Goiás
Ascendino Caixeta da Silva
teria sido preso em dezembro de 1999 sob suspeita de roubo
e levado para a delegacia de Valparaiso, Goiás, onde,
segundo informações recebidas pelo Relator Especial, teria
sido espancado por policiais. Ele teria sido transferido
posteriormente para a delegacia de Luziânia onde novamente
teria sido espancado. Visitas teriam visto as lesões em
seu corpo compatíveis com seus relatos de espancamento.
Ele teria deposto sobre o incidente. No entanto, seu depoimento
teria desaparecido dos arquivos do processo instaurado.
Uma denuncia teria sido aberta pelo Corregedor de Polícia.
O Relator Especial gostaria de ser informado acerca do
resultado desse inquérito.
José Roberto Leite da Silva
teria sido detido por policiais a paisana, porém fortemente
armados na cidade de Pendegal, no dia 24 de agosto de 1999. Ele
teria testemunhado troca de tiros na rua. Ele teria sido chutado
no estômago e ameaçado de morte. Um garoto de nove anos,
testemunha do incidente, teria sido preso na mesma ocasião. A
cabeça do garoto teria sido coberta com uma sacola e ambos teriam
sido levados para um local desconhecido. Depois, eles teriam sido
levados para o quartel da Policia Militar, onde José Roberto
Leite da Silva teria sido torturado até a morte. Ele teria
recebido choques elétricos. Fios elétricos teriam sido
conectados as suas algemas. Ele teria morrido na manhã seguinte.
O garoto foi solto na mesma manhã. O pai da vítima tentou
registrar o incidente por dois meses mas a polícia teria recusado
tomar seu depoimento. O garoto teria reconhecido um dos policiais
supostamente responsável pela morte de José Roberto Leite da
Costa. O corpo de José Roberto foi encontrado no dia 26 de
agosto, em Luziânia (a 200 km de Pendegal) e foi enterrado sem
nome e como indigente. Mais tarde, o corpo foi exumado. Uma autópsia
revelou marcas de três tiros no rosto assim como 30 ferimentos
por todo o corpo, o que confirmava a versão de que ele sofrera
torturas. Sua genitália teria sido arrancada. Segundo informações
recebidas pelo Relator Especial, no dia 09 de setembro de 1999, a
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados gravou o
depoimento do garoto e encaminhou o arquivo do caso ao Ministério
Público. O Governador do estado teria prometido que os responsáveis
seriam levados à justiça e que seria paga uma indenização ao
pai da vítima. Nove policiais, inclusive o comandante da tropa,
estariam aguardando julgamento sob a acusação de homicídio,
tortura, abuso de autoridade e uso indevido de equipamento
policial. O pai da vítima e o garoto teriam recebido ameaças de
morte. O Relator Especial gostaria de ser informado sobre o
resultado desses julgamentos e as medidas tomadas para proteger as
vítimas, especialmente o garoto que seria um órfão sob proteção
do estado de Goiás.
Sandro Pereira, de Padefe
(Minas Gerais), teria sido preso por policiais civis na casa de
seu pai em Lago Azul, no dia 24 de maio de 1999. Às 4 horas da
manhã, pessoas mais tarde identificadas como policiais bateram à
sua porta e chamaram o nome de sua esposa. Quando Sandro abriu a
porta, essas pessoas o teriam jogado ao chão e chutado com força.
Um mandado de prisão teria sido apresentado a ele. Sandro teria
sido levado então numa viatura à 6a. Delegacia de
Paranoá, no Distrito Federal de Brasília. Sandro Pereira
perguntou porque estava sendo levado preso, mas não teria
recebido nenhuma resposta. Na delegacia, Sandro teria sido
colocado numa cela. Duas ou três horas depois, ele teria sido
levado a uma pequena sala onde teria sido amarrado e algemado. Um
policial teria espancado Sandro, principalmente nos ouvidos usando
a tortura do "telefone". Às 5:30 da tarde, Sandro foi
levado à mesma sala, onde encontraria um colchão molhado no chão.
Ele teria sido forçado a ajoelhar-se no colchão e tornou a ser
espancado no rosto e nos ouvidos. Os policiais teriam tirado as
algemas dele e forçado que ele se despisse. Eles teriam atado com
duas grandes amordaças seu rosto ao seu pescoço e seus dois pés.
Depois disso eles o teriam pendurado de cabeça para baixo em um
balde cheio de água. Cinco policiais o teriam interrogado sobre
alguém que ele não conhecia. Em várias ocasiões eles teriam
afrouxado a corda e sua cabeça submergia na água. Quando ele
derrubou o balde, um policial teria dito que eles teriam mais água.
Quando Sandro Pereira disse que não sabia o que os policiais
queriam, os mesmos começaram a espancá-lo nas costas com um cabo
de madeira. Um policial o teria colocado no colchão molhado com
artefatos em suas coxas e a boca tapada. Ele, então, teria
recebido choques elétricos e começado a tremer e sangrar pela
boca. Os policiais teriam aumentado os choques e dito que como ele
era "grande e forte", ele "poderia agüentar
bastante". Eles jogaram água em seu rosto. Devido às
amarras que cobriam seu nariz e boca, ele não podia respirar. No
princípio da noite, ele foi levado de volta à cela. No dia
seguinte, entre 5 e 6 da tarde, na troca de turnos, ele teria sido
levado à mesma sala e submetido a "tortura do telefone"
por aproximadamente trinta minutos. Ele teria sido forçado a
sentar numa cadeira e quatro policiais em pé, a suas costas, o
interrogavam e espancavam. Sandro teria começado a sangrar por um
ouvido. Um dos policiais teria pisado em seu peito enquanto os
outros o chutavam e batiam. A delegada teria ordenado aos seus
colegas que continuassem espancando Sandro até que ele falasse.
Sandro Pereira teria conseguido passar uma nota a outro detento
que deixava a delegacia para informar sua família de sua detenção.
Na manhã seguinte, sua família, acompanhada por um advogado
teria chegado à delegacia no momento em que Sandro estaria sendo
transferido para a delegacia de Paranoá. Ele teria podido falar
com sua família sob condição de que não mencionasse as
torturas que sofrera, caso contrário seria morto. Teria recebido
camisa de mangas compridas, calças compridas e algodão teria
sido colocado no ouvido que sangrava. Ele teria sido instruído a
dizer que tinha água no ouvido. Segundo informações recebidas
pelo Relator Especial, três policiais estavam presentes na sala
em que ele encontrou a família. Seu pedido de ficar a sós com os
familiares teria sido negado. Quando sua família partiu, ele
teria sido colocado numa viatura, espancado e perguntado onde
moravam os outros. Depois disso, teria sido levado para uma
estrada de terra e, em um certo momento, ordenado que descesse do
carro e corresse, ainda com as algemas, por causa de um suposto
pneu furado. Pensando que ele poderia ser executado se assim
procedesse, ele recusou e disse aos policias que teriam que atirar
nele dentro da viatura. Ele teria, então, sido levado de volta
para a delegacia de Paranoá onde sofreria novo espancamento.
Parentes de outro detento reportaram terem visto Sandro estendido
no chão de uma sala. Logo após, ele teria sido trancado em uma
cela individual por oito dias. Ele teria sido ameaçado de morte.
Como conseqüência das torturas Sandro estaria sofrendo de uma
infecção no ouvido e pus estava escorrendo de seu ouvido. Os
policiais teriam percebido que seu ouvido estava infectado e ele
teria sido levado para o Hospital Sobradinho onde ele foi tratado
por um especialista de otorrino que afirmou que ele não possuía
mais tímpanos. Ele teria sido examinado na presença de quarto
policiais que teriam respondido as perguntas do médico. Um dos
policiais teria dito que Sandro teria água no ouvido, no entanto,
Sandro indicou com as mãos que sofrera a tortura do
"telefone". O médico teria recusado entregar o laudo médico
aos policiais. O laudo médico confirmaria as alegações de
tortura. Por volta das 5:30 da tarde, Sandro Pereira teria sido
levado de volta à mesma sala na delegacia e espancado novamente.
Ele foi, então, levado de volta a cela individual onde ele tentou
se enforcar com sua camisa. Sandro teria sido retirado da cela por
um policial que tentou evitar que ele cometesse suicídio. Ele
teria sido levado para outra cela com outros detentos. No dia
seguinte, ele teria obtido permissão para ver sua família mas na
presença de um policial. Ele, novamente, teria sido instruído
para não falar do tratamento que estava sofrendo. No entanto,
quando o policial foi chamado e deixou a sala, Sandro Pereira
teria conseguido mostrar a sua família os ferimentos e contou a
eles sobre os choques elétricos. Ele teria dito a eles para irem
ao Tribunal para denunciar o que estava acontecendo com ele.
Segundo informações recebidas pelo Relator Especial, ele foi
examinado por um promotor público e transferido para a 2a.
Delegacia, conhecida como Pisa Norte. Ele teria sido despido e
instruído como deveria explicar as marcas no seu corpo ao médico
legista que o examinaria no dia seguinte. Ele teria mostrado todas
as marcas ao médico legista no IML e contado sobre as torturas
que teria sofrido. O laudo médico expedido nesse dia teria
mencionado que não haviam sido observados sinais de ferimentos.
Depois disso, ele teria sido ameaçado de ser transferido para a
pior delegacia de Brasília. Ele teria mostrado todas as marcas na
2a Delegacia e o delegado teria ordenado que ele fosse
mantido incomunicado pelos próximos 30 dias, até que seus
ferimentos sarassem. Depois de vários pedidos e depois que Sandro
sofrera uma convulsão, ele teria sido levado ao hospital público
onde pediu um exame de raio X de todo seu corpo. Um coágulo de
sangue teria sido descoberto em seu estômago. Ele pediu para que
o médico anotasse todos os ferimentos que ele apresentava. Um dia
depois, ele foi levado de volta ao IML onde dois médicos o
examinaram. Desta vez eles teriam descrito todos os ferimentos em
detalhes no laudo médico emitido. Logo após, ele retornou a 2a
Delegacia. Alguns dias depois, ele teria sido ouvido por um juiz
que pediu que ele identificasse os policiais responsáveis, coisa
que ele teria feito. Os policiais teriam ameaçado de morte a ele
e aos membros de sua família se ele os identificasse. Segundo
informações recebidas pelo Relator Especial, ele teria sido
preso tomando como base o depoimento de uma testemunha que o
acusara de participar de um roubo de quadrilha. O juiz teria
emitido um pedido de prisão de cinco dias, prolongáveis por
outros cinco dias (prisão temporária), mas ele teria sido
mantido em uma delegacia por 76 dias sem sequer ver o juiz uma
vez. Depois dos primeiros dez dias, o juiz teria feito um pedido
de prisão preventiva. Até aquele ponto, nenhuma evidência
substancial de seu envolvimento com quadrilhas ou roubo fora
levantada. A acusação teria sido então reduzida à participação
numa quadrilha, que não seria sujeita à pena de detenção.
Depois de cinco meses, Sandro teria sido inocentado das acusações.
Durante o julgamento, teria sido provado que os depoimentos
implicando Sandro Pereira foram obtidos sob tortura. Seus exames médicos
foram mostrados ao juiz responsável pelo seu julgamento e o
advogado da acusação a fim de abrir um novo processo sobre as
alegações de tortura. O advogado da acusação teria dito que não
gostaria de continuar com o caso. Não se sabe se alguma medida
foi tomada com respeito às torturas. Por ocasião da entrevista
do Relator Especial, no dia 21 de agosto de 2000, marcas compatíveis
com os relatos, como por exemplo, uma cicatriz em seus tornozelos,
ainda eram visíveis.
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