
Mais
Pedras no Caminho dos Povos Indígenas para os Outros 500
Rosane F. Lacerda *
Introdução
Recente publicação do
Conselho Indigenista Missionário – Cimi1 , informa que nos últimos cinco séculos, 1.477 Povos indígenas
diferentes foram extintos em toda a extensão do que hoje forma o território
brasileiro, como resultado de uma política genocida, de domínio e
conquista.
Hoje, em pleno ano de
2001, vive-se um momento que, conforme o imaginário vigente no mundo
ocidental, deveria marcar o início de um novo século e de um novo milênio,
não só em termos de calendário, mas, sobretudo, de mudança de
valores, de perspectivas de um futuro melhor.
Para os Povos Indígenas
no Brasil, o período coincide também com um marco simbólico, imbuído
de importantes expectativas. O ano de 2001 marca, enfim, o início dos
“Outros 500”, nos
quais, nos dizeres de D. Pedro Casaldáliga, devemos ingressar com uma
“ atitude sincera de ‘memória, remorso e compromisso’... sem a
desculpa de dizermos que não podemos refazer o passado, porque, sim,
podemos desvelá-lo, fazer outro presente, forjar um futuro outro.”2
Tal expectativa,
contudo, não parece ser compartilhada pelas elites detentoras do poder
político, e econômico, que demonstram seu empenho na manutenção de
velhas práticas representativas das mesmas políticas que produziram o
genocídio indígena no país.
Assim, por exemplo, o
ano de 2001 transcorre novamente sem se solucionar o problema das terras
indígenas. Em levantamento
divulgado pelo Cimi na rede internet3,
até 31 de julho, tínhamos ainda no país 175 terras a serem incluídas
no rol de terras “a identificar”; 130 terras aguardando identificação;
39 terras aguardando definição do Ministro da Justiça mediante
Portaria Declaratória e 98 terras homologadas mas ainda aguardando
registro imobiliário. Ou seja, das 756 terras indígenas então
computadas, 442 continuavam pendentes de providências relativas aos
mais diversos estágios do procedimento administrativo de demarcação,
previstos nos termos do Dec. 1.775/96.
Outro problema presente
neste ano é que grande parte das terras, mesmo as demarcadas ou
situadas nas etapas finais do procedimento, continuaram invadidas, tendo
havido pouco esforço por parte do governo federal para desintrusá-las
ou para efetuar indenizações quanto às benfeitorias derivadas de
ocupação de boa-fé, omissão que só contribui para acirrar os ânimos
de ocupantes ilegais contra os índios, tornando-os alvos de diversos
atos de violência.
Em 2001 continuaram as
pressões sobre as riquezas naturais existentes nas terras indígenas, a
exemplo de empresas madeireiras e garimpeiras. No entanto, percebe-se
claramente neste ano o crescimento substancial de outras ondas de
pressão: a) Por parte do setor elétrico, com a aceleração dos
projetos de construção de pelo menos 16 Usinas Hidrelétricas em
terras indígenas onde vivem 25 povos distintos, inclusive grupos
isolados e extremamente vulneráveis; b) Por parte do Projeto Calha
Norte, com a intensificação da presença militar nas terras indígenas,
através da construção de novos quartéis junto a aldeias, a exemplo
do 6º Pelotão Especial de Fronteiras, na maloca Uiramutã
(Raposa/Serra do Sol – RR), representando para os índios enormes
riscos, a exemplo da prática de abusos sexuais contra mulheres indígenas,
como no caso Yanomami, denunciado com destaque durante o ano; e c) Por
parte do governo federal através da criação de Unidades de Conservação
Ambiental sobrepostas a terras indígenas.
No plano político-institucional,
percebe-se ao longo do ano a utilização, novamente, da questão indígena
como moeda de troca entre Executivo e Legislativo federais, através do
apoio da base parlamentar governista à criação e instalação de
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) de propósitos claramente
antiindígenas: a CPI da demarcação das Terras Indígenas, que tem
como um dos objetivos centrais o ataque às demarcações das Terras
Yanomami (AM/RR) e Raposa / Serra do Sol (RR), e a CPI das Ongs, que
visa sobretudo organizações indígenas e ambientalistas. Neste
contexto tudo indica que também o Projeto de Lei que dispõe sobre o
novo Estatuto do Índio, cujo andamento ficou paralisado durante o ano,
tenha também os seus principais dispositivos leiloados entre os setores
com fortes interesses econômicos sobre as terras indígenas e seus
recursos naturais.
É de se observar no
entanto, de parte do Judiciário, duas importantes decisões: a condenação,
por crime de genocídio, dos autores do massacre dos Tikuna
(28.03.1988), em sentença proferida pela 2ª Vara Federal em
Manaus (AM) e a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF, ao anular o
Júri (MS) no qual havia sido absolvido o principal acusado como
mandante do assassinato do líder Marçal Guarani (25.11.1983), e
determinar a competência da justiça federal para o caso. O clima geral
de impunidade, contudo, continuou durante o ano, a exemplo de
casos como a morte do Cacique Chicão Xukuru e a violência policial
sobre a marcha indígena em Porto Seguro, em 22 de abril de 2000.
Registre-se também que
as violências este ano atingiram profissionais com importante papel na
defesa dos direitos indígenas, a exemplo da Procuradora da República
(1ª Região) e membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da
Procuradoria-Geral da República, Débora Duprat. Intervindo em favor
dos índios na ação judicial contra a instalação do quartel do Exército
em Uiramutã (Raposa /
Serra do Sol – RR), foi ameaçada de “levar
um tiro na cabeça”????AAE???????l?span style="mso-spacerun: yes"> /span>caso
não desistisse de defender os índios na justiça. Também a advogada
Maria José Amaral (OAB/PE), que acompanha o caso da morte do Cacique
Chicão Xukuru, recebeu durante o ano ameaças de morte e teve
barrado, pela Polícia Federal no Recife, o seu acesso às
investigações sobre a morte da liderança Chico Quelé Xukuru.
Não obstante, os povos
e comunidades indígenas novamente souberam reagir, o que foi
demonstrado em três momentos significativos. Primeiro, no mês de
abril em Luziânia-GO, com a retomada dos encaminhamentos havidos na
Conferência Indígena 2000, através de Assembléia que reuniu 176
lideranças de 77 povos vindos de 21 Estados do País4 .
Segundo, em Durban – África do Sul, durante a III Conferência da ONU
contra o Racismo, quando a delegação indígena presente chegou
inclusive a denunciar “o boicote
premeditado, arrogante, racista e irresponsável do Governo Brasileiro
que não se empenhou em participar na mediação das queixas dos povos
indígenas” havidos durante a Conferência.5
Terceiro, em 19 de agosto, com a inauguração pelos Pataxó, no Monte
Pascoal (BA), do Monumento à Resistência Indígena, um ano e quatro meses
após ter sido destruído pela Polícia Militar da Bahia6 . Conforme o “Manifesto” lançado na ocasião, o
monumento expressa, para os índios, os “
sentimentos, desejos e sonhos de Outros 500, diferentes do passado, com
terra demarcada, direitos garantidos, respeito às diferentes culturas e
à autonomia.”7
Principais ocorrências
em 2001
Com as dificuldades de
acesso a informações provenientes de grande parte das
terras indígenas, sobretudo as mais longínquas e isoladas, bem
como ao fato de o período relatado estar limitado aos meses de janeiro
a setembro do ano 2001, o
elenco de violações de direitos humanos aqui abordados é, obviamente,
amostragem ainda parcial. Os tipos de ocorrência são, contudo,
demonstrativos significativos da
situação vivida pelos povos indígenas neste ano, suficientes para
subsidiar uma análise de suas origens e significados.
Assassinatos:
No período o Cimi
registrou nove casos de assassinatos de indígenas em todo o País, num
total de 10 vítimas. Em dois casos (Chico Quelé, Xukuru – PE e
Avappcarendy Guarani-Kaiowá – MS) se tem informações de que as
mortes estariam diretamente relacionadas a conflitos de terra.
No entanto, continua extremamente preocupante o alto índice de
envolvimento de agentes do poder público na autoria dos crimes. Das 10
mortes registradas, em pelo menos 03 (Nô e Nilson Félix Truká – PE
e Vicente Cândido de Lima Guarani – PR) a autoria
é atribuída a Policiais militares. Numa terceira morte (Avappcarendy),
embora se aponte como autores materiais jagunços contratados por
fazendeiros em Amambai (MS), tem-se também, como um dos mandantes, o
vice-prefeito da cidade, o que faz com que em pelo menos 40% das
mortes tenham tido envolvimento de agentes do poder público: 03
mortos por policiais militares e 01 tendo como um dos mandantes um
vice-prefeito.
A seguir, um breve
relato de alguns casos, segundo a ordem cronológica das ocorrências:
José
Nô Félix, 39 e Nilson Félix, 16 ( pai e filho ) Truká – PE.
Ferido à bala numa operação da PM na cidade de Cabrobó (PE), em 04
de janeiro, o adolescente era levado no carro do vereador Romero Gomes,
juntamente com seu pai e uma enfermeira, do Hospital local para o da
cidade de Petrolina (PE), onde receberia atendimento médico mais
adequado. No trajeto entre as duas cidades, o veículo foi interceptado
por uma viatura da PMPE. Pai e filho foram levados à força por um
grupo de Policiais e desapareceram. Três dias depois, os corpos das vítimas
eram encontrados, próximo à cidade de Santa Maria da Boa Vista (PE),
degolados e queimados com uso de pneus de carro.
Avappcarendy
ou Samuel Martins, 25 a 35
anos, Guarani-Kaiowá – MS.
Morto na madrugada de 26 de março quando preparava-se, junto com a
comunidade indígena (cerca de 150 pessoas, inclusive mulheres e crianças),
para tentar (pela terceira vez) retomar as terras do Tekohá Ka’ajari,
ocupado pela Fazenda Santa Clara, no município de Amambai (RS). Ao se
aproximar do local com os demais, levou um tiro de espingarda calibre 22
no coração. Segundo a polícia, a arma seria de precisão pois o tiro
certeiro teria sido disparado a longa distância. Vários outros indígenas
saíram feridos. A Polícia Federal apontou o Presidente do Sindicado
Rural de Amambai, Gumercindo Bonamingo, e o Vice-Prefeito do município,
Wilson Nunes (PPB), como suspeitos de mandantes.
Cândido
de Lima, 39, Guarani – PR.
Morto em 23 de abril, pelo cabo Nilson dos Santos8
ex-comandante da Polícia Militar em Santa Amélia (PR), numa operação
destinada a fazer a vítima devolver e se afastar do neto de 5 meses de
idade, a quem estava impedido de ter contato por imposição dos
familiares. Cercada e desarmada, a vítima pediu aos PMs que abaixassem
as armas para que pudesse entregar a criança. Segundo os PMs, um dos
policiais escorregou, assustando o índio que já se preparava para por
a criança no chão. Um dos PMs também se assustou e sua arma teria
disparado “acidentalmente”
matando o índio pelas costas. Segundo o delegado, os PMs estavam
despreparados para essa ação. O cacique Mário Sampaio disse que os
PMs entraram na terra indígena sem autorização das lideranças, que
poderiam ter resolvido o problema sem a intervenção policial.
Francisco
de Assis Santana, ou Chico Quelé, 56, Xukuru – PE.
Importante liderança Xukuru, foi morto em 23 de agosto, com dois tiros
de espingarda calibre 12, numa tocaia montada no interior da terra indígena,
em Pesqueira (PE). A vítima participara, dias antes, de mais uma
retomada de parte do território tradicional do Povo, e fora
surpreendida quando dirigia-se ao Posto da Funai na Aldeia São José,
para uma reunião a respeito das indenizações de benfeitorias dos
ocupantes não-indígenas. Investigações preliminares no local dão
conta de que a tocaia estava armada há pelo menos dois dias, e que os
rastros deixados pelo(s) atirador(es), em sua fuga, dirigiam-se à
Fazenda Carrapato, de José Cordeiro de Santana (Zé de Riva), inimigo
da luta dos Xukuru pela terra e apontado pelos índios como o principal
suspeito pela autoria intelectual da morte do Cacique Chicão.
Embora os indícios apontem para o envolvimento dos fazendeiros
na morte de Quelé, a Polícia Federal empenha-se em apurar a existência
de conflitos internos entre as
lideranças indígenas como tendo sido a causa do crime.
Ameaças
de morte:
De janeiro a setembro
de 2001, o Cimi registrou um total de 09 casos de ameaças de morte, a
maioria contra comunidades inteiras e não apenas contra indivíduos
determinados, somando mais de três mil vítimas. Dos 09 casos
apontados, 05 tiveram o envolvimento direto de agentes do poder público
em sua autoria, e 04 casos tiveram sua autoria atribuída a
particulares. Estes últimos (La Klañon – SC, Tekohá Ka’ajari –
MS, Caramuru-Paraguaçu – BA e Maloca do Lage – RR) envolvem a formação
de milícias armadas contra os índios, contratação de pistoleiros e
invasão garimpeira, estando relacionados a conflitos fundiários. Os de
autoria atribuída a agentes do Poder público envolveram
Policiais Militares (Truká – PE e
La Klañon – SC), Soldados do Exército (Maloca do Lage, Makuxi
– RR) e um Prefeito Municipal (Pataxó Hã-Hã-Hãe – BA). Vejamos
alguns casos:
Comunidade
Xokleng de La Klañon – SC.
Lutando para reaver parte de suas terras ilegalmente vendidas pelo
Governo do Estado, a comunidade foi alvo da formação de milícias armadas, segundo a imprensa9 criadas por grupos de agricultores em Victor Meirelles
(SC), através da compra de armas a um atravessador, em Itajaí (SC). O
objetivo das milícias seria “resistir
à chegada dos indígenas”, caso as famílias “não
sejam indenizadas pelas terras que compraram”. Como a União
Federal só pode promover a indenização por benfeitorias (CF/88, art.
231, § 6.º), os colonos reagem ameaçando
os índios caso se aproximem do local.10
Neste clima de tensão, na
manhã de 12 de maio, um grupo de indígenas enfermos, que estava sendo
transportado numa Kombi da Fundação Nacional de Saúde – Funasa,
para o Hospital de José Boiteux (SC), vendo a PM agredindo outros
membros da comunidade parou o veículo na intenção de tentar se
esconder, passando a ser alvo da agressão dos policiais, que ameaçaram
jogar a Kombi numa ribanceira.
No episódio, a PMSC agia no cumprimento de um mandado de Manutenção
de Posse expedido pela Juíza de Direito da Comarca de Ibirama11 (SC), Iraci Satomi Schioquetti, em favor da Empresa
Manoel Marchetti Indústria e Comércio Ltda com relação às terras da
Fazenda Ipê, incidente na terra indígena.
Comunidade
Guarani-Kaiowá do Tekohá Ka’ajari – MS.
Expulsa de suas terras e obrigada a viver confinada na Aldeia Limão
Verde (Amambai – MS), a comunidade vem tentando insistentemente
retornar para o seu Tekohá12 .
Na terceira tentativa de retomada do local, a comunidade foi recebida à
bala por jagunços contratados por fazendeiros, episódio que resultou
na morte de Avappcarendy, anteriormente mencionada. Na casa do
presidente do Sindicado Rural de Amambai, Gumercindo Bonamingo “a
PF encontrou armas, explosivos e uma caminhonete, provavelmente
utilizados no ataque ...” 13 ,
o que indica a existência de uma milícia
armada, destinada a eliminar os índios em seu trajeto de volta ao Tekohá.
Comunidade
Pataxó Hã-Hã-Hãe – BA. No mês
de fevereiro o indígena Agnaldo Francisco dos Santos vereador pelo PT
em Pau Brasil (BA), passou a sofrer ameaças
de morte por parte do Prefeito José Augusto dos Santos Filho, ao
denunciar irregularidades na administração municipal. O Prefeito é um
dos principais opositores à demarcação da Terra Indígena Caramuru
– Catarina Paraguaçu, e tem vários parentes com terras no interior
da área indígena. Em junho de 2001 em novos protestos contra a demora
no julgamento da Ação Cível Originária de Nulidade de Títulos há
19 anos em trâmite no STF, os índios ocuparam mais duas fazendas no
interior da terra indígena. Logo após, vários pistoleiros armados passaram a ser vistos circulando a cidade de Pau
Brasil à procura de índios.
Comunidade
Makuxi da Maloca do Lage, T.I. Raposa / Serra do Sol – RR.
Na tarde de 09 de maio, a maloca foi invadida por soldados do 7.º
Batalhão de Infantaria da Selva, embriagados e portando armas de fogo.
Ameaçaram promover um “banho de
sangue” na maloca, caso fossem impedidos de transitar na região.
Assustadas, as crianças, para se proteger, fugiram para a mata e só
retornaram na madrugada do
dia seguinte. O episódio ocorreu em meio à mobilização dos índios
contra a construção de um quartel do Exército na aldeia Uiramutã,
interior da terra indígena, e às denúncias de abusos sexuais de
militares contra índias Yanomami, também em Roraima. Meses depois, em
1.º de agosto, a Maloca do Lage foi invadida por garimpeiros. Com facas
e facões em riste, ameaçavam os índios na tentativa de forçar
passagem por um caminho tradicional dos Macuxi que dá acesso ao território
da República da Guiana. Em menor número, os garimpeiros recuaram –
por enquanto.
Comunidade
Truká – PE. Em 08 de janeiro,
os indígenas Aurivan dos Santos Barros (“Neguinho Truká”) e Wilson
José Ferreira, foram abordados pela PM em Santa Maria da Boa Vista (PE)
quando viajavam de ônibus para o Recife (PE) para encaminhar denúncias
de violências policiais contra os índios. Perguntando onde
moravam, os policiais os acusaram como assaltantes de ônibus, e os
ameaçaram “estourar as cabeças” caso denunciassem as agressões. O ônibus
ainda foi seguido pelos policiais por cerca de 40 Km, numa clara
tentativa de intimidação. Ainda em janeiro, os familiares de Nô e
Nilson Félix passaram a ser alvos de ameaças por parte de Policiais Militares, com o intuito de
pressionar os índios contra o andamento das investigações em torno
do caso daquelas duas mortes.
Abuso
de autoridade:
Também no mesmo período
o Cimi registrou a ocorrência de cinco casos de abuso de autoridade14 ,
praticados nas suas mais diversas formas: agressões físicas, violações
de domicílio, detenções ilegais, etc. Este tipo de ocorrência,
praticado principalmente por Policiais Militares, afetou comunidades das
terras indígenas Truká (PE), La Klañon (SC), Xerente (TO) e Raposa /
Serra do Sol (RR), onde vivem cerca de 15 mil indígenas:
Comunidade
Indígena Truká – PE. Em 04 de
janeiro a Terra Indígena foi novamente invadida por Policiais
Militares, alguns encapuzados, em 12 veículos entre viaturas e carros
de passeio. Os PMs agiram sem mandado judicial, num ato que caracteriza violação de domicílio. Na mesma ocasião, colocaram o indígena
conhecido como “Lobinho” no porta-malas de um dos veículos,
obrigando-o a informar a casa de Nilson Félix (que seria morto
juntamente com o seu pai), a fim de procurar pelo seu irmão, o também
menor Nelson Félix, de 14 anos.
Comunidade
Xokleng de La Klañon – SC. Em
12 de maio, a fim de cumprir um mandado possessório contra os índios,
um grupo de PMs cometeu uma série de abusos, entre os quais destacamos:
a) retenção do veículo da
Funasa em que viajavam os indígenas doentes com destino ao hospital
de José Boiteux; b) invasões das
residências dos indígenas Miriam Vaicá Priprá (professora) e Olímpio
Veitschá Priprá, com uso de bombas de efeito moral e balas de
borracha, a despeito da presença de diversas crianças; c)
espancamento de diversos índios, com cassetetes e chutes, além do
uso de balas de borracha; d) detenção
ilegal dos indígenas Samuel Cuzung Priprá, Womble Camblem, Ndilli
Cangui Filho, Nidli Ingaclã e Adailson
da Silva. Eis alguns relatos: Antônia
Priprá – de resguardo e com seu filho de apenas 6 dias e outro de
2 anos, desmaiou e ficou sozinha na Kombi da Funasa com os bebês, sem
receber nenhuma assistência. Ao recobrar os sentidos, presenciou sua mãe
sendo espancada pelos policiais. Ilsa
Coctá Priprá (mãe de Antônia) – Enferma, foi algemada ao
tentar sair da Kombi para fugir dos policiais. Foi espancada nas pernas,
cabeça e abdome, levou 3 tiros com bala de borracha, caiu e foi
chutada, ficando com hematomas e cortes por todo o corpo. Pediu água
para ela e sua filha, mas não foi atendida, embora os policiais
bebessem água na sua frente. Paulo,
idoso e deficiente físico, foi alvejado no braço com sua própria
muleta, jogado no chão e pisoteado.
Terra
Indígena Raposa / Serra do Sol – RR.
O fato, já citado, que vitimou a comunidade Makuxi da Maloca do Lage em
09 de maio, configurou também em violação
de domicílio, já que os Soldados entraram na área sem nenhum
convite ou permissão da comunidade, numa prática de evidente
desrespeito à organização social do grupo, além das outras violações
anteriormente mencionadas.
Terra
Indígena Xerente – TO. Em 17
de agosto, também a Terra Indígena Xerente sofreu invasão de Policiais, Militares e Civis, numa ação comandada pelo
delegado Ricardo Moreira de Toledo Salles, titular da delegacia de Pedro
Afonso (TO). Embora motivados por um mandado de prisão, o fato é que
os policiais não tinham competência para ingressar na terra indígena,
dado estar sob jurisdição federal, devendo ter sido requisitados
policiais federais para o cumprimento da ordem. Revoltada com a
intromissão indevida dos policiais a comunidade reagiu, tendo havido
confronto. Só depois a Polícia Federal foi acionada.
Conclusão
e recomendações:
Em que pese o
levantamento aqui apontado ser ainda uma amostragem parcial,
necessitando de maiores complementações, impressiona o alto grau de
envolvimento de agentes do poder público –
sobretudo Policiais Militares, mas também Policiais Civis,
Soldados do Exército e até mesmo de Prefeitos e Vice-prefeitos
Municipais – , em termos de autoria dos atos de violência,
seguindo uma tendência que já apontávamos na edição 2000 do
Relatório do Centro de Justiça Global.
Tal circunstância
evidencia acentuadamente a grande responsabilidade do Estado (por ação
ou por omissão ) nas violações de Direitos Humanos sofridas pelos
membros das comunidades indígenas e mesmo por estas enquanto
coletividades especialmente protegidas.
Cremos que a superação
deste tipo de situação exige do Estado Brasileiro, em primeiro lugar,
reconhecer a situação de terror e insegurança em que vive grande
parte da população indígena no país, muitas vezes encurralada por
projetos econômicos de fortes impactos negativos sobre a vida de suas
comunidades.
Exige também o ataque
à principal fonte das violências providenciando, conforme manda a
Constituição Federal: a) a imediata demarcação das terras de ocupação
tradicional indígena e a proteção da posse permanente e exclusiva dos
índios sobre as mesmas; b) a alocação do montante necessário de
recursos destinados à efetuação de todas as indenizações de
benfeitorias derivadas de ocupação de boa-fé nas terras indígenas.
Concomitantemente, no sentido de se combater uma outra fonte das violências
que é a impunidade, faz-se necessário que o Estado atue firmemente no
sentido de proceder a investigações verdadeiramente sérias e
competentes quanto aos casos de violações tantas vezes apontados, e
que exerça o seu papel de julgar e punir exemplarmente todos os seus
responsáveis.
Brasileiros que vivem
em regiões de seca fazem milagre para sobreviver. Às vezes não
conseguem. As crianças convivem com a falta de tudo: moradia, comida e
água. Muitas nunca tiveram um brinquedo e, muito cedo, aprendem a
passar o dia na beira da estrada esperando conseguir farinha, feijão ou
moedas para ajudar a comprar alimento.
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