
Reparação
e Indenização de Perdas Sofridas
MAB – Movimento dos Atingidos
por Barragens
Em
16 de novembro deste ano, James Wolfenson, presidente do Banco
Mundial, e Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul,
participaram, em Londres, da divulgação do relatório da Comissão
Mundial de Barragens (CMB) que comprova o que Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) vem dizendo há muito tempo: os
danos sociais, ambientais e econômicos causados por grandes
barragens têm sido muito maiores do que admitem a indústria do
setor e o governo brasileiro.
A
iniciativa da criação de uma comissão independente nasceu em
1997, em Curitiba, no I Encontro Internacional de Atingidos por
Barragens, promovido pelo MAB, que contou com representantes de
mais de 20 países. A declaração de Curitiba pede a suspensão
da construção de novas barragens até que uma "comissão
internacional independente" conduzisse revisão completa de
todas as barragens financiadas ou apoiadas por agências de créditos
internacionais. Pressionado, o Banco Mundial (junto à União
Internacional pela Conservação da Natureza) formalizou reunião
em Gland, na Suíça, em 1997, com representantes das populações
atingidas, ambientalistas e indústria. A reunião de Gland
resultou na formação da CMB, uma comissão que se propõe a
revisar o desempenho de grandes barragens e formular diretrizes
para futuros projetos.
Após
dois anos de estudo global, o relatório da CMB demonstra que
grandes barragens:
·
expulsaram 40-80 milhões de pessoas no mundo e poucos
readquiriram o padrão de vida prévio - populações indígenas e
camponesas foram as que mais sofreram;
·
causaram um enorme impacto ambiental - a extinção de muitos
peixes e outras espécies aquáticas, grandes perdas de floresta,
pantanais e áreas agricultáveis;
·
beneficiaram os setores mais enriquecidos da sociedade,
enquanto os mais empobrecidos arcaram com o ônus.
O
Brasil tem 93% de sua energia produzida por hidroelétricas.
Apesar dos danos causados, o governo brasileiro segue com sua política
de promoção à construção de barragens nos moldes da ditadura
militar, ignorando a miséria a que são relegadas as populações
atingidas pelos projetos.
Enquanto
os impactos de barragens não forem avaliados no Brasil e as
populações já atingidas compensadas por suas perdas, o MAB
exige a paralisação da construção de qualquer nova obra e propõe
a criação de uma Comissão Brasileira de Barragens para avaliar,
de forma independente, os impactos destes projetos.
Desde
o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens,
reunido em Brasília, de 19 a 21 de abril de 1989, no qual
atingidos de todo o país decidiram juntar-se no Movimento
Nacional de Atingidos por Barragens, o MAB, tem se insistido em
que o Governo e as empresas energéticas, responsáveis pela
implantação de grandes projetos hidrelétricos, assumam a
responsabilidade de reparar e/ou indenizar as perdas impostas às
populações atingidas.
A
construção quase sempre irresponsável de grandes barragens, que
marca a história da hidroeletricidade brasileira, vem impondo às
populações atingidas perdas incomensuráveis e irreparáveis nas
áreas social, ambiental, econômica e cultural. Levantamentos da
Eletrobrás registravam, em 1987, um total de 34.000 km2 de áreas
inundadas no Brasil.
Dentre
os graves problemas que originam a situação a que chegamos,
pode-se destacar:
-
inexistência de planejamento energético integrado,
privilegiando interesses de empreiteiras, consultoras e
fornecedores, resultando em alocação inadequada dos projetos
energéticos e em elevados sobrepreços e sobrecustos;
-
impactos sociais e ambientais tratados de maneira inadequada,
quando não absolutamente desconsiderados;
-
impactos sociais tratados com absoluto desprezo pelos direitos
das populações atingidas, cuja resistência, organização e
luta são, hoje, a única esperança de que seus direitos
individuais, comunitários e sociais, assim como suas culturas e
modos de vida, não serão sacrificados em nome de um progresso
cujos benefícios não partilham;
-
total desprezo pelas populações tradicionais, indígenas e
quilombos, particularmente no que concerne à estreita articulação
entre suas culturas e suas territorialidades, transformando o
deslocamento compulsório em irremediável condenação à morte
cultural, quando não simplesmente ao desaparecimento físico;
-
tratamento privilegiado, inclusive através de subsídios, a
grandes consumidores e indústrias eletro-intensivas, muitas
vezes exportadoras, fazendo da destruição ambiental e do
sofrimento das populações a face obscura do hiper-consumo dos
países desenvolvidos;
-
inexistência ou fragilidade de políticas voltadas para o apoio
à pesquisa, desenvolvimento, demonstração e difusão de
fontes alternativas de energia.
Os
impactos dessa falta de responsabilidade com a sociedade são
evidentes. Até hoje, mais de um milhão de pessoas foram
atingidas pelas represas e obrigadas a abandonar suas terras e
casas. A população desalojada pelas hidrelétricas enfrenta
grandes problemas. As conquistas obtidas não abrangem todos os
atingidos. Várias famílias deixaram de ser reassentadas, e
aquelas que receberam indenizações não conseguiram comprar
novas terras, visto o valor irrisório recebido a titulo de
indenização.
É
eticamente inaceitável, socialmente injusto e economicamente
irracional que novos grandes projetos sejam iniciados antes que
estejam devidamente equacionados os problemas sociais e ambientais
de barragens já construídas. Não é suficiente reconhecer e
assumir os erros do passado. É necessário reparar as perdas e/ou
indenizá-las. Em nome dos atingidos por barragens no Brasil, o
MAB têm reivindicado do governo brasileiro que não se inicie a
construção de nenhuma nova barragem enquanto não estiverem
devidamente reparadas e indenizadas as situações críticas
vividas pelas populações atingidas.
Abaixo,
citamos as principais reivindicações em relação a algumas
barragens já construídas ou em construção, onde as pendências
não foram resolvidas nem estão sendo cumpridos totalmente os
acordos efetuados entre o governo e as populações atingidas:
Itaparica
O
Governo Federal nega-se à concluir o reassentamento, propõe
substituir o projeto de irrigação – compromisso firmado no
acordo de 1986 – por uma indenização que certamente gerará
desemprego, fome e violência, prejudicando o desenvolvimento
regional. A CHESF e o GERPI, sem qualquer consulta ou negociação
com as organizações dos reassentados, vêm desviando recursos
originalmente previstos para financiar o reassentamento,
utilizando-os em indenizações – o que, na prática, significa
acabar com o reassentamento. Negam-se também a prestar
esclarecimentos sobre os valores orçamentários aplicados em
1998.
Diante
desse quadro, solicitamos:
-
A revisão da estratégia para Itaparica com a participação dos
representantes dos reassentados.
-
Formação de uma Comissão Externa dentro da Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados para
averiguar denúncias e conseqüências das ações governamentais
na área do reassentamento de Itaparica.
-
Constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI
– para fiscalizar e examinar as ações desenvolvidas pela CHESF,
pelo GERPI e demais órgãos governamentais que atuam na área.
-
Reassentamento imediato do Povo Tuxá, indígenas dos estados da
Bahia e Pernambuco, atingidos pela barragem de Itaparica que, há
doze anos, perderam suas terras e aguardam o reassentamento, em
situação de penúria.
Barragem
do Castanhão – CE
Os
cronogramas estão em atraso na obra, na cidade, no reassentamento,
nas indenizações e nas obras complementares. Dos 41 milhões de
reais do orçamento do DNOCs para 1999, faltam 22 milhões, ou
seja, 55% para se concluir o pagamento das indenizações. Das
2.200 famílias que constituem a população rural na área da
barragem, apenas 600 serão reassentadas e, até o
momento, somente 202 famílias foram reassentadas. Exigimos o
reassentamento das demais famílias. Além disso, como o distrito
de Poço Comprido corre o risco de ser inundado, é urgente que se
realizem obras de infraestrutura e avancem as construções da
nova cidade.
Serra
da Mesa
Em
relação à essa barragem, destacamos os seguintes problemas:
-
A indenização paga por FURNAS foi insuficiente e irrisória.
Exigimos uma revisão dos critérios utilizados para a avaliação
e pagamento de tais indenizações, e que essa revisão seja
efetuada em conjunto com os representantes das populações
atingidas (STRs). Além disso, muitas áreas não foram
indenizadas por falta de documentação tais como posse e inventário.
-
O reassentamento das famílias não foi realizado e muitas estão
acampadas, vivendo em barracos. É necessário que se discuta com
a população atingida e seus representantes uma proposta de
reassentamento para todas as famílias atingidas pela barragem.
Bacia
do Rio Uruguai (Machadinho)
O
processo de privatização agravou os problemas dos agricultores
atingidos por barragens.
Assim,
a luta dos atingidos na Bacia do Uruguai apresenta um resumo das
pendências e propostas:
-
que seja indenizada a faixa ciliar de 100 metros ao redor dos
lagos das barragens em construção;
-
que nenhuma família que reside na área a ser alagada fique sem
indenização ou reassentamento, antes do fechamento das
comportas;
-
que seja pago um valor justo pelas indenizações, em especial na
barragem de Machadinho;
-
que terminem os processos judiciais de despejo das famílias
atingidas, que ainda não negociaram suas propriedades;
-
que sejam indenizadas todas as pessoas prejudicadas pela construção
das barragens;
Arquipélago
do Rio Paraná- Itaipu e Ilha Grande
-
Há 18 anos, a população local foi expulsa dessas ilhas, no rio
Paraná. Alguns foram reassentados em áreas distantes e sem a mínima
infra-estrutura. A grande maioria das cerca de 1.500 famílias não
receberam qualquer tipo de indenização, provocando graves
problemas sociais. Sem qualquer debate com os legítimos proprietários
das ilhas, o governo federal, através de decreto, criou o Parque
Nacional de Ilha Grande. O Movimento por Justiça dos Ilhéus
retomou sua organização e agora exige, após quase duas décadas,
a indenização justa para as famílias que tiveram tantos prejuízos
de ordem econômica e social. Exigem ainda o ressarcimento de
valores do ITR pago pelos ilhéus, desde que foram impedidos de
produzir e viver nas ilhas.
A
apresentação das situações acima relatadas e a discussão pública
dos problemas devem contribuir com o debate sobre metodologias,
modalidades e prazos para a reparação e/ou indenização e
equacionamento dos problemas sociais e ambientais pendentes. Desta
forma, esperamos contribuir para:
1.
A formulação de métodos concretos de reparação, instaurando
princípios e diretrizes gerais.
2.
A elaboração de propostas a serem encaminhadas ao governo e às
agências multilaterais (BIRD, BID, etc), de modo que assumam
integralmente os custos das reparações e/ou indenizações e a
suspensão de investimentos em novos projetos, enquanto as situações
pendentes não estejam devidamente solucionadas.
3.
A realização de plebiscito ou outra forma de consulta popular
com as populações atingidas, e que estas possam vetar projetos
que venham a prejudicar as comunidades ou pôr em risco sua
sobrevivência.
4.
O acesso das populações aos planejamentos energéticos.
5.
Os estudos ambientais, no sentido da viabilidade social do
empreendimento.
6.
A resolução das questões sociais antes do início das obras.
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