
TRANÇANDO
A REDE DA CIBERCIDADANIA
Paulo
Augusto
Fazer enriquecimento de plutônio em plena caatinga para
sobreviver. Com esta frase, o ativista de direitos humanos
Roberto Monte, coordenador da DHnet-Rede de Direitos Humanos e
Cultura, Procura dar uma
idéia do trabalho que vem desenvolvendo em Natal, a partir do
CENARTE-Centro de Estudos, Pesquisa e Ação Cultural, em
parceria com o Centro de Direitos Humanos e Memória
Popular-CDHMP, para oferecer, de forma fácil e barata, um
manancial de informações essenciais na promoção da
cidadania, não apenas para o Brasil excluído, mas para todos
os países de língua portuguesa.
Na verdade, com o projeto de colocar num
CD-ROM, a ser vendido a preços populares, o máximo de
informações que a DHnet foi acumulando ao longo do tempo, a
Rede de Direitos Humanos e Cultura passa a constituir uma
ferramenta indispensável, e sempre recorrente, na luta
internacional que se trava, na atualidade, entre os povos que
ficaram na rabeira da história, em razão de sua defasagem
educacional.
“Eu acho que é uma coisa muito
nordestina, porque o nordestino tem sempre que tirar uma onda
para ele poder sobreviver. Se você pegar quem foi Josué de
Castro, quem foi Paulo Freire, quem foi Celso Furtado, vai
entender com facilidade o que estou querendo dizer. O próprio
Celso Furtado fala disso em seus livros, como de um lugar
lascado onde tem alma. Ele fala que o Nordeste é a chaga aberta
do Brasil. Então, a gente tem que tirar um tipo de onda para
notarem que a gente existe”, afirma Monte.
Com efeito, foi com um misto de surpresa e
admiração que o trabalho feito pela DHnet chegou ao
conhecimento de instituições e agências norte-americanas de
apoio internacional, quando da última viagem, em julho, de
Roberto Monte aos Estados Unidos, a convite do Departamento de
Estado. Monte visitou cerca de 08 cidades, no espaço de 22
dias, conhecendo experiências na área de direitos humanos e
trocando idéias com especialistas norte-americanos sobre
educação e cidadania.
Na oportunidade, o ativista Roberto Monte,
oriundo de um dos Estados mais sofridos e pobres do Nordeste
brasileiro, o Rio Grande do Norte, pôde orgulhar-se de anunciar
o trabalho da DHnet, um portal de informações
(www.dhnet.org.br) que recebe a visita de cerca de 300 (trezentos) internautas por dia,
e que começa a se tornar referência na questão da educação,
voltada para os direitos humanos e a cidadania.
Monte, que acaba de assumir a secretaria
da nova diretoria da Rede Brasileira de Educação em Direitos
Humanos, conta com a satisfação a ligação que recebeu em seu
celular de uma mulher que se encontrava em Nova York: “Parece
doideira, mas ela estava atrás de um material sobre o Tribunal
Penal Internacional, porque a DHnet tem a única página em
português sobre esse Tribunal. Eu ainda lhe disse para entrar
em contato com o Tarcísio Dalmaso Jardim, que é um dos maiores
especialistas brasileiro em Tribunal Penal Internacional”.
Esse tipo de apoio, que a DHnet presta a
nível internacional, utilizando como suporte a rede mundial,
resulta de um trabalho na área de comunicação que se iniciou
décadas atrás, tendo como veículo a Rádio Rural, a partir de
um pequeno núcleo de pessoas interessadas em educação.
“Na verdade, eu sou um atravessador”,
diz Roberto Monte, para explicar de forma simplificada, o
trabalho que a DHnet passa a fazer, expondo-se num portal web
para todo o planeta. “Há muitos anos, nós aqui em Natal
começávamos um projeto que trabalhava mais ou menos com isso.
Nosso grupo começou trabalhando com a Rádio Rural, do rádio a
gente passou para slides, dos slides passou para o vídeo e,
agora, estamos com a Internet. Da mesma forma, amanhã a gente
poderá estar trabalhando com holograma, banda larga, satélite,
fibra ótica. Quer dizer, a gente pode pegar os meios de
comunicação mais modernos e utilizá-los na disseminação da
questão da cidadania. Hoje, a gente se debruça sobre aquilo
que podemos chamar cibercidadania ou cidadania digital.”
Consciente dos entraves e empecilhos de
ordem institucional que tem a enfrentar, por atuar numa unidade
da federação encravada na região mais pobre do país, por
isto mesmo vítima de preconceitos e de atitudes da
condescendência oriundas das esferas de poder central e das
regiões mais privilegiadas, o economista pretende participar do
jogo de poder e influências sabendo exatamente o terreno onde
pisa.
“Como é que podemos virar personagens
num jogo extremamente pesado, morando em Natal, vivendo num
Estado que tem oito deputados federais e três senadores, todos
vinculados ao poder central? Eu tenho de fazer guerrilha
eletrônica. Se você observar uma relação de
custo-benefício, num Estado onde quem manda é uma oligarquia,
você não teria espaço. De qualquer modo, conseguimos criar um
provedor de informações que hoje é, seguramente, o maior
portal de informações em língua portuguesa naquilo a que nos
propomos. Se nos colocamos como educadores, como é que a gente
vai entrar em contato, não com as pessoas que já têm a
cabeça feita, mas com os estudantes, com pessoas que têm
carência de informação, mas que não consegue adiante? Aí é
que acho que a Internet é um grande lance.” Nesse sentido,
ele assemelha o trabalho desenvolvido pela DHnet ao levado a
efeito pelo Greenpeace: “Trata-se da não-violência ativa,
utilizando o que tem de mais moderno. Nessa viagem que fiz aos
Estados Unidos, quando mostramos isso lá para os gringos, os
caras ficaram de bobeira. Porque conseguimos juntar um grupo de
pessoas, gente com mentalidade e alma de artista, que trabalha
com tecnologia de ponta.”
Na socialização do acúmulo de
informações contido na DHnet, tendo em vista as dificuldades
verificadas na recepção, em virtude das carências da
população, Monte acredita que poderá contar com a
estruturação do próprio governo federal, vendo como
possibilidade o uso do Proinfo-Programa de Informatização do
Ministério da Educação, que colocaria à disposição cerca
de cem mil computadores.
Um dos projetos acalentados com
dedicação e colocado entre as prioridades da Dhnet será o
envolvimento da camada jovem da população, permitindo o acesso
da juventude à verdadeira enciclopédia digital do provedor,
disponibilizando as cartilhas mais variadas e os antecedentes
históricos das lutas pelos direitos humanos no Brasil e no
mundo.
“Nossa preocupação é fazer um
trabalho que não seja uma coisa chata. Porque iremos nos
comunicar com essa galera da geração videogame, com meninos e
meninas que estão na frente do computador a ouvirem música,
jogando videogame e no bate-papo digital. Daí nossa intenção
de fazer o CD-ROM, como uma possibilidade que se abre a todo o
Brasil. Não estamos mais raciocinando só a nível de Nordeste,
mas observando todo o Brasil, sabendo que há um espaço para se
trabalhar com os povos de língua portuguesa. Porque se você
pega a questão de Timor Leste, de Angola, de Moçambique, por
mais que se discuta a questão da paz, da desminagem, desse
negócio todo, o grande lance vai ser a educação. Às vezes, o
camarada está em Angola, mas o material feito no interior de
qualquer Estado brasileiro pode ser uma referência para ele.
Como aquilo que o cara faz lá também pode nos servir. O
negócio é como fazer esse intercâmbio, porque as condições,
em nível técnico, existem.”
Na
tentativa de despertar e criar condições para a formação de
um cidadão planetário, pessoas conscientes de suas
responsabilidades, direitos e deveres, tornando-se cidadãos
participantes, Roberto Monte chama a atenção para a oferta de
opções interativas que não sejam voltadas apenas para
direitos humanos e suas conexões acadêmicas, mas que seja um
espaço também do lúdico e do brincante.
“Na verdade, a gente está colocando uma
vertente humanista, que no Brasil foi totalmente cerceada, dos
anos 60 para cá. Estamos precisando voltar a discutir
filosofia, discutir o ter, o ser, pois vivemos numa sociedade
totalmente massificante, em que você deixa de ser cidadão para
tornar-se consumidor. Estamos abrindo, portanto, o Dicionário
dos Sentidos Humanos, no qual a gente discute preguiça, utopia,
enfim, trabalhando com a questão do prazeroso, do encantamento.
Mais ou menos como o cara da flauta hindu. Tem que Ter um ritmo
em que as pessoas fiquem animadas. Às vezes, o cara tem acesso
ao meio, mas qual vai ser o seu fim? Ele vai entrar na Playboy,
em revista de sacanagem, vai entra na Nasa. A gente tem que ser
rápido e dentro de um modo sedutor. Hoje, qualquer revistinha,
comprada em banca, por R$ 5,00, tem um, dois CDs dentro. Então,
na verdade, estamos precisando nos adaptar à nova conjuntura
tecnológica”.
No CD-ROM a ser lançado pela DHnet, Monte
pretende colocar o máximo de movimentos e agências sociais que
trabalham com os interesses da população, assim como o
resultado apresentado por grupos organizados e minorias, como
uma ponte para a cibercidadania.
“A grande possibilidade oferecida pelo
CD é reunir o que a gente está chamando Enciclopédia Digital
de Direitos Humanos. Para tanto, estamos trabalhando com a
idéia de teia, de conexão, a partir do envolvimento de
artistas como Emanoel Amaral, Venâncio Pinheiro e Henrique
José, que irão fazer a capa. A discussão levou para uma teia
que os índios faziam, na verdade, uma tessitura. Lembra o que
dizia o chefe indígena seatlle, mais ou menos o seguinte: “O
homem não tramou o tecido da vida, ele é simplesmente um dos
seus fios. Tudo que fizer ao tecido, faz a si mesmo. Não
pensamos que iremos detonar um tipo de coisa, mas pegar um elo
transmissor para divulgar uma coisa de uma forma mais rápida e
mais barata, que é a questão da democracia digital, da
ciberdadania.”
SERVIÇO DIGITAL
DHnet-Rede de Direitos Humanos e
Cultura
Portal: http://www.dhnet.org.br
Email: dhnet@dhnet.org.br
PAULO
AUGUSTO é jornalista e um militante dos direitos e desejos
humanos.
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