                  mais evidente. Quando nos livrarmos desse predicado
                  fundamental da ética iluminista, a existência do indivíduo
                  autônomo, estaremos além dos esquemas éticos da lei
                  democrática liberal e da bioética. Já começamos a explorar
                  esse território na lei sem o perceber. Por exemplo, quem é
                  culpado no caso de distúrbio de personalidades múltiplas?
                  Dilemas desse tipo certamente se multiplicarão. Existem visões de mundo
                  éticas que não têm o indivíduo autônomo como centro, da
                  teocracia ao comunismo. Esperemos que, se começarmos a levar
                  a sério essas experiências do pensamento, teremos
                  alternativas mais satisfatórias, baseadas na democracia
                  liberal, e não a negando, quando chegar a hora. Definições desmoronando As atuais definições de
                  morte, elaboradas 20 anos atrás para abordar a tecnologia do
                  respirador, estão desmoronando. Algum sugerem que dispensemos
                  a "morte" como um marcador unitário de situação
                  humana, enquanto outros pedem o reconhecimento de um padrão
                  neocortical. O século 21 começará a ver uma mudança em
                  direção à ética centrada na consciência e na
                  personalidade como um meio de abordar não só a morte
                  cerebral, mas também fetos extra-uterinos, quimeras
                  inteligentes, ciborgues e outras formas de vida que criaremos
                  com a tecnologia. A luta entre os
                  antropocentristas e os biofundamentalistas, de um lado, e os
                  transumanistas, do outro, será feroz. Cada proposta de um
                  meio para estender as capacidades humanas para além de nossas
                  limitações "naturais" e "impostas por
                  Deus", ou para apagar os limites do humano, será
                  batalhada politicamente e nos tribunais. Mas, no fim, devido
                  à crescente secularização, às vantagens tangíveis das
                  novas tecnologias e à lógica interna dos valores do
                  Iluminismo, acredito que começaremos a desenvolver uma
                  bioética que confira significado e direitos às gradações
                  de autoconsciência, independentemente da plataforma.No entanto, essa transformação provavelmente não fará com
                  que as pessoas em suspensão criônica sejam automaticamente
                  reclassificadas como vivas. Por motivos pragmáticos, e devido
                  à incerteza da perda de informação, os congelados
                  criônicos provavelmente continuarão mortos até que se prove
                  que estão vivos. Estarão na posição do soldado
                  desaparecido em ação, que foi considerado morto, sua mulher
                  casou de novo, sua propriedade foi vendida e subitamente é
                  resgatado por um futuro "nano-Rambo". Quando houver
                  provas tangíveis de que os prisioneiros continuam no campo,
                  haverá reavaliação da situação dos congelados. Ser
                  congelado passará então a ser visto como uma alternativa
                  plausível para a morte, e não uma maneira bizarra de
                  preservar um cadáver. A essa altura, porém, poucas pessoas
                  precisarão utilizar essa opção.
 Como essa mudança na visão
                  pública da situação dos congelados está muitas décadas à
                  frente, e já que enquanto isso os congelados serão
                  considerados "mortos", as organizações criônicas
                  devem dar mais atenção à colaboração com organizações
                  de "opção pela morte". A maioria das situações
                  propostas de suicídio assistido não permitiria a suspensão
                  criônica como um método. Mas, com as tendências seculares
                  que apóiam uma maior liberalização e a crescente
                  organização da maioria em defesa do suicídio assistido,
                  parece provável que nas próximas décadas surjam leis
                  permitindo que os crionistas escolham a suspensão como parte
                  de seu método de "suicídio". A mudança sugerida na
                  política social em direção a um padrão pessoal afetaria
                  drasticamente os reanimados. Um padrão pessoal abriria a
                  possibilidade de que a identidade legal de uma pessoa
                  reanimada fosse contingente à sua recuperação de alguma
                  extensão da memória e da personalidade anteriores.
                  Diretrizes prévias dos suspensos devem abordar a questão de
                  se eles têm interesse em reparar e reanimar seu cérebro,
                  mesmo que nanossondas ou outros métodos sugiram que a pessoa
                  resultante não será ela, mas uma nova pessoa. Quando a tecnologia tiver
                  decifrado completamente os processos constituintes e as
                  estruturas da memória, da cognição e da personalidade, e
                  nos tiver dado controle sobre elas; quando formos capazes de
                  compartilhar ou vender nossas habilidades, características de
                  personalidade e memórias; quando alguns indivíduos
                  começarem a abandonar a individualidade por novas formas de
                  identidade coletiva -aí o edifício do pensamento ético
                  ocidental desde o Iluminismo estará em uma crise terminal. As
                  tendências políticas e éticas que hoje são previsíveis,
                  enquanto o Iluminismo avança para seu telos, se tornarão
                  imprevisíveis. Enquanto os transumanistas trabalham para
                  completar o projeto do Iluminismo, a mudança para um padrão
                  de lei e ética baseado na consciência, também devemos
                  preparar valores políticos e uma ética social para a era
                  além do indivíduo autônomo e singular. |