Observações sobre a
Tortura
Pietro Verri

Prefácio
Duzentos anos de condenação da
tortura
Dalmo de Abreu
Dallari
1
Praticar tortura contra uma pessoa
é uma forma covarde de cometer violência física, psíquica e
moral, fazendo sofrer a vítima, degradando o próprio torturador
e agredindo valores que são de toda a humanidade. Tem havido
momentos na história humana em que a prática de violências se
torna rotina, ou sob influência da guerra ou de profunda desordem
social, duas situações igualmente próprias à degradação moral.
Nessas ocasiões não é raro que a força prevaleça sobre a autoridade
e a razão, ficando aberto o caminho às expansões da boçalidade
violenta, com os governos e até mesmo as leis permitindo a tortura,
em nome da defesa da liberdade ou da proteção da sociedade.
O século dezessete foi um desses
momentos, pois em grande parte da Europa, ainda martirizada pelas
aventuras armadas que marcaram o fim da Idade Média, prevaleciam
ocupações territoriais por estrangeiros, ou então por elites
governantes que procuravam manter pela força uma situação de
superioridade social que não se apoiava em qualquer forma de
legitimidade.
As guerras tinham sugerido que a brutalidade, o desrespeito pela
pessoa humana e por qualquer principio ético, poderiam, de certo
modo, dar resposta à indagação feita por Maquiavel em 1513,
quando procurou saber se para o príncipe era melhor ser temido ou
amado pelo povo. Governantes sem legitimidade e sem escrúpulos,
preocupados apenas com a preservação de seus privilégios, sem
nenhuma possibilidade de serem amados, usaram amplamente o terror
para manter o povo intimidado e submisso. E o pr6prio povo, por
sua ignorância, companheira inseparável dos preconceitos, muitas
vezes colaborou para que seus dominadores usassem da violência.
Pietro Verri, um dos grandes iluministas do século dezoito,
horrorizado e indignado com a sobrevivência da tortura legal em
Milão no final do século dezoito, escreveu um dos livros mais
chocantes e comoventes sobre a brutalidade da tortura. Nesse
livro, Observações sobre a tortura, Verri indaga sobre a origem
dessa prática pavorosa, humilhante e dolorosa para quem a sofre e
degradante para aquele que a executa ou manda executar. E com
certo desencanto registra sua antiguidade e sua permanência
através dos tempos, como um atestado da fragilidade humana, que
pode levar o indivíduo à mais irracional e dignificante
exaltação dos sentimentos, como pode levá-lo à extrema
baixeza.
Apoiado em várias fontes
históricas, mas sobretudo nas obras de Pierre de la Ramée e Juan
Luis Vives, escritas no século dezesseis, Pietro Verri registra
atos de tortura por ordem de Tarquínio, o Soberbo, último rei de
Roma, que governou de 534 a 510 antes da Era Cristã. E lembra que
na própria Grécia, onde a exaltação do espírito atingiu as
culminâncias, houve prática de tortura, como no caso altamente
expressivo do filósofo Zenão de Eléia, torturado barbaramente
por determinação do tirano Nearco, no século quinto antes de
Cristo, acusado de estimular a subversão.
Na opinião de Verri, isso
demonstra como é antigo o instinto do homem armado de força
prepotente, que se deixa levar mais pelas paixões que pela
razão. Podemos acrescentar que a tortura de Zenão, como a de
muitos outros homens que se fizeram notar pela inteligência e
pela espiritualidade, mostra a que extremos de 6dio pode chegar o
homem medíocre dotado de força bruta, perante aqueles que
atingem as dimensões superiores da racionalidade e dos
sentimentos.
Que motivos teriam levado Pietro
Verri, humanista sensível, crente na superioridade dos valores do
espírito, a mergulhar num processo criminal realizado em Milão,
no ano de 1630, no qual está cruamente retratada, com terrível
eloquência, a conjugação da ignorância e da baixeza mais
violenta, contra a dignidade humana? Por que um homem com a sua
sensibilidade teria enfrentado o conhecimento e a análise de
fatos que certamente o agrediriam e lhe causariam náuseas, por
sua extrema brutalidade?
É o pr6prio Verri quem nos fala do esforço exigido por essa
tarefa e da razão de tê-la executado, ao relatar uma das cenas
de tortura registradas com toda a minúcia:
"A cena é extremamente cruel, e meu punho a transcreve a
duras penas; mas se o calafrio que sinto servir para poupar nem
que seja apenas uma vítima, se se deixar de infligir uma única
tortura graças ao horror que passo a expor, será bem empregado o
doloroso sentimento que me toma, e essa esperança é minha
recompensa."
2
O tema central do livro de Pietro
Verri, escrito entre 1770 e 1777, é a reconstrução, apoiada em
documentos, de um processo criminal realizado em Milão no ano de
1630. Esse processo ficou conhecido como "processo dos
untores", porque os réus eram acusados de untar, passar um
óleo venenoso nas paredes da cidade, para assim espalhar a peste,
que exterminou grande parte da população milanesa, chegando a
matar 800 pessoas por dia.
Em 1630 Milão estava sob domínio espanhol e soldados
mercenários de várias procedências, gente atrasada e
embrutecida, circulavam por quase toda a Europa, transportando
suas mazelas através das cidades, muitas delas vivendo na
imundície, sem os mais elementares cuidados de higiene. E foi da
Espanha que chegou a notícia de que uma epidemia de peste
caminhava através das fronteiras, sendo intencionalmente
disseminada por pessoas que esfregavam um óleo mortífero nas
paredes. O atraso e as superstições não deixavam perceber o
absurdo dessa afirmação, pois obviamente os untores deveriam ser
as primeiras vitimas.
Quando os médicos milaneses deram
o alarme, anunciando a chegada da peste, a população se revoltou
contra os médicos, que foram acusados de atrair a peste com suas
denúncias, recebidas como falsas e alarmistas. A população só
se convenceu da realidade quando o número de mortos por dia já
era muito elevado e as autoridades, visando obter a cooperação
do povo, fizeram desfilar pela cidade, à luz do dia, uma carreta
abarrotada de cadáveres com os sinais evidentes da peste.
Desesperado, o povo queria
vingar-se de qualquer modo dos causadores de tamanha tragédia e
passou a procurar descobrir quem é que estava esfregando o óleo
envenenado nas paredes de Milão. O governo, querendo mostrar
diligência, oferecia um prêmio a quem denunciasse os culpados. E
duas comadres, únicas testemunhas que deram fundamento ao
processo, afirmaram ter visto quando um modesto comissário do
serviço sanitário, Guglielmo Piazza, chegou á rua tendo um
papel na mão esquerda. Parou em frente a uma casa, olhou para
ela, fez o gesto de quem estivesse escrevendo sobre o papel e, em
seguida, apoiou a mão direita na parede.
Foi o quanto bastou para que uma das comadres, que olhava a cena
da janela de sua casa, fosse comentar com a outra esse fato, que
lhe parecia suspeito. Esta afirmou que também tinha observado os
movimentos do infeliz Piazza, achando-os muito estranhos. A partir
daí foi feita a denúncia, que se espalhou rapidamente, dando
como descoberto o untor. O governo da cidade, ou por ter sido
muito pressionado pelo povo ou, possivelmente, por achar
conveniente identificar um culpado e assim exonerar-se de
responsabilidade, também agiu como se estivesse fora de dúvida a
descoberta do criminoso.
Guglielmo Piazza foi preso e se iniciou o processo criminal, cujo
objetivo era só confirmar aquilo que já se tinha como certo: ele
era um dos untores. Brutalmente torturado na presença de um juiz,
pendurado pelos braços até que, por seu próprio peso, ocorresse
o deslocamento à altura dos ombros, Piazza tentou negar sua
culpa, mas por diversas vezes, quando baixaram a corda que o
sustinha, esperando que ele confessasse, sua obstinação em
afirmar-se inocente irritou o juiz. Este determinou que o
suspendessem novamente, até que resolvesse confessar.
Não suportando mais as dores, o
infeliz acusado confessou, mas aí se iniciou nova sessão de
tortura, para que ele dissesse quem lhe tinha fornecido o
ungüento pestífero. Outra vez levado ao desespero, Guglielmo
Piazza apontou como seu cúmplice um pobre barbeiro seu vizinho,
Gian Giacomo Mora, que, pela descrição feita no processo, Verri
conclui que era "semideficiente", incapaz de participar
de uma ação criminosa que exigisse esperteza e inteligência.
Igualmente torturado, Mora também
acabou confessando. A polícia foi à sua casa e apreendeu uma
tina de lixívia, que a mulher do barbeiro usava para a limpeza da
casa. O conteúdo da tina foi logo apontado como sendo o material
de fabricação do ungüento mortífero e, assim, um reforço da
prova.
Desse modo, de tortura em tortura, com apoio na lei e com a
construção arbitrária da prova pelo juiz, Piazza e Mora foram
condenados à morte, executando-se a pena com a mesma brutalidade
observada nas sessões de tortura. Assim se afirmava que estava
sendo feita justiça. Tortura e pena de morte, violências irmãs,
serviram nesse caso, como em muitos outros, desde muito antes até
os nossos dias, para satisfazer os baixos instintos e os
sentimentos de ódio de uns e para dar apoio ao cínico
oportunismo de outros, que manipulam a ignorância para se
manterem numa posição de poder.
3
Cento e quarenta anos depois da
tremenda violência que foi o "processo dos untores", a
tortura continuava a ser legal no ducado da Lombardia, que tinha
Milão como capital.
Pietro Verri, juntamente com
Beccaria, com seu irmão Alessandro Verri e mais um grupo de
intelectuais brilhantes, adeptos do Iluminismo, haviam fundado uma
agremiação, denominada "Accademia dei Pugni", que
mantinha uma publicação peri6dica intitulada il Caffe, por meio
da qual combatiam o atraso e a desumanidade do sistema jurídico
vigente, propondo mudanças substanciais, para que prevalecessem o
Progresso e a Razão. Entre outras coisas, propunham que fossem
separadas as atividades legislativa e judiciária, para que esta
não ficasse subordinada às conveniências políticas. Era a luta
da Razão contra a barbárie, os preconceitos, as superstições.
No ano de 1776, a imperatriz da Alemanha, Maria Teresa da
Áustria, decretou a abolição da tortura em todos os Estados
integrantes do Império. Foi solicitado ao senado da Lombardia que
acolhesse a nova disposição e formalizasse, por lei própria, a
proibição da tortura em seu território. O relator da matéria
no senado foi Gabriele Verri, pai de Pietro e Alessandro, tendo
ele opinado contra a abolição, por entender conveniente manter a
tortura legal no ducado. A maioria dos senadores acolheu o
relatório, mantendo-se essa forma bárbara de
punição-inquirição, na mesma cidade em que Cesare Beccaria,
apoiado pelos companheiros do Caffe, dera ao mundo sua obra
monumental Dos delitos e das penas, aclamada em Paris, por sua
modernidade e seu humanismo.
Esse fato contribuiu para que as
Observações sobre a tortura, de Pietro Verri, só fossem
publicadas em 1804, sete anos depois de sua morte. Certamente
Verri não quis tornar pública, de modo agressivo, a divergência
com o pai, procurando também evitar uma situação de conflito
com as famílias mais importantes da Lombardia.
Mas deixou o livro para
publicação póstuma, e isso foi muito importante, não só para
que as gerações futuras conhecessem pormenores do atrasado e
desumano processo criminal lombardo do século dezessete, mas
também para identificação de fatores negativos da hist6-ria,
que ainda perduram em muitas partes do mundo, ou retornam quando
as condições políticas e sociais são propícias.
4
A leitura das Observações sobre a
tortura, de Pietro Verri, suscita reflexões sobre importantes
questões de ordem moral, cultural e jurídica. O pr6prio Verri
tinha consciência disso ao redigir seu livro-denúncia, escrito
com a esperança de que a humanidade se envergonhasse de tanta
degradação. O povo, o governo, os juizes, são analisados a
partir de sua atitude perante a tortura e as formas violentas e
primárias de obtenção de uma suposta verdade e de punição dos
culpados, que assumiam esta condição a partir da primeira
suspeita.
Com muita agudeza observa Pietro
Verri que nas situações excepcionais o povo tende a acreditar
facilmente nas opiniões mais extravagantes. E procura sempre
identificar culpados entre as pessoas, atribuindo à malícia dos
homens muita coisa que é, claramente, efeito de forças
incontroláveis da natureza. O povo quer que alguém seja punido
por seus incômodos e por suas desgraças, mesmo que seja
absolutamente ilógica essa pretensão punitiva. E o próprio
povo, quando é ignorante e preconceituoso, contribui para que
alguns sejam vítimas da arbitrariedade do governo e assim
fortalece os governantes tirânicos e sem escrúpulos.
A partir do "processo dos
untores", Pietro Verri denuncia e condena a utilização,
pelo governo, de métodos de investigação brutais, injustos e
desprovidos de qualquer racionalidade. Esses vícios, na
realidade, foram e continuam sendo características dos governos
sem legitimidade, que procuram compensar com a força e por meio
de variadas formas de corrupção a falta do apoio dos governados
como base de sustentação. O oferecimento de prêmio para quem
denunciasse os culpados é também uma característica do mau
governo, sendo uma forma de exploração demag6gica da
ignorância, da superstição e da falta de ética, além de
servir para que o governo transfira para o povo uma
responsabilidade que é sua, sendo, ainda, um estímulo à
prática da delação.
Verri enfrentou também o problema
do governo reacionário, que por sua fragilidade e incapacidade de
renovação tem medo de qualquer mudança. Na realidade,
criticando o governo lombardo de 1630, responsável pelas torturas
sofridas por Piazza e Mora, Pietro Verri condenava os governantes
do seu tempo, inclusive seu próprio pai, que mantinham uma
atitude obscurantista, tendo-se recusado a abolir a tortura legal
na Lombardia em 1776. A prova de que essa resistência estava
apoiada em frágil maioria é o fato de que bem poucos anos
depois, em 1784, a tortura foi oficialmente abolida no território
lombardo.
A obra de Pietro Verri é também
muito importante como expressão do pensamento dos iluministas
italianos no campo jurídico, especialmente quanto à necessidade
de independência e esclarecimento dos juizes, para que não
desempenhem suas funções com a crueldade e a injustiça das
pessoas embrutecidas pela ignorância associada à tirania.
Assinala Pietro Verri que as crueldades de alguns juizes eram
tantas que alguns acusados morreram durante a tortura, devendo-se
notar que as sessões de tortura se realizavam com a presença de
um juiz, a quem competia determinar a continuação, o agravamento
ou a suspensão dos suplícios. Além disso, os iluministas
consideravam que, pelo fato de serem vinculados ao senado, os
juizes tendiam a agir sempre com mais rigor, ou para serem
agradáveis aos detentores do poder político ou por não existir
uma clara definição de sua responsabilidade pelos excessos que
cometessem, confundindo-se tudo como atos do governo.
A par disso, como fica evidente em
várias passagens da obra de Verri, havia a crença em que juizes
mais cultos seriam menos cruéis, pois o desenvolvimento da razão
deveria levar ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana.
Pode-se dizer que já se enuncia a idéia da presunção de
inocência do acusado, em lugar da presunção de culpa que servia
de justificativa para a tortura, como bem registra Michel Foucault
em Vigiar e punir: "A tortura judiciária, no século XVIII,
funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a
verdade caminha a par com o ritual que impõe a punição. O corpo
interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do
castigo e o lugar de extorsão da verdade. E do mesmo modo que a
presunção é solidariamente um elemento de inquérito e um
fragmento de culpa, o sofrimento regulado da tortura é ao mesmo
tempo uma medida para punir e um ato de instrução" (Ed.
Vozes, 1977, p. 41).
Gabe ainda assinalar que na obra de
Verri é denunciado com extraordinária eloquência o equívoco as
vezes produto da malícia, outras de crença ingênua - de afirmar
que a confissão do acusado elimina qualquer dúvida quanto à sua
culpa. Observa ele que um "duro" verdadeiramente culpado
pode ter grande resistência à tortura enquanto um inocente mais
sensível confessa o que lhe for exigido se for submetido ao menor
suplício.
A obra Observações sobre a
tortura de Pietro Verri é um formidável libelo contra a
violência como instrumento da justiça, deixando evidente que o
uso desse método contém em si um princípio de injustiça, pela
grande possibilidade de supliciar inocentes, sendo também
responsável pela alta incidência de erros judiciários. A par
disso, é um manifesto vigoroso em favor da dignidade humana.
A edição brasileira dessa obra
tem o maior significado, por inúmeras razões. Verri pode ser
considerado um dos principais representantes do Iluminismo
italiano. Entretanto, seu nome e sua obra são quase desconhecidos
fora da Itália, o que se deve, em grande parte, ao fato de ter
sido companheiro de Cesare Beccaria, cuja obra Dos delitos e das
penas teve imediata repercussão na França e dali ganhou
expressão universal. Aliás, o próprio Verri constatou esse fato
e não foi insensível a ele, tendo rompido com Beccaria,
acusando-o de esquecer os companheiros para fazer brilhar mais
intensamente o seu próprio nome.
O conhecimento das Observações
sobre a tortura ganha importância neste momento, porque existe
agora um amplo movimento, tendo como pontos de convergência a ONU
e várias Organizações Não Governamentais (ONG) de âmbito
internacional, objetivando a eliminaç3io da prática da tortura
no mundo. A abolição da tortura legal na Europa teve como ponto
de partida um decreto de Frederico II da Prússia, de 1740, e foi
seguida por vários Estados no final do século dezoito, ganhando
maior ênfase com a Revolução Francesa e a expansão da idéia
abolicionista através das guerras napoleônícas.
No século vinte foi registrada a prática de torturas nos
períodos de guerra e, fora delas, nos regimes de força,
essencialmente antidemocráticos. Nos últimos anos houve
comprovação de largo uso da tortura, com métodos bastante
sofisticados, nos países submetidos a governos militares, o que
chamou a atenção do mundo para a sobrevivência dessa prática
bárbara e covarde neste final do século vinte. E a partir do
conhecimento do tratamento cruel e desumano dispensado aos presos
políticos foi tornada pública a habitualidade da prática de
tortura contra os chamados "presos comuns em grande parte do
mundo, mas sobretudo nos países menos desenvolvidos.
Isso levou a Assembléia Geral da ONU a aprovar. em 10 de dezembro
de 1984, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. O Brasil aderiu a essa
Convenção, que foi promulgada pelo decreto número 40, de 15 de
fevereiro de 1981.
Na linguagem de Pietro Verri a tortura era conceituada como a
"pretensão de procura da verdade através de
tormentos". A experiência e o conhecimento mais preciso dos
métodos modernos de tortura levaram a ONU a uma conceituação
mais minuciosa, que consta do artigo 1º da Convenção e cujo
teor é o seguinte:
"Qualquer ato pelo qual dores
ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos
íntencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma
terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por
ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita
de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras
pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são
infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no
exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com o
seu consentimento ou aquiescência."
A humanidade evoluiu desde o
século dezoito, pois a tortura que era legalmente admitida foi
primeiramente abolida das legislações, permanecendo como
prática à margem da lei. Agora foi dado mais um passo de extrema
importância para sua efetiva abolição, com a criação da
figura legal da tortura, que passou a ser definida como crime.
Resta, entretanto, conscientízar os governantes e os agentes
policiais viciados na violência e no arbítrio, alertando-se
também as autoridades responsáveis pela proteção dos direitos
humanos fundamentais para que não sejam coniventes com a prática
desse crime, que é expressão de ignorância e brutalidade e que
agride toda a humanidade.
A obra de Pietro Verri já produziu
muitos efeitos benéficos, na teoria e na prática, e certamente
nenhum dos seus leitores ficará indiferente à sua vigorosa
denúncia e ao seu apelo eloquente em favor da prevalência da
razão sobre a barbárie. Essa é uma opção necessária, para
que seja reconhecida e preservada a dignidade da pessoa humana.
|