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03 de Agosto de 1997
ARIVONE GONÇALVES


DEPOIMENTOS SOBRE TORTURADORES NO RN

Entrevistadora: Nós assistimos o seu depoimento lá no Centro de Direitos Humanos e algumas coisas que a gente viu, por exemplo: uma pessoa que chega e assiste só aquele depoimento, fica meio que se perguntando várias coisas. Então você conta só a tortura...

Entrevistadora: Como aconteceu?

Entrevistado: Aconteceu que eu fui preso em outra cidade com porte de arma. Eles recapturaram, me trouxeram prá Secretaria, quando cheguei aí começaram a me bater, desde a hora que eu cheguei.

Entrevistadora: Qual a sua cidade?

Entrevistado: É Apodi, eu resido em Apodi.

Entervistadora: Por porte de arma, aí eu cheguei na Secretaria e começaram a me bater (...) Fizeram umas perguntas, eu não sabia do que se tratava, entendeu? Eu não soube responder nada. Aí me colocaram na Delegacia de Tóxicos, no mesmo dia, às 4 horas da tarde me tiraram, levaram prá Secretaria, novamente, e chegando lá começaram a tortura. Todo tipo de tortura fizeram lá comigo: choque elétrico em toda parte do meu corpo, objeto retirado do boi, o cunhão do boi, o Senhor sabe o que é? Aquele negócio do boi, entendeu? Eles cortam, a gente faz aquilo ali prá dar nos cavalos, nos burros, a gente correr em vaquejada, nos animais. E ali na Secretaria eles usam prá torturar os presos, prá descobrir as coisas. Foi isso que me fez. (...) Dando choque elétrico por toda parte do corpo e o sujeito na hora do pique (...) chute e com raiva.

Entrevistadora: Como é que você sabe que é o filho de Maurílio Pinto:

Entrevistado: Porque eu conheço.

Entrevistadora: Você conhece ele?

Entrevistado: Conheço.

Entrevistadora: De outras...?

Entrevistado: Não, nunca tinha visto. Mas desde o dia seguinte eu fiquei sabendo que era o filho de Maurílio Pinto. Eu procurei saber e fiquei sabendo. Maurílio Júnior o nome dele. Aí eu fiquei sabendo que era ele. Me levaram às 4 horas da tarde e vieram me devolver às 9 e meia da noite. Esse tempo foi só tortura.

Entrevistador: Quem estava comandando a tortura?

Entrevistado: Dr. Maurílio Pinto.

Entrevistador: Lá no gabinete dele?

Entrevistado: Foi no próprio gabinete dele. Essa tortura foi toda lá. No próprio gabinete dele. De manhã e à tarde. Ele tem uma maquinazinha (inaudível) de dar choque ele pega os policiais dele e haja choque, fica só olhando e dando risada. Tem hora que sai, volta de novo. Nesse dia ele passou esse intervalo de tempo só fazendo isso. Foram me devolver nesse horário de 9 horas da noite. Não fizeram mais nada nesse dia. Depois passou o dia de sexta e o sábado, eu não me lembro bem, passou o domingo, não fizeram nada comigo, quando foi na segunda feira, trouxeram um rapaz de Fortaleza, preso também, me botaram junto lá comigo e meteram (...) lá comigo, lá dentro da Tóxico.

Entrevistadora: Você e ele, ou só você?

Entrevistado: Eu e nele.

Entrevistadora: Nos dois.

Entrevistado: Prá ele dizer que eu tinha feito as coisas junto com ele.

Entrevistadora: Você conhecia esse rapaz?

Entrevistado: Conhecia. Mais eu não tinha feito o que ele estava dizendo não. Conhecer eu conhecia, mas eu não tinha feito o que ele estava dizendo. Ele queria que ele dissesse o que eu tivesse feito, junto com ele. Todas as coisas que ele tinha feito: roubo de carro, em Fortaleza, me levaram prá roubos e furtos, não tinha acusação nenhuma. Aqui no estado também, de roubo de carro, nenhuma acusação. Eu me encontrei com um carro, (inaudível) mas tinha sido ele quem (inaudível) Mas eu mesmo não peguei um carro de ninguém. (inaudível) Porque eu não sabia também do que se tratava. Aí ficou essa tortura toda. Eles deram início na segunda feira, lá na tóxico, apareceu um advogado lá querendo me defender. Aí não sei o que foi que aconteceu, que eles disseram ao advogado que iam me levar para a Secretaria, dessa viagem ele foi deparar comigo na 4a. DP. Aí lá eu não sei, deram tanto em mim que foi o que tinha lá tudo. Quando eu cheguei lá na 4a. DP aí me botaram no chão, eu sei que os que estavam lá tudinho me chutaram. Eu não sei quem era tanto.

Entrevistador: Além do filho de Maurílio Pinto, quem foi mais que lhe torturou?

Entrevistado: Foi Ranulfo e Edmilson, filho de Dr. Maurílio, na Secretaria de Segurança foram esses três.

Entrevistadora: Era isso que eu queria saber.

Entrevistado: Ele estava no momento, mas não torturou.

Entrevistadora: Você já conhecia esses agentes?

Entrevistador: Não.

Entrevistadora: Ficou conhecendo nesse dia?

Entrevistador: Fiquei conhecendo tudinho nesse dia.

Entrevistadora: E como é que você sabe que eram eles?

Entrevistador: Porque eu já me encontrei com eles várias vezes, depois disso. E vi como alunos deles, conversei com eles, eles me levaram para o interior, prá correr mole, foram e vieram conversando comigo...Uma vez falei também na televisão. Eu sei que a tortura foi muito. Por toda parte do meu corpo, inclusive eu tive um problema com os policiais onde eu moro, causou até um homicídio. Eu falei prá ele, quando o filho de Dr. Maurílio começou a me chutar, nestas partes que eu tive, eu tava mal ainda dessa cirurgia e com muitas dores. E quando ele começou a me chutar, eu pedi que não fizesse isso, que eu era operado, aí foi que me bateram mesmo (..) Não queria saber de nada não. E o Dr. Maurílio, mais de uma vez ele disse: ou eu dizia tudo o que ele queria, ou ele mandava me levar pras praias e mandava de matar e dizia que eu tinha fugido. Eu fiquei com medo e dizia tudo o que ele queria, não é? Que eu não queria morrer. Já foi por mais de um crime que eu estava sendo torturado naquela época, prá dizer que tinha sido eu o autor, já fui julgado e já fui inocentado, todo mundo sabe que eu não pratiquei esses crimes, já fui julgado e já fui inocentado de bem uns três, já fui inocentado.

Entrevistadora: Dos crimes que ele queria que você confessasse.

Entrevistador: É.

Entrevistadora: Você foi já julgado por esses crimes?

Entrevistador: Já.

Entrevistadora: E foi inocentado por todos?

Entrevistador: Não, não por todos, entendeu? Já fui inocentado de alguns.

Entrevistadora: Quais eram os crimes que ele dizia que você tinha cometido?

Entrevistador: Homicídio...

Entrevistadora: Foi julgado?

Entrevistador: Fui julgado e fui absolvido. Seis, seis a um. Julgado no dia 12 de junho e fui também absolvido de um crime na cidade de Augusto Severo, um crime de assalto num posto de gasolina, que era prá eu dizer que tinha sido eu.

Entrevistadora: Ele obrigou você a confessar esse crime?

Entrevistador: Eu não disse não, mesmo assim com toda essa tortura, eu disse não. Eu não disse. A cidade de Apodi, lá mesmo onde eu estava morando, fizeram um roubo lá num Supermercado, aí ele disse também que tinha sido eu. Ninguém, lá não tem ninguém, pode me levar agora na cidade que agora for assaltada, não tem ninguém prá dizer que fui eu. Não sei se foi por esse problema que eu tive com esse policial da cidade onde eu moro, isso aí aconteceu e não se pode negar de jeito nenhum. E lá onde eu moro há esse mesmo problema. Eles chegaram, três policiais e eu estava bebendo, estava embriagado com um irmão meu, eles chegaram e tomaram o revólver do meu irmão e queria que eu tivesse uma arma também. E eu não tinha essa arma. Aí eles começaram a me torturar também, que eu tinha que ter essa arma, e começou aquela confusão e eu respondi a eles, eu achei que aquelas acusações que eles estavam fazendo a mim não eram justas, e ficar me batendo também sem eu estar devendo a ninguém, eu não estava discutindo com ninguém, eu estava sentado conversando do jeito que eu estou aqui. A minha conversa era a mesma que eu estou aqui, conversando normal. Não precisava daquela tortura toda. Cheguei a pegar a arma de um deles, me meti em luta corporal com eles, cheguei e peguei a arma de um deles e disparei contra eles e eles dispararam contra mim e eu disparei contra eles. Resultado, eu saí baleado, meu irmão também saiu ferido e morreu um deles. Fui julgado e condenado aonde eu moro e desde esse dia ficou com marcação comigo. Aonde eu chego, se eu for preso, querem me matar, querem me tirar o couro.

Edmilson mesmo fala em tirar o couro de mim. Edmilson mesmo era um que tava dando em mim de quenga de leite, porque aquilo ali tira o couro mesmo. Qualquer pessoa que tiver apanhado com aquele negócio ali, fica as mechas do corpo de bala, mais de um mês, fica muito tempo prá sarar. E ele era dando em mim e dizendo que ia tirar meu couro.

Entrevistador: Quem?

Entrevistado: Edmilson. A conversa dele era essa, que enquanto eu não confessasse tudo o que eles queriam, eles tirariam meu couro.

Entrevistadora: E quando foi que você resolveu denunciar essa tortura?

Entrevistado: Foi, e falando em tortura eu sofri naquela Secretaria ali, coisa que eu nunca nem imaginei. A gente pede prá morrer. Qualquer pessoa que tenha passado pelo que eu passei naquela Secretaria, naquele momento, o cabra pede é prá morrer, que eles matem logo, que dêem um tiro na cabeça do cara.

Entrevistador: É choque elétrico?

Entrevistado: É tudo, é tudo. Quando eles começam a dar aqueles choques, a gente dá um sistema nervoso, uma tremedeira que... e cai, e de repente se levanta de novo. E é uns cometas saindo pela boca, é um desespero total. Essa tortura começou às 9 horas do dia, no fim do mês, entendeu? Eu fiquei do dia 30 de março de 93, fiquei dois dias na minha cidade, até que eles me trouxeram prá cá. No dia que eu cheguei aqui, logo de manhã começou a tortura. Foi de manhã e de tarde. Aí voltaram naquele outro dia, na segunda feira e de novo, até aí também eu não sabia o que estava se passando, não tinha falado nada, mesmo com esse rapaz me acusando, não tinha falado nada. Eles me levaram para uma fazenda, no interior do estado, lá prenderam um rapaz e torturaram também e esse rapaz foi quem disse que tinha sido eu que tinha feito esse crime lá, que é justamente o crime de homicídio.

Entrevistadora: O do policial?

Entrevistado: Um rapaz de uma fazenda, um gerente de uma fazenda lá no interior, que eu nem conheço esse rapaz. Este rapaz sumiu até hoje. Ele deu esse depoimento e ficou com medo, não sei se foi de minha família, se foi da polícia, nem sei de quem foi, sumiu até hoje, ninguém dá notícia dele. O Juiz intimou bem duas vezes para depor, é justamente essa pessoa, a única pessoa que diz que fui eu que fiz esse crime. Ele deu esse depoimento a Dr. Maurílio Pinto, forçado também, que foi torturado também, lá dentro da casa dele, eu vi ele sendo torturado. Quando eu cheguei lá, na casa desse rapaz, ele começou logo dizendo que nunca tinha me visto. Dr. Maurílio levou logo ele prá dentro de um quarto e começou a dar nele lá e, quando ele voltou, já estava me conhecendo, já sabia o meu nome, já disse que eu tinha matado esse rapaz lá, não sei quem, quem mais lá, mais ele lá é quem sabe, eu não sei o nome dessas pessoas que ele falou.

Aí pronto. Aí eu tive que confirmar o que ele estava dizendo.

Entrevistadora: Mais pelo crime do policial que você afirma que cometeu, pelo crime do policial, você já foi julgado?

Entrevistado: Fui julgado e condenado, a 10 anos e 9 meses.

Entrevistadora: Cumpriu?

Entrevistado: Já cumpri uma parte. Fui passar Natal e Ano Novo em casa, eu devia ter retornado no dia 2 de janeiro de 92, não retornei...

Entrevistadora: Aí foi quando eles lhe pegaram de novo.

Entrevistado: Eu fiquei um ano e três meses solto e eles me perseguindo, o pessoal do Ceará, aí prá evitar que eu fosse preso ou que eles me matassem (inaudível) O pessoal lá em Apodi, justamente pega, em Monsenhor Severiano, minha família mora toda lá. Aí eles não queriam que eu fosse parar na cidade que eu cometera o crime ... aí em Apodi eu conheço. Aí estou sofrendo tudo isso, sem ter feito essas coisas que dizem que eu fiz. E eu tenho como provar que depois que eu estou aqui, agora segundo semestre do ano que passou foi preso uma pessoa lá no interior do estado de Mossoró, naquela região de Mossoró, e disse, não sei porque ele disse que só (inaudível) nove meses, não sei quem foi que mandou ele fazer aquilo, disse que eu tinha participado de seis assaltos junto com ele. Saiu nos rádios, televisão, jornal do estado e eu...

Entrevistadora: Aqui dentro.

Entrevistado: E eu aqui dentro, eu tenho como provar é só chegar e perguntar ao Coronel se naquela época, que estavam me acusando desses problemas se eu sai, se fiz alguma viagem, ficou comprovado que desde que eu fui preso, eu nunca saí, nunca saí.

Entrevistadora: No depoimento, você fala que tem medo de quando sair daqui, que eles vivem ainda lhe ameaçando.

Entrevistado: Tenho medo, por ser agora...

Entrevistadora: O que você pensa em, o que você pretende fazer quando sair daqui?

Entrevistado: Não sei.

Entrevistadora: Porque você está correndo este risco.

Entrevistado: Sinceramente, eu não tenho nenhuma de minha vida, não sei se quando eu sair daqui eu posa ser assassinado, no meu trabalho, na cidade, aonde estiver, não sei. Sinceramente eu não sei.

Entrevistadora: Por causa desses depoimentos que você dá.

Entrevistado: Sim, porque há um suspeito, agora há poucos dias, veio um preso lá da Secretaria e disse prá mim, não quero nem falar no nome dessa pessoa...

Entrevistadora: Prá não comprometer?

Entrevistador: Prá não comprometer, certo? Ele me disse que Dr. Maurílio, por conta dessas coisas que eu estou pagando, que aconteceram comigo, ele não gosta de mim...

Entrevistador: Isso significa que quando você sair...

Entrevistador: Ele falou que eu tinha acusado ele, disse esse tal de João Maria também, nós dois somos duas pessoas que...

Entrevistador: Matar prá morrer...

Entrevistado: Nós dois, com certeza, quando sair daqui, se não tiver muito cuidado, praticamente ... Não tem nem prá onde ir, principalmente agora que eu estou próximo de ganhar um direito dado pela justiça, eu posso no meu trabalho ser morto a qualquer hora. Como aqui teve um rapaz, vocês podem procurar saber que ele não precisa mentir... O nome dele é Jairo. Ele foi suspeito de ter matado um policial civil. Parece que foi aqui em Natal eu não tenho bem certeza. Ele foi suspeito de ter matado um policial, é Jairo e Assis Basílio, essas duas pessoas.

Entrevistador: Mataram mesmo?

Entrevistado: É o Jairo.

Entrevistador: Ele foi absolvido?

Entrevistado: Ele foi, ele foi inocentado desse crime... Ele foi inocentado desse crime, e já está trabalhando... (inaudível) As pessoas que vão julgar... se tem algum crime prá responder, mas se tiver direito a condicional, a um regime aberto, ou coisa assim, tem um pacto feito aqui por trás, fica trabalhando de dia e à noite vem dormir. E pelo que eu ouvi falar... pegaram ele aqui pertinho e sumiram, e quando penso que não, apareceu morto. Muitos casos aqui nessa cidade acontecem assim. Quando menos espera desaparece, quando menos se espera aparece morto e não aparece o matador. É muito perigoso.

Entrevistadora: É esse o medo que você tem?

Entrevistado: Já aconteceu comigo, porque eu sei que eles fazem. Eu luto mesmo. E, sinceramente, eu nunca sonhei em matar ninguém. Mais eu já sofri nas mãos deles, que eu peço a Deus que se é de acontecer a mesma coisa comigo, ou mesmo parecido, que Deus me tire a vida, seja lá de que maneira for. Me mate logo de uma vez, que passe um carro por cima de mim, eu acho muito melhor do que o que aconteceu comigo. Além das torturas que eles fizerem de mim, das várias ameaças de morte, que se eu não confirmasse o que eles diziam, eu morria. Fiquei numa cela, lá na Delegacia de Tóxicos, se expondo lá ... essa cela aqui se colocar água aqui dentro não fica água porque não tem por onde ficar, mas lá na Delegacia eles colocaram um balde de água na cela. Eu além de ter sofrido essas torturas, fiquei muito machucado, naquele tempo que eu saí do gabinete do Dr. Maurílio Pinto, eles me pegaram uns num braço, porque eu não tinha como ficar em pé, das torturas sofridas. Eu chegava na Delegacia de Tóxicos, depois de eu ter passado por tudo isso, encheram a cela d’água prá eu não ter como me deitar, mesmo assim no chão mesmo. Eu tive que ficar o resto do dia e todo o final de semana, fizeram isso comigo lá, ficaram discutindo comigo lá. Encheram a cela d’água e eu passei o resto do dia e a noite todinha em pé, sem poder dormir, todo machucado, porque a pessoa pode estar sem um pingo de sono, mais se levar uma piza, dá sono na mesma hora. Pode ter passado a noite dormindo, mas se apanhar, dorme também naquela mesma hora. É muito ruim a pessoa passar o que eu passei.

Entrevistado: Realmente eu não tinha feito o que eles queriam, resultou, e passar por isto tudo, não fiquei gostando nem um pouco, eu não gosto deles nem um pouco... Realmente, nem aquele cara fez o que ele fez, não tem testemunha que diga que fui eu, mas sem testemunha, é chegar e achar que fui eu, só por achar que fui eu, chegar e fazer isso tudo. Por isso que eu procurei falar com Dr. Gilson Nogueira, quando era vivo.

Entrevistadora: A iniciativa foi sua de procurar Gilson?

Entrevistado: Foi, a iniciativa foi minha, eu me senti ofendido, de ir em audiências em cidades que eu nunca havia andado, não conhecia ninguém naquela cidade, estava sendo culpado de crimes em cidades que eu nunca havia andado, eu falei com o Promotor, inclusive foi o Dr. Promotor que fez o meu julgamento agora em Caraúbas...

Entrevistador: Quem?

Entrevistado: Eu não sei o nome dele, mais foi o Promotor que fez meu julgamento em Caraúbas, eu fui uma audiência em Apodi, cidade que eu moro, que eu estava morando na época, eu fui a uma audiência lá num assalto lá e eu falei, me senti à vontade, eu estava sendo culpado daquilo ali, eu achei que estava sendo culpado sem ter praticado e eu resolvi, eu pedi a ele na audiência, não era nem eu que ia falar, era as testemunhas que iam falar, eu pedi a ele, pedi ao Juiz se eu podia falar inclusive eu estava me sentindo prejudicado, pedi ao Juiz se eu podia falar alguma coisa e ele disse que podia, aí eu falei: que eu tinha sido torturado, que aqueles crimes eu não tinha praticado e eu perguntei a ele se tinha alguma pessoa que pudesse me ajudar, a fazer alguma coisa por mim, porque eu tinha medo e ainda tenho hoje de ficar preso aqui muitos anos sem te ver. Chegar a fazer um processo prá mim e dizerem que foi eu que fiz e tendo que assinar e assino mesmo, porque na Secretaria é assim: eles batem o processo e você tem que assinar. Ou assina ou morre. Aí não sei se o Promotor se comoveu, com o depoimento que eu dei lá, aí ele me indicou para eu falar com essas pessoas dos Direitos Humanos, ele disse que eu procurasse Dr. Gilson Nogueira, inclusive ele mesmo parece que falou com Dr. Paulo Leão, eu falo com aquele ... quando menos espero me chamaram para uma audiência, se eu estava presente na audiência...

Entrevistador: Inclusive estava o Dr. Paulo Leão...

Entrevistado: Dr. Gilson Nogueira estava presente também. A partir daquele dia vocês surgiu.

Entrevistador: A partir daí a gente foi acompanhando o caso.

Entrevistado: Por conta disso também ele foi muito... sofri muita coisa aqui dentro também.

Entrevistadora: Já depois de estar aqui?

Entrevistado: Sim, por conta disso também, por eu falar essas coisas...

Entrevistador: Aí eles ficam marcando...

Entrevistado: Muitos foi morto aqui. Eu fui para o castigo 11 vezes. Algumas vezes dei motivo, mais na maioria eu não dei motivo. Simplesmente estava do jeito que estava agora e fui convidado prá vir aqui e, chegava lá e os policiais me convidavam, vá tocar fogo, fica de castigo na sela um tempinho . Vai tocar fogo, não me pergunte porque, nem quando vai sair, que nem nós mesmo sabe. É uma ordem que nós temos, botar você de castigo. Simplesmente ia, não havia nada a fazer. Eu sofri muito por isso. Aqui mesmo, eu estou na Penitenciária, eu não gosto nem de falar nesse nome, senão eu sou comido aqui também, vou ser punido por isso. Vai fazer um ano agora, no dia 30 desse mês, agora de agosto, hoje é quanto?

Entrevistador: Hoje é 13.

Entrevistado: 13. Dia 30 agora vai fazer um mês, vai fazer um ano que eu sofri tanto aqui nessa Penitenciária que eu me encontrava doente, desses problemas, essa operação aqui eu tenho problemas constantes, sinto falta de ar, fico cansado, desinteria, inclusive eu tenho que fazer um exame, uma endoscopia, prá saber o que é que tem no meu intestino, que eu sinto diarréia todos os dias, isso faz muito tempo. Faz desde que eu cheguei nessa cadeia, que eu tenho esse problema. Sinto muitas dores nessa parte aqui..

Entrevistador: Isso foi as pancadas que você levou.

Entrevistado: Foi quando eu estava doente desse problema. Estava com pouco tempo de operado de hérnia, de uma cirurgia que eu fiz de hérnia, eu tinha tomado uns remédios, eu tinha ido ao hospital e tinha tomado alguns remédios e tive uma pequena melhora, eu moro na galeria, no setor de galeria, tem uma quadra de esporte, lá no final, tinha tomado um medicamento, tinha sentido uma pequena melhora, tava com frio ainda, por causa da febre, estava no sol, eu estava com frio, por volta das 11 horas do dia, eu estava na quadra tomando sol, quando eu escutei foi os presos, o pessoal tudo gritando, e eu escutei um tiro na galeria. Era os policiais que estavam entrando na galeria. Escutei quando eles deram um tiro, bem aqui no começo da galeria e os presos tudo correndo prá lá e eu já estava lá. Quando eu vi fui despejado lá, com eles na quadra, e o policial disparou um tiro bem próximo a mim, na quadra também.

Aí chamou um deles por aqui, e chamaram três deles...Chamaram GG, e não sei o que fizeram com ele, não chamaram GG, chamaram foi Sagrado, chamaram Sagrado, pouco tempo me chamaram, chamaram eu, GG e Sagrado. Arizona, eles não sabem o meu nome, ... GG e nós vem, quando eu vou passando em frente, tem um policial com um pau assim, desse tamanho assim, e disse: Vocês, meteu o pau nas minhas costas. Eu vi assim é das coisas que ele faz, porque eu entendo porque ele faz isso. O cara com um pau assim, começou a me bater com o pau. Aí eu falei assim prá ele e disse: rapaz o que está acontecendo, que você está fazendo isso comigo? Ele disse: você vai ali e ali você sabe. Ali onde ele dizia era onde estava o Tenente, mais outros policiais. Vá li que você sabe. E eu sai na andando, na frente, e ele me batendo com o pau nas minhas costas. Chegou lá no Tenente ele falou que eu tinha um revólver, tinha um revólver e estava vendendo droga. Eu disse, eu não tenho esse revólver, nem estou vendendo droga. Aí eles arranjaram um infeliz de um preso, que eu nunca vi aquele infeliz na minha vida mais, e ele disse a mim que eu tinha mostrado a ele umas balas de revólver. Disse assim, na frente de todo mundo, com os policiais na frente dele, que eu tinha mostrado umas balas de revólver a ele e disse que era prá fugir. Aí nesse dia, foi muito pau aqui dentro. E eu não sabia de nada, nada, nada, nem do que se tratava. Eu seu que eu apanhei muito esse dia, não foi só eu que apanhei não, eu apanhei, GG também apanhou muito, Sagrado também, chamaram outro preso, por nome de Ionaldo, deram também muito nele. Eu não sei as torturas que eles sofreram, porque eu não vi, mas... esse preso chamado Ionaldo, eu não posso afirmar porque eu não vi, eu só posso afirmar com certeza o que eu vi, mas eu ouvi falar que ele chegou até a ser amarrado pelos testículos e puxaram. Porque aqui acontece... aqui nessa Penitenciária tem alguns presos, alguns não, parte é luto. Fica a cargo da polícia, como informante da polícia. Então pode acontecer que ele não goste de mim, não goste de outro de A ou B, então ele prá direção e diz: Vocês vão lá na sala de fulano que ele tem um revólver, ele está vendendo bala. Só por isso os policiais pegam o prezo e tome rei: diga onde está o revólver, e tome rei, diga onde está a maconha, e tome rei, até provar que ... é muito rei. Olhe eu por conta dessa discussão, desse problema, tive uma discussão com o Tenente, porque eu fui torturado muito, não só eu como os demais, me colocaram no castigo e sem eu estar fazendo nada. Eles fizeram tudo isso e não conseguiram colher nada.

Entrevistado: Nós tinha falado com nossa família, prá mostrar os

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