FERNANDO
VASCONCELOS, PROMOTOR DE JUSTIÇA DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE
NATAL.
Entrevistadora1: Nós
queríamos, Fernando, que você contasse um pouco o caso, esses casos,
quando eu falo caso, eu estou falando tudo que envolveu, todos os casos
que permeou, as chacinas, as denúncias dos casos de extermínio, até
culminar no caso de Gilson, inclusive como é que estão esses casos
hoje. Então é... como foi que você entrou, a sua atuação, a partir
de quando entrou e como ... a sua versão do caso.
Entrevistado: Bom, sempre
se sabia que era comum aqui em Natal haverem morte em circunstâncias
estranhas. E, sempre se dizia, tinha aquela estória do mão branca,
isso era um grupo de extermínio que na verdade existia. Infelizmente, a
Secretaria de Segurança que era o órgão quem incumbia apurar isso,
praticamente nunca chegou a solucionar caso nenhum. É verdade que
houve, num certo período a apuração de alguns crimes, que era de um
grupo ligado a polícia militar. Então a polícia civil, não sei se
por rivalidade, ou porque motivo, chegou nesses casos, nesses crimes,
apenas atribuído a policiais militares, e houveram algumas prisões,
algumas condenações, que de certa forma foi apurado. Mais as mortes
continuaram, também a título de mão branca. E mais uma vez a
Secretaria ficou inerte, não tomou providências no sentido de apurar.
Em 95, acho que em fevereiro de 95, houve a chacina de Mãe Luíza, foi
assim o ápice de todo o encadeamento desse trabalho.. Então nesse dia,
depois ficou comprovado que o policial Jorge Luis, conhecido como Jorge
abafador, teria ido de madrugada ao bairro de Mãe Luíza e teria lá
feito essa chacina de duas pessoas. Morreram , inclusive uma grávida, e
várias ficaram feridas. E daí, então, o Centro de Direitos Humanos
teve uma representação, historiando uma série de crimes que estavam
impunes, e que mais do que isso não teve sequer apuração nenhuma. E,
a partir daí, dessa representação, o Procurador Geral de Justiça
criou uma comissão composta de 5 Promotores e de um Procurador, para
apurar esses crimes denunciados pelo Centro de Direitos Humanos, que na
época da representação era em torno de 10, de 10 mortes, aliás de 10
crimes. Alguns com três mortes, com duas, uma, totalizavam em torno de
30 mortes. Então nós começamos a trabalhar, e o trabalho bastante difícil
que a gente ia começar do nada praticamente, e também sem quase
nenhuma condição de trabalho. Era tudo muito mais fruto da boa vontade
nossa, e com o apoio do pessoal do Centro de Direitos Humanos, e com
Gilson Nogueira, que a gente começou novamente a desencadear isso. A
punição não funcionou, ‘na verdade, a contento, nem todas as
pessoas puderam participar mais ativamente, ou tivesse motivos, e de
qualquer forma andou. Então a gente chegou a desvendar alguns crimes
que estavam até então sem qualquer perspectivas.
Foi a chacina de Mãe
Luiza, foi o caso de Walderley, o caso conhecido como lei psival, outro
homicídio, algumas lesões corporais, o caso Marcone Barroca, que foi
em Parnamirim, a chacina de Nova Natal, essa já existia um processo na
Justiça. Só que esse Processo tinha apenas a versão dos acusados, que
eram os policiais que tinham sofrido, eles alegavam que tinham sofrido
violência por parte dos que foram mortos, que tinham atirado contra
eles, e eles reagiram. Só que quando a comissão estava composta, se
dirigiu-se até o bairro de Nova Natal e se averigou que não tinha sido
bem daquela forma. E aí, o caso tomou um novo rumo já na Justiça. Os
acusados foram pronunciados, foram levados a Juri, infelizmente foram
absolvidos, por 5 a 2, mais o processo ainda se encontra em grau de
recurso. Eu fiz o recurso de apelação, e está no Tribunal aguardando
julgamento. Então se o Tribunal modificar a decisão, eles vão ser
submetidos a novo julgamento. Isso deve ocorrer dentro de mais ou menos
01 ano, devido a morosidade da própria justiça. E, com o passar do
tempo, essa representação inicial, que tinha sido feita pelo Centro de
Direitos Humanos foi crescendo, pois todo dia ia surgindo um caso novo.
Todo dia ia surgindo um caso novo e a Comissão praticamente estava a
essa altura, com mais de ano de funcionamento, já sem condição de
continuar essas diligências. E, a Comissão praticamente se
auto-extinguiu, ficou sem se reunir e tal e praticamente parou. Em
seguida, a OAB, e o Conselho de Direitos Humanos Federal, eles criaram
uma comissão também prá apurar esses crimes. Era mais, essa segunda
Comissão, para fazer uma radiografia do problema. E, também não
funcionou. Foi prometido a estrutura necessária, mas não foi dada
nenhuma condição. A única coisa que foi feita foi expedir uma...
publicar no Diário que tinha aquela Comissão. Mais nunca se ofereceu
estrutura nenhuma, nem do Ministério da Justiça que foi quem criou e
quem deveria ter feito isso, e nem também da Secretaria do Interior e
Justiça daqui do Estado, que essa nem a audiência foi concedida.
Benilton que era Promotor da época, dessa Comissão, tentou até uma
audiência com o Secretário mais não conseguiu. Então ele renunciou,
o Dr. Benilton renunciou a essa Comissão, e ficou parada. Em seguida, o
Procurador designou o meu nome para fazer parte dessa Comissão. Foi prá
Brasília essa designação, mais até hoje não veio do Ministério da
Justiça oficializada essa nova designação. A informação que agente
tem é que está no Gabinete do Ministro e de lá tomou doril, ninguém
sabe onde anda. Há 15 dias o Procurador Geral esteve em Brasília, à
convite do CDPH, e tocou nesse assunto, e eles prometeram que enviariam
breve essa Portaria, mais também não foi feito. Então essa Comissão
não existe na verdade, porque não foi publicado no Diário Oficial
apenas existe a informação de que ela foi criada, e que está na mesa
do Ministro da Justiça. Como também houve mudança de Ministro, nessa
época, antes do Ministro era Nelson Jobim, e depois foi o Ministro Íris
Resende. Então, não sei se a mudança de política de postura lá, não
sei bem porque, mais com o Ministro Jobim a coisa andou mais rápido.
Então nesse período, veio também a morte do Advogado Gilson, Gilson
Nogueira, que era também uma das pessoas que fazia parte dessa nossa
luta. Ele foi assassinado em circunstâncias até hoje desconhecidas,
quando chegava na sua granja na cidade de Macaíba, e o inquérito
terminou pedindo o arquivamento do inquérito, por não se achar autoria
desse caso. Então foi o Promotor que atuou no caso entendeu que devia
ser arquivado e a Juíza acatou e o processo está arquivado, aguardando
que surja algum fato novo que possa desencadear o seu arquivamento. Por
enquanto o processo se encontra, infelizmente, arquivado. O Procurador
Geral... o novo Procurador Geral que assumiu em julho, ele tinha como
compromisso de criar uma Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos.
Porque a coisa aqui em Natal estava muito solta, então cada Promotor
podia atuar nessa área, mais não tinha coordenação, centralização
e isso dificultava, por dependia da boa vontade de cada Promotor. Então
ele já enviou esse Projeto de Resolução prá criar essa Promotoria,
dar atribuição a essa Promotoria e eu fui o convidado para essa missão.
Então como o Procurador
Geral tinha esse compromisso criou. Então essa Promotoria, apesar de
ter iniciado na base da boa vontade, também ela não tem ainda a
estrutura necessária que deveria ter. Por exemplo: Nós estamos aqui, a
Promotoria não tem nenhum dicionário, então é apenas o Promotor. Então
eu faço tudo. O Promotor é quem é responsável por todas as...desde a
notificação a uma testemunha, até ao ouvido, enfim, todo o
procedimento é feito através do Promotor, pois ainda não temos nenhum
funcionário. A Promotoria existe apenas com uma pessoa. O material que
nós temos aqui, esse computador por exemplo, não é nosso, é
emprestado, então a gente também está trabalhando com essa... trouxe
prá cá porque precisava, senão a gente não tinha nem como vir, não
tinha condição nenhuma, que inclusive tinha iniciado com aquela máquina
ali que se encontra quebrada. No primeiro dia trabalhei com ele, com
alguma dificuldade, depois veio prá cá esse computador, que eu trouxe
de outra Promotoria, e a impressora que é de um colega Promotor. É uma
coisa pessoal, ele me emprestou , enquanto a gente não tem o nosso
mesmo. Material de expediente, boa parte a gente não encontrou, e eu
comprei do meu bolso inclusive. Esse plástico aqui, por exemplo, que
cai do ar condicionado, foi eu que comprei, grampeador, material de
expediente prá começar a trabalhar, fui eu que banquei isso, porque
então eu não trabalhava. Então como eu tenho esse ideal e, estou aqui
porque gosto mesmo desse trabalho, tenho um compromisso com isso, eu fiz
isso tudo. Mas se fosse, por exemplo, alguém que quisesse, que
estivesse aqui apenas funcionalmente prá ocupar, não ia trabalhar
nunca, porque não tem nada. Eu fiz com a minha boa vontade mesmo.
Há uma promessa do
Ministro da Justiça prá conseguir alguma coisa prá cá, não é muita
coisa, a gente precisa apenas de uma impressora e de um computador, e
depois de um funcionário, que não seria mais a nível de Brasília,
mais a nível daqui. Estou tentando com a Secretaria do Interior e Justiça
um audiência com o Secretário há 15 dias mais a informação é que
ele se encontra viajando. Então, deixei o recado lá, mais até hoje
ninguém me deu retorno. Então vocês vejam que é uma dificuldade
muito grande prá gente conseguir as coisas. A gente vai fazendo as
coisas na base da boa vontade e também com o apoio das pessoas do
Centro de Direitos Humanos que eu considero o nosso único aliado
atualmente.
Entrevistador2: ...
exatamente isso, como é que você analisa essa relação da Promotoria,
com a sociedade civil, com as organizações governamentais nesse
processo todo.
Entrevistado: Aqui no
estado, praticamente quem tem uma atuação assim nessa área, é apenas
o Centro dos Direitos Humanos. Então a gente tem tido um trabalho
muito, bom, com algumas deficiências, tanto da nossa parte, como da
parte do Centro, mais de qualquer forma, são dois grupos que, se não
estiverem juntos, vão ficar praticamente sem condições de fazer nada.
Nem o Centro vai ter muito espaço prá fazer alguma coisa, se não
tiver o apoio do Ministério Público, e nem o Ministério Público, no
caso específico dessa Promotoria, vai ter muito mais dificuldade de
apurar qualquer coisa sem o apoio do Centro, não é.
Então é uma parceria
importante, e precisa ser apenas, eu acho, mais organizada, ainda tem
algumas coisas que a gente peca muito por falta, inclusive, de estrutura
do Centro. Por exemplo: o Centro não tem hoje, nenhum advogado fixo,
que diga assim, você é advogado do Centro mesmo, as pessoas trabalham
ali na base da boa vontade, da colaboração, mais não tem nenhuma
pessoa que diga assim: esse aqui é advogado do Centro. Não existe
isso. Isto é muito ruim, porque em alguns casos as pessoas, as vítimas
precisam de um advogado, e fica dependendo da boa vontade de um ou de
outro. Eu acho que é um ponto, que teria que haver no Centro, seria uma
profissionalização maior. Mais isso é assunto interno deles, apenas
uma constatação que a gente faz, pelo trabalho que a gente viu. Então
quando iniciamos esse trabalho tínhamos vários processos encalhados na
Procuradoria de denúncias, e estamos começando a colocar isso prá
fora. Ontem mesmo, hoje estamos fechando um caso de homicídio que
estava sem apuração...
Entrevistador2: vocês
conseguiram...
Entrevistado: Veio, mais
ainda falta ouvir algumas pessoas. Então nós estamos fechando esse
caso, vários outros já estamos expedindo ofício...
Entrevistador3: Este
homicídio tem relação com o grupo de extermínio...
Entrevistado: Tem, tem.
É mais uma vez o autor que aparece e, reconhecidamente, é o Jorge.
Sabendo-se que ele estava acompanhado de mais duas pessoas, que a gente
suspeita quem seja, mais infelizmente ainda não apareceu nenhuma
testemunha que afirmasse a participação dos outros dois. Então,
certamente Jorge vai ser denunciado, os outros dois não sei se a gente
vai conseguir elementos prá isso. O problema é que as testemunhas são
muito amedrontadas, com certa razão é prá ser mesmo, porque esse
grupo não é de brincadeira e elas passam a não terem coragem de vim
depor. A gente sabe que eles sabem mais elas por medo dizem que não
sabem. A dificuldade maior é nesse trabalho com as testemunhas, mais o
trabalho se iniciou, está aqui há menos... estamos hoje há 15 dias
com esse trabalho, é praticamente e, o trabalho pelo menos se iniciou,
a gente tem muita coisa a fazer, precisa se estruturar melhor e,
momentaneamente estamos indo na base da boa vontade mesmo. Estamos
consumindo algumas coisas, mais é preciso termos uma estrutura maior,
inclusive uma estrutura de assessoria e, também, de estreitar mais essa
relação com o Centro. Eu acho que seria essa...
Entrevistador1:Não sei o
nome dele, só sei que...
Entrevistado: José
Maria, o mobilizador.
Entrevistado2: E ele
citou o caso da lista, do telefonema que ele recebeu avisando na vista
de pessoas que ele ia morrer, que o primeiro deles seria Gilson, e ele
avisou que entrou em contato com você antes. Eu queria que você
contasse um pouco isso, como é que foi.
Entrevistado: Bom, o fato
foi o seguinte: na semana que Gilson morreu, Gilson morreu num sábado
para o domingo, , foi mais ou menos na terça, eu não me recordo bem, o
dia da semana específico. Ele ligou no começo da semana primeiro, acho
que foi na terça feira mais ou menos e disse que precisava falar comigo
ou com Mozart. Eu disse: Olhe...
Bom, então ele ligou
para mim, no começo da semana. O Maria Fernandes, conhecido como o
mobilizador. Ele ligou para mim no início da semana dizendo que
precisava urgentemente falar comigo ou com o pessoal do centro. Eu disse
a ele... eu perguntei a ele do que se tratava. Ele disse: olha, eu não
posso dizer por telefone não, só digo pessoalmente. Na época eu
atuava na 8ª Vara Criminal. Então eu não tinha poder para mandar
requisitar ele à minha presença, porque eu não atuava nem no processo
dele. Eu estaria extrapolando os limites de minha atribuição. Então
eu liguei para o pessoal do centro e disse: Olhem, o mobilizador quer
falar com vocês e tal, não disse o que era e que vocês procurasse
ele. Na quinta feira ele ligou novamente. Fernando cadê o pessoal?
Olhe, eu já avisei o pessoal do centro prá lhe procurar. O fato é que
por um motivo ou por outro ele não foi procurá-lo. No sábado houve a
morte e quando foi na segunda ou terça feira, depois da morte, ele
ligou novamente prá mim e disse: "Mas Dr. Fernando, era isso que
eu ia avisar e tal... prá vocês avisarem a ele para tomar cuidado.
Bom, primeiro você podia
ter dito isso por telefone, você não estava cometendo nenhum crime;
segundo, eu avisei ao pessoal do centro, mas houve esse desencontro e,
infelizmente não sei se, efetivamente, isso é verdade, que você
colocou... eu acho difícil também o matador ligar para avisar uma
pessoa que sabe que é aliado nosso, momentaneamente prá avisar isso,
eu acho um pouco estranho, mas de fato aconteceu isso. Então houve esse
problema. E também, com relação à morte de Gilson, ainda com uns 15
dias antes dele morrer, ele... eu dou aula a noite, na UNP e quando eu
ia chegando em casa, por volta de 10:30 mais ou menos, ele ligou para o
telefone celular e eu estava com o carro parado para entrar na garagem.
Ele disse que tinha recebido a informação naquele instante e que havia
alguns carros rondando a granja dele. E perguntou o que eu podia fazer
prá ajudar ele e o que ele fazia. Nessa época eu era promotor de Macaíba,
então eu disse que naquela hora eu não podia fazer nada, porque nem ia
sair de Natal naquele instante prá ir prá lá, não tinha condição
nem física, nem material de ir investigar isso e que, também, a
delegacia, naquela hora, também pelas precárias condições não ia
dar ajuda nenhuma a ele, porque fica só um soldado lá à noite. Então
não ia ter como eles fazerem isso. Então orientei a ele que não fosse
prá granja e dormisse noutro local e no dia seguinte ia investigar o
que realmente tinha havido. Ele fez isso, dormiu noutro lugar e no dia
seguinte eu procurei ele novamente.
Disse: Gilson, como é
que foi lá? Resolveu o problema? Aí ele chegou e disse: Não Fernando,
eu fui informado que realmente era a polícia que estava lá, mas eles
estavam atrás dos ladrões que furtaram algumas granjas e deram informações
de que era próximo a granja de Dr. Gilson, mas essa granja, dizia ele,
ele já tinha vendido, porque ele tinha duas granjas. Então essa granja
que o pessoal estava rondando, depois do que contaram a ele, era a outra
granja que ele já havia vendido, que já não era mais dele, mas que o
povo da comunidade, por ter sido dele, dizia: "É a granja de Dr.
Gilson" e continuavam chamando assim. E ele levou em conta muito
esse fato e disse que talvez já fosse o início da primeira, mas ele
aceitou a versão e não se preocupou. Eu ainda disse a ele que mesmo não
tendo sido nada grave nessa ocasião, ele evitasse ir para a granja
principalmente a noite, porque era um lugar extremamente deserto, poucas
pessoas e é interior, daqueles que as pessoas se recolhem muito cedo.
Então depois das 08:00 horas da noite, você não vê nenhuma pessoa na
rua, esporadicamente. E ele disse que não ia mais dormir lá,
realmente, porque era risco. Coincidência ou não, na semana que ele
morreu, todos os dias ele dormiu na casa do irmão. Isso foi dito a mim,
pelo próprio irmão dele, Gilmar, que disse que a semana todinha ele
dormia na casa do irmão. E justamente no sábado, no dia da morte, ele
foi dormir... quer dizer, foi prá granja. Eu suspeito, aí é uma
suspeita pessoal, sem prova nenhuma, eu suspeito que houve alguém,
alguma isca, alguma coisa que fizesse ele chegar até lá. Porque
primeiro ele estava com essa garota, estava na Festa do Boi, que era em
Parnamirim, quer dizer, noutra cidade, não é? Se ele queria ter um
relacionamento com ela teria ido para um motel, ou para outro lugar próximo
a Parnamirim, não iria se deslocar até Macaíba só para isso. Então
eu imagino que ele tenha se encontrado com alguém, com algum amigo
(entre aspas) que tenha servido de isca para isso. Tenha dito:
"Olha, vamos para a granja, fazer umas festas lá. Então ele deve
ter dito: "Então vamos lá prá granja, que lá é bem tranqüilo,
é uma granja bem estruturada". Tinha tudo lá, tem todo conforto
que as pessoas precisavam. Então devem ter dito: "Vamos prá lá,
a gente fica bem a vontade, faz uma farra, vamos dizer assim." E
ele tenha caído nessa armadilha e tenha ido. Isso é uma suspeita
pessoal, sem qualquer prova. Apenas você ligando o fato de que ele não
dormiu durante a semana todinha na granja, que ele estava noutra cidade,
então, se ele queria apenas um relacionamento sexual, ele iria para um
motel ou para outro lugar mais próximo e não saia de Parnamirim e ia
prá Macaíba só com esse fim. Então isso é apenas uma suspeita que
eu não tenho nenhuma prova. E o fato é que o crime está aí, impune
até hoje. O que é ruim prá todo mundo.
Interlocutor: O Senhor
poderia voltar um pouco e falar da lista, da tal lista? Porque você é
um dos que está, não é?
Entrevistado: Olhe, essa
lista, eu... para ser bem sincero, eu conheço através da imprensa. Eu,
particularmente, nunca fui diretamente ameaçado. Houveram algumas ameaças
sim, citaram o meu nome, o de (inaudível),o de Gonzaga inclusive, num
telefonema para Dr. José Maria, que na época era o presidente da
comissão. Então, ligaram para lá dizendo que tivesse cuidado (que
Gilson na época era vivo ainda também) que era Gilson, eu e tal e
citavam nossos nomes. Depois disso, veio através da imprensa. Depois
também mobilizador, esse preso disse que recebeu um telefonema com a
mesma... que ele mais a gente também, com essa ameaça. Então, de
forma que o conhecimento que eu tenho dessa lista é dessa forma. De
qualquer forma eu acho que a gente deve se resguardar, considerar isso,
até porque uma pessoa já foi morta. Então eu não sei se ele vão
continuar com essa matança, eu não sei se essa lista é efetivamente
uma coisa séria, apenas a gente não deve brincar com isso, porque
realmente o risco é grande. A coisa é meio ruim de diluir mais foi o
que houve, e esperar que surja um fato novo. Eu acho que vai...
Agora sem gravar...
Sem sentido.
... Foi lá em casa
batemos um papo, conversamos e tal, falamos até de futebol, só pegando
a confiança da gente , ganhando a confiança da pessoa Já é irregular
isso...
Como se fosse...
É irregular, fora da
lei.
Entrevistado: É. Então
ele como Delegado, tinha pessoas que não eram policiais e trabalhavam
como se fosse. Então, certa vez ele emitiu um documento determinando
que essas pessoas fossem a Paraíba fazer uma diligência. Essas pessoas
foram e nessa diligência, mataram uma pessoa lá.
Interlocutor: Lá na Paraíba?
Noutro estado?
Entrevistado: Lá. Nós,
ao tomarmos conhecimento disso, a gente requisitou alguns documentos,
inclusive das próprias Secretarias, perguntando se aquelas pessoas que
ele havia mandado lá na Paraíba, eram policiais e a resposta veio que
não eram. Então a gente denunciou ele por um crime chamado falsidade
ideológica, prevista no nosso Código Penal, que é você inserir uma
declaração falsa que vai notificar juridicamente alguma situação,
vai criar direitos ou obrigações para alguém de forma falsa. Então o
documento é perfeito, é verdadeiro, o documento não era falso. Agora
a idéia que constava no documento é que era falsa. Então ele dizia
que alguém era policial sem a pessoa ser. Ele na qualidade de
coordenador de polícia. Então com esse documento nós conseguimos
denunciá-lo e o processo está aí para ir a julgamento.
Interlocutor2: E sabe
quando vai ser julgado?
Entrevistado: Bom, não há
uma previsão, porque está com a defesa para apresentar as alegações
finais da defesa. Depois disso, vai para a Juíza sentenciá-lo. Então,
eu creio que dentro de 4 ou 5 meses, no máximo, deve estar saindo isso.
Interlocutor1: Porque uma
coisa que a gente percebe também, é que, por exemplo, os processos são
contra a maioria deles, os agentes que trabalhavam para Maurílio.
Entrevistado: É isso,
todos eles.
Interlocutor1: Acusam
diretamente a Maurílio.
Entrevistado: São pouquíssimas...
Interlocutor1: São
poucas.
Entrevistado: Existem só
dois, não é? Esse é um abuso de autoridade, que foi em Nizia
Floresta. Ele foi absolvido, mais o processo está em grau de recursos
no Tribunal.
Interlocutor2: A
Promotora recorreu à sentença do Juiz!
Interlocutora1: Mais aí,
juridicamente, em que pesa os agentes que trabalhavam para ele, serem
acusados, serem processados? Em que pesa?
Entrevistado: Olhe, em
termos penais, prá ele não pesa nada. Porque só pesaria se a gente
conseguisse provar que aquelas pessoas que foram assassinadas por extermínio
teria sido a mando dele ou que ele tinha conhecimento. Então é difícil
a gente provar isso, porque os próprios agentes, mesmo sendo
processados, jamais entregam ele.
Agora é o seguinte: em
termos administrativos, eu acho, aí é uma opinião pessoal também,
que não ficaria bem, por exemplo, eu sendo Secretário de Segurança do
Governador do Estado, jamais manteria uma pessoa em um cargo estratégico,
sabendo que várias pessoas, subordinadas a ele cometeu diversos crimes.
É uma questão mesmo de postura de governo, de ética, política. Mais
é uma questão penal, processual, não tem como...
Interlocutor1: O problema
é que eu não sei, antes do Senhor colocar.... É que ele, sempre ele
era o chefe dessa equipe, destas pessoas, mais ele nunca dava ordem por
escrito, pessoalmente ele mandava fazer. Vá prender fulano.
Entrevistado: Vá prender
fulano. Os agentes iam. Mais não dava ordem por escrito.
Interlocutor: Nem ia
pessoalmente.
Entrevistado: Nem ia
pessoalmente. Eram os agentes dele, mais ele não dava ordem por escrito
e mandava verbalmente, entendeu? Daí a questão dele não ser pego pela
justiça.
Interlocutor2: É, mais já
teve repercussão a função que ele estava...
Entrevistado: É, já
foi...
Interlocutor2: Já se
afastou, já foi remanejado de função.
Entrevistado: Exatamente,
ele está agora numa Delegacia comum, como qualquer delegado, na
Polinter.
Interlocutor3: Embora
indiretamente ainda tenha unidades políticas.
Entrevistado: Ele tem,
porque o poder dele é um poder de liderança. Ele não é uma categoria
imutavelmente, ele tem... possui uma grande liderança. A maioria dos
policiais rendem sua homenagem cega a ele. E de fato, ele tem esse poder
de mobilização dentro da categoria, mais em termos funcionais ele não
está mais como era, com o poder de manda que ele tinha. E a tendência
é, com o tempo acabar. A menos que volte outro governador, com outra
postura e que volte ele para o cargo anterior, que é possível isso
também. Mais no governo atual, eu acho difícil, seria um retrocesso. O
mais difícil seria tirá-lo de lá e uma vez tirar, a própria pessoa
que tirou botar de volta, eu acho difícil. Mais o próximo governo não
se sabe.
Pressionar o estado para
que ele assuma sua parte entendeu? Eu tenho consciência disso. O estado
precisa assumir essa parte aí das denúncias contra os policiais,
muitas denúncias os delegados não fazem e o Ministério Público também
não atua, sabe? Aí a gente precisa pressionar. As pessoas nos
procuram, relatando que teve alguém morto pela polícia, foi torturado,
foi espancado, preso irregularmente, então, aí a gente faz... eu, por
exemplo, estou nessa área aí, faço a representação ao Ministério Público.
Coação para o Ministério Público assumir o seu dever de ofício, não
é? Que é receber a representação e fazer a denúncia do caso.
Interlocutor1: Pergunta
inaudível.
Entrevistado: Eles alegam
muito isso. Falta de condições, não sei se você...
Interlocutor1: Falta de
recursos.
Entrevistado: Apesar de
Fernando ser um Promotor bom, mais ele também entra na conversa dos
outros, não tem recursos e etc., entendeu? Mais não é só a falta de
recursos, ele eu sei que tem boa vontade, mais os outros alegam muito
falta de recursos e tal e não é só falta de recursos é falta de
compromisso mesmo, até de dever de ofício, como representante do
Estado, sabe?
Interlocutor1? Recebendo
também um salário?
Entrevistado: Recebe.
Eles ganham... espere um pouco... 5, me parece, eu não tenho bem
certeza, mais 5 ou 6 mil dólares por mês, um Promotor recebe. Não é
ruim não, é?
Interlocutor2: Cinco?
Entrevistado: Cinco mil dólares
por mês. Dá prá viver, não dá? Se eu ganhasse isso. Então aí... O
Ministério Público, no nosso entendimento, ele é muito comprometido
com a elite. Ele é muito comprometido com a elite. Sabe K.? Devia ser
mais comprometido com a própria justiça e com a sociedade, visto que o
Ministério Público, ele é fiscal da sociedade, fiscal da lei, para
que aquela comissão de promotores funcionasse, que o Dr. Fernando
falou, foi preciso que nós ficássemos junto deles, subsidiando...
Interlocutor2:
Apoiando...
Entrevistado: Apoiando,
se não essa comissão não funcionaria, sabe? Essa comissão não teria
funcionado, se não fosse o trabalho que a gente fez e ele próprio
reconheceu na conversa, ele próprio reconheceu na conversa.
Então a gente tem
esperança que com esse novo Procurador, Dr. Anísio Marinho, que fez
parte da Comissão de Promotores para investigar a polícia, os crimes
que a polícia tenha cometido, que ele faça um trabalho bom, e um sinal
foi a criação da Promotoria de Direitos Humanos, da qual Dr. Fernando
ficou Promotor.
O que você queria me
perguntar?
Interlocutor 3: Eu queria
perguntar uma coisa, se você pode repetir isso, porque agora tem um
Procurador novo e ele fez parte da comissão de Promotores que
investigava os crimes da polícia.
Entrevistado: Exatamente.
Interlocutor3: O Fernando
foi apontado para trabalhar especificamente com direitos humanos.
Entrevistado: Foi, foi
apontado pelo Procurador Geral.
Interlocutor1: Que se
chama...
Entrevistado: Anísio
Marinho Neto.
Interlocutor 1: E ele foi
apontado agora?
Entrevistado: Começou
agora, nesse mês de agosto. Começou agora.
Interlocutor1: Muito novo
o posto.
Entrevistado: É, muito
novo.
Interlocutor1: E você
acha que tem também algo a ver com o movimento nacional dos Direitos
Humanos, que foi criado esse posto? Aqui eu tenho uma relação com
apoio psicológico do fato de que o Brasil agora tem um plano de
direitos humanos nacional, ou não?
Entrevistado: Sim, é.
Interlocutor1: Talvez não.
Entrevistado: Um pouco,
muito pouco.
Interlocutor: Muito
pouco.
Entrevistado: O fato é
que nós aqui fizemos a reivindicação ao Procurador Geral antigo e ele
não se preocupou com a criação dessa Promotoria, mas o Dr. Anísio
quando assumiu, ele sabia da nossa proposição, nós propusemos duas
vezes a Procuradoria, ele sabia da nossa proposição e aí ele criou a
Promotoria.
Interlocutor1: Foi uma
proposição que você fez.
Entrevistado: Foi nossa,
uma proposição nossa. Eu quero ver se encontro aqui algum sobrevivente
da chacina de Mãe Luiza , aqui. Aguarde só um pouquinho.
Entrevistado: (inaudível)
quer dizer, você também não vai fazer coisa que vai prejudicá-lo. Aí
você consegue conversar, às vezes chega gente como você que está
fazendo uma pesquisa sobre violência e aí eles topam falar. É porque
prá eles é um drama ficar falando, um chega, outro chega, um chega,
outro chega. |