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Seminário nacional sobre
 a eficácia da lei da tortura

Painel:  Mecanismos de Punição e Prevenção da Tortura 

Expositora: Simone Schreiber      

1. O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos

Após a segunda guerra mundial, a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10.12.1948, foi um marco no processo de reconstrução do movimento de proteção de direitos humanos, introduzindo uma preocupação de conferir a estes direitos proteção internacional.  Os direitos humanos passam a ser tema de legítimo interesse da comunidade internacional. 

Advêm de tal concepção duas conseqüências:

 

“1. a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos, isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando os direitos humanos são violados;   

2. a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, quando os direitos humanos forem violados”.[1]

 

Começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, integrado por diversos sistemas normativos que coexistem.  Assim temos um sistema normativo global (no âmbito das Nações Unidas), sistemas regionais (como exemplo, o sistema americano) e sistemas nacionais de proteção.   Tais sistemas de proteção são complementares.  O propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos de proteção é ampliar e fortalecer a proteção.  Assim, eventuais colidências entre normas contidas nos diversos instrumentos de proteção devem ser resolvidas, prevalecendo sempre a norma mais benéfica e protetiva, seja ela de direito interno ou internacional.  Ficam afastados os métodos de interpretação tradicionais, tais como o princípio de que norma posterior revoga anterior, ou de que norma especial revoga a geral. Prevalece sempre a norma que melhor e mais eficazmente proteja a dignidade humana.[2]

 

Antônio Augusto Cançado Trindade observa que decorre do princípio da complementariedade e da interação dos sistemas de proteção a liberdade do indivíduo de escolher o procedimento internacional a ser acionado (a nível global ou regional).  O autor, Juiz Presidente da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, consigna a relativização pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos do requisito de prévio esgotamento dos recursos de direito interno como pressuposto de admissibilidade das petições e comunicações recebidas pela Comissão.   Ao invés de rejeitá-las, a Comissão tem adotado técnicas alternativas de solicitar informações adicionais ou de adiar a decisão.  Além disso, admitiu-se que tal requisito não se aplicaria aos chamados casos gerais (de violações generalizadas aos direitos humanos).

 

A prática da Comissão Interamericana a respeito, mesmo antes da adoção da entrada em vigor da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tem demonstrado que aquele requisito de admissibilidade não é sacrossanto, imutável ou absoluto, e tem sido aplicado – à luz do critério da eficácia dos recursos internos – com muito mais flexibilidade no contexto da proteção  internacional dos direitos humanos (...) As regras geralmente reconhecidas no direito internacional – às quais se refere a formulação do requisito de esgotamento nos tratados e instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos -  (...) sofrem necessariamente, quando inseridas em tratados e instrumentos de direitos humanos, um certo grau de ajuste ou adaptação, ditado pelo caráter especial do objeto e propósito destes e pela especificidade amplamente reconhecida da proteção internacional dos direitos humanos. A prática da Comissão Interamericana neste particular constitui uma clara ilustração deste entendimento” [3] 

 

 

A Convenção Americana de Direitos Humanos

 

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi assinada em São José, na Costa Rica, em 1969.  Por isso também é conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.  Entrou em vigor em 1978, quando o 11o instrumento de ratificação foi depositado.  Hoje, 25 Estados membros da  Organização dos Estados Americanos são partes da Convenção, tendo o Brasil aderido apenas em 25.9.92[4].

 

A Convenção reconhece e assegura um rol extenso de direitos civis e políticos e um aparato de proteção e monitoramento dos direitos que enuncia.  Os Estados signatários tem a obrigação negativa de respeitar os direitos garantidos na Convenção, e a obrigação positiva de assegurar tais direitos.  Tal obrigação positiva implica na “adoção de medidas afirmativas necessárias e razoáveis em determinadas circunstâncias para assegurar o pleno exercício dos direitos garantidos pela Convenção Americana[5]

 

O aparato de proteção dos direitos é integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana.

 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi instituída anteriormente à aprovação da Convenção.  Tal Comissão originou-se de uma resolução e não de um tratado.  A Resolução VIII da V Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores (Santiago, 1959).  Seus poderes, originariamente limitados à elaboração de relatórios, foram ampliados na II Conferência Interamericana Extraordinária (Rio de Janeiro, 1965) que pela Resolução XXII, passou a ter poderes de receber petições ou comunicações sobre violações de direitos humanos.  Passou assim a Comissão a deter as seguintes atribuições: 1. exame de comunicações; 2. fazer visitas in loco (com anuência dos Estados visitados); 3. promover estudos e seminários. 

 

Em 1970, com a entrada em vigor do Protocolo de Reformas da Carta da Organização dos Estados Americanos (Buenos Aires, 1967), a Comissão passou a ser dotada de base convencional, com atribuição de controle e supervisão da proteção de direitos humanos.  

 

Finalmente, com a entrada em vigor, em meados de 1978, da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Comissão passou a ser dotada de uma dualidade de funções: “efetivamente continuou aplicando as normas que vinham regendo sua atuação inclusive em relação aos Estados não-partes na Convenção Americana, e passou naturalmente a aplicar aos Estados Partes as disposições relevantes da Convenção”. [6]

 

A Comissão é integrada de sete membros de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos eleitos a título pessoal pelos Estados membros da OEA em sua Assembléia Geral, para um mandato de quatro anos, sendo possível uma reeleição.   Seus membros são eleitos a título pessoal, e não como representantes dos Estados dos quais são nacionais, o que lhes confere bastante autonomia no exame dos casos de violações de direitos humanos.

 

A Convenção instituiu ainda a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com atribuição de interpretar e aplicar seus preceitos e de “julgar casos de supostas violações de direitos humanos consagrados na Convenção.”[7]  A Corte tem assim atribuição consultiva e contenciosa.  Mas sua função contenciosa só atinge o julgamento de denúncias de violações de direitos humanos de Estados que tenham reconhecido sua competência, na forma do art. 62 da Convenção[8].    

 

A Corte, tanto em sua atividade consultiva, com a elaboração de 16 pareceres fixando a interpretação dos direitos assegurados na Convenção, quando em sua atividade contenciosa (até o fins de 1999, 63 sentenças), tem se manifestado acerca da obrigação geral dos Estados Partes de assegurar o respeito aos direitos protegidos (art. 1o) e da obrigação geral de adotar medidas legislativas e outras que se fizerem necessárias para efetivar tais direitos (art. 2o).

 

Antônio Augusto Cançado Trindade ressalta a importância do direito reconhecido aos indivíduos de apresentar diretamente à Corte seus próprios argumentos de forma autônoma em relação aos argumentos e provas já apresentados pelos delegados da Comissão, na etapa das reparações (locus standi dos indivíduos) (art. 23 do Regulamento vigente a partir de 1.1.1997).

 

O sistema de proteção previsto na Convenção funciona da seguinte maneira:

 

1.        os indivíduos ou entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um dos Estados partes apresentam  petição à Comissão (direito de petição individual é mandatório – art. 44).  Os Estados também apresentam suas queixas dirigidas a outros Estados à Comissão (mas tal comunicação feita por Estado depende de que este Estado declare que reconhece a competência da Comissão para apreciar comunicações em que um Estado-parte alegue que outro Estado-parte incorreu em violações de direitos humanos, ou seja, o direito de queixa interestatal é facultativo – art. 45).

2.        A Comissão Interamericana examina a admissibilidade da petição ou da comunicação, podendo enviá-la à Corte. 

3.        Os indivíduos detêm hoje direito de locus standi in judicio (acesso direto à Corte) apenas na etapa do julgamento referente à reparação.  Cançado Trindade[9] defende a ampliação do direito de locus standi em todas as etapas do processo (em caso já submetidos à Corte pela Comissão) com previsão de assistência judicial gratuita, quando necessária.  E em uma segunda etapa,  defende que seja reconhecido aos indivíduos o direito de demandar os Estados perante a Corte (jus standi), superando-se o modelo em que a Comissão exerce a intermediação entre a Corte e o indivíduo, funcionado a Comissão como órgão auxiliar da Corte, com posições não raro distintas das que são defendidas pelos advogados da vítima[10].  

 

Instrumentos de Direito Internacional de proteção no que tange à tortura

 

Cumpre traçar resumidamente o conteúdo das normas internacionais que cuidam do direito de não ser submetido à tortura.  Temos duas convenções setoriais, que tratam especificamente de tortura:  1. A Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes, adotada pela Resolução 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10.12.84, a qual entrou em vigor em 26.7.87.  O Brasil a firmou em 23.9.85 e a ratificou em 28.9.89.  2. Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura, adotada no XV Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da OEA, na Colômbia, em 9.12.85, e ratificada pelo Brasil em 20.7.89.

 

 

Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes

 

Tal Convenção define assim o termo tortura, em seu art. 1o:

 

qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.  Não se considerará como tortura as dores o sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.”

 

A seguir, a Convenção em análise: 1. impõe aos Estados partes o dever de tomarem medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo ou judicial, a fim de impedir a prática de atos de tortura (art. 2o); 2. prevê o dever dos Estados de criminalizar a tortura (note-se que o Brasil apenas o fez em 1997) (art. 4o); 3. normas referentes à extraterritorialidade, tais como: vedação de conceder extradição, expulsão ou devolução de pessoa a outro Estado, quando houver razões para crer que ali será tal pessoa submetida à tortura (art. 3o); dever de punir pessoa que tenha cometido tortura, quando não conceder extradição (art. 5o, 2); possibilidade de extradição com apoio na Convenção, ainda que entre os Estados envolvidos não haja tratado de extradição (art. 8o, 2); cooperação internacional para o fornecimento de elementos de provas necessárias à apuração de crimes de tortura (art. 9o);   4. fixação da jurisdição dos Estados partes para processar crime de tortura (art. 5o);  5. dever de deter o suspeito de crime de tortura, assegurando-lhe processo justo(art. 6o e 7o); 6. dever de ministrar ensino e informação sobre a proibição da tortura às pessoas envolvidas com custódia e interrogatório de presos (art. 10); 6. dever de manter permanente exame e fiscalização das “normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem como as disposições sobre custódia e o tratamento das pessoas submetidas à prisão” com vistas de evitar a prática de tortura (art. 11); 7. direito das pessoas vítimas de tortura de apresentar queixa às autoridades competentes no Estado, direito à proteção dos queixosos, direito à indenização das vítimas de tortura (arts. 13 e 14); 8. invalidação da prova colhida através da tortura; 9. previsão da criação de um Comitê contra a tortura, cujos membros (10 membros de elevada reputação moral e reconhecida competência na área de direitos humanos) exercerão suas funções a título pessoal.  A competência de tal Comitê é a de receber relatórios dos Estados partes sobre as medidas por ele adotadas para cumprimento das obrigações assumidas (art. 19) e de receber e examinar comunicações feitas por outros Estados partes (art. 21) e por pessoas (art. 22) de violações dos direitos assegurados na Convenção.  O Comitê só é competente para apreciação de tais comunicações quanto aos Estados partes que expressamente reconhecerem tal competência.  Os princípios que norteiam tais investigações são: notificação prévia do Estado parte interessado; aquiescência do Estado para investigação in loco; obtenção de cooperação do Estado parte interessado; tentativa de chegar-se a uma solução amistosa, quando o conflito envolver dois Estados partes; exigência de esgotamento dos recursos internos disponíveis, com a ressalva de não aplicação dessa regra “quando a aplicação dos mencionados recursos se prolongar injustificadamente ou quando não for provável que a aplicação de tais recursos venha a melhorar realmente a situação da pessoa que seja vítima de violação da presente Convenção” (art. 21, 1, c).

 

Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura

 

Tal Convenção define o termo “tortura” em seu art. 2o:

 

Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim.  Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física e mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.   Não estarão compreendidas no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente conseqüência de medidas legais ou inerentes a elas, contando que não incluam a realização dos atos ou a aplicação dos métodos a que se refere este artigo”. 

 

No art. 3o, a Convenção estipula que somente os funcionários públicos ou pessoas que ajam por instigação de funcionários, podem ser responsáveis pelo delito de tortura.   Estabelece ainda que “o fato de haver agido por ordens superiores não eximirá a responsabilidade penal correspondente” (art. 4o).  Impõe a seguir aos Estados partes o dever de tomar medidas efetivas a fim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição  e de criminalizar a prática de tortura.  No mais, não traz novidades relevantes em relação à Convenção aprovada pela ONU acima estudada, prevendo o dever dos Estados de informar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre medidas legislativas, judiciais, administrativas ou de outra natureza que adotarem na aplicação da Convenção, devendo a Comissão analisar tais informações em seus Relatórios Anuais[11]. (art. 17).  As reclamações atinentes à violação de tal Convenção devem ser apresentadas, seguindo-se o procedimento previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (arts. 44 e 45).

 

 

2. Normas de proteção referentes à vedação da tortura de Direito Interno.

 

Em complementação às normas de direito internacional de proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana, e especificamente, de vedação à tortura, é importante mencionar, resumidamente, o sistema de proteção contido na Constituição Federal e ainda na lei infraconstitucional que tipifica a tortura.  A Constituição Federal de 1988 assinala o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República (art. 1o, III);  determina que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4o, II); prevê que lei considerará a prática de tortura crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5o, XLIII), proíbe penas cruéis e assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5o, XLVII e XLVIII);   assegura o direito à proteção judicial efetiva e à assistência jurídica integral e gratuita aos pobres (art. 5o, XXXV e LXXIV); assegura a aplicação imediata às normas definidoras dos direitos fundamentais e confere status de norma constitucional aos tratados de direitos humanos firmados pelo Brasil[12] (parágrafos primeiro e segundo do art. 5o).

 

Apenas nove anos após a promulgação da Constituição e, como já observado, oito anos após a ratificação das Convenções contra a Tortura acima analisadas, o Brasil editou lei tipificando o crime de tortura (lei 9455, de 7.4.97).   A principal crítica que a doutrina fez à lei 9455 refere-se ao fato de ter ampliado a definição do crime de tortura, já que não o prevê apenas como crime próprio de funcionário público, como o fazem a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes e a Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura[13].    Não obstante isso, creio que não se pode invocar a inconstitucionalidade da lei sob esse aspecto, já que ampliou a proteção da vítima de tortura, prevendo tipos penais não previstos nas Convenções internacionais.

 

 

3. Efetivação das normas de proteção às vítimas e de punição do crime de tortura.

 

Apesar de existência de um sistema integrado de proteção de direitos humanos, com normas e mecanismos de proteção de direito interno e de direito internacional, ao examinarmos os efeitos concretos de atuação de tais aparatos de proteção, a realidade é extremamente preocupante.    Há grande dificuldade de apuração efetiva e de instauração de ação penal para a punição do crime de tortura e grande desinteresse do Estado Brasileiro em viabilizar um sistema eficiente de prevenção.  No exame que fiz da jurisprudência dos principais tribunais de 2o grau do país, e ainda dos Tribunais Superiores, não encontrei nenhum julgado que tratasse da aplicação da lei 9455, no que tange à prática de crime de tortura.  Os julgados colhidos nos sites de jurisprudência pertinentes à lei 9455 referem-se exclusivamente à possibilidade de aplicação aos crimes hediondos e aos demais crimes objeto da lei 8072/90 do regime de progressão de pena previsto na nova lei de tortura, por ser mais benigno do que o regime daquela lei, que não autoriza a progressão.   Além disso, está consolidado na jurisprudência dos tribunais brasileiros que eventuais informações colhidas sob tortura não podem ser aceitas como provas no processo (o que vai de encontro com as Convenções estudadas), muito embora em vários julgados esteja consignada a dificuldade de o réu provar que efetivamente foi torturado durante seu interrogatório.   Ainda sobre tortura, há julgados que reconhecem a tortura como indicativa do dolo eventual, se advém a morte da vítima, respondendo o agente por homicídio doloso, e finalmente alguma jurisprudência sobre a aplicação do crime de tortura previsto no Estatuto da Criança de do Adolescente, em contraposição ao crime de maus tratos, previsto no Código Penal.

 

Apesar dos raros casos de apuração de tortura, para responsabilização civil e criminal do agente, partiremos da premissa de que há tortura no Brasil.  E há em grande escala, ou seja, tratando especificamente da tortura do preso pelos agentes responsáveis pela investigação (polícia judiciária) e pelo encarceramento (agentes administrativos dentro das penitenciárias).  Podemos afirmar que há prática corriqueira de submeter o preso à sofrimentos físicos e morais, à tratamento cruel e degradante, pelos mais diversos motivos, desde a investigação, até a contenção da massa carcerária, como mecanismo de imposição de disciplina, considerando-se um sistema penitenciário que mantém os presos em uma situação limite, insuportável, reduzindo-os a uma condição abaixo do limite da dignidade inerente à condição humana,  onde a utilização da violência é mecanismo tolerado de controle. 

 

Em artigo publicado em edição especial da Revista da OAB/RJ, n° 22, dedicada ao tema: A Instituição Policial, Maria Vitória Benevides faz interessante análise das justificativas apresentadas por policiais para a adoção da  tortura como método de trabalho dentro das delegacias: 

 

“O primeiro motivo para justificar a tortura (considerada necessária, e mesmo inevitável) é de ‘ordem técnica’: trata-se de maximizar a eficácia dos interrogatórios.  As informações só seriam obtidas com emprego da violência física e da exploração do medo.[14]

 

A tortura como método de investigação é defendida em vista de sua incontestável eficácia, traduzida na expressão “bandido só fala no pau”.  Qualquer outro método significaria perda de tempo ou ingenuidade”.  Há uma lógica invertida de investigação por trás deste método que se consubstancia em fazer um interrogatório render o máximo, extraindo-se do criminoso todas as informações que ele possua não apenas do crime pelo qual foi preso, mas de outros possíveis crimes e suas ramificações.  Na expressão de um delegado de polícia entrevistado pela autora:

 

Um indivíduo é preso e levado pra delegacia, ele tem que ser trabalhado.  Nós sabemos que ele cometeu um assalto, mas eu pergunto, ele está há cinco anos na rua, será que praticou só um? E os outros que eu tenho certeza que ele praticou, como é que eu faço pra ele me contar? (...) Tem uma quadrilha presa comigo, que é uma das maiores quadrilhas destes últimos tempos; estes indivíduos já me confessaram cerca de 50 e poucos crimes; eu acho que já está bom, não tenho bola de cristal, mas a gente vai espremendo, é como fruta, você vai tirando o caldo, todo o caldo, mas você não sabe o que ficou, você vê o bagaço mas sempre fica um caldinho lá dentro, não fica?  Esse o ladrão leva pro túmulo”. [15] 

O segundo motivo pelo qual se tortura, ainda segundo Maria Vitória Benevides,  é o de punir, castigar, fazer com que o criminoso pague pelo que fez.   a confissão, nesse caso, é um momento de expiação, pois passa a ser considerada necessária, embora dispensável do ponto de vista legal (as confissões obtidas através de torturas, quando denunciadas, são evidentemente, desconsideradas pelo juiz.  Segundo os policiais, ‘os malandros sempre alegam tortura para invalidar as confissões’).”[16]

 

Qual é a razão desse divórcio entre o que prevêem as normas de proteção e a realidade dos fatos?   Em artigo intitulado O judiciário brasileiro em face dos direitos humanos[17], Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior expõe algumas das causas do problema ora detectado.   Vejamos.

 

1. Os gravíssimos índices de violência, especialmente nos grandes centros urbanos, geram respostas inadequadas por parte das autoridades, uma vez que as verdadeiras causas da violência são desconsideradas.  Na verdade, atribui-se ao direito penal a solução do problema da violência, quando “o tratamento adequado da questão da violência não está senão secundariamente no Direito Penal”. 

 

Ao invés da adoção de medidas de caráter social, que busquem resgatar uma significativa parcela da população que hoje ostenta a condição de excluída, considerados excluídos aqueles que não têm acesso aos mais básicos direitos decorrente de sua condição humana e de sua condição de cidadãos, é adotada uma política criminal meramente simbólica, com a aprovação de novas leis repressivas, ou a notícia de novas políticas de segurança com tônica em espetaculares, mas absolutamente tópicas e esporádicas, ações repressivas.  Pondera o autor, com acerto:

 

As leis de natureza penal, hoje em dia, parecem veicular uma perigosa assertiva que tomou conta dos ensandecidos que, equivocadamente, vêem no direito penal a solução de todas as mazelas, ou quase todas: é preciso passar por cima das garantias constitucionais, ignorar a ética e os ditames da consciência jurídica democrática no combate sem trégua ao crime, que atormenta a sociedade.  Captando equivocada legitimidade através da dramatização da violência – cujo conceito é reduzido ideologicamente a não  parecer mais que a criminalidade comum – os grupos interessados em mais repressão se organizam em torno da idéia de que a paz e a segurança do cidadão dependem de desprezar os direitos fundamentais garantidos, como se eles não fossem de todos os homens, mas, apenas dos ‘bandidos’”[18]

 

Nesse cenário, o juiz é cooptado para funcionar como auxiliar do Estado na atividade repressiva, relativizando a tutela aos direitos humanos quando se trata de combater o crime, já que os direitos humanos são qualificados como “instrumentos de proteção dos criminosos”.   

 

Não se pode deixar de consignar, por trás desse discurso, um grave preconceito de classe e de etnia, identificado no funcionamento de um sistema repressivo que atinge quase que exclusivamente as camadas mais pobres da população.  Dyrceu Cintra aponta “uma perigosa e sutil intolerância com base em preconceitos, disseminada mas não anunciada em palanque, que preside a formação de uma perversa ideologia de desrespeito aos direitos fundamentais”.   Em decorrência, a violência policial é tolerada como mal necessário no combate sem tréguas ao crime e, muitas vezes o juiz cioso da proteção aos direitos fundamentais do acusado sofre ataques da imprensa por ser condescendente com o “bandido”, não se preocupando com os “direitos humanos da vítima”[19].

 

2. Outro grave problema a ser enfrentado na adoção de uma política de combate à prática de tortura refere-se à superpopulação carcerária e à ausência de investimentos e de medidas que visem, senão solucionar o problema, minimizá-lo.  Apesar de o legislador ter optado pela jurisdicionalização da execução penal (lei 7810/84), o judiciário se demite da função de controlar efetivamente a execução penal, tendo em vista limitação de recursos materiais (falta de presídios, falta de manutenção dos presídios existentes em condições de habitabilidade, falta de recursos para assegurar-se alimentação minimamente razoável, assistência médica, etc., etc., etc.) que inviabilizariam o controle judicial do cumprimento efetivo da lei.

 

Investir no sistema penitenciário exigiria uma opção política do administrador, não controlável pelo Poder Judiciário.  

 

... há entre nós - envolvendo o Judiciário – a tendência de se alijar o sistema penitenciário da sociedade, ilhando a população carcerária em um espaço físico.  De um lado ficam os problemas sociais, de outro as inquietações do cárcere.  Os problemas do encarceramento são coisa que se resolve entre a própria administração e o preso, sem a efetiva intervenção judicial.  Os procedimentos de verificação interna quanto a faltas e quebra de disciplina ou aferição de méritos de detentos são entregues prontos ao Judiciário, para o exercício de uma jurisdição meramente formal e episódica.”[20]

 

A leitura do livro publicado pelo médico Drauzio Varella, relatando sua experiência na Casa de Detenção de São Paulo, palco do chamado “massacre do Carandiru”, onde 111 presos foram mortos pela polícia militar,  fornece um retrato bastante impressionante da realidade do maior presídio do país.   Dentre outras narrativas, cumpre destacar a existência de um setor do presídio sintomaticamente batizado de “masmorra”, destinado à punição de presos com problemas de disciplina, e ainda a guarda de presos jurados de morte no presídio, até que se consiga sua remoção para outro complexo penitenciário.  O Diretor do Presídio narra ao autor uma ocasião em que, “aborrecido” com as reclamações do juiz corregedor acerca das condições sub humanas em que são mantidos os presos na masmorra, abriu todas as celas na presença do juiz e perguntou a cada um dos presos se gostariam de ser transferidos para outro pavilhão do presídio.  Todos recusaram, temendo por suas vidas.  Diante de tal realidade, o juiz teria se conformado com a situação dos presos.

 

4. Propostas

 

Algumas medidas, a meu ver, poderiam contribuir na busca de soluções do problema detectado,  resgatando o atual déficit de ações efetivas visando a prevenção e repressão ao crime de tortura:

 

1.      A formação de uma nova consciência de respeito aos direitos humanos.  Tal medida é parcialmente preconizada nas Convenções que examinamos acima, quando impõem aos Estados partes  que assegurem “que o ensino e a informação sobre a proibição da tortura sejam plenamente incorporados no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da aplicação da lei, do pessoal médico, dos funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas que possam participar da custódia, interrogatório ou tratamento de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de prisão, detenção ou reclusão[21]  Entretanto, o que se propõe é uma política de conscientização de toda a população, inclusive das camadas mais pobres, com a adoção obrigatória da disciplina ‘direitos humanos’ na escolas de rede pública, com engajamento de universitários e operadores do Direito inclusive.

 

2.      Investimentos maciços na formação e capacitação da polícia.  Tanto no que tange à formação dos policiais, buscando o pleno comprometimento com uma política de repressão comprometida com o respeito aos direitos humanos, mas também com o investimento em recursos materiais, dotando a polícia de equipamento de última geração, que viabilize a eficiente investigação sem que o policial se veja na contingência de lançar mão de métodos ilícitos para a apuração dos fatos.  O que se observa hoje é a cobrança de soluções rápidas, resultados que possam ser apresentados à  opinião pública como indicativos de eficiência no combate à violência, em contraposição à uma carência absoluta de recursos materiais que inviabilizam a atuação eficiente que se espera da polícia.  Adoção de política salarial digna, compatível com a relevância de suas funções da polícia judiciária. Hoje muito se tem discutido a respeito de o Ministério Público se substituir a polícia na condução da investigação penal, como forma de solucionar o problema das falhas na investigação.  Parece-me que  tal perspectiva é equivocada.  O Ministério Público tem um relevantíssimo papel no processo penal, que é o de – após examinar a seriedade e idoneidade da prova colhida no inquérito – ajuizar a ação penal.  O sistema atribui a atividade persecutória a outro órgão, mantendo assim o Ministério Público em posição de isenção no exame da prova indiciária, para decidir se deve ou não ajuizar a ação.  É certo que o Ministério Público deve exercer o controle externo da atividade policial, mas isso não se traduz em substituir-se à polícia no desempenho de sua atribuição constitucional de realizar as investigações. 

 

3.      A imediata implantação da defensoria pública nos Estados em que ainda não existe e ainda da defensoria pública da União.  A meu ver esse é o déficit mais grave do Governo Federal e dos Governos Estaduais no compromisso firmado inclusive a nível internacional com a política de defesa dos direitos humanos.  Basta identificarmos quem são hoje as vítimas da tortura praticada pelos agentes do Estado envolvidos com a repressão criminal.  A clientela efetivamente alcançada pelo Direito Penal é, em sua imensa maioria, de pessoas pobres que não possuem assistência de advogados quando são detidas e quando são interrogadas.   Os Governos Estaduais hoje não valorizam suas defensorias, mantendo grande déficit de defensores que não conseguem atender a demanda,  mal equipados e com salários defasados, quando comparados aos demais advogados públicos e integrantes do Ministério Público.   Se houvesse um defensor público de plantão em cada delegacia de polícia, certamente essa medida de fácil implementação, teria um grande impacto sobre os atuais índices de violência policial  em delegacias[22]

 

4.      Os juízes devem comprometer-se com a execução da penal, exigindo, inclusive através de suas associações de classe e com apoio dos Tribunais Superiores, ampla reforma do sistema penitenciário. Além disso, devem dar às normas processuais penais interpretação conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Ricas, cujas normas possuem indiscutivelmente status constitucional.  Nesse sentido a prisão deve ser imposta ao acusado e ao condenado em circunstâncias excepcionalíssimas, optando-se sempre por penas alternativas, especialmente porque não pode o juiz simplesmente abstrair a realidade do sistema penitenciário, fazendo um exame meramente formal da pena que a lei estabelece[23]

 

4. Conclusão

 

Procurou-se, nesse breve estudo, apresentar o sistema de proteção aos direitos humanos vigente no Direito Brasileiro, o qual inclui mecanismos de Direito Interno e de Direito Internacional, em uma rede de integração de modo a garantir a maior eficácia do sistema, e por outro lado, suscitar alguns problemas referentes à efetiva aplicação, ao efetivo funcionamento de tal sistema de proteção, especialmente no que tange à prevenção e repressão da tortura no Brasil.   Ressalto apenas que o intuito do presente trabalho é apenas de suscitar algumas questões e assim contribuir para o imprescindível debate a ser travado visando extirpar definitivamente a prática da tortura em nosso país.



[1] Flávia Piovesan, Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: A Convenção Interamericana de Direitos Humanos, in O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro coordenação - Luiz Flávio Gomes e Flávia Piovesan, Ed. Revista dos Tribunais, pag. 19.

[2] Neste sentido, dispõe o art. 29 da Convenção Americana de Direitos humanos: “nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados”. 

[3] Antônio Augusto Cançado Trindade, O sistema interamericano de direitos humanos no limiar do novo século: recomendações para o fortalecimento de seu mecanismo de proteção, in A proteção internacional dos Direitos Humanos e o Brasil, publicação do workshop promovido pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, em 7 e 8 de outubro de 1999.

[4] São os seguintes os Estados que aderiram à Convenção Interamericana dos Direitos Humanos: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.

[5] Pag. 32.

[6] Antônio Augusto Cançado Trindade, obra citada, pag. 43.

[7] Sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ver  Antônio Augusto Cançado Trindade, obra citada, pag. 45 e seguintes.

[8] Reconhecem a competência da Corte: Argentina,  Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.  O Brasil reconheceu a competência da Corte apenas em 1998.

 

[9] Antônio Augusto Cançado Trindade, obra citada, pag. 64.

[10] Antônio Augusto Cançado Trindade, Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos no plano internacional e nacional, ....completar

[11] Cançado Trindade critica tal mecanismo de supervisão internacional como o mais débil previsto nas três Convenções existentes sobre Tortura (ob. cit., pag. 58).

[12] Nesse sentido: Flávia Piovesan, A incorporação, a hierarquia e o impacto dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro, in O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro, ob. cit., pag. 159 e seguintes.

[13] São os seguintes os tipos previstos na lei 9455: art. 1o – Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c)em razão de discriminação racial ou religiosa.  II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.  Pena – reclusão, de dois a oito anos.   Parágrafo primeiro – na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal;  parágrafo segundo – aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

[14] Maria Vitória Benevides, A justificação da tortura: a eficácia, a punição e a ‘proteção’, in Revista OAB/RJ, n° 22.

[15] Maria Vitória Benevides, ob. cit., pag. 250/251.

[16] Maria Vitória Benevides, ob. cit., pag. 254.

[17] in Justiça e Democracia, Revista da Associação Juízes Para a Democracia, Ed. Revista dos Tribunais, n. 2, julho/dezembro de 1996, pag. 10 e seguintes.

[18] Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, pag. 26.

[19] Também Maria Victória Benevides observa com muita propriedade que a tortura somente passou a ser discutida pela sociedade quando, em função da violenta repressão levada a cabo pela ditadura militar aos presos políticos, atingiu setores da classe média.  E, citando Paulo Sérgio Pinheiro, conclui: “no Brasil a tortura e a morte dos cidadãos das classes populares jamais emocionaram a consciência cívica”.  Ob. cit., pag. 247/248.

[20] Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior, pag. 22.

[21] art. 10, 1, da  Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.  Conteúdo semelhante possui o art. 7o da Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura.

[22] Antônio Augusto Cançado Trindade (obra citada, pag. 52) consigna que o décimo-primeiro parecer da Corte Interamericana dos Direitos Humanos (são ao todo 16 pareceres), datado de 1990,  relativiza a regra do prévio esgotamento dos recursos de direito interno como requisito de admissibilidade de petições, tendo decidido que tal requisito de admissibilidade não se aplicaria quando “por razões de indigência ou pelo temor generalizado dos advogados para representar legalmente a suposta vítima, um reclamante ante a Comissão se viu impedido de esgotar ou utilizar os recursos internos necessários para proteger um direito garantido pela Convenção.  Desse modo, a Corte deu maior precisão ao alcance das exceções à referida regra do esgotamento, em um Parecer de importância na América Latina, dadas as conhecidas dificuldades de acesso à justiça das populações carentes e da obtenção da assistência legal necessária à proteção dos direitos consagrados na Convenção Americana, ainda mais em situações de repressão ou intimidação”.

[23] Nesse espírito, cumpre ressaltar a feliz iniciativa do Juiz Tourinho Neto, quando corregedor do E. TRF da 1a Região, de editar a Instrução Normativa 16, de 29.9.99, impondo aos juízes federais o dever de visitar os presos em decorrência de prisão cautelar ou condenação proferida em processos sob sua responsabilidade, ao menos de quatro em quatro meses, inclusive com a incumbência de dar aos presos informações sobre o andamento dos respectivos processos.   Infelizmente, e como indicativo de que se faz premente uma mudança de mentalidade por parte do Poder Judiciário que comporta-se como se o problema da execução da pena não lhe dissesse respeito, tal Instrução Normativa foi revogada pelo novo Corregedor daquele Tribunal, através da  Instrução Normativa 21, de 22.5.2000,  ao argumento de que não incumbe aos juízes federais  “afastando-se das suas atividades, com prejuízo da jurisdição, executar assistência social”.

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