Brasileiro condecorado é tido como matador
Consideração de Maine irrita grupo de direitos humanos

Washington – Quando a imprensa perguntou a Maurílio Pinto de
Medeiros sobre as acusações de que ele lidera um grupo de extermínio,
o policial brasileiro mostrou que é um homem íntegro. Afinal, Maurílio
havia acabado de retornar dos EUA com dois distintivos que atestavam sua
qualidade profissional.
Um distintivo foi
concebido pelo Sheriff do Condado de Kennebec e outro pelo Condado de
York, ambos no Estado do Maine. Os sheriffs condecoraram Maurílio Pinto
sem saber que ele está sendo investigado por homicídio e tortura. Em
casa, aparentemente, Pinto tem usado os distintivos como prova de
credibilidade perante uma comissão de promotores de justiça que o
investiga, de acordo com notícias veiculadas pela imprensa local.
Agora, o grupo norte-americano Human Rights Watch está pedindo
ao Governador Angus King do Maine que retire os títulos concebidos que
Maurílio Pinto recebeu durante uma visita de intercâmbio cultural no mês
de setembro. “Se o Governador mandasse uma carta retirando as
condecorações, isto teria um impacto enorme aqui”, disse o advogado
James Cavallaro, representante do grupo no Brasil.
Contudo, ninguém no Maine está disposto a retirar os títulos
concebidos. Se por um lado o Porta-Voz do Governador King, Dennis Bailey, reconhece que “a Human Rights Watch apresentou pontos fortes
contra Pinto”, somente os sheriffs podem rescindir as condecorações.
Por outro lado os sheriffs se dizem acanhados em agir ex officio.
No Brasil, as condecorações chamaram a atenção do Congresso
Nacional. “O homem não é apenas um criminoso, mas sim o chefe dos
criminosos”, afirmou Vitor Carvalho, assessor da Comissão dos
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em Brasília. “Ele é o líder
de um grupo de assassinos e torturadores. É inaceitável que um país
como os EUA daria um título a um homem desse tipo”.
Pinto, quem alega ser inocente das acusações, é o segundo
homem na hierarquia da polícia do RN, um estado pobre no Nordeste
brasileiro. Sua visita de duas semanas pelo estado do Maine foi
patrocinado pelo programa “PARTNERS OF THE AMERICAS” que promove
missões de intercâmbio cultural, pagando suas despesas com passagens aéreas
e hospedagem. Maine e Rio Grande do Norte são “estados-irmãos” já
que ambos ficam localizados no extremo nordeste dos respectivos países.
De acordo com documentos fornecidos por Human Rights Watch, uma
comissão especial designada pela Procuradoria de Justiça vinculou o
nome de Pinto aos casos de execuções sumárias e torturas que estão
sendo investigados.
O grupo liderado por Maurílio Pinto chama-se “Meninos de
Ouro” e figura no relatório da comissão especial como responsável
pelo desaparecimento de duas pessoas, um caso de tortura e pelo menos
oito homicídios. Policiais fazem parte do grupo, sendo que três deles
estão diretamente ligados ao gabinete de Maurílio Pinto, afirma o
relatório.
Por sua vez, a Human Rights Watch alega Ter em suas mãos um
depoimento juramentado ligando Pinto ao crime de tortura. Na presença
de um advogado em setembro, o presidiário Arivone Gonçalves jurou que
foi torturado no gabinete de Maurílio Pinto por três policiais em
abril de 1993.
“Quando as medidas se revelaram incapazes de arrancar uma
confissão de Arivone, o Delegado Pinto entregou um aparelho eletrônico
para que fossem ministrados choques elétricos no suspeito”. Human
Rights Watch informou por carta ao Governador King. “Eles começaram
por ligar o fio elétrico ‘as costas do suspeito. No curso do
interrogatório eles passaram o fio pela boca, incluindo dentes e a língua,
chegando até os testículos”, diz a carta. “Ao final da sessão de
torturas, o Delegado Pinto ordenou que fosse gravado a ferro seu nome no
peito de Arivone.
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara solicitou em agosto
que o governador do RN exonerasse Pinto do cargo de Secretário-Adjunto,
mas ele permanece no cargo até hoje.
Pinto não foi encontrado por telefone. Seu chefe escreveu ao
Governador King para dizer que as acusações de Human Rights Watch são
falsas pois se baseiam em versões infundadas infundadas de um advogado
inconformado.
Neil Rolde, presidente da Partners of the Americas em Maine
disse que Pinto foi escolhido para a visita pelo escritório do grupo no
Brasil. O representante do grupo no Brasil, Lucio Brandão, disse que
verificou as acusações contra Pinto antes de selecioná-lo para o
programa, mas achou que nada havia sido comprovado.
Em sua visita ao Condado de York, sul do Estado do Maine, e a
Kennebec, na região de Augusta, Pinto se revelou um homem alegre e
curioso. “Para ser franco, eu fiquei surpreso com as acusações
feitas a ele”, disse o sheriff de York, Wesley Phinney Jr., “eu
passei somente um dia com ele, mas ele me pareceu um cara sério”.
Oficiais nos dois países disseram que as condecorações são
raramente dadas em visitas de intercâmbio. Pinto teria recebido os títulos
porque suas atribuições no Brasil correspondem ‘as de um sheriff nos
EUA.
Ambos os países se recusam a rescindir as condecorações
imediatamente. “Nós deixaremos o caso nas mãos do Governador King, já
que não temos meios de aprofundar as investigações sobre as denúncias”,
afirmou o assessor do sheriff de Kennebec, Bryan Lamoureau.
Phinney, da Partners of the Americas disse que retiraria as
condecorações caso o escritório no Brasil apresentasse provas de
culpa de Maurílio. “Nós não agiríamos enquanto eles não viessem
até nós para dizer que cometeram um equívoco”
No Brasil, jornais que cobrem as investigações sobre Pinto
também mencionam as condecorações concedidas durante sua visita às
agências policiais do Maine. “Indiretamente, as autoridades do Maine
estão ajudando a um policial trapaceiro”, disse a Human Rights Watch.
“Não apenas ele se orgulha em dizer que esteve em visita
oficial às agências policiais do Maine, aprendendo novas técnicas a
serem trazidas ao Brasil, mas também diz que em reconhecimento ao seu
trabalho teria recebido as condecorações”, disse Mike Boschenek,
advogado da organização de direitos humanos em Washington. “Isso o
vincula à imagem dos EUA, o que é uma honra para ele”.
Publicado no jornal Boston Globe, de 17 de
dezembro de 1995; página 56.
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