Caderno 13:
Aplicação da Lei nos
casos de Grupos Vulneráveis Vítimas da Criminalidade e do Abuso de Poder
Índice do Capítulo:
Perguntas-chave para os Encarregados da
Aplicação da Lei
Introdução
Vítimas da Criminalidade e do Abuso de
Poder * Captura e Detenção
Arbitrárias * Uso de Força e Armas de
Fogo * Tortura * Violência Doméstica
Vítimas de Situações de Conflito
Armado * Introdução *
Medidas de Proteção
Pontos de Destaque do Capítulo
Perguntas para Estudo *
Conhecimento *
Compreensão * Aplicação
Perguntas-chave
para os Encarregados da Aplicação da Lei* Que pessoas
são consideradas vítimas da criminalidade? * Que
pessoas são consideradas vítimas do abuso de poder? *
Quais direitos que as duas categorias de vítimas possuem? * Como as vítimas podem exercer seus direitos? * Quais são os direitos das vítimas de captura ou detenção
arbitrárias? * Quais são os direitos das vítimas do
uso excessivo ou arbitrário de força? * Quais são os
direitos dos familiares das vítimas em ambos os casos? * Quais são os direitos das vítimas de tortura? * Quais são os direitos das vítimas em situações de conflito
armado? * Quais medidas de proteção que o direito
internacional humanitário oferece às vítimas de conflito armado?
* Qual é o papel e a responsabilidade dos encarregados da aplicação
da lei em relação às vítimas?
Introdução
Um exame
superficial do treinamento e prática existentes na aplicação da lei revela que a
atenção e os recursos são centralizados nos infratores (em potencial). As
funções de aplicação da lei e a manutenção da ordem pública têm a tendência de
concentrarem-se apenas nos infratores da lei ou perturbadores da ordem pública,
preocupando-se pouco, ou nada, com a grande maioria das pessoas que respeitam a
lei e não causam nenhum distúrbio. Conseqüentemente, não é de se surpreender
que, além do seu direito de apresentar queixa, os indivíduos que sofrem algum
dano ou prejuízo nas mãos de um infrator recebam pouca ou nenhuma atenção ou
proteção. Este capítulo examina os mecanismos existentes para proteger os
direitos das vítimas da criminalidade e do abuso de poder.
Vítimas da Criminalidade e
do Abuso de Poder Considerando os inúmeros
instrumentos que estipulam os direitos e a situação dos suspeitos e acusados, o
fato de que haja somente um instrumento protegendo as vítimas da criminalidade e
do abuso de poder nos oferece uma visão desconcertante das prioridades em
questão. Não parece justo que seus direitos e situação sejam protegidos tão
precariamente quando comparados aos níveis de proteção oferecidos aos
infratores.
A proteção concedida às vítimas do crime é muito
limitada, quando comparada ao número de instrumentos destinados à proteção dos
direitos dos suspeitos e pessoas acusadas nas áreas de captura, detenção,
prevenção e detecção do crime.
A Declaração das
Nações Unidas sobre os Princípios Fundamentais de Justiça Relativos às Vítimas
da Criminalidade e do Abuso do Poder
(Declaração das Vítimas) é o único instrumento internacional que oferece
orientação aos Estados Membros sobre a questão da proteção e reparação às
vítimas da criminalidade e do abuso de poder. A Declaração não é um tratado e,
conseqüentemente, não cria obrigações legais aos Estados.
Somente uns poucos dispositivos de tratados criam
obrigações legais aos Estados Partes com respeito aos tratamento das vítimas do
crime e do abuso do poder. Entre eles:
* o direito exeqüível das vítimas de captura ou
detenção ilegal à indenização (PIDCP, artigo 9.5); * as vítimas de pena
cumprida em virtude de erro judicial devem ser indenizadas em conformidade com a
lei (PIDCP, artigo 14.6); * as vítimas de tortura possuem o direito exeqüível à indenização justa e
adequada (Convenção contra a Tortura, artigo 14.1)
A Declaração das Vítimas define
vítimas de crime como sendo:
as pessoas que, individual ou coletivamente,
tenham sofrido danos, nomeadamente a sua integridade física ou mental, ou
sofrimento de ordem emocional, ou perda material, ou grave atentado a seus
direitos fundamentais, como conseqüência de atos ou omissões que violem as
leis penais em vigor em um Estado Membro, incluindo as que proíbem o abuso do
poder (artigo 1o). Uma definição
de vítimas do abuso do
poder é dada no artigo 18 da Declaração
das Vítimas:
as pessoas que, individual ou coletivamente,
tenham sofrido danos, nomeadamente a sua integridade física ou mental, ou
sofrimento de ordem emocional, ou perda material, ou grave atentado aos seus
direitos fundamentais, como conseqüência de atos ou omissões que, não
constituindo ainda uma violação da legislação penal nacional, representam
violações das normas internacionalmente reconhecidas em matéria de direitos
humanos.
A Declaração das Vítimas
afirma ainda que uma pessoa pode ser considerada uma vítima quer o autor seja ou
não identificado, capturado, julgado ou declarado culpado, e quaisquer que sejam
os laços de parentesco deste com a vítima (artigo 2º). O termo vítima inclui também a
família próxima ou dependentes da vítima, assim como as pessoas que tenham
sofrido algum dano ao intervirem em nome da vítima.
Também estabelece disposições relativas ao
acesso à justiça e ao tratamento,
restituição, indenização e assistência eqüitativos, afirmando os seguintes direitos a serem exercidos pelas
vítimas da criminalidade e abuso de poder: * de serem tratadas com compaixão e
respeito por sua dignidade. Têm direito ao acesso às instâncias judiciárias e a
uma rápida reparação (artigo 4o); * de beneficiarem-se da criação de procedimentos de reparação, oficiais
ou oficiosos, que sejam eqüitativos, de baixo custo e acessíveis (artigo
5o); * de serem informadas da
função das instâncias que conduzem os procedimentos, do âmbito, das datas e do
progresso dos processos e da decisão de suas causas, especialmente quando se
tratar de crimes graves e quando tenham pedido essas informações (artigo 6º
a); * de apresentarem suas
opiniões e que estas sejam examinadas nas fases adequadas do processo quando
seus interesses pessoais estejam em jogo (artigo 6º
b); * de receberem assistência
adequada ao longo de todo o processo (artigo 6º
c); * à proteção de sua
privacidade e às medidas que garantam sua segurança e a de sua família,
preservando-as de intimidação e represálias (artigo 6º
d); * de que se evitem demoras
desnecessárias na resolução das causas e na execução das decisões que lhes
concedam indenizações (artigo 6º e); * de beneficiarem-se de mecanismos extrajudiciários de resolução de
disputas, incluindo a mediação, a arbitragem e as práticas de direito costumeiro
ou as práticas autóctones de justiça, que devem ser utilizados, quando
adequados, para facilitar a conciliação e obter a reparação em favor das
vítimas.
Os artigos de 8o a 13 estabelecem vários
princípios relativos à restituição e reparação: os infratores devem fazer a
restituição a suas vítimas; incentiva-se aos Estados que mantenham sob
escrutínio constante os mecanismos de restituição, e que considerem sua inserção
nas leis penais; nos casos em que o infrator for um funcionário ou agente do
Estado(por exemplo, um encarregado de aplicação da lei), este deve ser
responsável pela restituição; quando não seja possível obter do infrator ou de
outras fontes a indenização, os Estados devem procurar assegurá-la. É
incentivada a criação de fundos para esta finalidade em
particular.
* as vítimas devem receber a
assistência material, médica, psicológica e social de que necessitem (artigo
14); * as vítimas devem ser
informadas da possível existência de serviços de assistência que lhes possam ser
úteis (artigo 15); * o pessoal
dos serviços de polícia, de justiça e de saúde, tal como o dos serviços sociais
e outros serviços interessados, deve receber uma formação que os sensibilize
para as necessidades das vítimas, bem como instruções que garantam uma ajuda
pronta e adequada às vítimas (artigo 16).
Em muitos casos, os encarregados da aplicação
da lei serão o primeiro contato que uma vítima de um crime terá, o que se
poderia considerar, nesta situação, como a fase de primeiros-socorros, quando é
essencial que se dispensem cuidados e assistência adequados às vítimas. No
entanto, a preocupação dos encarregados é com o progresso e o resultado das
investigações. É importante que sejam convencidos de que o bem-estar das
vítimas deveria ser da mais alta prioridade. Não se pode desfazer o crime
cometido, porém, o auxílio e a assistência adequados fazem com que as
conseqüências negativas do crime para com as vítimas sejam definitivamente
limitadas.
Captura e Detenção
Arbitrárias ....Ninguém será submetido à captura ou detenção
arbitrária.... A proibição da
arbitrariedade, na segunda frase do artigo 9o.1 do PIDCP, representa uma
restrição adicional à privação da liberdade, direcionado tanto ao legislativo
nacional quanto às organizações de aplicação da lei. Não basta que a privação
da liberdade esteja prevista em lei: a própria lei não pode ser arbitrária, e
a aplicação desta em uma dada situação não deve acontecer de forma arbitrária.
Entende-se que a palavra arbitrária, neste caso, contenha
elementos de injustiça, imprevisibilidade, irracionalidade, inconstância e
desproporcionalidade.
A proibição da arbitrariedade deve ser interpretada
de forma ampla. Os casos de privação da liberdade permitidos em lei não devem
ser manifestamente desproporcionais, injustos ou imprevisíveis, e a maneira
pela qual uma captura é feita não deve ser discriminatória e deve
justificar-se como apropriada e proporcional em vista das circunstâncias do
caso.
A captura arbitrária também é proibida na CADHP
(artigo 6o) e na CADH (artigo 7.1-3). A CEDH (artigo 5.1) estabelece as
condições específicas sob as quais uma pessoa pode ser privada de sua
liberdade. Enquanto a CEDH é aplicável somente aos Estados Partes, suas
disposições fornecem diretrizes excelentes a todos os encarregados da
aplicação da lei nas várias situações nas quais a privação da liberdade pode
ser considerada razoável e necessária. De acordo com a CEDH, uma pessoa pode
ser privada de sua liberdade nas seguintes circunstâncias:
* como resultado de uma condenação por um
tribunal competente; * como resultado do
não cumprimento de uma ordem legal de um tribunal, ou de fazer cumprir uma
obrigação prevista em lei; * com o intuito de trazer uma
pessoa perante à autoridade legal competente sob suspeita razoável de haver
cometido um delito; * (de um menor) por
ordem legal com o objetivo de supervisão educacional ou trazê-lo perante uma
autoridade legal competente; * com o
propósito de evitar o alastramento de doenças infecciosas; e com respeito a
pessoas mentalmente instáveis, alcoólatras ou viciados em drogas, ou
desocupados; * com o propósito de impedir
a entrada ou residência não autorizada no país.
Qualquer pessoa vítima de captura ou
detenção ilegal terá direito à reparação. (PIDCP, artigo 9.5)
Este dispositivo intitula qualquer vítima de
captura ou detenção ilegal a reivindicar uma indenização, ao passo que o
dispositivo análogo do artigo 5.5 da CEDH garante indenização somente na
eventualidade de violação do artigo 5o (vide acima).
De acordo com a CADHP (artigo 10), a indenização é
devida a uma pessoa que é sentenciada em um julgamento final, por um erro
judicial. A captura ilegal pode ser um elemento de um erro judicial.
O fato de que a indenização em si é uma matéria de
interesse doméstico e, como tal, dever ser tratada na legislação nacional,
aplica-se igualmente a todos estes instrumentos.
A Declaração
dos Princípios Básicos de Justiça para Vítimas da Criminalidade e do Abuso do
Poder (Declaração das Vítimas) oferece
algumas diretrizes para se definir a responsabilidade do estado e os direitos
das vítimas. Em seu artigo 4o, a Declaração das Vítimas declara que as
vítimas devem ser tratadas com compaixão
e respeito por sua dignidade. Também
recomenda que:
Quando agentes públicos ou outros agentes, agindo em uma
capacidade oficial ou quase oficial, violarem as leis penais nacionais, as
vítimas devem receber uma restituição do Estado cujos agentes forem responsáveis
pelo dano infligido. (artigo 11).
Uso da Força e Armas de
Fogo Os Princípios Básicos sobre o Uso de Força e Armas de Fogo
(PBUFAF) contêm algumas disposições
relativas ao uso indevido da força e à proteção dos direitos e situação das
vítimas frente a tal uso. Os PBUFAF não é um tratado que cria obrigações
legais aos Estados Partes, mas simplesmente um instrumento que propicia normas
orientadoras aos Estados Membros da ONU.
Os governos deverão assegurar que o uso
arbitrário ou abusivo da força e armas de fogo pelos encarregados da aplicação
da lei seja punido como delito criminal, de acordo com a legislação. (PB
7)
Não será possível invocar circunstâncias
excepcionais tais como instabilidade política interna ou emergência pública
como justificativa para o abandono destes princípios básicos. (PB
8)
O uso arbitrário de força e armas de fogo pelos
encarregados da aplicação da lei constitui violações do direito penal de um
país. Também constituem violações dos direitos humanos cometidas por aqueles
mesmos que são chamados a manter e preservar esses direitos. O abuso da força
e de armas de fogo pode ser visto como uma violação da dignidade e integridade
humana, tanto dos encarregados envolvidos como das vítimas. No entanto, não
importa como as violações sejam vistas, elas prejudicarão o frágil
relacionamento entre a organização de aplicação da lei e toda a comunidade a
que estiver servindo, sendo capazes de causar feridas que levarão muito tempo
para cicatrizar.
É por todas as razões expostas que o abuso não pode
e não deve ser tolerado. A atenção deve estar voltada para a prevenção destes
atos, por meio de formação e treinamento regular e apropriado e procedimentos
de avaliação e supervisão adequados. Sempre que existir uma situação
de alegação ou suspeita de abuso, deve haver uma investigação imediata,
imparcial e minuciosa. Os responsáveis devem ser
punidos. As vítimas devem receber atenção adequada de acordo com suas
necessidades especiais durante toda a investigação. Para que se possa
restaurar com sucesso a confiança em um relacionamento abalado, deverá haver
um esforço genuíno por parte da organização de aplicação da lei.
Os governos e as organizações da aplicação da lei
deverão estabelecer procedimentos
eficazes de comunicação e avaliação aplicáveis a todos os incidentes em
que:
· morte ou ferimento forem causados pelo uso da força e armas de
fogo pelos encarregados da aplicação da lei; ou · os encarregados da
aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no desempenho de suas funções.
(PB22).
Para os incidentes registrados de acordo com estes
procedimentos, os governos e as organizações de aplicação da lei deverão
assegurar que: · haja um processo eficaz de avaliação disponível, e autoridades
administrativas ou de promotoria independentes tenham condições de exercer
jurisdição nas circunstâncias apropriadas; · nos casos de morte, ferimento
grave ou outras conseqüência sérias, um relatório pormenorizado seja prontamente
enviado às autoridades competentes responsáveis pelo controle e avaliação
administrativa e judicial.
(ibid.) · as pessoas afetadas pelo uso da força e armas de fogo, ou seus
representantes legais, tenham acesso a um processo independente, incluindo um
processo judicial. ·
em caso de morte desses indivíduos, esta
disposição aplica-se aos seus dependentes (PB 23).
Tortura De acordo com o direito internacional,
tortura é definida como grave dor ou
sofrimento, seja físico ou mental, infligido por, ou instigado através, ou com
o consentimento ou aquiescência de um agente público ou pessoa agindo em
capacidade oficial, com o propósito de obter da pessoa a quem esteja sendo
infligida, ou de um terceiro, informações ou uma confissão, punindo aquela
pessoa por um ato que ela tenha cometido, ou do qual seja suspeita de ter
cometido, ou intimidando aquela pessoa ou outras pessoas. (Convenção contra a Tortura, artigo 1o).
A proibição da tortura é absoluta e sem exceções.
Não há situações em que a tortura possa ser legal, nem pode haver defesa legal
bem sucedida por atos de tortura cometidos. Uma emergência pública que ameace
a existência da nação (vide PIDCP, artigo 4o) não permite uma derrogação da
proibição da tortura. Confirmação da proibição da tortura também pode ser
encontrada nas Convenções de Genebra de 1949, e seus Protocolos Adicionais de
1977, que tornam ilegal a tortura em todas as formas de conflito armado aos
quais aqueles instrumentos do direito internacional humanitário se
aplicam.
A proibição da tortura é parte do direito
internacional costumeiro, e foi codificada na DUDH (artigo 5o), no PIDCP
(artigo 7o), na CADHP (artigo 5o), na CADH (artigo 5o), na CEDH (artigo 3o), e
nos instrumentos sobre direito internacional humanitário mencionados
anteriormente.
Uma codificação adicional da proibição da tortura
foi efetuada na Convenção Contra a
Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (CCT), mencionada acima, um
tratado que já foi ratificado por 105 Estados (até Dezembro de 1997).
Os seguintes dispositivos foram selecionados da
Convenção Contra Tortura, e vinculam legalmente a todos os Estados parte
desta:
* em
hipótese alguma, circunstâncias excepcionais poderão ser invocadas como
justificativa à tortura (artigo
2.2); * ordens superiores não podem ser invocadas como justificativa à
tortura (artigo 2.3); *
a tortura deve ser proibida na
legislação nacional (artigo
4o); * todas as pessoas acusadas de tortura devem ser trazidas à justiça,
qualquer que seja a sua nacionalidade ou o local onde há a alegação do crime
ter sido cometido (artigos 5o, 6o e
7o); * o treinamento dos encarregados da aplicação da lei deve incorporar
plenamente a proibição da tortura (artigo 10.1); * a proibição da tortura deve ser incorporada nas normas e
instruções gerais emitidas aos agentes policiais responsáveis pela custódia
de pessoas detidas (artigo
10.2); * as normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório devem ser
objeto de revisão sistemática (artigo
11); * os procedimentos para a custódia e tratamento de pessoas privadas de
sua liberdade devem ser objeto de revisão sistemática (artigo 11); *
as suspeitas de atos de tortura devem
ser pronta e imparcialmente investigadas (artigo 12); * as (alegadas) vítimas de tortura têm o direito a uma
pronta e imparcial investigação, e devem ser protegidas contra todo o tipo
de maus-tratos ou intimidação como conseqüência de suas
queixas (artigo 13); * a legislação
nacional deve assegurar a reparação e o direito exeqüível a uma indenização
justa e adequada às vítimas de tortura (artigo 14); * as provas obtidas mediante a tortura são inadmissíveis em
um tribunal (artigo 15).
Os
dispositivos chaves da CCT são refletidos no artigo 5o do Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da
Lei, o qual declara que:
Nenhum encarregado da aplicação da lei
pode infligir, instigar ou tolerar nenhum ato de tortura... nem ... invocar
ordens superiores ou circunstâncias excepcionais ... como justificativa à
tortura...
De acordo com o artigo 14 da Convenção contra a
Tortura:
Cada Estado
Parte assegurará em seu sistema jurídico, à vítima de um ato de tortura, o
direito à reparação e à indenização justa e adequada, incluindo os meios
necessários para a mais completa reabilitação possível. Em caso de morte da
vítima como resultado de um ato de tortura, seus dependentes terão direito a
indenização. (parágrafo 2).
O disposto no
presente artigo não afetará qualquer direito à indenização que a vítima ou outra
pessoa possam ter em decorrência das leis nacionais (parágrafo 2).
Tendo em vista que a CCT é um tratado,
suas disposições criam obrigações legais aos Estados Partes.
A disposição específica sobre a proteção e reparação das vítimas
de tortura oferece, portanto, garantias melhores à vítima que
os dispositivos da Declaração das Vítimas, citada acima.
Violência
Doméstica
Os homens que batem em suas esposas ou companheiras são normalmente confiantes
de que o podem fazer com impunidade - de que não serão denunciados
à polícia e, mesmo que sejam, conseguirão escapar da punição.
Infelizmente, as autoridades da aplicação da lei, em todo
o mundo, contribuíram para esta situação ao se recusarem não
só em tratar a violência doméstica como um crime, mas em intervir
para acabar com a violência, baseados supostamente na noção
de que fosse um problema de família. A violência doméstica não
é um problema só de família - é um problema da comunidade e esta em sua totalidade
é normalmente responsável pela continuação da violência: os
amigos e vizinhos que ignoram ou encontram desculpas para
as provas evidentes de violência; o médico que apenas cuida
dos ossos quebrados e machucados; e a polícia e o tribunal
que se recusam a intervir em assunto particular. Os encarregados
da aplicação da lei podem ajudar a prevenir o crime de violência
doméstica ao tratá-lo como um crime. Eles são responsáveis
por assegurar e proteger o direito da mulher à vida, à segurança
e à integridade corporal, ocorrendo em uma evidente abdicação
dessa responsabilidade quando falharem em proteger a mulher
contra a violência no lar.
Na maioria dos países do mundo, os
crimes contra a mulher são de baixa prioridade. É o dever
de toda organização de aplicação da lei expor esses crimes,
de modo a evitá-los o máximo possível, e tratar das vítimas
com cuidado, sensibilidade e profissionalismo.
Vítimas de Situações de Conflito
Armado
Introdução
O objetivo principal das quatro Convenções
de Genebra de 1949 e seus dois Protocolos Adicionais de 1977
é o de proteger as vítimas de conflito armado. Em geral, suas
disposições estão relacionados com a proteção de:
pessoas que não participam
ativamente das hostilidades, incluindo integrantes das forças
armadas que depuseram suas armas ou estão fora de combate
por doença, ferimentos, detenção ou outro motivo....
A proteção no campo dos membros das
forças armadas, feridos e doentes, é tratada pela Primeira
Convenção de Genebra.
A Segunda Convenção de Genebra abrange
a proteção dos membros da marinha que estejam feridos, doentes
ou naufragados.
A Terceira Convenção de Genebra abrange
a proteção dos prisioneiros de guerra.
A Quarta Convenção de Genebra abrange a proteção de civis
em tempos de guerra.
O Primeiro Protocolo abrange a proteção
das vítimas de conflitos armados internacionais.
O Segundo Protocolo abrange a proteção
das vítimas de conflitos armados não internacionais de alta
intensidade.
Medidas de Proteção
Um dos princípios fundamentais do direito
internacional humanitário é que o direito dos beligerantes de escolher meios de ferir o inimigo não é ilimitado.
A partir desse principio
surgem os princípios de proporcionalidade e
discriminação (a distinção necessária
entre objetivos militares e propósitos civis, respeito pelas
zonas e objetos protegidos, etc.).
Os civis e integrantes das forças
armadas que depuseram suas armas ou que estejam fora de combate
por doença, ferimentos, detenção ou outro motivo, devem ser
protegidos. Não podem ser alvo de ataques ou represálias.
Os atos ou ameaças de violência cuja finalidade primordial
é a de espalhar o terror entre a população civil estão proibidos
(Primeiro Protocolo, artigo 51.2; Segundo Protocolo, artigo
13.2).
Proíbe-se matar os civis de fome
como uma tática de guerra. É proibido, portanto, com esta
finalidade, atacar, destruir, remover ou inutilizar os objetos
indispensáveis à sobrevivência da população civil como alimentos,
áreas agrícolas para a produção de alimentos, plantações,
animais de criação, instalações e fornecimento de água potável
e sistemas de irrigação (Primeiro Protocolo Adicional, artigo
54; Segundo Protocolo Adicional, artigo 14).
Os civis ou integrantes das forças
armadas que se encontrem em poder do adversário no conflito
têm o direito a tratamento humano e proteção de sua dignidade
e integridade. (artigo 30, comum às quatro Convenções de Genebra
de 1949; artigo 11 do 10 Protocolo)
O artigo 91 do 10 Protocolo
Adicional de 1977 estipula que uma
das partes do conflito que viole as disposições das Convenções
ou deste Protocolo estará sujeita a pagar, se o caso assim
exigir, indenização. Será responsável por todos os atos cometidos
pelos integrantes de suas forças armadas.
Deve-se observar que esta disposição
se aplica somente a situações de conflito armado internacional.
Pontos de Destaque do Capítulo
* O principal foco de atenção
dos encarregados da aplicação da lei, sem nenhuma justificativa
evidente, é a prevenção e detecção do crime e a prisão de suspeitos.
As necessidades específicas das vítimas da criminalidade tendem
a receber atenção insuficiente.
* A situação e os interesses dos suspeitos
e acusados estão muito melhor protegidos nos instrumentos internacionais
que os das vítimas.
* Há somente algumas poucas disposições
relacionadas à proteção das vítimas que criam obrigações legais
aos Estados Partes.
* A Declaração das Vítimas distingue entre as vítimas da criminalidade e as vítimas do abuso de poder.
* Ambas as categorias têm o direito
a serem tratadas com compaixão e respeito por sua dignidade.
Eles têm o direito ao acesso às instâncias judiciais e à reparação
imediata.
* As vítimas devem ser mantidas informadas
sobre o progresso e o julgamento de seu processo, especialmente
em casos de crimes graves e quando tal informação for solicitada.
* As vítimas podem solicitar assistência para a proteção de
sua privacidade e para sua segurança e de sua família contra
a intimidação e retaliação.
* As vítimas devem receber a assistência
material, médica, psicológica e social necessárias.
* Os serviços policial, judiciário,
de saúde, social e outros devem ser treinados para sensibilizá-los
às necessidades das vítimas, recebendo orientação de como assegurar
um auxílio rápido e adequado.
* Qualquer pessoa vítima de uma captura
ou detenção ilegal deve ter o direito à compensação.
* Nos casos em que funcionários públicos
ou outros agentes, ao agirem oficialmente, ou quase, violaram
as leis penais nacionais, as vítimas deverão receber indenização
do Estado pelos danos sofridos.
* As pessoas atingidas pelo uso de força
ou armas de fogo, ou seus representantes legais, terão acesso
às autoridades competentes para a revisão administrativa e controle
judicial.
* No caso de morte pelo uso de força
e armas de fogo, a disposição acima aplica-se a seus dependentes.
* As vítimas de tortura têm o direito
exeqüível à indenização justa e adequada.
* A violência doméstica é um crime que exige uma resposta imediata e
adequada da aplicação da lei. As vítimas da violência doméstica
necessitam de proteção.
* O direito internacional humanitário
delimita normas para a conduta de hostilidades e para a proteção
das vítimas de conflito armado.
* As Convenções de Genebra de 1949 e
os Protocolos Adicionais de 1977 protegem os direitos e a situação
dos civis e dos integrantes das forças armadas que depuseram
suas armas ou que estejam fora de combate por motivo de doença,
ferimentos, detenção ou outras razões.
Perguntas para Estudo
Conhecimento
1. Quais são as pessoas consideradas vítimas da criminalidade?
2. Quais são as pessoas consideradas vítimas do abuso de poder?
3. Quais são os principais direitos das vítimas em ambos os
casos?
4. Quais são os direitos das vítimas de captura ou detenção
arbitrárias?
5. Quais são os direitos das pessoas atingidas pelo uso de força
e armas de fogo?
6. Quais são os direitos das vítimas de tortura?
7. Quais são os direitos das vítimas de violência doméstica?
8. Quais são as principais medidas que protegem as vítimas de
conflitos armados?
9. Quais atos são proibidos contra a população civil?
Compreensão
1. O que os encarregados da aplicação da lei podem fazer para
proteger os direitos e a situação das vítimas?
2. Por que a violência doméstica deve ser tratada de maneira
diferenciada dos outros crimes violentos?
3. Qual é a relevância da distinção entre criminalidade
e abuso de poder ao definir as vítimas?
4. Em sua opinião, a diferença entre a proteção dos infratores
e a das vítimas constitui desigualdade perante a
lei? (vide PIDCP, artigo 26)
Aplicação
1. Descreva como os encarregados da aplicação da lei podem
ser melhor treinados de modo a prepará-los adequadamente para
suas funções em relação às vítimas da criminalidade e abuso
do poder.
2. Prepare uma lista de prioridades do que deva ser feito
em relação à vítima de crime violento que necessite de assistência
por parte da aplicação da lei. Explique suas escolhas.
3. Quais parâmetros você sugere utilizar para determinar o
que se entende por indenização justa e adequada a uma
vítima da criminalidade e do abuso do poder?
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