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Sumário Executivo

 

Este Sumário Executivo foi preparado pelo Centro de Justiça Global. Trechos do Relatório do Relator Especial, Nigel Rodley, publicado como Documento das Nações Unidas E/CN.4/2001/66 e disponível em nossa página eletrônica em português e inglês - www.global.org.br - estão indicados em itálico.

Relator Especial em Tortura das Nações Unidas

Relatório em Missão, 20/8 a 12/9/2000 E/CN.4/2001/66/Add 2

Lançamento: 11/4/2001, Genebra

(lançamento simultâneo: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belém)

No Brasil, "Tortura e tratamentos similares de crueldade são realizados de modo disseminado e sistemático na maioria dos lugares do país visitados pelo Relator Especial, e, segundo o parecer de testemunhas indiretas do Relator Especial, na maioria de outras partes do país também." Com estas palavras, o Relator Especial das Nações Unidas no Brasil conclui seu relatório, lançado hoje, 11/4/2001, durante a plenária da 57ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, sobre a situação da tortura no Brasil. O relatório é o resultado da mais abrangente investigação sobre o assunto já realizada por um oficial das Nações Unidas. De 20/8 a 12/9, Nigel Rodley e uma equipe de pesquisadores das Nações Unidas visitaram dezenas de delegacias, prisões, penitenciárias e casas de detenção juvenis, e se encontraram com autoridades estatais e governamentais, variando de delegados a governadores, ministros ao presidente, vítimas, parentes e representantes da sociedade civil. O resultado das visitas a Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Pará se expressa em um relatório de quase 200 páginas emitido hoje. Além de uma descrição detalhada das terríveis condições das prisões, das falhas nas leis brasileiras e da falta de vontade política das autoridades para lidar com o problema, o relatório inclui um anexo separado que resume 348 casos de tortura em dezoito estados: Alagoas (6); Amazonas (1); Bahia (11); Ceará (5); Brasília D.F. (2); Goiás (3); Mato Grosso (1): Mato Gross do Sul (1); Minas Gerais (97); Pará (52); Paraíba (6); Paraná (3); Pernambuco (30); Piauí (1); Rio de Janeiro (33); Rio Grande do Norte (7); São Paulo (69); Rondônia (1); Tocantins (19).

Embora as conclusões de Rodley foram baseadas em relatórios oficiais e de ONGs, além de milhares de páginas de documentário colhidas no Brasil, o que mais influenciou sua conclusão foram suas observações pessoais. Como ele descreve, "A coerência dos relatos ouvidos, o fato que muitos detentos tenham marcas visíveis condizentes com seus testemunhos e a descoberta, nas delegacias, de instrumentos de tortura assim como foram descritos pelas alegadas vítimas, tais como pedaços de pau e de ferro, faz com que seja difícil refutar as numerosas alegações de tortura levadas à atenção do Relator Especial. Em duas ocasiões (ver acima para. 35 (São Paulo) e para. 84 (Pará)), graças a informações dos próprios detentos, o Relator Especial pôde descobrir grandes pedaços de pau, nos quais foram talhados, por oficiais da lei, comentários lacônicos não deixando dúvidas sobre o seu uso."

Rodley caracterizou as vítimas preferenciais de tortura policial e dos guardas das prisões: "[a tortura] não acontece com todos ou em todo o lugar; ela principalmente ocorre com infratores pobres e negros envolvidos em pequenos delitos ou na distribuição de pequena escala de drogas. E ela acontece nas delegacias e nas instituições de detenção, nas quais tais infratores transitam."

Outras conclusões tiradas pelo Relator Especial incluem:

- "A lei de tortura é virtualmente ignorada, promotores e juízes preferem utilizar as tradicionais e inadequadas noções de abuso de autoridade causando dano físico."

- "O treinamento e o profissionalismo da polícia e de outros responsáveis pela detenção é normalmente inadequado, alguns a ponto da não existência. A cultura da brutalidade, e freqüentemente da corrupção, é disseminada."1

- "O sistema judiciário como um todo foi culpado pela sua ineficiência, em particular pela morosidade, falta de independência, corrupção e por problemas relacionados à falta de recursos e de pessoal treinado, além da prática difundida de impunidade daqueles que detêm o poder."

- O serviço de medicina legal, sob autoridade policial, não tem a independência necessária para inspirar confiança em suas constatações."

O Relatório detalha numerosos exemplos de tortura, as horríveis condições das prisões, além da falta de esforço das autoridades de investigação e de promotoria para lidar com o problema. No final, Rodley coloca uma série de recomendações concretas, baseadas em anos de experiência investigando tortura além da informação recebida no Brasil.

Abaixo, nós expomos algumas das mais importantes observações, por tópico, do Relatório do Relator Especial.

Medidas Cosméticas e Má-Fé

Em várias ocasiões, o Relator Especial indicou que medidas cosméticas teriam sido tomadas imediatamente antes de sua visita, demonstrando a falta da boa fé e/ou conchavo das autoridades locais. Neste sentido, prisioneiros da abominável masmorra e do Pavilhão Quatro da Casa de Detenção do Carandiru teriam recebido colchões no dia anterior à visita do Relator Especial. No Instituto Padre Severino no Rio de Janeiro, um centro de detenção juvenil eufemisticamente referido como "escola", houve aulas no dia de sua visita, um fato completamente desconhecido pelas ONGs que visitam o Instituto diariamente. Extraordinariamente, em três das delegacias mais movimentadas de Recife (a 16a. , 15a. e a Primeira) não haviam presos no dia da visita do Relator Especial. Como uma defensora de Direitos Humanos que acompanhou a missão em Pernambuco observou, no entanto, na Primeira delegacia uma faixa das Nações Unidas tinha sido colocada atrás do delegado quando Rodley visitou o local.

Sobre a Superlotação e as Condições das Prisões:

Em suas conclusões, Rodley enfatiza que as condições abismais nas prisões agravaram a preocupação do Relator Especial em Tortura.

Além disso, as condições nas prisões em muitos lugares são, como advertidas francamente pelas próprias autoridades, subumanas. As piores condições encontradas pelo Relator Especial tenderam a ser nas celas policiais, onde as pessoas eram mantidas por mais do que o período legalmente prescrito de 24 horas. O Relator Especial foi impelido a notar a agressão intolerável aos sentidos com que ele se deparou em muitos lugares de detenção, especialmente nas prisões que ele visitou, agressão tamanha que ele não tem palavras para classificar. O problema não foi atenuado pelo fato das autoridades terem lhe avisado anteriormente das condições que ele iria se deparar. Ele pôde somente compadecer-se da declaração frequente que ele ouviu daqueles aglutinados lá dentro, "eles nos tratam como animais e esperam que nos comportemos como gente quando sairmos."

Alguns exemplos de graves casos de superlotação observadas pelo Relator Especial incluem:

No DEPATRI, São Paulo:

o DEPATRI . . a prisão é dividida em quatro seções, das quais somente uma estava em uso, as outras foram alegadamente destruídas em rebeliões. A seção ainda em uso é composta por quatro celas, medindo aproximadamente 20 metros quadrados e comportando naquele dia 178 pessoas, enquanto a capacidade oficial é de 15 pessoas. Como não há pátio, os detentos são obrigados a passar as 24 horas do dia dentro de suas celas.

Casa de Detenção, São Paulo:

No dia 25/8, o Relator Especial visitou a Casa de Detenção do Carandiru onde 7.772 eram mantidos em nove pavilhões, dentro dos quais os detentos eram subdivididos de acordo com o crime que haviam sido condenados. A capacidade oficial da Penitenciária é de 3.500.

Prisão Aníbal Bruno, Pernambuco:

[no] Presídio Anibal Bruno . . . havia 2.971 detentos enquanto a capacidade oficial da penitenciária foi dita por autoridades como sendo de 524.

Além da grave superlotação, o Relator Especial observou várias unidades em condições desumanas. Entre elas:

 

2ª Delegacia, São Paulo, SP

. . . a 2ª Delegacia, onde os detentos são supostamente mantidos antes de ir aos tribunais . . . consiste num corredor de 1,5 metros de largura e 40 metros de comprimento em volta de um quadrado aberto . . . A delegada disse que eles eram 188, mas às vezes podiam ser mais do que 220. A atmosfera no corredor era sufocante. Havia lixo no chão do corredor e do pátio, e os quatro banheiros, que consistiam em buracos bloqueados por excrementos, davam para o corredor. O Relator Especial não pôde deixar de notar o odor nauseante que resultava disto. As paredes estavam cheias de buracos de tiros. De acordo com a informação recebida, os guardas atiravam periodicamente para amedrontar os detentos. . . É da opinião do Relator Especial que os detentos aguardando julgamento naquelas condições subumanas só poderiam aparecer perante os juízes como doentios e perigosos . . .

Casa de Detenção (Carandiru), São Paulo, SP

No Pavilhão Cinco, o Relator Especial visitou o quinto andar onde estão os chamados "seguros", usualmente referidos como "amarelos" por causa da cor da pele dos detentos devido à falta de luz natural. Estes detentos relataram que podiam sair somente aos domingos se recebessem visitas, o que disseram ser raro para a maioria deles. Caso contrário, eles eram mantidos em suas celas por todo o tempo. De 10 a 15 detentos são mantidos em 15 metros quadrados, com colchões finos e sujos no chão e um buraco usado tanto como privada quanto para banho. As celas estão infestadas de insetos que, dizem eles, provocam coceira e doenças de pele. Alguns foram alegadamente detidos por mais de 6 meses nestas celas sem ter contato com nenhuma luz natural.

Alguns Exemplos Particulares de Tortura descobertos pelo Relator Especial:

No Centro de Detenção Juvenil Franco da Rocha (FEBEM), São Paulo, SP:

Em cada uma das alas, o Relator Especial ouviu repetidas acusações de espancamento e pôde ver as marcas resultantes destes espancamentos (ver anexo). Um detento pediu ao Relator Especial para intervir a favor de sua transferência para qualquer outra instituição, na qual, de acordo com ele, contrariamente à Franco da Rocha, os internos apanhavam "só se a gente fizer algo de errado".

Na Casa de Detenção e Prisão Muniz Sodré, Rio de Janeiro:

. . .[os detentos] relataram que em 28/8 houve uma revista geral nas celas após uma tentativa de fuga na noite do dia 26 em outra cela. Eles não sabiam porque haviam sido escolhidos, uma vez que a tentativa havia ocorrido em outra cela. Após a revista, alguns detentos reclamaram porque itens pessoais tinham desaparecido. Acredita-se que por causa destas reclamações, eles foram levados pelo chamado corredor polonês até o pátio, onde foram espancados por 50 guardas acompanhados por membros de forças especiais da polícia usando pedaços de pau e de ferro, alguns com fios ao redor, por cinco ou seis horas. O diretor e sub-diretor encarregados da segurança foram acusados de participar do espancamento. Segundo eles, um dos detentos teria sido gravemente machucado. No mesmo dia, ele teria que aparecer a um juiz, que ordenou sua transferência imediata a um hospital. Todos os 70 detentos que estavam na mesma cela tinham marcas visíveis e recentes (contusões, hematomas e arranhões em várias partes do corpo), condizentes com suas declarações. Eles disseram que cinco detentos estavam em mau estado,. . . e os cinco detentos confirmaram as alegações a eles atribuídas. . . Todos tinham graves ferimentos, alguns dos quais necessitaram pontos, e grandes hematomas (ver anexo). [Estes detentos relataram que outro prisioneiro teria sido machucado muito mais severamente; e após significante insistência, algumas horas depois, na] Penitenciária Vieira Ferreira Neto, o Relator Especial pôde entrevistar [o detento gravemente ferido chamado] Alexandre Madado Pascoal (ver anexo),que aparentava estar extremamente fraco e sofrendo de dor crônica. Ele confirmou que havia sido trazido para aquela prisão naquela noite, por volta da meia-noite. Com a ajuda diligente do encarregado do Vieira Ferreira Neto, Alexandre Madado Pascoal foi levado numa maca a uma unidade médica próxima, onde um médico, chocado, ordenou sua transferência a um hospital. Informados da situação, o Secretário de Justiça do Estado, o Secretário-Assistente de Direitos Humanos e o Chefe de Segurança do Sistema Penitenciário se reuniram com o Relator Especial às 2 da manhã e gravaram o testemunho de Alexandre Madado Pascoal.

A represália pela conversa com o Relator Especial:

No Centro de Detenção Juvenil Franco da Rocha (FEBEM), São Paulo, SP:

No final de sua visita, o Relator Especial encontrou dois menores que ele havia visto no dia anterior no escritório dos Promotores Públicos da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo. De acordo com a informação recebida, quando eles foram levados de volta à unidade Franco da Rocha na companhia de seis outros internos que estavam no escritório dos promotores, alguns monitores e outros indivíduos, que eles não puderam identificar como monitores da Franco da Rocha, estavam lhes esperando no corredor.

Eles foram supostamente espancados severamente com pedaços de ferro e de pau, socados e chutados. Eles foram depois forçados a tomar um banho gelado, alegadamente para fazer as marcas desaparecerem. Durante a noite, foi relatado que uns 30 monitores mascarados, referidos por eles como "ninjas", entraram em suas celas e começaram a bater indiscriminadamente com barras de ferro. Alguns foram então retirados de suas celas e conduzidos a um quarto escuro, aonde, com as mãos atrás da cabeça, foram ameaçados a apanhar novamente. Na hora da entrevista, marcas recentes de surras, que não existiam no dia anterior, quando da visita do Relator Especial ao escritório dos promotores públicos, eram visíveis em seus corpos, particularmente nas costas. Questionados então pelo Relator Especial sobre as marcas recentes, os monitores responderam que eles teriam certamente se auto-infligido pelos detentos quando souberam que o Relator Especial visitaria a instituição.

Tendo em vista a natureza das marcas, particularmente dos hematomas, ele pôde ver claramente que seus corpos não haviam sido auto-infligidos nas horas anteriores, e o Relator Especial não se convenceu de tal explicação.

Na descoberta de bastões, barras e outros aparelhos para abuso dos detentos:

O Relator Especial observou pedaços de pau, barras e outros aparatos utilizados para bater e torturar em vários centros de detenção. Entre os locais onde Rodley e sua equipe descobriram tais aparelhos estão os seguintes:

Na 16ª Delegacia de Polícia, Ibura, Recife, Pernambuco:

Em uma das salas, onde a interrogação supostamente acontece, o Relator Especial descobriu alguns pedaços de pau e uma palmatória, semelhante a uma grande colher rasa, que era utilizada para bater na palma das mãos e na sola dos pés dos escravos.

No distrito policial de Guama, Marabá, Pará:

O Relator Especial descobriu vários pedaços de pau, incluindo alguns tacos de bilhar, que disseram ser provas criminais. No entanto, o Relator Especial notou que eles não eram guardados em nenhuma sala especial e nem tinham etiquetas, o que o levou a considerar tal explicação inverossímil.

No centro de detenção de pré julgamento, São Braz, Marabá, Pará:

. . . o Relator Especial achou uma palmatória com um buraco no meio de uma caixa da polícia militar de Tierra Firma na qual havia a inscrição "Tiazinha, chega-te a mim" e "Agora me dão medo" condizentes com um relato de um dos presos supra mencionados.

No Centro de Detenção Juvenil Franco da Rocha:

Os internos indicaram ao Relator Especial os locais onde estavam guardados os pedaços de pau e de ferro usados pelos guardas para espancá-los. Particularmente, eles disseram que eram escondidos em pequenas salas que davam para o pátio no primeiro andar do corredor central que conduzia a todas as alas. O Relator Especial pôde descobrir, escondidos atrás de colchões e cobertores, vários pedaços de pau e de ferro, condizentes com aqueles descritos pelas vítimas.

Recomendações:

Abaixo, incluímos as recomendações do Relator Especial baseadas neste relatório:

Em vista do inevitável, o Relator Especial formulou as seguintes recomendações:

1. Primeiramente e mais importante, os líderes políticos federais e estatais devem declarar honestamente que não mais tolerarão tortura ou tratamentos de similar crueldade por oficiais públicos, especialmente: a polícia civil e militar, os funcionários das prisões e das instituições juvenis. Eles devem tomar medidas vigorosas para tornar tais declarações plausíveis e esclarecer que a cultura da impunidade deve acabar.

Além de dar efeito às subseqüentes recomendações, estas medidas devem incluir visitas não anunciadas a delegacias, centros de detenção de pré-julgamento e penitenciárias conhecidas pela prevalência de tais tratamentos. Particularmente, eles deveriam responsabilizar pessoalmente as chefias dos lugares de detenção pelos abusos cometidos durante as visitas. Tal responsabilidade deveria incluir, sem se limitar, à prática obtida em alguns locais, onde a ocorrência de abusos durante o período afetou adversamente a promoção e os prospectos das autoridades, envolvendo a retirada do escritório, onde tal retirada não tenha significado a mera transferência para outra instituição.

2. O abuso da polícia do poder de prisão sem ordem judicial nos casos de flagrante delito deve acabar imediatamente.

3. Aqueles que forem presos legitimamente em flagrante delito não devem ser mantidos nas delegacias além do período estabelecido de 24 horas, requerido para obter uma ordem judicial de detenção temporária. Superlotação em prisões não pode ser justificativa para deixar os detentos nas mãos da polícia (onde, em todos os casos, a condição de superlotação aparenta exceder substancialmente os casos das prisões mais superlotadas)

5. Membros próximos e familiares das pessoas detidas devem ser imediatamente informadas da detenção de seu parente e devem ter acesso a eles. As medidas devem ser tomadas para assegurar que os visitantes de prisões, distritos e centros de detenção estejam sujeitos a controles de segurança que respeitem sua dignidade.

6. Qualquer pessoa presa deve ser informada de seu direito a consultar-se privativamente com um advogado a qualquer hora e a receber conselho legal gratuito e independente, caso não possa pagar um advogado particular. Nenhum agente policial pode, em nenhum momento, dissuadir uma pessoa detida a procurar conselho legal. Uma declaração dos direitos dos detentos, como a Lei de Execução Penal (LEP), deve estar prontamente à disposição nos lugares de detenção para consulta dos presos e do público.

7. Um outro registro de custódia deve ser aberto a qualquer pessoa presa, mostrando a data e as razões para sua detenção, a identidade dos policiais que o prenderam, a data e as razões para uma subseqüente transferência, particularmente para o tribunal ou ao Instituto Médico Legal, e a data de sua soltura ou transferência para uma penitenciária.

O registro ou uma cópia do registro deve acompanhar a pessoa detida se ela for transferida a outra delegacia ou a outro centro de detenção.

8. A ordem judicial de prisão provisória nunca deve ser feita em uma delegacia.

9. Nenhuma declaração ou confissão proferida por uma pessoa privada de sua liberdade, sem a presença de um juiz ou advogado, deve ter valor probatório no tribunal, exceto como prova contra aqueles acusados de obter a confissão por meios ilegais. O Governo é convidado a dar consideração urgente à introdução de vídeos e fitas para gravação dos procedimentos nas salas de interrogatórios policiais.

10. Onde alegações de tortura ou outras formas de crueldade similar forem levantadas por um acusado durante o julgamento, a responsabilidade da prova deve mudar para a promotoria para provar, sem sombra de dúvida, que a confissão não foi obtida por meios ilícitos, como tortura ou outras formas de crueldade similar.

11. Denúncias de tratamentos cruéis, feitos à polícia ou ao corregedor, ou ao ouvidor, ou ao promotor, deve ser pronta e diligentemente investigada. Particularmente, o resultado não deve depender somente das provas individuais; medidas abusivas devem ser igualmente investigadas. A não ser que a alegação seja manifestamente infundada, os envolvidos devem ser suspensos de suas funções até o resultado da investigação ou subseqüente procedimento legal ou disciplinar.

Onde for demonstrado uma específica alegação ou um padrão de atos de tortura ou de tratamentos de similar crueldade, as pessoas envolvidas, incluindo as responsáveis pela instituição, devem ser prontamente dispensadas. Isto acarretará no expurgo radical de alguns serviços. Um começo seria o expurgo de torturadores conhecidos do período militar.

12. Todos os estados deveriam implementar programas de proteção à testemunha de acordo com o estabelecido pelo programa PROVITA para testemunhas de incidentes com oficiais públicos, que deveria estender-se completamente para cobrir pessoas com antecedente criminal. Nos casos onde os atuais internos estejam em risco, eles deveriam ser transferidos para outro centro de detenção onde provisões especiais para sua segurança devem ser tomadas.

13. Promotores deveriam adotar as medidas previstas na lei de 1997 com a freqüência ditada pela competência e gravidade do problema e requerer que juízes cumpram as provisões da lei proibindo a fiança dos acusados. Advogados-Gerais, com o apoio material do governo e de outras autoridades estatais relevantes, deveriam destinar recursos de execução suficientemente qualificados e engajados para a investigação criminal de tortura e tratamentos de similar crueldade e para qualquer procedimento de apelação. A priori, o promotor em questão não deve ser o mesmo do que aqueles responsáveis pela promotoria costumeira criminal.

14. Investigações da criminalidade policial não deve estar sob autoridade da própria polícia. A priori, um corpo independente com seus próprios recursos investigativos e com pessoal qualificado, o Escritório do Promotor Público deve ter a autoridade para controlar e dirigir a investigação. Eles devem ter acesso irrestrito às delegacias.

15. Consideração positiva dos níveis estatais e federais deveria ser dada à proposta de criação da função de juiz investigativo, cuja tarefa seria a de salvaguardar os direitos das pessoas privadas da liberdade.

16. Se não houver o fim da superlotação crônica nos lugares de detenção (um problema que improvavelmente será solucionado com a construção de outros lugares de detenção), um programa de conscientização dentro do judiciário é imperativo para assegurar que tal profissão, no âmago da lei e da garantia dos direitos humanos, torne-se sensível à necessidade de proteger os direitos dos suspeitos e também dos condenados para evidentemente reprimir a criminalidade. Particularmente, o judiciário deveria responsabilizar-se pelas condições e tratamentos a que são submetidos aqueles condenados pelos juízes a permanecer em detenção antes do julgamento ou sentenciados à prisão. Ao lidar com a criminalidade costumeira, eles deveriam também ser relutantes, quando houver a possibilidade de penas alternativas, em proceder com queixas que previnem a concessão de fianças, que excluem sentenças alternativas, que requerem regime de custódia fechado, e que limitam a progressão de sentenças.

17. Pela mesma razão, a Lei de Crimes Hediondos e outra legislação relevante deveria ser emendada para assegurar que longos períodos de detenção ou prisão não sejam aplicados à criminalidade de baixa escala. O crime de "desacato ao funcionário público no exercício de sua função" deveria ser abolido.

18. Deveria haver defensores públicos suficientes para assegurar que conselhos legais e de proteção estejam disponíveis para toda pessoa privada de sua liberdade no momento de sua prisão.

19. Deveria haver uso maior dos recursos necessários proporcionados para tais instituições como conselhos comunitários, conselhos estatais em direitos humanos e ouvidores de policiais e de prisões. Particularmente, conselhos comunitários equipados inteiramente, o que inclui representantes da sociedade civil e ONGs de direitos humanos, deveriam e ter acesso irrestrito a todos os lugares da prisão, e poder para colher provas de injustiças oficiais, sendo estabelecidos em todos os estados.

20. A polícia deveria ser unificada sob autoridade civil e justiça civil. Isto feito, o Congresso deveria aprovar o projeto de lei submetido pelo Governo Federal para transferir aos tribunais de jurisdição costumeiros os casos de homicídio involuntário, de agressão física e outros crimes que incluem a tortura cometida pela polícia militar.

21. As delegacias deveriam ser transformadas em instituições que oferecem um serviço público. As "delegacias legais", pioneiras no estado do Rio de Janeiro, são um modelo a ser seguido.

22. Um profissional médico qualificado (de escolha, quando possível) deveria estar disponível para examinar toda pessoa trazida ou levada do lugar de detenção. Eles deveriam ter também medicação que satisfaça as necessidades médicas dos detentos e a autoridade para transferi-los para um hospital quando preciso, independente da autoridade local se não houver recursos suficientes ali. Acesso à orientação médica não deve depender das autoridades locais. Profissionais trabalhando em instituições de privação de liberdade não devem estar submetidos às autoridades da instituição, nem à autoridade política responsável.

23. O serviço de medicina legal deveria estar sob autoridade judicial ou outra independente, não sob a mesma autoridade que a polícia; que não deve ter o monopólio das provas legais para propósitos jurídicos.

24. A situação horrível de superlotação em alguns centros de detenção provisória deveria ser terminada imediatamente, se necessário, por ação executiva, por exemplo, exercendo clemência em respeito a certas categorias de presos, tais como réus primários não violentos ou suspeitos. A lei que regulamenta a separação das categorias deveria ser implementada.

25. É necessária uma presença permanente de monitoria em toda instituição e em centros de detenção juvenil, independente da autoridade responsável pela instituição. Tal presença necessitaria, em alguns lugares, proteção independente de segurança.

26. Treinamento básico e de reciclagem para polícia, funcionários das prisões, oficiais do Ministério Público e outros envolvidos no cumprimento da lei que inclui direitos humanos e constitucionais, além de técnicas científicas e outras práticas para exercício profissional de suas funções, devem ser proporcionadas urgentemente. O Programa de Desenvolvimento de Segurança Humana das Nações Unidas poderia ter uma contribuição substancial neste caso.

27. A Emenda Constitucional que autoriza em algumas circunstâncias o Governo Federal a apelar no tribunal, para assumir jurisdição sobre crimes que envolvem violação de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deveria ser adotada. As autoridades de promotoria necessitarão de recursos aumentados substancialmente para que eles possam desempenhar efetivamente a nova responsabilidade.

28. O custeamento federal da polícia e de estabelecimentos penais deveria levar em consideração a existência de estruturas ou mecanismos que garantam o respeito aos direitos dos detentos. O custeamento federal para implementação das recomendações prévias deveria ser proporcionado. Particularmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal não deveria ser um obstáculo para a realização de tais recomendações.

29. O Governo deveria considerar séria e positivamente aceitar o direito à petição individual do Comitê anti-Tortura, ao fazer a declaração prevista no artigo 22 da Convenção anti-Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

30. O Governo também é solicitado a considerar em convidar o Relator Especial em caráter extra-judicial, sumário ou arbitrário para visitar o país.

31. O Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas de Tortura está convidado a considerar solidariamente os pedidos para assistência a ONGs que trabalham para suprir as necessidades básicas das pessoas que foram torturadas e para a compensação legal de seu agravamento.

 

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