
Guerrilha Digital
“DHnet”: Uma Experiência de
Cibercidadania
Publicado na Revista
Novaamérica, set. 2000 número 87
Silvia Alicia Martinez - Brasil
Doutora em Educação
Professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense
Rio de Janeiro - Brasil
“A formação técnico-científica de que urgentemente
precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento
para o uso de procedimentos tecnológicos. No fundo, educação
de adultos hoje como a educação em geral não podem prescindir
do exercício de pensar criticamente a própria técnica. O
convívio com as técnicas a que não falte a vigilância ética
implica uma reflexão radical, jamais cavilosa, sobre o ser
humano, sobre sua presença no mundo.”
Paulo Freire
Uma das
questões centrais que surge quando pensamos nas chamadas novas
tecnologias da informação e da comunicação, neste momento de
transformação representado pela mudança de milênio, é a de
qual é o uso que delas se faz? Além disso, questiona-se: a
serviço de que interesses estas tecnologias estão trabalhando?
Qual é o projeto político hegemônico que as sustenta?
As palavras
de Paulo Freire que deram início a este texto, em certa medida,
refletem a preocupação que acompanhou o trabalho do educador
brasileiro ao longo das últimas décadas, isto é, como fazer
um uso crítico da tecnologia, que supere essa visão
instrumental-utilitária tão comum na sociedade dos anos 70,
cuja apologia à neutralidade científica superava qualquer tipo
de reflexão acerca dos valores e projeto social a ela
subjacente.
Esta
problemática nos aflige como pais/mães, educadores/as e como
adultos/as, em geral, talvez porque as novas tecnologias não
representam o nosso “meio natural” no mesmo grau em que se
apresentam aos nossos/as filhos/as, alunos/as ou, generalizando,
às jovens gerações. Essa distância pode vir a representar
uma nova “brecha geracional”, na qual, como adultos,
poderemos vir a ficar “de fora”.
Por isto,
necessitamos abandonar essa espécie de rejeição a priori que
nos invade quando pensamos e utilizamos as novas tecnologias,
para assumir uma posição de “abertura” em relação aos
meios da comunicação e da informação, sem abandonar o estado
de “alerta”, representado pela postura crítica que pense
questões fundamentais como valores, ética e cidadania para
todos/as.
TECNOLOGIA
A SERVIÇO DA CIDADANIA
Na longa
caminhada que nos conduz à apropriação crítica das novas
tecnologias da informação e da comunicação vemos que não
estamos sós. Abundantes são hoje os projetos que trabalham a
serviço da construção da cidadania plena, da efetivação dos
direitos humanos, do enriquecimento da cultura dita “de massa”.
Um destes “parceiros”
nesta jornada pode ser encontrado no portal de informações DHnet - Rede de Telemática
Direitos Humanos & Cultura, criado a partir do trabalho
desenvolvido desde 1994 por um grupo de ativistas de Direitos Humanos e Realidade Virtual. O trabalho da Rede Dhnet está
no ar desde 1º de maio de 1995 -dia do Trabalho e da entrada
oficial do Brasil na INTERNET- originalmente com o nome BBS
Direitos Humanos & Cultura.
A Rede DHnet é um provedor de
informações, via INTERNET, que possui o maior banco de dados
sobre Direitos Humanos no Brasil, sendo que seu eixo central
está representado pela questão dos direitos humanos e da
cidadania. É filiada ao MNDH - Movimento Nacional de Direitos
Humanos, à Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos e
a Rede Vozes do Silêncio.
Roberto
Monte, coordenador –junto com Aluízio Mathias- da DHnet-Rede
de Direitos Humanos e Cultura, vem desenvolvendo este trabalho a
partir da cidade de Natal (Rio Grande do Norte), a partir do
CENARTE-Centro de Estudos, Pesquisa e Ação Cultural, em
parceria com o Centro de Direitos Humanos e Memória
Popular-CDHMP. O objetivo que perseguem é o de oferecer, de
forma fácil e econômica, um grande número de informações
essenciais na promoção da cidadania, não apenas para o Brasil
excluído e para todos os países de língua portuguesa, mas
para o mundo todo.
O
trabalho desenvolvido pela DHnet começa a se tornar referência
na questão da educação voltada para os direitos humanos e a
cidadania, chegando ao conhecimento de instituições e
agências norte-americanas de apoio internacional, pelo tipo de
apoio que presta internacionalmente, utilizando como suporte a
rede Internet. Esta instituição também tem entre suas prioridades o
envolvimento da camada jovem da população, permitindo o acesso
da juventude à verdadeira enciclopédia digital do provedor,
disponibilizando as cartilhas mais variadas e os antecedentes
históricos das lutas pelos direitos humanos no Brasil e no
mundo.
SEM MEDO DE
(O)USAR RECURSOS AVANÇADOS
Os
coordenadores da DHnet não hesitam em lançar mão dos mais
modernos e avançados recursos tecnológicos para pô-los a “trabalhar”
a serviço do seu maior objetivo: trabalhar questões relativas à
cidadania. Em entrevista concedida ao jornalista Paulo Augusto,
militante dos direitos e desejos humanos, Roberto Monte relata a
trajetória desse grupo de pessoas comprometidas com a
construção de uma sociedade mais justa.
"Há muitos anos, nós aqui em
Natal começávamos um projeto que trabalhava mais ou menos com
isso. Nosso grupo começou trabalhando com a Rádio Rural, do
rádio a gente passou para slides, dos slides passou para o
vídeo e, agora, estamos com a Internet. Da mesma forma, amanhã
a gente poderá estar trabalhando com holograma, banda larga,
satélite, fibra ótica. Quer dizer, a gente pode pegar os meios
de comunicação mais modernos e utilizá-los na disseminação
da questão da cidadania. Hoje, a gente se debruça sobre aquilo
que podemos chamar cibercidadania ou cidadania digital."
Na
atualidade, os coordenadores do DHnet estão envolvidos num novo
projeto: colocar num CD-ROM, a ser vendido a preços populares,
o máximo de informações que a DHnet foi acumulando ao longo
do tempo.
“Dessa forma, a Rede de
Direitos Humanos e Cultura passa a constituir uma ferramenta
indispensável, e sempre recorrente, na luta internacional que
se trava, na atualidade, entre os povos que ficaram na rabeira
da história, em razão de sua defasagem educacional”, afirma Paulo Augusto.
NAVEGANDO PELO
ESPAÇO DA CIBERCIDADANIA
Seguindo a experiência de mais dos
trezentos internautas que visitam a Dhnet diariamente, ao
acessar o http://www.dhnet.org.br,
somos recebidos por um indiozinho que vai nos conduzir pelos “tesouros
da pedra” ou macro-temas:
Dadas as limitações próprias deste
texto e a abrangência de cada um dos temas que compõem o
portal, não podemos ir além desta apresentação, pelo que
não aprofundaremos os objetivos de cada um deles. Entretanto,
esperamos ter lançado a semente da curiosidade, e que cada um/a
dos/as leitores/as da Novamerica queiram ingressar neste espaço
de Cibercidadania.
Os
integrantes da DHnet vem desenvolvendo um trabalho que
exemplifica com perfeição as palavras de Paulo Freire que
selecionamos para finalizar este texto. Mostram-nos, como, com
um objetivo claro e seguro a serviço da maioria da população
–muitas vezes falsamente identificada como “minoria(s)”-
as novas tecnologias da informação e da comunicação podem
ser usadas para a construção da cidadania, vindo a servir, em
conseqüência, para a finalidade última e principal da
educação.
“O exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de
pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das
coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o
contra quê, o contra quem são exigências fundamentais de uma
educação democrática à altura dos desafios do nosso tempo.”
BIBLIOGRAFIA
FREIRE,
Paulo Pedagogia da Indignação. Cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo, UNESP, 2000.
AUGUSTO,
Paulo. Trançando a rede da cibercidadania. (mímeo)
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