
Tortura
no Brasil: enfoque em São Paulo
Centro
de Justiça Global
Introdução
A
tortura é um método de investigação muito utilizado no Brasil,
apesar de ser proibido pela Constituição e pela legislação
federal (Lei n º 9.455, de 7 de Abril de 1997). Além disso, o
governo brasileiro assinou uma série de tratados, pactos, convênios
e convenções internacionais de direitos humanos proibindo a
tortura.
Apesar
da existência dessas normas e legislações, existe uma conivência
estrutural com a tortura, estimulada pelo próprio Estado. Mesmo
em um sistema democrático, a tortura permanece como instrumento
comum de obtenção de confissão. A crise no sistema penitenciário
e carcerário também estimula a tortura como método de imposição
de disciplina. Esse método passou das cadeias—onde muitos
presos são obrigados a confessar crimes sob tortura—para todo o
sistema penitenciário, atingindo também a Febem, que nada mais
é do que a reprodução do sistema carcerário para adolescentes.
A
tipificação do crime de tortura foi uma conquista da nossa
sociedade. No entanto, não temos a jurisprudência de aplicação
dessa lei. Após três anos de sua vigência, não há ainda no
Brasil uma única condenação pela prática de tortura. Essa
impunidade se deve à conivência dos agentes de identificação e
coibição da tortura.
Órgãos Periciais e de Controle
A
Polícia Civil mantém a tortura como prática comum em suas
investigações, impossibilitando sua coibição. Os órgãos
periciais, com responsabilidade de identificar casos de tortura, são
muitas vezes subordinados às autoridades policiais. Recentemente,
a Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo
retirou o Instituto Médico Legal e o Instituto Criminalista da
supervisão direta da Polícia Civil. Todavia, não existe ainda
uma autonomia plena e nem recursos suficientes para esses órgãos.
Além de uma dotação orçamentária que garanta a autonomia
desses órgãos, recomenda-se também a criação de uma divisão
especial de direitos humanos, que garanta a agilidade na apuração
dos casos de tortura. Hoje, normalmente as vítima são
apresentadas aos legistas vários dias após sofrerem tortura,
quando as manchas e marcas diminuíram ou desapareceram.
A
Ouvidoria de Polícia, por sua vez, é um órgão extremamente
importante no controle externo, fruto da luta de entidades de
defesa dos direitos humanos. Mas esses órgãos muitas vezes
esbarram na ação das corregedorias, que têm poder de arquivar
processos sem a efetiva apuração. Portanto, o poder de atuação
da Ouvidoria de Polícia deve ser expandido, permitindo que esse
órgão recuse relatórios da Corregedoria e possa fazer investigações
independentes.Caso contrário, permaneceremos com uma estrutura
externa dependente da estrutura interna de controle.
O
Ministério Público, órgão de controle externo, não tem
orientação sobre a aplicação do crime de tortura. Por essa razão,
os inquéritos policiais sobre tortura são normalmente
caracterizados como casos de lesão corporal, ou arquivados por
falta de provas.
As
vítimas geralmente têm medo de denunciar que foram torturadas.
Nesse sentido, os Programas de Proteção à Vitima e à
Testemunha são essenciais para a aplicação da lei de tortura.
Atualmente a vítima de tortura não tem garantia nenhuma de que a
pessoa que dispôs de sua vida durante uma sessão de tortura não
vai continuar dispondo posteriormente à denúncia.
Em
suma, não haverá jurisprudência na aplicação da lei de
tortura sem que existam mecanismos de fiscalização, desde a
realização dos exames de corpo de delito até a condenação. A
sociedade brasileira precisa enfrentar esse problema buscando
mecanismos eficientes para a apuração dos fatos e a punição
dos torturadores.
Durante
todo o ano de 2000, o Centro de Justiça Global encaminhou vários
relatórios individuais de casos de tortura ao Relator Especial da
ONU sobre a Tortura. Esses casos constam do capítulo Mecanismos
Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos.
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