O Parlamentar
e os Direitos Humanos, Manual
Manual
de orientação ao parlamentar municipal,
estadual e federal para a atuação
em defesa dos direitos humanos e da cidadania
Deputado
Orlando Fantazzini
A IMPORTÂNCIA DA MÍDIA
Denunciar
pela imprensa as violações, divulgar
as ações de defesa e promoção
dos direitos, assim como difundir as boas ações
exemplares integram o rol de tarefas cotidianas
do parlamentar envolvido na luta pelos direitos
humanos. A mídia difunde a notícia,
cria opinião e constrói a cultura.
Mas a publicação de uma matéria,
a conquista de um espaço na mídia
não significam, em si mesmas, a solução
de um problema, nem devem ser a meta perseguida.
Um relacionamento cordial e produtivo com os
jornalistas é tão importante quanto
a sobriedade e prudência que se devem
ter na divulgação das ações
e denúncias que chegam ao conhecimento
do parlamentar.
Na
manutenção do relacionamento com
a imprensa, é importante que o parlamentar
distinga claramente o profissional da comunicação
com os interesses da empresa de comunicação
para a qual trabalha. Deve-se identificar os
jornalistas mais identificados com os temas
relacionados ao âmbito de atuação
da comissão, mantendo-os informados sobre
as atividades da comissão.
O
papel da mídia de modo geral, suas contradições
como sujeito e reprodutor de valores, foi muito
bem analisada pelo professor Ricardo Brisolla
Balestreri e, por isso, novamente recorremos
ao texto de autoria dele, publicado no livro
Direitos Humanos, Segurança Pública
e Promoção da Justiça.
"Qual a importância da mídia
no campo dos DH e como ela tem se portado?
A
mídia pode ser a mais poderosa aliada
da causa dos Direitos Humanos ou sua mais danosa
destruidora. Paradoxalmente, ela tem feito as
duas coisas.
Por
um lado, a mídia divulga e socializa
conhecimento de atos e processos ofensivos aos
direitos das pessoas, das comunidades, das nações.
Por outro, como essa divulgação,
em geral, não é criteriosa e nem
se propõe, via de regra, a provocar reflexão
que leve a juízo de valor (é mera
“notícia”), banaliza a dor,
causa medo, sentimentos de impotência,
insensibilidade e até mais hostilidade.
Ao
divulgar a opressão, pode – e o
faz – mobilizar a reação
de parte da opinião pública, especialmente
aquela já propensa a combater injustiças,
gerando ações saneadoras e dando
início a importantes processos de consolidação
democrática. A par desse bom efeito,
porém, com a repetição
exaustiva de desgraças, corrupções,
guerras, morticínios, histórias
reais e ficcionais de crueldade, cobiça,
traição, ódio, vingança,
competividade, “anestesia” a consciência
da maior parte da população (desprovida
de recursos de sofisticação moral),
roubando-lhe a potência da indignação
e causando ainda maior alienação,
à partir de uma falsa sensação
de que tal cenário, incansavelmente apresentado,
faz parte da “normalidade”.
Particularmente
perversos são esses efeitos sobre as
mais jovens gerações, atiradas,
nas últimas décadas, a um crescendo
de violência.
A
UNESCO dá-nos conta de que, “nos
últimos quarenta anos, mais de 3.500
estudos de pesquisa dos efeitos da violência
na televisão, sobre os especatadores,
foram conduzidos nos EUA, e durante a década
de 90 foram feitas diversas análises
desta literatura, incluindo relatórios
de 1991 dos Centros para Controle de Doenças,
que declarou que a violência na televisão
é um mal para a saúde pública;
o estudo da violência na vida norte-americana,
de 1993, feito pela Academia Nacional de Ciências,
que relacionou a mídia, junto com outros
fatores sociais e psicológicos, como
um fator que contribui para a violência;
e o estudo da Associação Psicológica
Norte-Americana, de 1992, que também
comprometeu a violência na mídia.
Todas estas três análises apoiaram
a conclusão de que a mídia de
massa contribui para o comportamento e atitudes
agressivas, assim como conduz a afeitos de dessensibilização
e medo”...
Isso
não é surpreendente se consideramrmos
que, “ao terminar o primeiro grau, uma
criança norte americana comum terá
visto mais de 8 mil assassinatos e mais de 100
mil outros atos de violência”...
E
mais, no que diretamente nos toca: “Um
estudo feito nos EUA indica que os programas
norte-americanos exportados para outros países
contém mais violência que os programas
americanos transmitidos nos EUA”.
(CARLSSON, Ulla e Feilitzen, A Criança
e a Violência na Mídia. Cortez
Editora/UNESCO, São Paulo, 1999, PÁGINAS
64, 62 E 51).
Ora,
é uma obviedade que nossa presente matriz
cultural hegemônica é proveniente
dos Estados Unidos e que, portanto, tais estudos
conduzem, necessariamente, a conclusões
sobre nossa própria realidade.
Não
é de admirar que, apesar de todas as
companhias nacionais e planetárias, as
violações de direitos humanos,
em geral, só façam aumentar, conforme
a unanimidade dos relatórios das Organizações
Não Governamentais Internacionais e dos
Organismos Intergovernamentais. Evidantemente,
não apenas os poderes constituídos
devem ser responsabilizados por isso mas, igualmente,
uma cultura leniente das nações.
A
mídia tem um papel central na difusão
e cristalização dessa leniência
e deve ser, entre outros fatores, responsabilizada.
Obviamente, ela não gosta disso e se
defende com argumentos corporativistas: “esse
discurso propõe a volta da censura”,
“vendemos o que as pessoas querem comprar”
(o que é desmentido pelo mesmo estudo
da UNESCO, citado acima), “assistir violência
não gera condutas violentas”, “há
quem diga que a violência na mídia
funciona como uma espécie de catarse,
e sua assistência pode, inclusive, contribuir
para evitar a sua prática” (gostaria,
aliás, de saber de apenas um estudo científico
que dê sustentação a essa
bobagem).
A
verdade é que quase ninguém gosta
de controle mas, em uma democracia, o controle
externo é imprenscindível, e deve
se fazer sobre todos os poderes, formais e informais.
Nesse contexto, não creio que alguém
tenha a desfaçatez de questionar o poder
hipnótico predominante da mídia.
Não
se fala, aqui, de controle autoritário
estatal mas de controle social. Não é,
portanto, censura. Ao contrário, controle
social pode liberar a mídia de grande
parte da censura cotidiana que sofre, insidiosamente,
mesmo que formalmente negada. Pierre Bordieu,
em sua sumamente interessante e fundamentada
obra, Sobre a Televisão (Jorge Zahar
Editor, Rio de janeiro, 1997), propõe
como ardiloso e enganador o argumento da mídia,
na maior parte das democracias, de que se apresenta
livre de qualquer forma de censura. Alerta-nos,
ao contrário, para a censura dos interesses
do capital, brutal, imperiosa, permanentemente
atenta, reguladora e seletiva.
Assim,
organizar formas de controle social sobre a
mídia (especialmente quando recebedora
de concessão pública), é
um direito e um dever dos cidadãos, que
querem viver em um mundo e em um país
melhores e que os querem melhores também
para os seus filhos e netos.
No
Brasil, campanhas como a “Quem financia
a baixaria é contra a cidadania”
(www.eticanatv.org.br) são alvisseiras
novidades, que devem receber massiva adesão
dos militantes de direitos humanos, dos operadores
de direito, dos operadores de segurança
pública (sobre quem deságua, por
dever de ofício, o combate ao crime e
a todas as formas de violência), dos operadores
midiáticos conscientes (submetidos à
castradora censura do capital) e de todas as
mulheres e homens de boa vontade.
Evidentemente,
nesta análise, todas as honrosas excessões
devem sentir-se ressalvadas.