EVANGELIZACÃO
no
presente e no futuro da América Latina
GERAL
D
CONCLUSÕES
DA III CONFERÊNCIA
O
EPISCOPADO LATINO-AMERICANO
Texto
Oficial
Puebla
de los Angeles, México,
27-1
a 13-2 de 1979
Amadas
Irmãos no Episcopado:
O
intenso trabalho da III Conferência Geral do episcopado
Latino-Americano, que me coube inaugurar pessoalmente e que com
particular dileção e interesse para com a Igreja deste
Continente acompanhei nas diversas etapas de seu desenvolvimento,
se condensa nestas páginas que pusestes em minhas mãos.
Conservo
viva a gratíssima recordação de meu encontro convosco, unido no
mesmo amor e solicitude Por vossos povos, na Basílica de Nossa
Senhora de Guadalupe e a seguir no seminário de Puebla.
Este
documento, fruto de assídua oração, de reflexão profunda e de
intenso zelo apostólico, oferece - assim vo-lo propusestes - um
denso conjunto de orientações Pastorais e doutrinais sobre questões
de suma importância. Há de servir, com seus válidos critérios,
de luz e estímulo permanente ;Para a evangelização no
presente e no futuro ala América Latina.
Podeis
sentir-vos satisfeitos e otimistas quanto aos resultados desta
Conferência, preparada com esmero Pelo CELAM, com a participação
co-responsável de todas as Conferências Episcopais. A Igreja da
América Latina foi fortalecida em sua vigorosa unidade, em sua
identidade própria, na vontade de oferecer uma resposta às
necessidades e aos desafios atentamente considerados durante
vossa assembléia. Representa, na verdade, um grande passo avante
na missão essencial da Igreja, na missão de evangelizar.
Vossas
experiências, diretrizes, pautas, preocupações e anseios, na
fidelidade ao Senhor, à sua Igreja e à Sé de Pedro, deva
converter-se em vida para as comunidades a que servis.
Para
isso devereis propor-vos em vossas Conferências Episcopais e
Igrejas Particulares planos com metas concretas, nos níveis
correspondentes e em harmonia com o CELAM no âmbito continental.
Queira
Deus que em breve todas as comunidades eclesiais estejam
informadas e penetradas do espírito de Puebla e das diretrizes
desta histórica Conferência.
O
Senhor Jesus, Evangelizador por excelência e ele próprio
Evangelho, vos abençoe com abundância.
Maria
Santíssima, Mãe da Igreja e Estrela da Evangelização, guie
vossos passos, num renovado impulso evangelizador do Continente
Latino-Americano.
Vaticano,
23 de março de 1979, na comemoração de Santo Turíbio de
Mogrovejo.
JOANNES
PAULUS PP. II
ABREVEATURAS
AS
Concílio - Vaticano
II, Decreto Apostolicam Actuositatem
AAS
- Acta Apostolicae Sedis
AG
- Concílio Vaticano II, Decreto Ad Gentes
AL
- América Latina
Alocução
- ação Bairro Santa Cecília: De S.S. o Papa João II, no México,
em 30 de janeiro de 1979
Alocução
- Juventude: De S.S.
o Papa João Paulo II, no México, em 30 de janeiro de 1979
Alocução
- Leigos: De S.S. o Papa João Paulo II, no México, em 30 de
janeiro de 1979
Alocução
- Oaxaca: De S.S. o Papa João Paulo II aos índios e camponeses,
em Oaxaca, em 29 de janeiro de 1979
Alocução
- Operários Monterrey: De S.S. o Papa João Paulo II em 31 de
janeiro de 1979
Alocução
- Religiosas: De S.S. o Papa João Paulo II no Colégio de São
Miguel, Cidade do México, em 27 de janeiro de 1979
Alocução
- Sacerdotes: De S.S. o Papa João Paulo II na Basílica de
Guadalupe, em 27 de janeiro de 1979
Alocução
- Seminaristas: De S.S. a Papa João Paulo II, em Guadalajara, em
30 de janeiro de 1979 Alocução - Universitários: De S.S. o Papa
João Paulo II, em 31 de janeiro de 1979
CD
- Concílio Vaticano II, Decreto Christus Dominus
CEB
- Comunidade Eclesial de Base
CELAM
- Conselho Episcopal Latino-Americano
CLAR-
Conferência Latino-Americana de religiosos
CP
- Paulo VI Exortação Communio et Progressio
DIM
- Pio XI, Encíclica Divini Illius Magistri
Discurso
- Inaugural: Discurso de S.S. o Papa João Paulo II na inauguração
da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Amerícano, em
Puebla, em 28 de janeiro de 1979
DT
- Documento de Trabalho, de preparação para a III Conferência
Episcopal Latino-Americana
DV
- Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum
EC
- Sagrada Congregação para a Educação Católica, Documentos
sobre a Escola, Católica
EN
- Paulo VI, Exortação Evangelü Nuntiandi ET Paulo VI, Exortação
Evangelica Testificatio GE Concílio Vaticano II, Declaração
sobre a Educação Cristã da Juventude
GS
- Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes
Homilia
- Guadalupe: De S.S. o Papa João Paulo II na Basílica de
Guadalupe, México, em 27 de janeiro de 1979
Homilia
- México: De S.S. o Papa João Paulo II na Catedral do México,
em 26 de janeiro de 1979 Homilia - Puebla: De S.S. o Papa João
Paulo II no Seminário de Puebla, em 28 de janeiro de 1979
Homilia - S. Domingo:
De S.S. o Papa João Paulo II na Catedral de S. Domingo, em 25
K1e janeiro de 1979
Homilia
- Zapopán: De S.S. o
Papa João Paulo II, em 30 de janeiro de 1979
LG
- Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen
Gentium
MAL
- Mensagem aos Povos da América Latina, da III Conferência Geral
MC
- Paulo VI, Marialis Cultus MCS Meios de Comunicação Social
Med
- Documentos da II Conferência Geral da Episcopado
Latino-americano, celebrada em Medellín, ColBmbia, 1968
MR
- Mutuae Relationes - Cristérios diretivos da relação entre
bispos e religiosos da Igreja
NA
- Concilio Vaticano II, Declaração Nostra Aetate OA Palo VI,
Carta. Octogesima. Adveniens
OT
- Concílio Vaticano II, Dacreto Optatam Totius PC Concílio
Vaticano II, Decreto Perfectae Caritatis PO (aoncílio Vaticano
II, Decreto Presbyterorum Or. dinis
PP
- Paulo VI, Populorum Progressio
PT
- João XXIII, Encíclica Pacem m Terris
SC
- Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium,
sobre a liturgia
UR
- Unitatis Redintegratio
Sínodo
de 1971
Sínodo
de 1974
Sínodo
de 1977
Sínodo
da Catequese
Sínodo
da Evangelização
Sínodo
do Sacerdócio Ministerial e Justiça no Mundo
S.S.
JOÃO PAULO II
DISCURSO
INAUGURAL PRONUNCIADO NO SEMINÁRIO PALAFOXIANO DE
PUEBLA
DE LOS ANGELES, MÉXICO
28
de janeiro de 1979
Amados
Irmãos no Episcopado:
Esta
hora que tenho a ventura de viver convosco é certamente histórica
para a Igreja na América Latina. Disto está consciente a opinião
pública mundial, estão conscientes os fiéis de vossas Igrejas
locais, estais, sobretudo, conscientes vós que sereis
protagonistas e responsáveis desta hora.
E
também uma hora de graça, assinalada pela passagem do Senhor,
por uma particularíssima presença e ação do Espírito de Deus.
Por isso invocamos com confiança a este Espírito, no princípio
dos trabalhos. Por isso também quero agora suplicar-vos como um
irmão a irmãos muito queridos: todos os dias desta Conferência
e em cada um de seus atos, deixai-vos conduzir pelo Espírito,
abri-vos a sua inspiração e a seu impulso; seja ele e nenhum
outro espírito quem vos guie e conforte.
Sob
este Espírito, pela terceira vez nos últimos vinte e cinco anos,
bispos de todos os países, representando o episcopado de todo o
Continente latino-americano, vos congregais para aprofundar
juntos o sentido de vossa missão diante das exigências novas de
vossos povos.
A
Conferência que agora se abre, convocada pelo venerado Paulo
VI, confirmada por meu inesquecível predecessor João Paulo I e
reconfirmada por mim como um dos primeiros atos de meu
pontificado, se liga com aquela, já longínqua, do Rio de
Janeiro, que teve como seu fruto mais notável o nascimento do
CELAM. Contudo se liga ainda. mais estreitamente com a II Conferência
de Medellín, cujo décimo aniversário se comemora.
Nestes
dez anos quanto caminhou a humanidade e com a humanidade e a seu
serviço, quanto caminhou a Igreja! Esta III Conferência não
pode desconhecer esta realidade. Deverá, pois, tomar como ponto
de partida as conclusões de Medellín, com tudo o que tem de
positivo, mas sem ignorar as incorretas interpretações por vezes
feitas e que exigem sereno discernimento, oportuna crítica e
claras tomadas de posição.
Servir-vos-á
de guia em vossos debates o documento de trabalho preparado com
tanto cuidado para que constitua sempre o ponto de referência.
Mas
tereis também entre as mãos a exortação apostólica Evangelü
Nuntiandi de Paulo VI. Com que alegria o grande pontífice aprovou
como tema da Conferência `O presente e o futuro da evangelização
na América Latina!
Podem
dizê-1o os que estiverem próximos dele nos meses de preparação
da assembléia. Poderão dar testemunho também da gratidão com
que ele soube que o pano de fundo de toda a Conferência seria
este texto, no qual colocou toda sua alma de pastor, no ocaso de
sua vida. Agora que "fechou os olhos para este mundo",
este documento se converte num testamento espiritual que a Conferência
deverá esquadrinhar com amor e diligência para fazer dele outro
ponto de referência obrigatório e ver como colocá-1o em prática.
Toda a Igreja vos é agora decida pelo exemplo que ofereceis, pelo
que fazeis e que talvez outras Igrejas locais farão por sua vez.
O
Papa quer estar convosco no começo de vossos trabalhos,
agradecido ao "Pai das luzes de quem desce todo dom
perfeito" (Tg l, 17), por ter podido acompanhar-vos na solene
missa de ontem, sob o olhar materno da Virgem de Guadalupe, bem
como na missa desta manhã. Com alegria permaneceria convosco em
oração reflexão e trabalho; permanecerei, estai certos, em
espirito, enquanto me declama em outra parte a sollicitudo omnium
ecclesiarum (2 Cor 1i, 28). Quero ao menos, antes de prosseguir
minha visita pastoral pelo México e antes de regressar a Roma,
deixar-vos como prêmio de minha presença espiritual algumas
palavras, pronunciadas com ânsias de pastor e afeto de pai, eco
das principais preocupações minhas a respeito do tema que
devereis tratar e a respeito da vida da Igreja nestes países que
me são caros.
1.
Mestres da verdade
É
um grande consolo para o pastor universal constatar que vos
congregais aqui não como um simpósio de peritos, não como um
parlamento de políticos, não como um congresso de cientistas
ou técnicos, por mais importantes que possam ser estas reuniões,
mas como um fraterno encontro de pastores da Igreja. E como
pastores tendes a viva consciência de que vosso dever principal
é de ser mestres da verdade. Não de uma verdade humana e
racional, mas da verdade que vem de Deus, que traz consigo o princípio
da autêntica libertação do homem: "Conhecereis a verdade e
a verdade vos tornará livres" (Jo 8, 32). Esta verdade que
é a única a oferecer uma base sólida para uma "práxis"
adequada.
1.1.
Vigiar pela. pureza da doutrina, base da edificação da
comunidade cristã, é pois, junto com o anúncio do Evangelho,
dever primeiro e insubstituível do pastor, do mestre da fé. Com
quanta freqüência acentuava isto São Paulo, convencido da
gravidade do cumprimento deste dever. Além da unidade na
caridade, nos compele sempre a unidade na verdade. O muito amado
Papa Paulo VI, na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi,
expressava: "O Evangelho que nos foi entregue é também
palavra de verdade. Uma verdade que nos torna livres e que é a única
que procura a paz do coração: isto é o que o povo vai buscando
quando anunciamos a boa nova. A verdade a respeito de Deus, a
verdade a respeito do homem e de seu misterioso destino, a verdade
a respeito do mundo . . . O pregador do evangelho será aquele
que, mesmo à custa de renúncias e sacrifícios, busca sempre a
verdade que deve transmitir aos demais. Não vende, nem dissimula
jamais a verdade pelo desejo de agradar aos homens, de causar
assombro, nem por originalidade ou desejo de aparecer... Pastores
do Povo de Deus: nosso serviço pastoral nos pede que guardemos
defendamos e comuniquemos a verdade, sem olhar para sacrifícios"
(EN 78).
Verdade
sobre Jesus Cristo
1.2.
De vós, pastores, os fiéis de vossos passes esperam e reclamam
antes de tudo uma cuidadosa e zelosa transmissão de verdade
sobre Jesus Cristo. Esta se encontra no centro da evangelização
e constitui seu conteúdo essencial: "Não há evangelização
verdadeira enquanto não se anunciar o nome, a vida, as promessas,
o reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus" (EN
22).
Do
conhecimento vivo desta verdade dependerá o vigor da fé de milhões
de homens. Dependerá também o valor de sua adesão à Igreja e
de sua presença. ativa de cristãos no mundo. Deste conhecimento
derivarão opções valores, atitudes e comportamentos capazes de
orientar e definir' nossa vida. cristã e de criar homens novos e
portanto uma humanidade nova pela conversão da consciência
individual e social.
De
uma sólida cristologia deve provir a luz sobre tantos temas e
questões doutrinais e pastorais que vos propondes examinar
nestes dias.
1.3.
Devemos, pois, confessar a Cristo diante da história e diante
do mundo com convicção profunda. sentida vivida, como o
confessou Pedro: "Tu és o Cristo, ó Filho de deus
vivo" (Ml 16, 16).
Esta
é a Boa Nova num certo sentido única: a Igreja vive por ela e
para ela, bem como tira dela tudo o que possui para oferecer aos
homens sem distinção alguma de nação cultura, raça, tempo,
idade ou condição. Por isso "a partir desta confissão (de
Pedro), a história da salvação sagrada e do Povo de Deus devia
adquirir uma nova dimensão . . . (João Paulo II, Homilia na
Inauguração Oficial de seu Pontificado, 2.10.19'78).
Este
é o único Evangelho e "ainda que nós ou um anjo do céu
vos anunciasse outro evangelho diferente... seja anátema! ",
como escrevia com palavras bem claras o Apóstolo (G1 1, 6).
1.4.
Pois bem, correm hoje em muitas partes - o fenômeno não é novo
- "releituras" do Evangelho resultado de especulações
te6ricas, mais que de autêntica meditação da palavra de Deus e
de um verdadeiro compromisso evangélico. Elas causam confusão
ao afastar-se dos critérios centrais da fé da Igreja e se cai
na. temeridade de comunicá-las, a modo de cate4uese, às
comunidades cristãs.
Em
alguns casos ou se silencia a divindade de Cristo, ou se incorre
de fato em formas de interpretação contrárias à fé da
Igreja. Cristo seria apenas um "profeta", um anunciador
do reino e do amor de Deus. mas não o verdadeiro Filho de Deus,
nem seria portanto o conteúdo e o objeto da mesma mensagem evangélica.
Em
outros casos se pretende mostrar a Jesus como comprometido
politicamente, como um lutador contra a dominação romana e
contra os poderes, e inclusive implicado na luta de classes.
Esta concepção de Cristo como político, revolucionário como o
subversivo de Nazaré não se coaduna com a catequese da Igreja.
Confundindo 0 pretexto insidioso dos acusadores de Jesus com a
atitude de Jesus mesmo - bem diferente - se aduz como causa de sua
morte o desenlace de um conflito político e se cala a vontade de
entrega do Senhor e mesmo a consciência de sua missão redentora.
Os evangelhos mostram claramente como para Jesus era uma tentação
tudo que alterasse sua missão de servidor de Javé". Não
aceita a posição daqueles que misturavam as coisas de Deus com
atitudes meramente políticas. Rejeita inequivocamente o recurso
à violência. Abre sua mensagem de conversão a todos, sem
excluir os próprios publicamos. A perspectiva de sua missão é
muito mais profunda. Consiste na salvação integral por amor
transformante, pacificador, de perdão e reconciliação. Não
resta dúvida, por outro lado, que tudo isto é muito exigente
para a atitude do cristão que quer servir de verdade aos irmãos
menores, aos pobres, aos necessitados, aos marginalizados, numa
palavra, a todos os que refletem em suas vidas a face sofredora do
Senhor.
1.5.
Contra tais "releituras", pois, e contra suas hipóteses,
brilhantes talvez, mas frágeis e inconsistentes, que delas
derivam "a evangelização no presente e no futuro da América
Latina," não pode cessar de afirmar a fé da Igreja: Jesus
Cristo, Verbo e Filho de Deus, se faz homem para aproximar-se do
homem e trazer-lhe, pela força de seu mistério, a salvação,
grande dom de Deus”
É
esta a fé que inspirou vossa história e formou o melhor dos
valores de vossos povos e deverá continuar animando, com todas as
energias, o dinamismo de seu futuro. E esta a fé que revela a
vocação de concórdia e unidade que há de afastar os perigos
de guerras neste Continente de esperança,, no qual a Igreja foi
fator tão poderoso de integração. Esta fé, enfim, que, com
tanta vitalidade e de tão variados modos, é expressa pelos fiéis
da América Latina através da religiosidade ou piedade popular.
A
partir desta fé em Cristo, do seio da Igreja, somos capazes de
servir ao homem, a nossos povos, de penetrar com o Evangelho sua
cultura, transformar os corações, humanizar sistemas e
estruturas.
Qualquer
silêncio, esquecimento, mutilação ou inadequada acentuação
da integridade do mistério de Jesus Cristo que se aparte da fé
da Igreja não pode ser conteúdo válido da evangelização.
"Hoje, sob o pretexto de uma. piedade que é falsa, sob a
aparência enganosa de uma pregação evangélica, se procura
negar o Senhor Jesus", escrevia um grande bispo em meio às
duras crises do século IV. E acrescentava: "Digo a verdade,
para que seja conhecida de todos a causa da desorientação que
sofremos. Não posso calar-me" (S. Hilário de Poitiers, Ad
Auxentium, 1-4). Tampouco vós bispos de hoje, quando estas confusões
se derem, podeis calar.
E
a recomendação que o Papa Paulo VI fazia no discurso de
abertura. da Conferência de Medellín: "Falai, falai,
pregai, escrevei, tomai posições, como se afirma, em harmonia
de planos e intenções, a respeito das verdades da fé,
defendendo-as e ilustrando-as, com a atualidade do Evangelho,
com as questões que interessam à vida dos fiéis e a proteção
dos costumes cristãos.. " (Discurso de S.S. Paulo VI à
Assembléia do Episcopado Latino-Americano, 24.8.1968).
Não
me cansarei eu mesmo de repetir, em cumprimento de meu dever de
evangelizar, à humanidade inteira: "Não temais! Abri, ainda
mais. abri de par em par as portas a Cristo! Abri, a seu poder
salvador, as portas dos Estados, dos sistemas econ8micos e políticos,
idos extensos campos da cultura, da civilização e do
desenvolvimento" (João Paulo II, Homilia na Inauguração
Oficial de seu Pontificado, 22.10.1978).
Verdade
sobre a missão da Igreja
1.6.
Mestres da verdade, se espera de vós que proclameis sem cessar, e
com especial vigor nesta circunstância, a verdade sobre a missão
da Igreja, objeto do credo que professamos e campo imprescindível
e fundamental de nossa fidelidade. O Senhor a instituiu "como
comunidade de vida, de caridade, de verdade" (LG 9) e como
corpo, "pleroma" e sacramento de Cristo em quem habita
toda a plenitude da divindade"
A
Igreja nasce da resposta de fé que nós damos a Com efeito, é
através da acolhida sincera da boa nova que nos reunimos, os que
crêem "no nome de Jesus, para buscar juntos o reino,
canstruf-1o, vivê-1o" (EN 13). A Igreja é "congregação
daqueles que, crendo, vêem em Jesus o autor da salvação e o
princípio da unidade e da paz" (LG 9).
Contudo,
por outro lado, nós nascemos da Igreja: ela nos comunica a
riqueza de vida e de graça de que é depositária, nos concebe
pelo batismo, nos alimenta com os sacramentos e a palavra de Deus,
nos prepara para. a missão, nos leva ao desígnio de Deus, razão
de nossa existência como cristãos. Somos seus filhos. Nós a
chamamos com legitimo orgulho de nossa mãe, repetindo um título
que vem dos primeiros tempos e atravessa os séculos.
Deve-se,
pois, chamá-1a, respeitá-1a, servi-1a, porque "não pede
ter a Deus como pai quem não possui a Igreja como mãe" (S.
Cipriano, De Catholicae Ecclesiae Unxtate 6, 8). "Não é
possível amar a Cristo sem amar a Igreja a quem Cristo ama"
(EN 16), e "na medida, em que alguém ama a Igreja de Cristo,
possui o Espirito Santo" (Santo Agostinho, In Iohannis
evangelium, Tractatus 32, 8).
O
amor à Igreja deve ser feito de fidelidade e de confiança. No
primeiro discurso de meu pontificado, sublinhando o propósito
de fidelidade ao Concílio Vaticano II e à vontade de dedicar
meus melhores cuidados ao setor da eclesiologia, convidei a
retomar em mãos a constituição dogmática, Lumen Gentium para
meditar "com renovado afã sobre a natureza e missão da
Igreja. Sobre seu modo de existir e agir. . . Não apenas para
conseguir aquela comunhão de vida em Cristo de todos aqueles
que nele crêem e esperam, mas também para contribuir a tornar
mais ampla e estreita a unidade de toda a família humana (João
Paulo II, Mensagem à Igreja e ao Mundo, 17.10.1978).
Repito
agora o convite, neste momento transcendental da evangelização
da América Latina: "A adesão a este documento do Concílio,
tal como aparece, iluminada pela tradição e que contém as fórmulas
dogmáticas dada8 há um século pelo Concílio Vaticano I, será
para nós, pastores e fiéis, o caminho certo e o estfmulo
constante - digamo-lo de novo - em relação ao caminhar pelas
sendas da vida e da história" (ibid.).
1.7.
Não existe garantia de uma ação evangelizadora séria e
vigorosa, sem uma eclesiologia bem cimentada.
Primeiro,
porque evangelizar é a missão essencial, a vocação própria, a
identidade mais profunda da Igreja, por sua vez evangelizada.
Enviado pelo Senhor, ela envia, por sua vez, os evangelizadores a
pregar, “não a si nem ela, nem ele são donos e proprietários
absolutos para dispor dele a seu bel-prazer” (EN 15). Segundo,
porque “evangelizar não é para ninguém um ato individual e
separado, senão profundamente eclesial... um ato da Igreja” (EN
60) que está sujeita não ao poder discricionário de critérios
e perspectivas individuais, “mas à comunhão com a Igreja e
seus pastores” (EN 60). Por isso uma visão correta da Igreja é
fase indispensável para uma justa visão da evangelização.
Como
poderia haver uma autêntica evangelização, se faltar um
acatamento imediato e sincero ao sagrado magistério com a clara
consciência de que, submetendo-se a ele, o Povo de Deus não
aceita uma palavra de homens, senão a verdadeira palavra de Deus?
“Deve-se ter em conta a importância “objetiva” deste magistério
e também defendê-lo das insídias que nestes tempos, aqui e ali,
se voltam contra algumas verdades firmes de nossa fé católica”
(João Paulo II, Mensagem à Igreja e ao Mundo,
17.10.1978).
Conheço
bem vossa adesão e disponibilidade à cátedra de Pedro e o amor
que sempre lhe tendes demonstrado. Agradeço-vos de coração, e
nome do Senhor, a profunda atitude eclesial que isto implica e vos
desejo o consolo de que também vós conteis com a adesão leal de
vossos fiéis.
1.8.
Na ampla documentação com que tendes preparado esta conferência,
particularmente nas contribuições de numerosas Igrejas, se
perceve, por vezes, um certo mal-estar com respeito à própria
interpretação da natureza e missão da Igreja. Alude-se, por
exemplo, entre a separação que alguns estabelecem entre Igreja e
Reino de Deus. Este, esvaziado de seu conteúdo total, é
entendido em sentido mais secularista: ao Reino não se chegaria
pela fé e pela pertença à Igreja, mas pela melhor mudança
estrutural e pelo compromisso sócio-político. Onde existir um
certo tipo de compromisso e de práxis pela justiça, ali estaria
já presente o Reino. Esquece-se deste modo que: “A Igreja...
recebe a missão de anunciar o Reino de Cristo e de Deus e instaurá-lo
em todos os povos e constitui na terra o germe e o princípio
deste Reino” (LG 5).
Em
uma de suas belas catequeses, o Papa João Paulo I, falando da
virtude da esperança, advertia: “É um erro afirmar que a
libertação política, econômica e social coincide com a salvação
em Jesus Cristo; que o Regnum Dei se identifica com o Regnum
hominis” (João Paulo I, Catequese sobre a Virtude Teologal
da Esperança, 20.9.1978).
Produz-se
em alguns casos uma atitude de desconfiança para com a Igreja
“institucional” ou “oficial”, qualificada como alienante,
à qual se oporia outra Igreja popular “que nasce do povo” e
se concretiza nos pobres. Estas posições poderiam ter graus
diferentes, nem sempre fáceis de precisar, de conhecidos
condicionamentos ideológicos. O Concílio tornou presente qual
seja a natureza e missão da Igreja. E como se contribui para sua
unidade profunda e para sua permanente construção por parte
daqueles que possuem a seu cargo ministérios da comunidade e
devem contar com a colaboração de todo o Povo de Deus. Com
efeito, “se o Evangelho que proclamamos aparece despedaçado,
por querelas doutrinais, polarizações ideológicas ou por
condenações teorias recíprocas entre cristãos, a capricho de
suas diferentes teorias sobre Cristo e sobre a Igreja e inclusive
por causa de diferentes concepções da sociedade e das instituições
humanas, como pretender que aqueles aos quais se dirige nossa
pregação não se mostrem perturbados, desorientados, e até
mesmo escandalizados?” (EN 77).
Verdade
sobre o homem
1.9.
A verdade que devemos ao homem é, antes de tudo, uma verdade
sobre ele mesmo. Como testemunhas de Jesus Cristo somos arautos,
porta-vozes, servos desta verdade que não podemos reduzir aos
princípios de uma sistema filosófico ou à pura atividade política,
que não podemos esquecer nem atraiçoar.
Talvez
uma das mais notáveis debilidade da civilização atual esteja
numa inadequada visão do homem. A nossa é, sem dúvida, a época
em que mais se tem escrito e falado sobre o homem, a época dos
humanismos e do antropocentrismo. Contudo, paradoxalmente, é também
a época das profundas angústias do homem com respeito a sua
identidade e destino, do rebaixamento do homem a níveis antes
insuspeitados, época de valores humanos conculcados como jamais
o foram antes.
Como
se explica este paradoxo? Podemos dizer que é o paradoxo inexorável
do humanismo ateu. E o drama do homem amputado de uma dimensão
essencial de seu ser - o absoluto - e colocado deste modo diante
da pior redução do próprio ser. A constituição pastoral
Gaudium et Spes toca o fundo do problema quando afirma: "O
mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo
encarna-lo" (GS 22).
A
Igreja possui, graças ao Evangelho, a verdade sobre o homem. Esta
se encontra numa antropologia que a Igreja não cessa de
aprofundar e de comunicar. A afirmação primordial desta
antropologia é a do homem como imagem de Deus irredutível a uma
simples parcela da natureza ou a um elemento anônimo da
cidade-humana". Neste sentido, escrevia, Santo Ireneu:
"A glória do homem é Deus, mas o receptáculo de toda ação
de Deus, de sua sabedoria, de seu poder é o homem" (Santo
Ireneu, Ad versos haereses, L. III, 20, 2-3).
A
este fundamento insubstituível da concepção cristã do homem,
me referi em particular em minha mensagem de Natal: "Natal é
a festa do homem. . O homem, objeto de cálculo, considerado sob a
categoria da quantidade... e ao mesmo tempo uno, único e irrepetível.
. . alguém eternamente idealizado e eternamente escolhido, alguém
chamado e denominado por seu nome" (João Paulo II, Mensagem
de Natal, 25.12.1978).
Diante
de outros tantos humanismos, freqüentemente fechados numa visão
do homem estritamente econômica, biológica ou psíquica, a
Igreja possui o direito e o dever de proclamar a verdade sobre o
homem, que ela recebeu de seu mestre Jesus Cristo. Oxalá não
impeça de fazê-1o nenhuma coação externa. Mas, principalmente,
oxalá não deixe ela de fazê-1o por temores ou dúvidas, por
ter-se deixado contaminar por outros humanismos, por falta de
confiança em sua mensagem original.
Quando
pois um pastor da Igreja anuncia com clareza e sem ambigüidades a
verdade sobre o homem, revelada par aquele mesmo que "sabia o
que havia na homem" (Jo 2, 25), deve animá-lo a segurança:
de estar prestando 0 melhor serviço ao ser humano.
Esta
verdade completa sobre o ser humano constitui o fundamento do
ensino social da Igreja, bem como é base, verdadeira libertação.
A luz desta verdade, não é o homem um ser submetido aos
processos econômicos ou políticos, mas estes processos estão
ordenados ao homem e submetidos a ele.
Deste
encontro de pastores sairá, sem dúvida, fortificada esta
verdade sobre o homem que ensina a Igreja.
2.
Sinais e construtores da unidade
Vosso
serviço pastoral à verdade se completa por um igual serviço à
unidade.
Unidade
entre os bispos
2.1
. Esta será, antes de tudo, unidade entre vós mesmos, os
bispos. "Devemos guardar e manter esta unidade - escrevia o
bispo São Cipriano num momento de graves ameaças à comunhão
entre os bispos de seu país - sobretudo nós, os bispos que
presidimos na Igreja, a fim de testemunhar que o episcopado é uno
e indivisível. Que ninguém engane aos fiéis nem altere a
verdade. O episcopado é uno . . . " ( São Cipriano, De
catholicae Ecclesiae unitate, 6, 8).
Esta
unidade episcopal provém não de cálculo e manobras humanas, mas
do alto, do serviço a um único Senhor, da animação de um único
Espírito, do amor a uma única e mesma Igreja. ,É a unidade que
resulta da missão que Cristo nos confiou, que no Continente latino-americano
se desenvolve desde há quase meio milênio e que vós levais
adiante com ânimo forte em tempos de profundas transformações,
enquanto nos aproximamos da final do segundo milênio da redenção
e da ação da Igreja. E a unidade em torno ao Evangelho, do corpo
e do sangue do Cordeiro, de Pedro, vivo em seus sucessores, sinais
todos diferentes entre si, mas todos tão importantes, da presença
de Jesus entre nós.
Como
deveis viver, amados irmãos, esta unidade de pastores, nesta
Conferência que é por si mesma sinal e fruto de uma unidade que
já existe, mas também antecipação e princípio de uma
unidade que deve ser ainda mais estreita e sólida! Começais
estes trabalhos em clima de unidade fraterna,: que esta unidade
seja um elemento de evangelização.
Unidade
com os sacerdotes, religiosos e povo fiel
2.2.
A unidade dos bispos entre si se prolonga na unidade com os presbíteros,
religiosos e fiéis. Os sacerdotes são os colaboradores
imediatos idos bispos, na missão pastoral, que ficaria
comprometida se não reinasse entre eles e os bispas esta estreita
unidade.
Sujeitos
especialmente importantes desta unidade serão também os
religiosos e religiosas. Sei muito bem como foi e continua, sendo
importante a contribuição dos mesmos para a evangelização na
América Latina. Aqui chegaram nos albores do descobrimento e dos
primeiros passos de quase todos os países. Aqui trabalharam continuamente
ao lado do clero diocesano. Em diversos países mais da metade, em
outros a grande maioria do presbitério é formado por religiosos.
Bastaria isto para compreender quanto importa, aqui mais que em
outras partes do mundo que os religiosos não só aceitem, mas
busquem lealmente uma indissolúvel unidade de perspectivas e de ação
com os bispos. A estes confiou o Senhor a missão de apascentar
o rebanho. A eles corresponde traçar os caminhos para a
evangelização. Não lhes pode não lhes deve faltar a colaboração,
ao mesmo tempo responsável e ativa mas também dócil e confiante
dos religiosos, cujo carisma faz deles agentes tanto mais disponíveis
ao serviço do Evangelho. Nesta linha pesa sobre todos na
comunidade eclesial, o dever de evitar magistérios paralelos,
eclesialmente inaceitáveis e pastoralmente estéreis.
Sujeitos
também desta unidade são os leigos, comprometidos
individualmente ou associados em organismos de apostolado para a
difusão do Reino de Deus. São eles que devem consagrar o mundo a
Cristo no meio das tarefas cotidianos e nas diferentes funções
familiares e profissionais, em íntima união e obediência aos
legítimos pastores.
Este
dom precioso da unidade eclesial deve ser salvaguardado entre
todos os que formam parte do povo peregrino de Deus, na linha
da. Lumen Gentium.
3.
Defensores e promotores da dignidade
3.
1 . Quem está familiarizado com a história da Igreja, sabe que
em todos os tempos houve admiráveis figuras de bispos
profundamente empenhados na promoção e na corajosa defesa da
dignidade humana daqueles que o Senhor lhes havia confiado. Sempre
o fizeram sob o imperativo de sua missão episcopal, porque para
eles a dignidade humana é um valor evangélico que não pode ser
desprezado sem grande ofensa ao Criador.
Esta
dignidade é conculcada em nível individual quando não são
devidamente levados em conta valores como a liberdade, o direito a
professar a religião, a integridade física, e psíquica, o
direito aos bens essenciais, à vida. É conculcada em nível
social e político, quando 0 homem não pode exercer seu direito
de participação ou é sujeito a injustas e ilegítimas coerções,
ou submetido a torturas físicas ou psíquicas, etc.
Não
ignoro quantos problemas se colocam hoje, neste assunto, na América.
Latina. Como bispos não podeis desinteressar-vos deles. Sei que
vos propondes levar a cabo urna séria reflexão sobre as relações
e implicações existentes entre evangelização e promoção
humana ou libertação, considerando, em campo tão amplo e
importante, o específico da presença. da Igreja.
Aqui
é onde encontramos, e leva-nos à prática concretamente, os
temas que abordamos ao falar da verdade sobre Cristo, sobre a
Igreja e sobre o homem.
3.2.
Se a Igreja se faz presente na defesa ou na promoção da
dignidade do homem, o faz na linha de sua missão, que, mesmo
sendo de caráter religioso e não social ou político, não pode
deixar de considerar o homem na integridade de seu ser. O Senhor
delineou na parábola do bom samaritano o modelo da atenção a
todas as necessidades humanas, e declarou que, em última análise,
se identificará com os deserdados - enfermos, encarcerados,
famintos, solitários - a quem se tenha estendida a mão. A Igreja
aprendeu nestas e noutras páginas do Evangelho "5' que sua
missão evangelizadora possui como parte indispensável a ação
pela justiça, e as tarefas de promoção do homem e que entre
evangelização e promoção humana existem laços bem fortes de
ordem antropológica,, teológica e de caridade; de modo que
"a evangelização não seria completa se não se levasse em
conta a interpelação recíproca que no curso dos tempos se
estabelece entre o Evangelho e a vida concreta pessoal e social do
homem (EN 29).
Tenhamos
presente, por outro lado, que a ação da Igreja em campos como os
da promoção humana, do desenvolvimento, da justiça, dos
direitos da pessoa, quer estar sempre a serviço do homem; e ao
homem tal como o vê na, visão cristã da antropologia que adota.
Não necessita pois recorrer a sistemas e ideologias para amar,
defender e colaborar na libertação do homem: no centre da
mensagem da qual é depositária e anunciadora, ela encontra
inspiração para agir em favor da fraternidade, da justiça, da
paz, contra todas as dominações escravidões, discriminações,
violências, atentados à liberdade religiosa, agressões contra o
homem e tudo que atenta contra a vida' IB ).
3.3.
Não é pois por oportunismo nem por afã de novidade que a
Igreja, "perita em humanidade" (Paulo VI Discurso na
ONU, 5.10.1%5), é defensora dos direitos humanos. É por um autêntica
compromisso evangélico, o qual, como sucedeu com Cristo, é,
sobretudo, compromisso com os mais necessitados.
Fiel
a este compromisso, a Igreja quer manter-se livre diante dos
sistemas opostos para optar só pelo homem. Quaisquer que sejam as
misérias ou sofrimentos que aflijam ao homem; não através da
violência dos jogos do poder, dos sistemas políticos, mas por
meio da verdade sobre o homem, caminha para um futuro melhor.
3.4.
Nasce daí a constante preocupação da Igreja pela delicada questão
da propriedade. Uma prova disto são os escritos dos padres da
Igreja através do primeiro milênio do cristianismo (Santo Ambrósio,
De Nabuthe, c. 12 n. 53; PL 14, 749). Claramente o demonstra a sólida
doutrina de Santo Tomás de Aquino, repetida tantas vezes. Em
nossos tempos, a Igreja apelou aos mesmos princípios em
documentos de grande alcance como são as encíclicas sociais
dos últimos papas. Com uma força e profundidade particular,
falou deste tema o Papa Paulo VI em sua encíclica Populorum
Progressio.
Esta
voz da Igreja, eco da voz da consciência humana, que não cessou
de ressoar através dos séculos em meio dos mais variados
sistemas e condições sócio-culturais, merece e necessita ser
ouvida. também em nossa época, quando a riqueza crescente de uns
poucos continua paralela à crescente miséria das massas.
É
então que adquire caráter urgente o ensinamento da Igreja,
segundo o qual sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca
social. Com respeito a este ensinamento a Igreja possui uma missão
a cumprir: deve pregar educar as pessoas e as coletividades,
formar a opinião pública, orientar os responsáveis dos povos.
Deste modo estará trabalhando a favor da sociedade, dentro da
qual este princípio cristão e evangélico acabará dando frutos
de uma distribuição mais justa e eqüitativa dos bens, não só
dentro de cada nação, mas também no mundo internacional em
geral, evitando que os países mais fortes usem seu poder em
detrimento dos mais fracos.
Aqueles
sobre os quais recai a responsabilidade da vida pública dos
Estados e Nações deverão compreender que a paz interna e a paz
internacional só estarão asseguradas se vigorar um sistema
social e econ6mico baseado sobre a justiça.
Cristo
não permaneceu indiferente diante deste vasto e exigente
imperativo da moral social. Tampouco poderia fazê-1o a Igreja. No
espírito da Igreja, que é o espírito de Cristo, e apoiados em
sua doutrina ampla e sólida, voltamos ao trabalho neste campo.
Deve-se
sublinhar aqui novamente que a solicitude da Igreja visa o homem
em sua integridade.
Por
esta razão, é condição indispensável para que um sistema econômico
seja justo, que propicie o desenvolvimento e a difusão da
instrução pública e da cultura. Quanto mais justa for a
economia, tanto mais profunda será a consciência da cultura.
Isto se harmoniza perfeitamente com o que afirmava o Concílio:
que para alcançar uma vida digna do homem, não é possível
limitar-se a ter mais, deve-se aspirar a ser mais.
Bebei,
pois, irmãos, destas fontes autênticas falai com a linguagem do
Concílio, de João XXIII, de Paulo VI; é a linguagem da experiência,
da dor, da esperança da humanidade contemporânea.
Quando
Paulo VI declarava que o desenvolvimento é o novo nome da paz,
tinha presentes todos os laços de interdependência que existem não
só dentro das nações, mas também fora delas, em nível
mundial. Levava em consideração os mecanismos que, por
encontrar-se impregnados não de autêntico humanismo, mas de
materialismo, produzem em nível internacional ricos cada vez mais
ricos à custa de pobres cada vez mais pobres.
Não
existe regra econômica capaz de mudar por si mesma estes
mecanismos. Deve-se apelar, na vida internacional, aos princípios
da ética, às exigências da justiça, ao mandamento primeiro,
que é o do amor. Deve-se dar primazia à moral, ao espiritual,
ao que nasce da verdade plena, sobre o homem.
Quis
manifestar-vos estas reflexões, que creio bem importantes, embora
não devam separar-vos do tema central da Conferência: ao
homem, à justiça., chegaremos mediante a evangelização.
3.5.
Diante do que disse até aqui, a Igreja vê com profunda dor
"o aumento maciço, por vezes, de violações de direitos
humanos em muitas partes do mundo. . Quem pode negar que hoje em
dia existem pessoas individuais e poderes civis que violam
impunemente direitos fundamentais da pessoa humana, tais como o
direito de nascer, o direito à vida, o direito à procriação
responsável, ao trabalho, à paz, à liberdade e à justiça
social; o direito de participar nas decisões que concernem ao
povo e às nações? E que dizer quando nos encontramos diante de
formas variadas de violência coletiva, como a discriminação
racial de indivíduos e grupos, a tortura física e psicológica
de prisioneiros e dissidentes políticos? Cresce o elenco quando
olhamos os exemplos de seqüestras de pessoas, os raptos
motivados pelo afã de lucro material que investem tão
dramaticamente contra a vida familiar e a estrutura da
sociedade" (João Paulo II, Mensagem à ONU, 2.12.1998).
Clamamos novamente: Respeitai o homem! Ele é imagem de Deus!
Evangelizai para que isto seja uma realidade! Para que o Senhor
transforme os corações e humanize os sistemas políticos e econômicos,
partindo do empenho responsável do homem.
3.6.
Deve-se animar os compromissos pastorais neste campo com uma reta
concepção cristã da libertação. "A Igreja sente o dever
de anunciar a libertação de milhões de seres humanos, o dever
de ajudar a que se consolide esta libertação" (EN 3o); mas
sente também o dever correspondente de proclamar a libertação
em seu sentido integral, profundo, como o anunciou e realizou
Jesus. Libertação de tudo o que oprime o homem, mas que é,
antes de tudo, salvação do pecado e do maligno, dentro da
alegria de conhecer a Deus e de ser conhecido por ele" (EN
9). Libertação feita de reconciliação e perdão. Libertação
que nasce da realidade de ser filhos de Deus, a quem somos capazes
de chamar Abba, Pai!, e pelo qual reconhecemos em todo homem um
irmão nosso, capaz de ser transformado em seu coração pela
misericórdia. de Deus. Libertação que nos leva, com a energia
da caridade, à comunhão, cujo cume e plenitude encontramos no
Senhor. Libertação como superação das diversas escravidões e
ídolos que o homem se fabrica e como crescimento do homem novo.
Libertação
que, dentro da missão própria da Igreja, não pode reduzir-se à
simples e estreita dimensão econ8mica, política, social ou
cultural... que jamais se pode sacrificar às exigências de uma
estratégia qualquer, de uma práxis ou de um êxito a curto
prazo" (EN 33).
Para
salvaguardar a originalidade da libertação cristã das energias
que é capaz de desenvolver, é necessário a todo custo, como
pedia o Papa Paulo VI, evitar reducionismos e ambigüidades:
"A Igreja perderia seu significado mais profundo. Sua
mensagem de libertação não teria nenhuma originalidade e se
prestaria a ser dominada e manipulada pelos sistemas ideológicos
e pelos partidos políticos" (EN 32). Existem muitos sinais
que ajudam a discernir quando se trata de uma libertação cristã
e quando, ao invés, se nutre, de preferência, de ideologias que
lhe subtraem a coerência com uma visão evangélica do homem,
das coisas, dos acontecimentos. São sinais que derivam dos conteúdos
que anunciam ou das atitudes concretas que assumem os
evangelizadores. É preciso observar, em nível de conteúdos,
qual seja a fidelidade à palavra de Deus, à tradição viva da
Igreja, a seu magistério. Quanto às atitudes deve-se ponderar
qual seja seu sentido de comunhão com os bispos, em primeiro
lugar, e com os demais setores do povo de Deus; qual é a
contribuição que se dá à construção efetiva da comunidade e
qual a forma de dirigir com amor sua solicitude para com os
pobres, os enfermos, os despojados, os desamparados, os oprimidos
e como descobrindo neles a imagem de Jesus "pobre e
paciente se esforça, em remediar suas necessidades e servir neles
a Cristo" (LG 8). Não nos enganemos: os fiéis humildes e
simples, como por instinto evangélico, percebem espontaneamente
quando se serve na Igreja ao Evangelho e quando ele é esvaziado
e asfixiado com outros interesses.
Como
vedes, conserva toda sua validade o conjunto de observações que
sobre o tema da libertação fez a Evangelii Nuntiandi.
3.7.
Tudo que recordamos acima constitui um rico e complexo patrimônio
que a Evangelii Nuntiandi denomina doutrina social ou ensinamento
social da Igreja. Esta nasce à luz da palavra de Deus e do magistério
autêntico, da presença dos cristãos no seio das situações em
transformação do mundo, em contato com os desafios que delas
provêm. Tal doutrina social comporta, portanto, princípios de
reflexão, mas também normas de julgamento e diretrizes de ação.
Confiar,
responsavelmente, nesta doutrina social, mesmo quando alguns
procuram semear dúvidas e desconfianças sobre ela, estudá-1a
com seriedade, procurar aplicá-la, ensiná-1a, ser fiel a ela é,
num filho da Igreja, garantia de autenticidade de seu compromisso
nas delicadas e exigentes tarefas sociais e de seus esforços em
favor da libertação ou da promoção de seus irmãos.
Permiti,
pois, que recomende à vossa especial atenção pastoral a urgência
de sensibilizar a vossos fiéis a respeito desta doutrina social
da Igreja.
Deve-se
colocar particular cuidado na formação de uma consciência
social em todos os níveis e em todos os setores. Quando aumentam
as injustiças e cresce dolorosamente a distância entre pobres
e ricos, a doutrina, social, em forma criativa e aberta aos amplas
campos da presença. da Igreja, deve ser precioso instrumento de
formação e de ação. Isto vale, particularmente, em relação
aos leigos. "Competem aos leigos, propriamente, embora não
exclusivamente, as tarefas e o dinamismo seculares" (GS
43). É necessário evitar adulterações e estudar, seriamente,
quando certas formas de suplência mantém sua razão de ser. Não
são os leigos os chamados, em virtude de sua vocação na Igreja,
a dar sua contribuição nas dimensões políticas, econômicas e
a estar eficazmente presentes na tutela. e promoção dos direitos
humanos?
4.
Algumas tarefas prioritárias
Muitos
temas pastorais, de grande significação, ides considerar. O
tempo me impede de aludir a eles. A alguns me referi ou me
referirei nos encontros com os sacerdotes, com os religiosos, com
os seminaristas, com os leigos.
Os
temas que aqui vos assinalo possuem, por diferentes motivos, uma
grande importância. Não deixareis de considerá-los, entre
tantos outros que vossa clarividência pastoral vos indicará.
A
família. Fazei
todos os esforços para que haja uma pastoral familiar. Atendei um
campo tão prioritário com a certeza de que a evangelização no
futuro depende em grande parte da "Igreja doméstica". E
a escola do amor, do conhecimento de Deus, do respeito à vida, à
dignidade do homem. E esta pastoral é tanto mais importante
quanto a família é objeto de tantas ameaças. Pensai nas
campanhas favoráveis ao divórcio, ao uso de práticas anticoncepcionais,
ao aborto, que destróem a sociedade.
As
vocações sacerdotais e religiosas. Na maioria de vossos países,
não obstante um esperançoso despertar de vocações, é um
problema grave e crônico a falta das mesmas. A desproporção
é imensa entre o número crescente de habitantes e o de agentes
da evangelização. Importa isto de modo especial à comunidade
cristã. Toda comunidade deve procurar suas vocações, como
sinal inclusive de sua vitalidade e maturidade. Deve-se reativar
uma intensa ação pastoral que, partindo às vocação cristã em
geral, de uma pastoral juvenil entusiasta, dê à Igreja os
servidores de que necessita. As vocações leigas, tão indispensáveis,
não podem ser am.a, compensação. Mas ainda, uma das provas do
compromisso do leigo é a fecundidade nas vocações à vida
consagrada.
A
juventude.
Quanta esperança a Igreja nela coloca! Quantas energias circulam
na juventude, da América Latina, de que a Igreja necessita. Como
devemos estar próximos dela, nós pastores, para que Cristo e a
Igreja, para que o amor do irmão calem profundamente em seu coração.
Conclusão
Ao
término desta mensagem não posso deixar de invocar uma vez
mais a proteção da Mãe de Deus sobre vossas pessoas e vosso
trabalho nestes dias. O fato de que este nosso encontro tenha
lugar na presença espiritual de Nossa Senhora de Guadalupe,
venerada no México e em todos os outros países como Mãe da
Igreja na América Latina, é para mim um motivo de alegria e uma
fonte de esperança. "Estrela da Evangelização", seja
ela vossa guia nas reflexões que fareis e nas decisões que
tomareis. Que ela alcance para vós, de seu divino Filho, audácia
de profetas e prudência evangélica de pastores, clarividência
de mestres e segurança. de guias e orientadores; força. de ânimo
como testemunhas, e serenidade, paciência e mansidão de pais.
O
Senhor abençoe vossos trabalhos. Estais acompanhados por
representantes seletos: presbíteros, diáconos, religiosos,
religiosas, leigos, peritos, observadores, cuja colaboração
vos será muito útil. Toda a Igreja volta os olhos para vós, com
confiança e esperança. Quereis responder a tais expectativas com
plena fidelidade a Cristo, à Igreja, ao homem. O futuro está nas
mãos de Deus mas, de certo modo, este futuro de um novo impulso
evangelizador, Deus o coloca também nas vossas. "Ide, pois,
ensinai a todos os povos" (Mt29, 19).
S.S.
JOÃO PAULO II
HOMILIA
PRONUNCIADA NA BASÍLICA DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE DA CIDADE
DO MÉXICO DURANTE A SOLENE CONCELEBRAÇÃO COM OS
PARTICIPANTES NA CONFERÊNCIA
27
de janeiro de 1979
Salve,
Maria!
1.
Quão profunda é minha alegria, queridos irmãos no episcopado e
filhos muito amados, porque os primeiros passos de minha peregrinação,
como sucessor de Paulo VI e de João Paulo I, me trazem
precisamente para cá, Trazem-me a ti Maria, neste santuário do
povo do México e de toda a América Latina, no qual há tantos séculos
se manifestou sua maternidade.
Salve,
Mãe de Deus!
Pronuncio
com imenso amor e reverência estas palavras, tão simples e ao
mesmo tempo tão maravilhosas. Ninguém poderá saudar-te nunca de
um modo mais estupendo do que como o realizou, um dia, o arcanjo
no momento da anunciação. Ave, Maria, gratis plena, Dominus
tecum Repito estas palavras que tantos corações guardam e tantos
lábios pronunciam em todo o mundo. Nós, aqui presentes, as
repetimos juntos, conscientes de que estas são as palavras com as
quais Deus mesmo, através de seu mensageiro, saudou a ti, a
mulher prometida no éden, e desde a eternidade escolhida como mãe
do Verbo, mãe da divina sabedoria, mãe do Filho de Deus.
Salve,
Mãe de Deus!
2.
Teu Filho Jesus Cristo é nosso redentor e senhor. É nosso
mestre. Todos nós aqui reunidos somos seus discípulos. Somos
os sucessores dos apóstolos, daqueles a quem o Senhor disse:
"Ide, pois, ensinai a todos ;os povos, batizando-os em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar
tudo quanto lhes mandei. Estarei convosco até a consumação do
mundo" (Ml 28, 19 2d).
Congregados
aqui o sucessor de Pedro e os sucessores dos apóstolos, nos damos
conta de como estas palavras se cumpriram, de modo admirável,
nesta terra. Com efeito, desde que em 1492 começa a gesta
evangelizadora do novo mundo, apenas uma vintena de anos depois
chega a fé no México. Pouco mais tarde se cria a primeira sede
arquiepiscopado dirigida por Juan de Zumárraga a quem seguiram
outras figuras de evangelizadores, que estenderam o cristianismo
em diferentes e amplas regiões.
Outras
epopéias religiosas, não menos gloriosas, escreverem no hemisfério
sul, homens como Turíbio de Mogrovejo e outros muitos que
mereceriam ser citados numa longa lista. Os caminhos da fé vêm
se alargando sem cessar e, em fins do primeiro século de
evangelização, as sedes episcopais no novo Continente são
mais de 70 com uns quatro missões de cristãos. Um empreendimento
singular que continuará por muito tempo, até abarcar no dia de
hoje, após cinco séculos de evangelização, quase a metade de
toda a Igreja católica, arraigada na cultura do povo
latino-americano e formando parte de sua identidade própria.
A
medida que nestas terras se realizava o mandato de Cristo, à
medida que com a graça do batismo se multiplicavam em toda a
parte os filhos da adoção divina, aparece também a mãe. Com
efeito, a ti, Maria, o Filho de Deus e ao mesmo tempo filho teu,
do alto da cruz indicou um homem e disse: "Eis aí teu
Filho" (Jo 19, 26). Naquele homem te confiou a cada homem, te
confinou a todos. E tu, que no momento da. anunciação, nestas
simples palavras: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em
mim segundo a tua palavra." (Lc 1,38). concentraste todo o
programa de tua vida, abraças a todos, te aproximas de todos, buscas
maternalmente a todos. Deste modo se cumpre o que o último
Concilio declarou a respeito de tua presença no mistério de
Cristo e da Igreja. Perseveras de modo admirável no mistério
de Cristo, teu Filho Unigênito, porque estás sempre onde
estiverem os homens seus irmãos, onde está a Igreja.
3.
De fato, os primeiros missionários chegados à América,
provenientes de terras de eminente tradição mariana, junto com
os rudimentos da fé cristã, vão ensinando o amor a ti, Mãe
de Jesus e de todos os homens. E desde que o índio Juan Diego
falara da doce senhora do Tepeyac, tu, Mãe de Guadalupe, entras
de modo determinante na vida cristã do povo do México. Não foi
menor tua presença em outras partes, onde teus filhos te invocam
com ternos nomes, como Senhora da Altagracia, da Aparecida, de
Lujan e tantos outros não menos íntimos, para não fazer uma
lista interminável, com os quais em cada nação, e mesmo em cada. região, os povos latino-americanos
te expressam sua devoção mais profunda e tu os proteges em seu
peregrinar de fé.
O
papa - que vem de um país em que tuas imagens, especialmente uma,
a de Jasna Gora, são também sinal de tua presença na vida da nação,
em sua ardorosa história - é particularmente sensível a este
sinal de tua presença aqui, na vida do povo de Deus no México,
em sua história, também ela não fácil e por vezes até dramática.
Contudo estás igualmente presente na vida de tantos outros povos
e nações da América Latina, presidindo e guiando não apenas
seu passado remoto ou recente, mas também o momento atual, com
suas incertezas e sombras. Este papa percebe no fundo de seu coração
os vínculos particulares que te unem a ti com este povo e a este
povo contigo. Este povo, que afetuosamente te chama La Morenita.
Este povo - e indiretamente todo este imenso continente - vive sua
unidade espiritual graças ao fato de que tu és a mãe, uma mãe
que, com seu amor, cria, conserva, acrescenta espaços de aproximação
entre seus filhos.
Salve
Mãe do México, Mãe da América Latina.!
4.
Encontramo-nos aqui, nesta hora insólita e estupenda às história
do mundo. Chegamos a este lugar conscientes de que nos
encontramos num momento crucial. Com esta reunião de bispos
desejamos entroncar com a precedente conferência do episcopado
latino-americano que se realizou, há dez anos, em Medellin,
coincidindo com o Congresso Eucarístico de Bogotá, e na qual
tomou parte Paulo VI de inesquecível memória. Viemos para cá não
tanto para voltar a examinar, no final de dez anos, o mesmo
problema, mas para revisá-lo de modo novo e num novo momento histórico.
Queremos
tomar como ponto de partida o que contém os documentos e resoluções
daquela Conferência, e queremos ao mesmo tempo, sobre a base das
experiências destes dez anos, do desenvolvimento do pensamento e
à luz das experiências de toda a Igreja, dar um justo e necessário
passo adiante.
A
Conferência de Medellin realizou-se pouco depois do termino do
Vaticano II, o Concílio do nosso século, e teve por objetivo
recolher as colocações e conteúdo essenciais do Concílio, para
aplicá-los e torna-los força orientadora na situação concreta
da Igreja latino-americana.
Sem
o Concílio não teria sido possível a reunião de Medellin, que
quis ser um impulso de renovação pastoral, um novo "espírito"
de frente para o futuro, na plena fidelidade eclesial, na,
interpretação dos sinais dos tempos na América Latina. A
intencionalidade evangelizadora era bem clara e está patente nos
16 temas abordados, reunidos em torno de três grandes áreas,
mutuamente complementares: promoção humana, evangelização e
crescimento na fé, Igreja visível e suas estruturas.
Com
sua opção pelo homem latino-americano visto em sua integridade,
com seu amor preferencial, mas não exclusivo, pelos pobres, com
seu ânimo para uma libertação integral dos homens e dos povos,
Medellin, a Igreja ali presente, foi um chamado de esperança.
para metas mais cristãs e mais humanas.
Contudo
dez anos se passaram. Fizeram-se interpretações, por vezes,
contraditórias, nem sempre corretas nem sempre benfazejas para a
Igreja. Por isso, a Igreja busca os caminhos que lhe permitam
compreender mais profundamente e cumprir com maior empenho a
missão recebida de Cristo Jesus.
Grande
importância exerceram, a este respeito, as sessões do Sínodo
dos bispos que se celebraram nestes anos, e principalmente a do
ano de 1974, centrada sobre a evangelização, cujas conclusões
foram, depois, recolhidas, de modo vivo e animador, pela exortação
apostólica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI.
Este
é o tema que, hoje, colocamos sobre nossa mesa de trabalho, ao
nos propormos estudar "A evangelização no presente e no
futuro da América Latina".
Encontramo-nos
neste lugar santo para iniciar nossos trabalhos, temos diante dos
olhos o cenáculo de Jerusalém, lugar da instituição da
eucaristia. Ao mesmo cenáculo voltaram os apóstolos depois da
ascensão do Senhor para que, permanecendo em oração com Maria,
a Mãe de Cristo, pudessem preparar seus corações para receber o
Espírito Santo, no momento do nascimento da Igreja.
Também
nós viemos aqui para isto, também nós esperamos a descida do
Espírito Santo, que nos fará ver os caminhos da evangelização,
através dos quais a Igreja deve continuar e renascer em nosso
grande Continente. Também nós hoje, e nos próximos dias,
desejamos perseverar em oração som Maria, Mãe de Nosso Senhor e
Mestre: contigo, Mãe da Esperança, Mãe de Guadalupe.
5.
Permite pois que eu, João Paulo II, bispo de Roma e papa, junto
com meus irmãos no episcopado que representam a Igreja do México
e de toda a América Latina, neste solene momento, confiemos e
ofereçamos a ti, serva do Senhor, todo o patrimônio do Evangelho
da cruz da ressurreição, dos quais todos nós somos testemunhas,
apóstolos, mestre e bispos.
Ó
Mãe, ajuda-nos a sermos fiéis dispensadores dos grandes mistérios
de Deus. Ajuda-mos a ensinar a verdade que teu Filho anunciou e a
estender este amor, que é o principal mandamento e o primeiro
fruto do Espírito Santo. Ajuda nos a confirmar a nossos irmãos
na fé, ajuda-nos a despertar a esperança na vida eterna.
Ajuda-nos a guardar os grandes tesouros encerrados nas almas do
povo de Deus que nos foi confiado.
Oferecemos-te
todo este povo de Deus. Oferecemos-te a Igreja do México e de
todo o Continente. Oferecemo-1a a ti como propriedade tua. Tu que
penetraste tanto nos corações dos fiéis, através do sinal de
tua presença, que é a tua imagem no santuário de Guadalupe,
vive como em tua casa nestes corações, também no futuro.
Considera te como alguém da casa em nossas famílias, em nossas
paróquias, missões, dioceses e em todos os povos.
E
o faço através da Igreja santa, a qual, imitando-te a ti, Mãe,
deseja ser por sua vez uma boa mãe cuidar das almas em fadas as
suas necessidades, anunciando o Evangelho administrando os
sacramentos, salvaguardando a vida das famílias mediante o
sacramento do matrimônio, reunindo a todos na comunidade eucarística
por meio do santo sacramento do altar, acompanhando-os amorosamente
desde o berço até a entrada na eternidade.
Ó
Mãe, desperta nas jovens gerações a disponibilidade ao
exclusivo serviço a Deus. Implora para nós abundantes vocações
locais ao sacerdócio e à vida consagrada.
Ó
Mãe, corrobora a fé de todos os nossos irmãos e irmãs leigos,
para que em cada campo da vida social, profissional, cultural e
política ajam de acordo com a verdade e com a lei que teu filho
trouxe à humanidade, para levar todos à salvação eterna e, ao
mesmo tempo, para tornar a vida sobre a terra mais humana, mais
digna do homem.
A
Igreja que desenvolve seu trabalho entre as nações americanas, a
Igreja no México, quer servir com todas as suas forças a esta,
causa sublime com um renovado espírito missionário. ó Mãe,
faze que saibamos servi-1a na verdade e na justiça. Faze que nós
mesmos continuemos este caminho e levemos aos demais, sem nos
desviarmos jamais por caminhos tortuosos, arrastando a outros.
Oferecemos-te
e confiamos-te todos aqueles e tudo aquilo que é objeto de
nossa responsabilidade pastoral, coo fiando que tu estarás
conosco e nos ajudarás a realizar o que teu filho nos mandou. Em
ti depositamos esta confiança ilimitada e com ela, eu, João
Paulo II, com todos os meus irmãos no episcopado do México e da
América Latina queremos vincular-te, de modo ainda mais forte, a
nosso ministério, à Igreja e a vida de nossas nações.
Desejamos colocar em tuas mãos nosso inteiro porvir, o porvir da
evangelização da América Latina,.
Rainha
dos apóstolos, aceita nossa prontidão em servir sem reserva à
causa. de teu Filho, à causa do Evangelho e à causa da paz,
baseada na justiça, e no amor entre os homens e entre os povos.
Rainha
da paz, salva as nações e os povos de todo o Continente, que
tanto confiam em ti, das guerras, do ódio e da. subversão.
Faze
que todos governantes e súditos, aprendam a viver em paz se
eduquem para a paz, realizem o que exigem a justiça e o respeito
dos direitos de todo homem para que se consolide a paz. Aceita
esta nossa confiante entrega, ó serva, do Senhor. Que tua
maternal presença. no mistério de Cristo e da Igreja se converta
em fonte de alegria e de liberdade para cada um e para todos:
fonte daquela liberdade por meio da qual "Cristo nos
libertou" (G1 5, 1), e finalmente fonte daquela paz que o
mundo não pode dar, mas que só a dá, ele, Cristo.
Finalmente,
ó Mãe, lembrando e confirmando o gesto de meus predecessores
Bento XIV e Pio X, que te proclamaram Padroeira do México e de
toda a América. Latina, te apresento rim diadema em nome 'de
todos os teus filhos mexicanos e latino-americanos, para que os
conserves sob sua proteção guardes sua concórdia na fé e sua
fidelidade a Cristo, teu filho. Amém.
S.S.
JOÃO PAULO II
HOMILIA
PRONUNCIADA NO SEMINÁRIO PALAFOXIANO DE PUEBLA DURANTE A
EUCARISTIA CELEBRADA NO ESTÁDIO LOCAL COM A PARTICIPAÇÃO
DE TODOS OS MEMBROS DA CONFERÊNCIA E GRANDE CONCURSO DO POVO DE
DEUS
28
de janeiro de 1979
Filhos
e filhas muito amados,
l.
Puebla, de tos Angeles, o nome sonoro e expressivo de vossa
cidade, se encontra, hoje em dia, em milhões de lábios ao longo
da América Latina e em todo o mundo. Vossa cidade se torna símbolo
e sinal para a Igreja latino-americana. É aqui de fato, que se
congregam a partir de hoje, convocados pelo sucessor de Pedro, os
bispos de todo o Continente para refletir sobre a missão dos
pastores nesta parte do mundo, nesta hora singular da história.
O
papa quis subir até este cume de onde parece abrir-se toda a América
Latina. E é com a impressão de contemplar os traços de cada uma
das nações que, neste altar levantado sobre as montanhas, o
papa quis celebrar este sacrifício eucarístico para invocar
sobre esta Conferência, seus participantes, e seus trabalhos, a
luz, o calor, todos os dons do Espírito de Deus, Espírito de
Jesus Cristo.
Nada
mais natural e necessário que invocá,-1o esta circunstância. A
grande assembléia que se abre é, cem efeito, em sua essência
mais profunda, uma reunião eclesial: eclesial em razão daqueles
que aqui se reúnem, pastores da Igreja de Deus que está na América
Latina; eclesial pelo tema que estuda, a missão da Igreja no Continente;
eclesial por seus objetivos de tornar sempre mais viva e eficiente
a contribuição original que a Igreja tem o dever de oferecer ao
bem estar, à harmonia, à justiça e à paz destes povos. Pois
bem, não existe assembléia eclesial se não estiver aí, na
plenitude de sua misteriosa ação, o Espírito de Deus.
O
papa o invoca com todo o fervor de seu coração.
Que o lugar onde se reúnem os bispos seja um novo
cenáculo, muito maior que o de Jerusalém,
onde os apóstolos eram apenas onze naquela manhã,
mas, como o de Jerusalém, aberto às chamas
do Paráclito e à força. de um renovado
Pentecostes. Que o Espírito cumpra, em vós,
bispos, aqui congregados, a multiforme missão que
o Senhor Jesus lhe confiou: intérprete de Deus
para fazer compreender seu desígnio e sua palavra
inacessíveis à simples razão humana,
abra a inteligência destes pastores e os introduza
na verdade, testemunha de Jesus Cristo, dê testemunho
na consciência e no coração deles
e os transforme, por sua vez, em testemunhas coerentes,
fidedignos, eficientes durante seus trabalhos; advogado
ou consolados, infunda ânimo contra o pecado do
mundo e lhes coloque nos lábios o que deverão
dizer, principalmente no momento em que o testemunho custar
sofrimento e fadiga.
Rogo-vos, pois, amados filhos e filhas, que vos unais
a mim nesta eucaristia, nesta invocação
ao Espírito. Não é para si mesmos
nem por interesses pessoais que os bispos vindos de todos
ris ambientes do Continente, se encontram aqui; é
para vós, povo de Deus nestas terras, e para vosso
bem. Participai, pois, nesta III Conferência também
deste modo: pedindo cada dia para todos e cada um deles
a abundância do Espírito Santo.
2. Já se disse de forma bela e profunda, que nosso
Deus em seu mistério mais íntimo não
é uma solidão, mas uma família, pois
que leva em si mesmo a paternidade, filiação
e a essência da família que é amor.
Este amor, na família divina, é o Espírito
Santo. O tema da família não está,
pois, alheio ao tema do Espírito Santo. Permiti
que sobre este tema da família - que certamente
ocupará os bispos durante estes dias - o papa vos
dirija algumas palavras.
Sabeis que com termos densos e prementes a Conferência
de Medellin falou da família. Os bispos, naquele
ano de 1%8, viram em vosso grande sentido da família
um traço primordial de vossa cultura latino-americana.
Fizeram ver que, para o bem de vossos países, as
famílias latino-americanas deveriam ter sempre
três dimensões: ser educadoras da fé,
formadoras de pessoas, promotoras de desenvolvimento.
Sublinharam também os graves obstáculos
que as famílias encontram para cumprir com este
tríplice encargo. Recomendaram por isso a atenção
pastoral às famílias, como uma das atenções
prioritárias da Igreja no Continente.
Passados dez anos, a Igreja na América Latina se
sente feliz por tudo o que pôde fazer em favor da
família. Mas reconhece com humildade que muito
ainda falta fazer, enquanto percebe que a pastoral familiar,
longe de ter perdido seu caráter prioritário,
aparece hoje ainda mais urgente, como elemento muito importante
na evangelização.
3. A Igreja está consciente, com efeito, de que
nestes tempos a família enfrenta na América
Latina sérios problemas. Ultimamente alguns países
introduziram o divórcio em sua legislação,
o qual traz consigo uma nova ameaça à integridade
familiar. Na maioria de vossos países se lamenta
que um número alarmante de crianças, futuro
destas nações e esperanças do futuro,
nasçam em lares sem nenhuma estabilidade ou, como
se lhes costuma chamar, em "famílias incompletas".
Ademais, em certos lugares do "Continente da esperança",
esta mesma esperança corre o risco de desvanecer-se,
pois ela cresce no seio de famílias, muitas das
quais não podem viver normalmente, porque repercutem,
particularmente, nelas os resultados mais negativos do
desenvolvimento: índices verdadeiramente deprimentes
de insalubridade, pobreza e mesmo miséria, ignorância
e analfabetismo, condições inumanas de habitações,
subalimentação crônica e tantas outras
realidades não menos tristes.
Em defesa da família, contra estes males, a Igreja
se compromete a dar sua ajuda e convida os governos para
que considerem como ponto-chave de sua ação
uma política sócio-familiar inteligente,
audaz, perseverante, reconhecendo que ali se encontra,
sem dúvida, o porvir - a esperança - do
Continente. Cumpre acrescentar lua tal política
familiar não deve entender-se como um esforço
indiscriminado para reduzir a qualquer preço o
índice de natalidade o que meu predecessor Paulo
VI chamava "diminuir o número dos convidados
ao banquete da vida" - quando é notório
que mesmo para. o desenvolvimento um equilibrado índice
de população é indispensável.
Trata-se de combinar esforços para criar condições
favoráveis à existência de famílias
sãs e equilibradas: "aumentar a comida da
mesa" segundo a expressão de Paulo VI.
Além da defesa da família, devemos falar
também da promoção da família.
Para tal promoção devem contribuir muitos
organismos: governos e organismos governamentais, a escola,
os sindicatos, os meios de comunicação social,
as sociedades de amigos do bairro, as diferentes associações
voluntárias ou espontâneas que florescem
hoje em dia em todas as partes.
A Igreja deve oferecer também sua contribuição
na linha de sua missão espiritual de anunciar o
evangelho e conduzir os homens à salvação,
que possui também uma enorme repercussão
sobre o bem-estar da família. O que pode fazer
a Igreja unindo seus esforços aos dos outros? Estou
seguro que vossos bispos se esforçarão por
dar a esta questão respostas adequadas, justas,
válidas. Lembro-vos o valor que constitui para
a família o que a Igreja faz agora na América
Latina., por exemplo, para preparar os futuros esposos
ao matrimônio; para ajudar as famílias quando
atravessam, em sua existência, crises normais que,
bem encaminhadas, podem ser até fecundas e enriquecedoras;
para fazer de cada família cristã uma verdadeira
ecclesia domestica, com todo o rico conteúdo desta
expressão; para preparar muitas famílias
à missão de evangelizadoras de outras famílias;
para dar relevo a todos os valores da vida familiar; para
ajudar as famílias incompletas; para estimular
os governantes a suscitar em seus países esta política
sócio-familiar de que falávamos há
pouco. A Conferência de Puebla certamente apoiará
estas iniciativas e talvez sugerirá outras. Alegra-nos
pensar que a História da América Latina
terá assim motivos para agradecer à Igreja
o muito que fez, está fazendo e fará pela
família neste vasto Continente.
4. Filhos e filhas muito amados, o sucessor de Pedro se
sente, agora, deste altar, singularmente próximo
a todas as famílias da América Latina. E
como se cada lar se abrisse e o papa pudesse penetrar
em cada um deles; casas onde não faltam o pão
nem o bem-estar, mas faltam talvez concórdia e
alegria; casas onde as famílias vivem mais modestamente
e na insegurança do amanhã, ajudando se
mutuamente a levar uma existência difícil,
mas digna; pobres habitações nas periferias
de vossas cidades. onde há muito sofrimento escondido,
embora no seio delas exista a simples alegria dos pobres;
humildes choças de camponeses, de indígenas,
de emigrantes etc. Para cada família em particular
o papa quisera poder dizer uma palavra de ânimo
e de esperança. Vós, famílias que
podeis desfrutar do bem-estar, não vos fecheis
dentro de vossa felicidade; abri-vos aos outros para repartir
o que vos sobra e a outros lhes falta. Famílias
oprimidas pela pobreza, não desanimeis e, sem ter
o luxo por ideal, nem a riqueza como princípio
de felicidade buscai com a ajuda de todos superar os passos
difíceis na espera de dias melhores. Famílias
visitadas e angustiadas pela dor física ou moral,
provadas pela enfermidade ou miséria., não
acrescenteis a tais sofrimentos a amargura e o desespero,
mas sabei amortecer a dor com a esperança. Famílias
todas da América Latina, estai seguras de que o
papa vos conhece e quer conhecer-vos ainda mais porque
vos ama com delicadezas de pai.
Esta é, no quadro da visita do papa ao México,
a jornada da família. Acolhei, pois, famílias
latino-americanas, com vossa presença aqui, ao
redor deste altar, através do rádio ou da
televisão, acolhei a visita que o papa quer fazer
a cada. uma. E dai ao papa a alegria de ver-vos crescer
nos valores cristãos que são os vossos,
para que a América Latina encontre em seus milhões
de famílias razões para confiar, para esperar,
para lutar, para construir.
ALOCUÇÃO INTRODUTÓRIA AOS
TRABALHOS DA III CONFERÊNCIA GERAL
DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO
1 - Introdução
O tema da nossa III Conferência
Geral é a Evangelização no presente
e no futuro da América Latina. Proclamar hoje e
amanhã o Evangelho a nossos povos latino-americanos,
animados pela esperança e ao mesmo tempo torturados
no mais profundo de seu ser pelo desprezo em sua dignidade,
é não somente fraterno, nobre, enriquecedor,
mas é também nossa missão, nosso
dever, é nossa vida. O grito de esperança
e angústia de nossos povos que chega até
esta Conferência e pede uma resposta profética.,
exige o compromisso da encarnação da Palavra
de Deus em nossa vida e em nosso anúncio. Aqui
estamos como Pastores que vão caminhando à
frente de suas ovelhas (Jo 10,4).
Faz dois anos que, numa preparação intensa,
vimos aprofundando o que significa em nosso contexto latino-americano
evangelizar hoje e amanhã. Temos procurado, na
oração e no estudo pastoral, a maneira de
evangelizar hoje e amanhã a nossa América
Latina. Como atuar pastoralmente na América Latina,
numa total fidelidade ao Evangelho? Quais são os
critérios e as linhas de uma verdadeira e autêntica
evangelização para a América Latina?
Quais deverão ser as opções pastorais
fundamentais para que o Evangelho seja um acontecimento
atual e presente, com toda a sua, vitalidade e força
original?
Não se trata de desenvolver e completar uma ação
pastoral já desenvolvida, mas trata-se de lançar
a semente e por as bases de uma transformação
da sociedade latino-americana inspirada pelo Evangelho.
necessário pensar na edificação de
uma nova realidade, de uma inserção evangélica
na nova sociedade que surge na América Latina muito
ligada com o povo do mundo de hoje e de amanhã.
Trata-se de buscar o caminho para que o Evangelho, através
do testemunho de nossa vida e de sua proclamação
sempre nova, seja luz, fermento, sal, água viva
para os povos do nosso Continente.
No esforço de dois anos chegamos a um ponto do
nosso caminho, que é necessário recordar
brevemente, já que ele poderá ser nosso
ponto de partida para o caminhar ulterior. Esse ponto
de chegada nos dois anos de preparação é
o Documento de Trabalho.
2 - Natureza do Documento de Trabalha
O Documento de Trabalho foi previsto como um instrumento
de ajuda à criatividade dos participantes na III
CONFERÊNCIA GERAL. Não quis o Documento de
Trabalho ser uma espécie de Documento Base que
os Bispos discutissem propondo emendas. O Documento de
Trabalho quis apenas sintetizar o que os Episcopados haviam
sugerido de modo especial. E desnecessário sublinhar
que toda síntese é relativa, contém
suas imperfeições e não consegue
dar toda a riqueza, do pensamento das contribuições.
Por isso mesmo o Documento de Trabalho foi somente uma
peça a mais na marcha a Puebla. O Documento de
Trabalho era um esforço a mais para ilustrar o
que estava sucedendo na, vida da. Igreja de nossos povos;
quais são os seus problemas, suas expectativas,
seus anseios? Quais as possíveis opções
e linhas de ação pastoral para a evangelização
no presente e no futuro da América Latina?
Seu marco de referência ou o horizonte no qual se
situa o Documento de Trabalho é o da história
concreta da América Latina. A Igreja, na linha
de encarnação da salvação,
há de situar-se adequadamente no presente de nossos
povos, recolhendo sua herança histórica.
e projetando-se dinamicamente para o futuro. E o conjunto
histórico concreto de ontem e de hoje com suas
perspectivas de futuro, numa visão pastoral, que
nos dirá o conteúdo evangélico a
sublinhar-se na América Latina; os objetivos que
será necessário alcançar e como alcançá-los.
Trata-se da comunicação da Palavra e da
Vida de Deus, que deverão ser luz e fermento de
toda a vida humana.
Desde o século XVI, a história da América
Latina esteve ligada à presença e ação
animadora da Igreja. Esta, desde então, não
é estranha à vida de nossos povos, cuja
sorte ela tem compartilhado e compartilha: de cujo futuro
é também co-responsável.
3 - A realidade pastoral
Tal ubicação em nossa história concreta
nos tornará sensíveis à vitalidade
de nossas Igrejas e a um conjunto de problemas.
A vitalidade: no presente de nossas Igrejas percebe-se
uma vitalidade nova: a sede de Deus e sua busca na oração
e contemplação; a colegialidade episcopal
cada vez mais vivida; o grande desenvolvimento das pequenas
comunidades eclesiais em comunhão com a hierarquia;
os novos ministérios; uma vida de fé mais
profunda por parte de muitos jovens; a ação
pastoral intensa dos religiosos e das religiosas, sobretudo
a inserção comunitária cada vez maior
nas zonas mais pobres; o planejamento pastoral em seu
processo de participação, em todos os níveis,
das comunidades e pessoas interessadas, educando-as numa
e para uma metodologia de análise da realidade,
para a reflexão sobre a realidade a partir do Evangelho,
os objetivos e os meios mais aptos e seu uso mais racional
para a ação pastoral; a presença
sempre maior dos bispos entre o povo; a liberdade cada
vez maior frente ao braço secular; uma consciência
mais aguda dos leigos quanto à sua identidade e
missão eclesial.
Os problemas: as injustiças de ontem e de hoje
e a mudança sócio-cultural, na passagem
para uma sociedade cada vez mais orientada e dirigida
tecnicamente, com aspectos de progresso e verdade, mas
em meio a profundos desequilíbrios, crescentes
desigualdades e ameaças de maior domínio
do homem pelo homem. O fenômeno negativo de uma
crescente dominação, de uma crescente tecnocracia,
não pode ser esquecido. Nossa preocupação
em meio a essa problemática é tanto mais
justificada quanto mais a sociedade e a cultura emergentes,
que têm enormes possibilidades de libertação
e aperfeiçoamento do homem, são caracterizadas
por uma falta de formação mais profunda
na fé; por situações lamentáveis
de desrespeito à dignidade do homem e por um espírito
secularista consumista tendente à negação
do transcendente e à ruptura da comunhão
filial com Deus e da comunhão fraterna entre os
homens.
Essa problemática torna-se ainda mais grave se
levarmos em conta que o continente latino-americano é
um continente cristão, e por ser um continente
cristão tem uma responsabilidade muito particular
dentro da Igreja Universal e dentro do mundo. s. k.:
....
4 - Reflexão doutrinal
Frente a esses aspectos positivos e negativos, qual é
o conteúdo evangélico que deve ser de modo
especial proclamado na América Latina?
O Santo Padre o disse ontem: devemos proclamar a Jesus
Cristo, que é "o Evangelho de Deus" (Cf.
Mc 1,1; Rm 1-3), Jesus Cristo, o Deus peregrino na história
dos homens. Jesus Cristo Servo de Javé, que tomou
solidariamente sobre si nossas enfermidades numa atitude
de obediência, pobreza, humilhação,
aniquilamento, morte, e que por sua Ressurreição
é constituído Senhor da criação
e da história: ele, o primogênito de toda
criatura (Cl 1,15); o primogênito entre muitos irmãos
(Rm 8,29); o primogênito entre os mortos (Cl 1,18);
ele, a plenitude de todo o ser (CI 1,19; 2 9-10). Jesus
Cristo, o Filho de Deus, que nos faz nele filhos de Deus.
Jesus Cristo que proclama o Reino de Deus que é,
neste mundo e na eternidade, a comunhão do Pai,
Filho e Espírito Santo: "Que todos sejam um
como tu, Pai, em mim, e eu em ti, que também eles
estejam em nós" (Jo 17,21). E Jesus Cristo
quem veio congregar na unidade os filhos de Deus dispersos
(Jo 11,52), derrubando os ídolos da riqueza, do
poder, do sexo; reconciliando a todos cem Deus; fazendo
a paz, ele que é a nossa paz (Cf Ef 2,14-18).
É necessária uma exata proclamação
de Jesus Cristo, para pôr em sua devida luz a dignidade
do homem.
Qual é, na verdade, o maior desafio para a evangelização
na América Latina?
Tendo em conta todas as contribuições para
esta III CONFERENCIA, devemos afirmar que o mais urgente
é a defesa ou a proclamação da dignidade
da pessoa humana, a proclamação dos direitos
fundamentais do homem na América Latina, à
luz de Jesus Cristo. Existe uma mentalidade individualista
na América Latina que leva constantemente ao desrespeito
do homem em sua dignidade de imagem e semelhança
divina, de filiação divina. É necessário
proclamar que todo homem encarna em si mesmo a imagem
daquele que veio na debilidade da carne para fazer de
cada pessoa um "filho amado no Filho amado"
(Cf. Et 1,3-6), escolhido para ser, pela força
do Espírito Santo, configurado com o Senhor Jesus
Cristo e destinado à ressurreição.
Por isso, por ser humano, aqui e agora merece toda honra
e todo o respeito, também na sua cultura, naquilo
que é valor. Necessitamos, pois, de uma evangelização
que ajude o homem a ser mais homem, à luz de Jesus
Cristo.
5 - Ação evangelizadora
Qual é, concretamente, o caminho?
É necessário levar a pessoa humana e os
grupos sociais:
- à tomada de consciência de sua dignidade
e da condição na qual se encontram;
- ao compromisso da renovação de sua vida
e da sociedade segundo os valores do Evangelho, através
da vivência da justiça, da solidariedade
humana, da participação na comunhão
eclesial e da pobreza evangélica, sem ódio
nem rejeição de qualquer setor social, mesmo
privilegiando os pobres, sem julgar e condenar nem apelar
para a violência;
- à busca de uma libertação que vai
além de todos os limites temporais e que tem sua
plena realização na comunhão com
Deus, o verdadeiro e único Absoluto" (Evangelii
Nuntiandi, 19);
- a uma ação com fadas as dimensões
do mandamento novo, que é amor inteligente e crítico
(Cf. Evangelii Nuntiandi, 38 ) .
Para isso se requer uma Igreja que:
- testemunha
- proclama
- celebra
- atua o Evangelho com JUSTIÇA, AMOR, POBREZA,
uma Igreja num PR,OCESSO DINÂMICO E PERMANENTE de
evangelização, de tal forma que todo o cultural,
o político, o econômico, o social, seja lido
e discernido a partir do Evangelho.
Dentro desse marco pastoral, qual é a AÇÃO
MAIS URGENTE, a que deve ter PRIORIDADE, e quais os setores
mais necessitados de evangelização?
A ação mais urgente, prioritária:
Conseguir o maior número possível de EVANGELIZADORES
a TEMPO INTEGRAL, agentes que por sua VIDA e sua PALAVRA
proclamem o Evangelho para a nossa América Latina.
Daí a importância dos diversos ministérios
com sua ação organicamente planejada. É
assim que a pastoral vocacional é cada dia mais
exigente. É por isso que se insistiu muito nas
contribuições dos Episcopados na ministerialidade
da Igreja: ministros nayivos, autóctones, e numa
Igreja missionária: ser missionário e ser
apóstolo das nações é condição
do cristão.
Os setores mais necessitados de evangelização:
- A Família (a Mulher)
- A Juventude
- Os Indígenas
- Os Camponeses
- O Mundo Operário
- Os Afro-americanos
- Os Meios de Comunicação Social.
Conclusão
Os princípios que estiveram sempre presentes no
Documento de Trabalho foram os da comunhão e participação
para chegar à verdadeira e autêntica libertação.
O modelo da ação evangelizadora foi o das
comunidades eclesiais de base, não tanto na sua
estrutura, quanto mais em seu espírito que deve
informar a estrutura. Mais decisivo que a estrutura é
o espírito que impregna a estrutura, o espírito
que deve estar presente em toda parte onde o cristão
tem uma tarefa a cumprir.
A responsabilidade nova da América Latina, - um
continente de raiz cristã - é o aprofundamento
da fé, que deve ser mais operativa, e isto através
da família, da juventude e das comunidades eclesiais
de base com mentalidade missionária. Trata-se de
um empenho mais evangélico da Igreja, num diálogo
permanente com as mesmas culturas vivas no continente
.latino-americano e com a nova civilização
que se vai formando pelo fluxo do mundo técnico-científico.
Aloísio Cardeal Lorscheider
Presidente do CELAM
INTRODUÇÃO
A UMA LEITURA DO DOCUMENTO A PARTIR DA OPÇÃO
PREFERENCIAL PELOS POBRES
Pe. BENI DOS SANTOS
Doutor em Teologia
1. Puebla é mais do
que um Documento
O documento de Puebla não é um tratado de
teologia, isto é, um discurso sistemático
e metódico sobre a compreensão da fé.
Não é um documento de natureza jurídica,
destinado a traçar uma conduta obrigatória
e devida. Trata-se de um documento pastoral, que pretende
ser fonte de inspiração para a caminhada
da Igreja em nosso continente. Abre pistas, ilumina, denuncia
e anuncia, e, sobretudo, incita à criatividade,
ao prosseguimento. E justamente aqui que se encontra a
sua força e autoridade. Ainda mais: dentro de suas
limitações e preocupação com
a ortodoxia, reflete, no seu todo, dez anos de prática
de uma Igreja que se definiu pela libertação
dos pobres. Nesse sentido, não se pode esquecer
de que Puebla é mais do que um documento. Puebla
é também toda a sua preparação
que envolveu inclusive as bases. É tudo o que dessa
Assembléia esperavam os pobres da América
Latina, os agentes de pastoral, os profetas e os teólogos.
Puebla é tudo isso que agora estamos realizando
no plano prático e teórico.
O documento que veio à luz, fruto do trabalho apressado
de cerca de 300 representantes, é apenas um momento
de Puebla e da caminhada da Igreja n América Latina.
Seus limites evitam que paremos nele como se fosse um
ponto de chegada. Incitam-nos à criatividade, ao
prosseguimento, a ulteriores desenvolvimentos práticos
e teóricos.
O documento, por exemplo, contém propósitos
e incentivos libertários, mas não fornece
projetos nem procura detectar os movimentos históricos
libertadores que estão em andamento na América
Latina. Essa é uma tarefa do após Puebla,
que compete aos cristãos engajados, às comunidades
eclesiais de base, às Igrejas particulares. Riscos
existem. Eles porém são uma dimensão
da fé. A caminhada da fé está sempre
envolta em obscuridade e penumbra: "Agora vemos em
espelho e de maneira confusa" (lCor 13,12). Mas é
correndo risco que realizamos a entrega pessoal a Deus
e ao próximo.
2. Ver, Julgar e Agir: o Método
O documento se desdobra em cinco partes: visão
pastoral da realidade da América Latina (primeira
parte); desígnio de Deus sobre a América
Latina (segunda parte); a evangelização
na Igreja da América Latina: comunhão e
participação (terceira parte); a Igreja
missionária a serviço da evangelização
na América Latina (quarta parte); opções
pastorais (quinta parte).
Não se trata de uma justaposição
de partes, pois elas possuem uma estrutura e um eixo.
A estrutura se desenvolve segundo o método teológico-pastoral
de ver a realidade analiticamente (primeira parte), julgá-1a
com os critérios da fé (segunda parte) e
agir pastoralmente para transformá-1a (terceira,
quarta e quinta parte).
3. Opção preferencial pelos pobres: o eixo
articulador
Ela constitui o eixo do documento e seu princípio
animador. É o ângulo que permite, apesar
das repetições, das redundâncias,
justaposições e, até mesmo, certas
contradições, uma visão unitária
e coerente.
Embora esse tema seja objeto do primeiro capítulo
da quarta parte, no entanto, ele pervade, como alma, todo
o documento. Pode, até mesmo, ser considerado como
algo prévio ao documento, uma vez que constitui
a tônica da evangelização e da pastoral
nestes dez anos decorridos de Medellin a Puebla. Todos
os grandes temas de Puebla - visão pastoral da
realidade, verdade integral sobre Jesus Cristo e sobre
o homem, a Igreja, a evangelização, etc.
devem, a meu ver, ser examinados a partir da opção
preferencial pelos pobres.
3.1. O que é pobre na América Latina?
O documento usa o termo "pobre" no sentido bíblico
de anawin: o curvado, o oprimido. O termo tem, na Bíblia,
uma conotação político-social. Designa
o escravo, o estrangeiro, o perseguido, o cativo. Não
se trata pois do simples necessitado mas do oprimido do
explorado. Não designa apenas o indivíduo,
mas a classe social explorada a raça marginalizada,
o grupo oprimido. Os números 31 a 49 do documento
fazem um elenco dos pobres da América Latina: indígenas
e afro-americanos, camponeses sem terra, operários,
desempregados e sub-empregados marginalizados e aglomerados
urbanos, jovens frustrados socialmente e desorientados,
crianças golpeadas pelas pobreza, menores abandonados
e carentes, a mulher. Em outros textos, o documento se
refere ainda aos migrantes e às prostitutas.
Trata-se não da pobreza evangélica (disponibilidade
para acolher a Deus e ao próximo estilo de vida
sóbria e honesta liberdade existencial frente às
riquezas) mas da pobreza anti-evangélica, que é
sinônimo de exploração de opressão,
de situação desumana. Trata-se da pobreza
de dimensão sócio-política, isto
é, generalizada e estrutural. O documento é
bem explícito: "Ao analisarmos mais a fundo
tal situação, descobrimos que essa pobreza
não é uma etapa transitória, e sim
produto de situações e estruturas econômicas
sociais e políticas que dão origem a esse
estado de pobreza, embora haja também outras causas
da miséria" (30).
3.2. O que significa "opção"?
"Opção" quer dizer decisão,
tomada de partido. Entre opressores e oprimidos (no caso
latino-americano), a Igreja toma o partido dos últimos.
Trata-se de uma decisão política (pois os
pobres são fruto de uma estrutura sócio-política
opressora), ética (é um imperativo moral)
e evangélica (pois essa foi a opção
de Jesus).
A opção pelos pobres implica uma mudança
de lugar social. O lugar social condiciona o nosso discernimento:
sensibilidade para perceber, leitura da realidade, decisão.
Se estamos, por exemplo, no lugar social do poder do privilégio,
então a nossa leitura da realidade dificilmente
se fará fora da perspectiva funcionalista. Iremos
sem dúvida, privilegiar determinados valores como
ordem harmonia, tranqüilidade. Nossa ação
provavelmente se desenvolverá numa linha assistencialista.
A própria leitura das Escrituras privilegiará
os temas, os textos e os contextos, que justificam a visão
funcionalista da Igreja e do mundo. No caso da Igreja,
por exemplo, correremos o perigo de conceber a sua unidade
de modo meramente vertical, isto é, uma unidade
restrita ao dogma, à moral, à obediência
aos legítimos pastores; uma unidade para cima e
não para os lados também, isto é,
unidade que implica comunhão de bens, questionamento
da escandalosa presença de opressores e oprimidos
na celebração da mesma eucaristia.
Qualquer plano de pastoral supõe, como ponto de
partida, o questionamento sobre o lugar social daqueles
que vão elaborá-1o.
A opção preferencial pelos pobres é,
no documento, o ângulo, através do qual os
bispos fazem a leitura da realidade latino-americana,
abrem pistas, questionam, denunciam e anunciam. Esse ângulo
leva-nos a sublinhar algumas dimensões da cristologia,
eclesiologia e evangelização, muito relevantes
para a situação sócio-política
do nosso continente.
3.3. O que significa "preferencial"?
A partir do lugar social dos pobres, portanto, a partir
de baixo, a Igreja procura evangelizar a todos. . Convida
todos a uma conversão que implica em abraçar
a causa dos pobres. É a partir deles e através
do seu dinamismo libertador, que a Igreja procura compreender
o mistério do Reino (cf. Ml 11,25) para anunciá-1o
ao mundo inteiro.
Se existe nos pobres um potencial evangelizador (cf. 1147),
então podemos afirmar que, na América Latina,
uma parte da Igreja (hierarquia, religiosos, elites leigas)
está sendo evangelizada pela outra parte (o povo
pobre) através, principalmente, da interpelação
e do questionamento, que conduzem à conversão,
à solidariedade, à simplicidade, ao serviço.
4. Leitura estrutural da realidade latino-americana
A leitura funcionalista concebe a sociedade como um todo
harmônico, ao qual nos devemos adotar, e que necessita
apenas de remendos. Ela conduz sempre a uma ação
assistencialista e desenvolvimentista, pois supõe
que as reformas se façam dentro de uma estrutura
sócio-política que deve permanecer inalterada.
Desenvolver não é libertar, mas apenas trazer
os que estão à margem de tal tipo de sociedade
para dentro dela.
A leitura dialética, ao contrário, permite
descobrir os conflitos da sociedade, a estrutura geradora
de opressores e oprimidos. Permite não apenas detectar
os sintomas, mas também suas causas. O pobre é
visto não como subdesenvolvido, marginalizado,
mas como oprimido.
Ao contrário do documento de consulta, o documento
elaborado pela Assembléia possui uma visão
dialética da realidade. Refere-se aos "mecanismos
geradores de pobreza" (1160), à "realidade
escandalosa da América Latina" (1154). Vejamos,
a título de exemplo, alguns textos: "Reconhecemos
com pesar a presença de muitos regimes de opressão
em nosso continente" (500). Denomina o sistema sócio-político
imperante no continente de "sistema de pecado"
(92), "situação de pecado social"
(28), "injustiça institucionalizada"
(46). Trata-se de uma denúncia que toma, até
mesmo, o tom de indignação profética:
"A luz da fé, vemos a distância crescente
entre ricos e pobres como um escândalo e uma contradição
com o ser cristão. O luxo de uma minoria constitui
um insulto à miséria das grandes massas.
Essa situação é contrária
ao desígnio do Criador e à honra a ele devida.
Nesta angústia e dor, a Igreja discerne uma situação
de pecado social, aliás, bem mais grave por acontecer
em países que se dizem católicos e que têm
a capacidade de poder mudar tal situação".
A indignação profética termina com
uma espécie de manifesto: "Que sejam derrubadas
as barreiras da exploração.. contra as quais
são impotentes os melhores esforços de promoção"
(28).
Esse manifesto é reforçado pelo fato de
os bispos estarem repetindo as palavras de João
Paulo II aos camponeses de Oaxaca. Aliás, os discursos
do Papa por ocasião de sua estada na América
Latina, principalmente os pronunciados para grupos não
eclesiásticos, serviram de inspiração
para textos relevantes do documento.
Não podemos nos esquecer também que o marxismo
coletivista e a ideologia da segurança nacional
são também condenados. Aquele, por seu caráter
materialista e idolátrico com respeito à
riqueza (cf. 543). Esta, por estar "vinculada a um
determinado modelo econômico-político, de
características elitistas e verticalistas, que
suprimem a participação ampla do povo nas
decisões políticas. Pretende justificar-se,
em certos países da América Latina, como
doutrina defensora da civilização cristã.
Desenvolve um sistema de repressão em concordância
com seu conceito de "guerra permanente" (547).
Ainda mais: se opõe a uma visão cristã
do homem como responsável pela realização
de um projeto temporal, e do Estado enquanto administrador
do bem comum. Impõe a tutela do povo exercida por
elites políticas de poder militar e leva a uma
acentuada desigualdade de participação nos
resultados do desenvolvimento" (549).
É bom observar que o documento, embora advirta
sobre os perigos não condena o marxismo como ciência
do social, isto é, como método de análise
da sociedade (cf. 543). E a condenação da
filosofia marxista não se estende ao socialismo.
A meu ver, a leitura estrutural do documento de Puebla
não dá mais lugar a uma visão idealista
ou romântica da pobreza, nem comporta soluções
de ordem reformistas ou desenvolvimentista. Eis, a propósito,
o seguinte texto: "A mudança necessária
de estruturas sociais, políticas e econômicas
injustas, não será verdadeira e total se
não for acompanhada pela mudança das estruturas
mentais, relativas ao ideal de uma vida humana digna e
feliz, que por sua vez dispõe para a conversão"
(1155).
O novo lugar social leva a Igreja não só
a ler dialeticamente o presente, mas também o passado
da América Latina. Nesse passado, encontra luzes
(evangelização presente, desde o início,
na formação dos povos latino-americanos,
irradiação dos santos e intrépidos
defensores da justiça) e sombras (cumplicidade,
muitas vezes, com os poderes dominantes; problema dos
escravos africanos em prol dos quais a Igreja quase nada
fez no plano da evangelização e libertação)
(cf. 13).
Com relação ao futuro, ela se propõe,
no plano da evangelização, entre outras
coisas, a defender a libertação integral,
que inclui e ultrapassa o quadro da existência temporal
(cf. 141).
Enfim, colocando-se mais dentro do universo dos pobres,
a Igreja é levada a valorizar mais a sua cultura
e religiosidade (cf. 447, 444, 469, 936).
5. A compreensão teológica da realidade
Algumas dimensões relevantes da fé para
a realidade latino-americana são sublinhadas pelo
documento.
5.1. A pessoa, a pregação e a prática
de Jesus de Nazaré, Filho de Deus
Na exposição catequética (preocupada
com desvios doutrinários mais fantasiosos que reais)
da verdade integral sobre Jesus de Nazaré, Filho
de Deus (cf. 171-218) e no capítulo dedicado à
opção preferencial pelos pobres (cf. principalmente
no. 1141-1i65), podemos encontrar, de modo explícito,
aspectos relevantes para a situação sócio-política
da América Latina. Trata-se de política
no sentido amplo e profundo de Aristóteles isto
é, compromisso com a justiça, com o bem
comum. Nesse sentido, a política e tudo o que está
nela implicado, principalmente o econômico, constituem
uma mediação para a justiça do Reino.
A encarnação se realiza historicamente num
contexto sócio-político de opressão.
Foi tornando-se membro de um povo oprimido, compartilhando
sua vida, esperança e angústia (cf. 175,
176, 177), que o Filho de Deus "assumiu o humano
e todas as criaturas" (188). Portanto, no coração
de Jesus de Nazaré existida a indignação
ética contra o colonialismo e, ao mesmo tempo,
o anseio profundo de libertação.
Ele foi membro de um povo que fez a experiência
do cativeiro, fato que provocou, em sua consciência
ética, o imperativo categórico de quebrar
todos os laços de opressão e exploração.
Como escrevi em outro lugar, `a experiência de marginalidade
e opressão, feita por Israel, despertou sua consciência
ética para os compromissos da justiça e
da libertação de todos os oprimidos. Esses
compromissos são freqüentemente reavivados
pela pregação profética".
E com justiça, pois, que Puebla observa: "Ele
encarnou perante a justiça salvadora do seu Pai
o clamor que pede libertação e redenção
para todos os homens" (194). Sua encarnação
tem pois uma amplidão universal: tornando-se membro
de um povo escravo (cf. F1 2,7), ele fez da pobreza o
universal concreto do humano, isto é, a possibilidade
de amar o homem por aquilo que ele é, e não
por aquilo que ele tem.
Sem pertencer a nenhum partido político ou religioso
de sua época, ele desenvolveu uma pregação
que incomodou, que questionou radicalmente as estruturas
opressoras, a exploração do homem pelo homem,
a autoridade encarada como domínio e não
como serviço (cf. Ml 20, 25-28; Mc 10,42-45; Jo
13,1-16). A um povo oprimido, clamando por libertação,
ele prega o Reino de Deus, que enfeixa todas as libertações
históricas e as abre ao transcendente. Puebla o
confirma: ". . . o Reino de Deus passa por realizações
históricas, não se esgota nem se identifica
com elas" (192-193). E a partir do lugar social dos
pobres que ele anuncia o Evangelho da libertação
(cf. 190-191).
Sua morte foi conseqüência da causa que abraçou:
a justiça para os pobres. Portanto, foi um assassinato,
uma conseqüência "da injustiça
e do mal do mundo" (194). Morte injusta que ele assumiu
em atitude ablativa: gesto de amor ao Pai e redenção
dos homens.
Em virtude da encarnação, a sua paixão
se prolonga no sofrimento de todos os oprimidos, de tal
modo que devemos ver nos rostos dos pobres da América
Latina (indígenas, afro-americanos, desempregados
e subempregados, camponeses sem terra, operários,
etc.) "os traços do Cristo sofredor, o Senhor
que nos questiona e interpela" (31-39).
Na sua ressurreição, encontra-se a garantia
e a promessa de um mundo novo, plenamente libertado (cf.
108).
Ligado à cristologia, o documento sublinha o significado,
para a América Latina, da profetisa Maria de Nazaré,
presente, desde o início, na evangelização
do nosso continente: "No seu cântico Magnificat
(Lc 46-55), Maria proclama que a salvação
de Deus tem muito a ver com a justiça em favor
dos pobres. É também de Maria que surge
o compromisso autêntico com os demais homens, nossos
irmãos, e especialmente com os mais pobres e necessitados,
e com a necessária transformação
da sociedade" (Dist. do Papa em Zapopán) (1144;
cf. também: 282-303 ) .
5.2. A Igreja latino-americana no seguimento de Jesus
de Nazaré
Nos últimos dez anos decorridos de Medellin, a
Igreja em nosso continente (melhor dizendo, a parte hierárquica
e ministerial da Igreja, a ela somados os religiosos e
setores leigos) mudou de lugar social: caminhou bastante
do centro para a periferia, assumindo a causa dos pobres
e participando da paixão do povo. Sentiu na própria
carne o aguilhão do opressor. Não é
sem razão que Puebla observa: "Os últimos
dez anos na América Latina têm sido duros"
(266). E noutro lugar: "A denúncia profética
da Igreja e seus compromissos concretos com o pobre, trouxeram-Ihe
freqüentes perseguições e vexames de
vários tipos. Até os pobres têm sido
as primeiras vítimas desses vexames" (1138).
Mas, como povo peregrino, continuam os bispos, "caminhamos
na certeza de que o Senhor saberá transformar a
dor, o sangue e a morte que, no caminho da história,
vão deixando os nossos povos e a nossa Igreja,
em sementes de ressurreição para a América
Latina" (266).
O novo lugar social possibilitou à Igreja na América
Latina assumir verdadeiramente a missão profética
de ser a consciência crítica da sociedade,
chegando ao ponto de romper com o sistema político-económico
implantado no continente: o capitalismo liberal.
A doutrina social da Igreja jamais usou, com relação
ao capitalismo, a mesma severidade demonstrada com relação
ao marxismo e socialismo. Puebla, neste ponto realizou
um avanço. Após descrever o estado de escandalosa
pobreza da América Latina, mostra que essa pobreza
generalizada é gerada pelo sistema capitalista
(cf. 47). Caracteriza-o como idolatria da riqueza, materialista
e praticamente ateu (cf. 312). Por isso, não receia
denominá-1o "sistema de pecado" (92),
e a realidade por ele implantada, "injustiça
institucionalizada" (495). E, conseqüentemente,
substitui a tradicional linguagem desenvolvimentista e
reformista pela linguagem libertadora.
5.3. Evangelização articulada com a defesa
dos direitos humanos e com a libertação
A dignidade do homem é decifrada à luz do
mistério de Cristo (cf. 305-339). Daí surge
a íntima relação entre a evangelização
e a defesa dos direitos humanos, políticos e sociais,
num continente que vive em "permanente violação
da dignidade da pessoa" (41). Os bispos não
receiam afirmar que, na América Latina, "o
melhor serviço ao irmão é a evangelização
que o liberta das injustiças, o promove integralmente
e o dispõe como filho de Deus" (1145).
O tema libertação, por sua vez, aparece
também como eixo articulador da evangelização.
Libertação tem, no contexto latino-americano,
uma dimensão acentuadamente econômica e política.
Supõe destruição da dependência
que gera a exploração e a opressão.
Supõe uma ação destinada a mudar
as estruturas. Supõe a transformação
da consciência submersa e muda o povo pobre em consciência
crítica, para que, despertado o seu dinamismo libertador,
ele mesmo se transforme em agente da libertação.
A evangelização é, por natureza,
libertadora. O termo "evangelizar" aparece no
Antigo Testamento ligado ao profetismo. Isaías
(61,1-2) fala da alegre notícia (evangelho), cujo
conteúdo é a libertação das
diversas categorias de pobres: cegos, cativos, prisioneiros.
Na sinagoga de Nazaré, Jesus se apresenta como
profeta desse evangelho libertador (cf. Lc 4,18-19).
Fiel ao conteúdo libertário da evangelização,
Puebla soube bem articulá-1a com a libertação
dos pobres do nosso continente, afirmando que a libertação
pertence à íntima natureza da evangelização
(cf. 480). A luz da Evangelii Nuntiandi, propõe
como tarefa evangelizadora da Igreja em nosso continente
". . . o dever de anunciar a libertação
de milhões de seres humanos, entre os quais a Igreja
identifica muitos dos seus filhos; o dever de acelerar
essa libertação, de dar testemunho e de
garantir que ela seja total" (26). Por isso mesmo,
a evangelização supõe o conhecimento
da realidade (cf. 85) e o compromisso do Povo de Deus
para superar "a situação de miséria,
marginalizarão, injustiça e corrupção,
que fere o nosso continente" (281).
5.4. Dimensão política da fé e da
salvação
A fé, resposta ao anúncio do Evangelho,
opera através da caridade que, em nosso continente,
deve ter uma dimensão sócio-política
bem acentuada. O próximo, a quem devemos amar,
na América Latina, são, sobretudo, grupos
humanos e estratos sociais carentes e humilhados. "O
Evangelho, diz o documento, deve ensinar que, ante as
realidades em que vivemos, não é possível
hoje na América Latina amar verdadeiramente os
irmãos, e portanto a Deus, sem comprometer-se,
no nível pessoal e em muitos casos até em
nível de estruturas, com o serviço e a promoção
dos grupos humanos e estratos sociais mais carentes e
humilhados, com todas as conseqüências no plano
dessas realidades temporais" (327).
Muitas vezes, as virtudes teologais foram apresentadas
numa perspectiva assistencialista, aptas a serem manipuladas
ideologicamente pelos opressores, uma vez que a finalidade
delas consistia em fortalecer os pobres para que pudessem
suportar as injustiças presentes.
O documento de Puebla desideologiza as virtudes teologais.
A fé, que opera através da caridade, se
expressa no compromisso de transformação
das estruturas opressoras. Não pode ser de nenhum
modo privatizada. As palavras do documento são
fortes e explícitas: "A Igreja condena aqueles
que tendem a reduzir os espaços da fé à
vida pessoal ou familiar, excluindo a ordem profissional,
econômica, social e política, como se o pecado,
o amor, a oração e o perdão não
tivessem aí relevância" (515).
A esperança, por sua vez, não consiste em
cruzar os braços e deixar acontecer, mas em "forjar
a história de açorda com a "práxis"
de Jesus.. (279>, pois nele encontramos a "atitude
de total confiança (no Pai) e ao mesmo tempo de
máxima corresponsabilidade" (276).
Também a salvação, apresentada tradicionalmente
numa dimensão estritamente individual, desencarnada
e a histórica (apta a ser ideologizada para mascarar
realidades injustas) é apresentada num dimensão
histórica e política: "Todavia, esta
salvação tem `laços de união
muito fortes' com a promoção humana em seus
aspectos de desenvolvimento e libertação
(EN 31), que são parte integrante da evangelização.
Tais aspectos brotam da própria riqueza da salvação
e do agir da caridade de Deus em nós, à
qual esses aspectos se subordinam" (355).
Na antropologia do documento, encontra-se a concepção
de homem não como razão e liberdade abstratas,
mas com feixe de relações. Por isso o documento
evita todo dualismo na consideração do pecado
e da conversão. Fala sempre do pecado pessoal e
social (cf. 1224), da conversão individual e estrutural
(cf. 1221 e 30) ou social (cf. 16). No social, no econômico,
no político, existe, pois, um teológico
implícito, uma referencia ao Reino de Deus e à
salvação.
6. A partir da opção preferencial pelos
pobres, construir a civilização do amor,
baseada na comunhão e na participação
(cf. 570, 588, 639, 1113, 1165).
"Comunhão e participação"
é um tema freqüente no documento, que envolve
e informa outros temas.
Não se trata, como pode parecer à primeira
vista de uma expressão para conciliar posições
antagônicas e salvar uma unidade meramente formal,
isto é, sem nenhum compromisso.
A comunhão, de que fala o documento, torna-se verdade
na ação transformadora do mundo (cf. 182),
para destruir tudo aquilo que é negação
da comunhão: o ódio, a exploração,
a escravidão (cf. 182). Comunhão que consiste
num processo contínuo de construção
da fraternidade (cf. 188) "até a plena comunhão
e participação que constituem a própria
vida de Deus" (197).
Esse processo de comunhão se estende a todas as
dimensões da vida do homem em sociedade: "A
comunhão a ser construída entre os homens
é uma comunhão que abrange todo o seu ser,
desde as raízes pessoais do amor e deve manifestar-se
na vida, mesmo a econômica, social e política.
Produzida pelo Pai, Filho e Espírito Santo é
a comunicação de sua própria comunhão
trinitária" (215). Enfim, uma comunhão
que se expressa na libertação, pois a força
do pecado, experimentada "até os limites extremos"
na realidade sócio-política da América
Latina, é uma "flagrante contradição
do plano divino" de conduzir os homens à comunhão
plena, da qual as comunhões temporais e históricas
são os primícias" (218). Essa comunhão
que se realiza na história através da libertação,
e que deve ser aberta à plena comunhão com
Deus, "é a comunhão ansiosamente procurada
pelas multidões do nosso continente" (216).
Um texto do documento resume, a meu ver, o conteúdo
histórico e libertador da expressão "comunhão
e participação" dentro da realidade
de injustiça institucionalizada da América
Latina: "Porque o pecado, força de ruptura,
criará permanentemente obstáculos ao crescimento
no amor e na comunhão, tanto no coração
dos homens, como nas diversas estruturas por ele criadas,
nas quais o pecado de seus autores imprimiu também
sua marca de destruição. Neste sentido,
a situação de miséria, marginalização,
injustiça e corrupção, que fere o
nosso continente, exige do Povo de Deus e de cada cristão
um autêntico heroísmo no seu compromisso
evangelizador, para que se possa superar tão grandes
obstáculos. Frente a semelhante desafio, a Igreja
sente-se incapaz e pequena. Contudo, sente-se animada
por Maria, cuja poderosa intercessão permitirá
superar as "estruturas de pecado" na vida pessoal
e social, obtendo a "verdadeira libertação"
que vem de Cristo Jesus..." (281).
APRESENTAÇÃO
Este texto reúne o
trabalho realizado na III Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano à qual nos convocou o Santo Padre
como pastores, representantes de nossas comunidades.
À Conferência
de Puebla, como se sabe, precederam dois anos de preparação
com a ativa e generosa participação de todas
as Igrejas da América Latina.
Houve, efetivamente, uma campanha de fervorosa oração,
um processo de consulta e de contribuições
principalmente das Conferências Episcopais, sistematizados
no Documento de Trabalho. Este serviu como instrumento
de estudo e orientação.
Tivemos a graça da presença pessoal do Sucessor
de Pedro, o Papa João Paulo II. Sua palavra, na
histórica visita à América Latina,
especialmente a dirigida aos participantes da III Conferência,
na homilia durante a concelebração na Basílica
de Guadalupe, na homilia no Seminário de Puebla
e sobretudo no discurso inaugural, foi precioso critério,
estímulo e orientação para nossas
deliberações. Por isso, se publica integralmente
no presente volume.
Em razão da extensão do tema, rico e dinamizador,
da III Conferência, tornava-se necessário
estabelecer prioridades e uma adequada articulação
entre os diversos pontos que deram origem às 21
comissões de trabalho, em torno de núcleos
ou grandes unidades com os temas correspondentes. Este
sistema de trabalho, complementado por contribuições
em plenários e semiplenários que garantiam
a maior participação (de bispas, presbíteros,
diáconos, religiosos, leigos, membros convidados
e peritos), foi aprovado por unanimidade no início
de nossa assembléia.
O conteúdo dos núcleos e temas não
pretende ser um tratado sistemático de teologia
dogmática ou pastoral. Isso foi expressamente descartado.
Procurou-se considerar aspectos de maior incidência
na evangelização, colocando-nas numa perspectiva
definida de pastores.
Muito embora a Conferência de Puebla, com seu acervo
de contribuições e a intensidade de seu
trabalho, se resuma neste Documento, ela é acima
de tudo um espírito: o espírito de uma Igreja
que se projeta com renovado vigor ao serviço de
nossos povos cuja realização há de
seguir o chamado de vida e transformação
de quem colocou seu tabernáculo no coração
de nossa própria história.
A Conferência de Puebla é além disso
princípio de uma nova etapa no processo de nossa
vida eclesial na América Latina. O Santo Padre
assim a considera, ao afirmar que ela é "um
grande passo avante", em sua carta de 23 de março
de 1979.
Estas páginas têm a força de uma nova
missão a que Cristo nos envia: "Ide e pregai
o Evangelho a todos os povos" (Ml 16,15).
Estas orientações devem interessar profundamente
a nossa pastoral. Há de desencadear um processo
de assimilação e interiorização
de seu conteúdo, em todos os níveis, para
levá-lo à prática. Será necessário
aprofundá-lo na oração è no
discernimento espiritual. Neste caminho, as Conferências
Episcopais têm sua clara responsabilidade: são
elas sobretudo que deverão traduzir e concretizar,
de acordo com suas circunstâncias, suas possibilidades
e os mecanismos apropriados, estas diretrizes. Também
é tarefa das Igrejas particulares, e nelas das
paróquias, dos movimentos apostólicos, das
comunidades eclesiais de base e, enfim, de todas as nossas
comunidades, fazer que Puebla, Puebla em peso, se volte
para a vida com toda a sua carga evangelizadora.
Além disso, Puebla é um espírito
de comunhão e participação que, à
maneira de uma linha de orientação, apareceu
nos documentos preparatórios e animou as jornadas
da Conferência. Neles dizíamos:
"A linha teológico-pastoral, na Documento
de Trabalho, aparece configurada por dois pólos
complementares: a comunhão e a participação
(co-participação) ".
"Mediante a evangelização plena, importa
restaurar e aprofundar a comunhão com Deus e, como
elemento também essencial, a comunhão entre
os homens. De modo que o homem, ao viver a filiação
em ,fraternidade, seja imagem viva de Deus dentro da Igreja
e do mundo, em sua qualidade de sujeito ativo da história."
"Comunhão com Deus, na f é, na oração,
na vida sacramental. Comunhão com os irmãos
nas diversas dimensões de nossa existência.
Comunhão na Igreja, entre os episcopados e com
o Santo Padre. Comunhão nas comunidades cristãs.
Comunhão de reconciliação e de serviço.
Comunhão que é raiz e motor de evangelização.
Comunhão com nossos povos."
"Participação na Igreja, em todos os
seus níveis e tarefas. Participação
na sociedade, em seus diferentes setores; nas ações
da América Latina; em seu necessário processo
de integração, com atitude de constante
diálogo. Deus é amor, família, comunhão;
é fonte de participação em todo o
seu mistério trinitário e na manifestação
de sua nova revelação com os homens pela
filiação e destes entre si, pela fraternidade"
(Documento de Trabalho, Apresentação, 3.3).
A III Conferência se distinguiu pela concórdia
de vontades em torno de seu tema e do conteúdo
coerente de seu Documento final. Com efeito, foi aprovado
por 179 placet e 1 voto em branco.
Apesar da conveniência de umas articulação
maior do Documento que evitasse repetições,
numerosas num trabalho desenvolvido fundamentalmente em
comissões, preferiu-se por razão de objetividade,
não suprimir tais repetições. A assembléia,
com efeito, não teve oportunidade de levar a cabo
essa árdua e delicada tarefa.
Fez-se o possível para se indicar a referênc2a
a passagens em que os determinados temas são tratados
especialmente.
A revisão do tecto limitou-se quase exclusivamente
a aspectos meramente redacionais. Para isso levaram-se
em conta numerosas correções e indicações
das comissões de trabalho, bem como a lista de
erratas elaborada pelas mesmas. Além disso, se
realizou um trabalho paciente de confronto de citações,
recorrendo-se às fontes respectivas. Algumas ligeiras
modificações foram aprovadas pelo Santo
Padre.
Tudo o que expressamos constitui nossa esperança
e a isso nos comprometemos diante de Maria, que acreditou
e se pôs a caminho pressurosa, para anunciar a Boa
Nova que palpitava em suas entranhas.
PRESIDÊNCIA
- Card. Sebastião Baggio
Prefeito da Sagrada Congregação para os
Bispos e Presidente da Comissão Pontifícia
para a América Latina - CAL
- Card. Aloísio Lorscheider
Arcebispo de Fortaleza, Brasil
Presidente da CNBB
Presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano CELAM
- Mons. Ernesto Corripio
Ahumada
Arcebispo do México SECRETÁRIO GERAL
- Mons. Alfonso López
Trujillo
Arcebispo Coadjutor de Medellin, Colômbia
Secretário Geral do CELAM
MENSAGEM AOS POVOS DA AMÉRICA LATINA
Nossa palavra: palavra de
fé, de esperança e amor
1. De Medellin a Puebla dez
anos se passaram, Na verdade, com a II Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano, inaugurada solenemente
pelo Santo Padre o Papa Paulo VI, de feliz memória,
abriu-se, no seio da Igreja da América Latina,
um novo período de sua vida.
Sobre o nosso Continente, marcado com o sinal da esperança
cristã e super-onerado de problemas, "Deus
difundiu uma luz imensa que resplandece no rosto rejuvenescido
de sua Igreja" (Apresentação dos Documentos
de Medellin).
Em Puebla de los Angeles reuniu-se a III Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano, para reconsiderar
os temas debatidos anteriormente e assumir compromissos
novos, sob a inspiração do Evangelho de
Cristo.
Esteve conosco na abertura dos trabalhos, no meio de solicitudes
pastorais que nos comoveram profundamente, o Pastor Universal
de nossa Igreja, S. Santidade o Papa João Paulo
II. Suas palavras iluminadas traçaram linhas amplas
e profundas para nossos estudos e deliberações,
em espírito de comunhão eclesial.
Alimentados pela força e pela sabedoria do Espírito
Santo e colocados sob a proteção maternal
de Maria Santíssima, Senhora de Guadalupe, com
dedicação, humildade e confiança,
estamos chegando ao fim de nossa tarefa ingente. Não
podemos sair de Puebla para nossas Igrejas particulares
sem dirigir uma palavra de fé, de esperança
e de amor ao Povo de Deus da América Latina e que
seja extensiva a todas as nações do mundo.
Antes de tudo, queremos identificar-nos: somos Pastores
da Igreja Católica e Apostólica, que nasceu
do coração de Jesus Cristo, o Filho do Deus
vivo.
Nossa interpelação e pedido de perdão
2. Nossa primeira pergunta, neste colóquio pastoral,
diante da consciência coletiva é a seguinte:
- Vivemos de fato o Evangelho de Cristo em nosso Continente?
Esta interpelação, que dirigimos aos cristãos,
também pode ser analisada por todos aqueles que
não participam de nossa fé.
O cristianismo, que traz consigo a originalidade do amor,
nem sempre é praticado em sua integridade nem mesmo
por nós cristãos. É certo que existe
grande heroísmo oculto, muita santidade silenciosa,
muitos e maravilhosos gestos de sacrifício. Contudo,
reconhecemos que ainda estamos longe de viver tudo o que
pregamos. Por todas as nossas faltas e limitações
pedimos perdão, também nós pastores,
a Deus e a nossos irmãos de fé e de humanidade.
Queremos não só ajudar os outros a se converter,
mas também converter-nos, nós próprios,
juntamente com eles, de tal modo que nossas dioceses,
paróquias, instituições, comunidades
e congregações religiosas, longe de serem
obstáculo sejam um incentivo para que se viva o
Evangelho.
Lançando um olhar sobre nosso mundo latino-americano,
com que espetáculo deparamos? Não se faz
mister aprofundar o exame. A verdade é que aumenta,
cada dia mais, a distância entre os muitos que têm
pouco e os poucos que têm muito. Estão ameaçados
os valores de nossa cultura. Estão sendo violados
os direitos fundamentais do ser humano.
As grandes realizações que se levam a cabo
em favor do homem não chegam a resolver, de maneira
adequada, os problemas que nos desafiam.
A nossa contribuição
3. Mas o que é que temos para oferecer-vos no meio
das graves e complexas questões do nosso tempo?
De que modo podemos colaborar para o bem-estar dos nossos
povos latino-americanos, quando uns persistem em manter
a qualquer preço os seus privilégios, outros
se sentem abatidos e os demais promovem gestões
para a própria sobrevivência e a clara afirmação
de seus direitos?
Queridos irmãos, mais uma vez queremos declarar
que, ao tratar de problemas sociais, econômicos
e políticos, não o fazemos como mestres
da matéria ou cientistas, mas sim, em perspectiva
pastoral, como intérpretes dos nossos povos, confidentes
de seus anseios, sobretudo os dos mais humildes, que são
a grande maioria da sociedade latino-americana.
O que é que temos para oferecer-vos? Como Pedro,
diante do pedido que lhe foi dirigido pelo paralítico,
à porta do templo, vos declaramos, ao considerar
a grandeza dos desafios estruturais de nossa realidade:
Não temos ouro nem prata para vos dar, mas damo-vos
o que temos: Em nome de
Jesus Cristo Nazareno, levantai-vos e andai. E o doente
se ergueu e proclamou as maravilhas do Senhor.
Aqui, a pobreza de Pedro se faz riqueza e a riqueza de
Pedro se chama Jesus de Nazaré, morto e ressuscitado
e sempre presente, por seu Espírito Divino, no
Colégio Apostólico e nas incipientes comunidades
que se formaram debaixo da sua direção.
Jesus cura o doente. O poder de Deus exige dos homens
o máximo de esforço para que surja e dê
fruto sua obra de amor, através de todos os meios
disponíveis: forças do espírito,
conquistas da ciência e das técnicas, em
favor do homem.
O que é que temos para vos oferecer? João
Paulo II, no discurso inaugural do seu pontificado, responde-nos,
de maneira incisiva e admirável, apresentando Cristo
como resposta de salvação universal: "Não
temais, abri de par em par as portas a Cristo! Abri ao
seu poder salvador as portas dos Estados, dos sistemas
econômicos e políticos, dos extensos campos
da cultura. da civilização e do desenvolvimento"
(João Paulo II, Homilia na Inauguração
de seu Pontificado, 22.10.78).
É aí, para nós, que reside a potencialidade
das sementes de libertação do homem latino-americano,
a nossa esperança de poder construir, dia a dia,
a realidade do nosso autêntico destino. E assim
o homem deste Continente, objeto de nossas preocupações
pastorais, tem para a Igreja um significado essencial,
porque Jesus Cristo assumiu a humanidade e sua condição
real. com exceção do pecado. E. ao fazê-1o,
associou, ele em pessoa, a vocação imanente
e transcendente de todos os homens.
O homem que luta, sofre e às vezes fica exasperado,
não desanima nunca e quer acima de tudo
viver o sentido pleno de sua filiação divina.
Por isso é importante que seus direitos sejam reconhecidos;
que sua vida não seja uma espécie de abominação:
que a natureza, obra de Deus, não seja devastada
contra as suas legítimas aspirações.
O homem exige, pela força dos argumentos mais evidentes,
a supressão da violência física e
moral, dos abusos do poder, das manipulações
do dinheiro, dos excessos do sexo; exige, numa palavra,
que se cumpram os preceitos do Senhor, porque o que afeta
a dignidade do homem fere, de algum modo, o próprio
Deus. "Tudo é vosso; vós sois de Cristo
e Cristo é de Deus" (1 Cor 3,21-23 ) .
O que nos interessa, como pastores, é a proclamação
integral da verdade sobre Jesus Cristo, sobre a natureza
e a missão da Igreja, sobre a dignidade e a desatinação
do homem.
Nossa mensagem, por isso mesmo, se sente iluminada de
esperança. As dificuldades que encontramos, os
desequilíbrios que assinalamos não significam
sinais de pessimismo. O contexto sócio-cultural
em que vivemos é tão contraditório,
em sua concepção e modo de atuar, que não
só contribui para a escassez dos bens materiais
nas casas dos mais pobres, mas também - o que é
mais grave - tende a tirar-lhes sua maior riqueza, que
é Deus. A comprovação dessa realidade
nos leva a exortar a todos os membros conscientes da sociedade
a que revejam seus projetos e, por outro lado, nos impõe
o dever sagrado de lutar pela conservação
e aprofundamento do sentido de Deus na consciência
do povo. Como Abrão, lutamos e lutaremos contra
toda a esperança, isto é, nunca deixaremos
de esperar na graça e no poder de Deus, que estabeleceu
com seu povo a Aliança inquebrantável, apesar
das nossas prevaricações.
E comovedor sentir-se na alma do povo a riqueza espiritual
transbordante de fé, de esperança. e amor.
Neste sentido a América Latina é um exemplo
para os outros continentes e amanhã poderá
ampliar sua sublime vocação missionária
para além das próprias fronteiras.
Por isso mesmo, sursum corda! Ao alto os corações,
queridos irmãos da América Latina, porque
o Evangelho que pregamos é uma Boa Nova tão
magnífica que converte e transforma os esquemas
mentais e afetivos, uma vez que chega a comunicar a grandeza
da desatinação do homem, prefigurada em
Jesus Cristo Ressuscitado.
Nossas preocupações pastorais a respeito
dos homens mais humildes, impregnadas de humano realismo,
não incluem qualquer intenção de
excluir de nosso pensamento e de nosso coração
a outros representantes do quadro social em que vivemos.
São antes advertências, sérias e oportunas
para que não se alarguem as distâncias, não
se multipliquem os pecados, não se afaste o Espírito
de Deus da família latino-americana.
Cremos que a revisão do comportamento religioso
e moral dos homens deve refletir-se na esfera do processo
político e econômico de nossos países;
por isso convidamos a todos, sem distinção
de classes, a que aceitem e assumam a causa dos pobres,
como se estivessem assumindo e aceitando sua própria
causa, a própria causa de Jesus Cristo. "Tudo
o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos
a mim o fizestes" (Ml 25,40).
O episcopado latino-americano
4. Irmãos, não vos impressioneis com as
notícias de que o episcopado está dividido.
Há diferenças de mentalidade e de opinião,
mas vivemos, na verdade, o princípio da colegialidade;
completando nos uns aos outros, segundo as capacidades
dadas por Deus. Só assim é que poderemos
enfrentar o grande desafio da evangelização
no presente e no futuro da América Latina.
Sua Santidade o Papa João Paulo II apontou em seu
discurso inaugural três prioridades pastorais: a
família, a juventude e as vocações.
A família
5. Convidamos, pois, com especial carinho, a família
da América Latina a tomar o seu lugar no coração
de Cristo e a transformar-se cada vez mais em ambiente
privilegiado de evangelização, de respeito
à vida e ao amor comunitário.
A juventude
6. Convidamos de coração os jovens a vencer
os obstáculos que ameaçam seu direito de
participação, consciente e responsável,
na construção de um mundo melhor. Não
lhes desejamos a ausência pecaminosa na mesa da
vida nem a triste capitulação ante os imperativos
do prazer, do indiferentismo ou da solidão voluntária
e improdutiva. Já passou a hora do protesto, traduzido
em formas exóticas ou através de exaltações
intempestivas. Tendes uma capacidade imensa. Chegou o
momento da reflexão e da aceitação
plena do desafio de viver, em plenitude. os valores essenciais
do autêntico humanismo integral.
Os agentes de pastoral
7. Com palavras afetuosas e confiantes saudamos aos abnegados
agentes de pastoral de nossas Igrejas particulares, sem
distinguir as categorias a que pertençam. Exortando-vos
a continuar vossos trabalhos em favor do Evangelho, concitamo-vos
a desenvolver um esforço crescente em prol da pastoral
das vocações, onde se incluem os ministérios
que se confiam aos leigos em razão de seu batismo
e de sua confirmação. A Igreja precisa de
mais sacerdotes diocesanos e religiosos, quanto possível
sábios e santos para o ministério da Palavra
e da Eucaristia e para a maior eficácia do apostolado
religioso e social. E necessita de leigos que tenham consciência
da missão que lhes cabe no interior da Igreja e
na construção da cidade secular.
Os homens de boa vontade e a civilização
do amor 8. Queremos dirigir-nos, agora, a todos os homens
de boa vontade e a quantos exercem cargos ou desempenham
funções nos mais variados campos da cultura,
da ciência, da política, da educação,
do trabalho, dos meios de comunicação social
e da arte.
Convidamo-vos a serdes construtores abnegados da "Civilização
do Amor", segundo a brilhante visão de Paulo
VI, a qual se inspira na palavra, na vida e na plena doação
de Cristo e se baseia na justiça. na verdade e
na liberdade. Estamos seguros de obter assim vossa resposta
aos imperativos da hora presente e à tão
ambicionada paz interna e social, no âmbito das
pessoas, famílias, países, continentes e
até do universo inteiro.
Desejamos explicitar o sentido orgânico da civilização
do amor, nesta hora difícil mas cheia de esperança
da América Latina.
O que é que nos impõe o mandamento do amor?
O amor cristão ultrapassa as categorias de todos
os regimes e sistemas, porque traz consigo a força
insuperável do Mistério Pascal, o valor
do sofrimento da cruz e as marcas da vitória e
da ressurreição. 0 amor gera a felicidade
da comunhão e inspira os critérios da participação.
A justiça, como se sabe, é um direito sagrado
de todos os homens, conferido pelo próprio Deus.
Está enxertada na própria essência
da mensagem evangélica. A verdade, esclarecida
pela fé, é fonte perene de discernimento
para nosso comportamento ético. Exprime as formas
autênticas de uma vida digna. A liberdade é
um dom precioso de Deus, conseqüência de nossa
condição humana e fator indispensável
de progresso para os povos.
A civilização do amor repudia a violência,
o egoísmo, o esbanjamento, a exploração
e os desatinos morais. À primeira vista, parece
uma expressão falha da energia que é necessária
para que se enfrentem os graves problemas de nossa época.
Entretanto, nós vos garantimos: não existe
palavra mais forte do que esta no dicionário dos
cristãos. Identifica-se com a própria força
de Cristo. Quem não crê no amor também
não crê naquele que disse: "Dou-vos
um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros como
eu vos tenho amado" (Jo 15,12).
A civilização do amor propõe a todos
a riqueza evangélica da reconciliação
nacional e internacional. Não existe gesto mais
sublime do que o perdão. Quem não sabe perdoar
não será perdoado.
Na balança das reponsabilidades comuns é
preciso colocar muita renúncia e solidariedade
para o correto equilíbrio das relações
humanas. A meditação desta verdade levaria
nossos países a reverem seu comportamento com relação
aos expatriados com sua seqüela de problemas, de
acordo com o bem comum, em caridade e sem detrimento da
justiça. Existem em nosso continente inúmeras
famílias traumatizadas.
A civilização do amor condena as divisões
absolutas e as muralhas psicológicas que separam
violentamente os homens, as instituições
e as comunidades internacionais. Por isso defende ardorosamente
a tese da integração da América Latina.
Na unidade e na variedade há elementos de valor
continental que merecem ser apreciados e aprofundados,
muito mais do que os simples interesses nacionais. Convém
recordar a nossos países da América Latina
a urgente necessidade de se conservar e incrementar o
patrimônio continental da paz, porque seria, de
fato, uma tremenda responsabilidade histórica o
rompimento dos laços da amizade latino-americana,
quando temos a convicção de que existem
recursos jurídicos e morais para a solução
dos nossos problemas de interesse comum.
A civilização do amor rejeita a sujeição
e a dependência tão prejudiciais à
dignidade da América Latina. Não aceitamos
ser satélites de nenhum país do mundo nem
tampouco das ideologias que lhe são peculiares.
É fraternalmente que queremos viver com todos,
porque repudiamos os nacionalismos acanhados e irredutíveis.
Já é tempo de que a América Latina
faça esta advertência aos países desenvolvidos:
não permitiremos que nos imobilizem, que ponham
obstáculos ao nosso progresso, que nos explorem;
ao contrário, é mister que nos ajudem, com
grandeza de alma, a vencer as barreiras do nosso subdesenvolvimento,
respeitando nossa cultura, nossos princípios, nossa
soberania, nossa identidade, nossos recursos naturais.
Neste espírito cresceremos unidos como irmãos
e membros da mesma família universal.
Outro ponto que nos faz estremecer as entranhas e o coração
é a corrida armamentista, que não cessa
de fabricar instrumentos de morte. Ela implica a dolorosa
ambigüidade de confundir o direito à defesa
nacional com ambições desmedidas e ilícitas.
Tal corrida não tem capacidade de construir a paz.
Terminando nossa mensagem convidamos, com respeito e confiança,
a todos os responsáveis pela ordem política
e social a que meditem nestas reflexões, tiradas
de nossa experiência, filhas de nossa sensibilidade
pastoral.
Acreditai: desejamos a Paz e, para alcançá-la,
é preciso eliminar os elementos que provocam as
tensões entre o ter e o poder, entre o ser e suas
mais justas aspirações. Trabalhar pela justiça,
pela verdade, pelo amor e pela liberdade, dentro dos parâmetros
da comunhão e da participação, é
trabalhar pela paz universal.
Palavra de conclusão
9. Em Medellin, terminamos nossa mensagem com esta afirmação:
"Temos fé em Deus, nos homens, nos valores,
no futuro da América Latina". Em Puebla, retomando
a mesma profissão de fé, divina e humana,
proclamamos:
Deus está presente e vivo, por Jesus Cristo libertador,
no coração da América Latina. Cremos
no poder do Evangelho.
Cremos na eficácia do valor evangélico da
comunhão e da participação para gerar
criatividade, promover experiências e novos projetos
pastorais.
Cremos na graça e no poder do Senhor Jesus que
penetra a vida e nos impele para a conversão e
a solidariedade.
Cremos na esperança que alimenta e fortalece o
homem em sua caminhada para Deus, nosso Pai.
Cremos na civilização do amor.
Que Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira da América
Latina, nos acompanhe, solícita como sempre, nesta
peregrinação de Paz.
PRIMEIRA PARTE
VISÃO PASTORAL
DA REALIDADE LATINO-AMERICANA
O objetivo desta visão
histórica é:
SITUAR nossa evangelização em continuidade
com a que foi realizada nos últimos cinco séculos
e cujos fundamentos ainda perduram, depois de ter dado
origem a um radical substrato católico na AL. Este
substrato se revigorou ainda mais depois do Concílio
Vaticano II e da II Conferência geral do Episcopado
celebrada em Medellin, com a consciência, cada vez
mais clara e mais profunda, que tem a Igreja de sua missão
fundamental: a evangelização.
EXAMINAR, com visão de pastores, alguns aspectos
do atual contexto sócio-cultural em que a Igreja
realiza sua missão e, outrossim, a realidade pastoral
que hoje se apresenta à evangelização,
com suas projeções para o futuro.
CONTEÚDO
Título I. Visão histórica: os grandes
momentos da Evangelização na AL.
Título II. Visão pastoral do contexto sócio-cultural.
Título III. Realidade pastoral da AL, hoje.
Título IV . Tendências atuais e evangelização
no futuro.
CAPÍTULO I
VISÃO HISTÓRICA DA REALIDADE
LATINO-AMERICANA
Os grandes momentos da evangelização na
América Latina
A Igreja recebeu a missão
de levar aos homens a Boa Nova. Para realizar eficazmente
esta missão, a Igreja sente a necessidade de conhecer
o povo latino-americano em seu contexto histórico,
com suas variadas circunstâncias. É mister
que este povo continue a ser evangelizado como herdeiro
de um passado, como protagonista do presente, como construtor
de um futuro, como peregrino em busca do Reino definitivo.
A evangelização é a missão
própria da Igreja. A história da Igreja
é, fundamentalmente, a história da evangelização
de um povo que vive em constante gestação,
nasce e se enxerta na existência secular das nações.
A Igreja, ao encarnar-se, contribui vitalmente para o
nascimento das nacionalidades e imprime-lhes profundamente
um caráter particular. A evangelização
está nas origens deste Novo Mundo que é
a AL. A Igreja faz-se presença nas raízes
e na atualidade do Continente. Quer servir, dentro do
quadro da realização de sua missão
própria, ao melhor porvir dos povos latina-americanos,
à sua libertação e crescimento em
todas as dimensões da vida. Medellin já
lembrava as palavras de Paulo VI sobre a vocação
da AL: "Unificar, em uma síntese nova e genial,
o antigo e o moderno, o espiritual e o temporal, o que
os outros nos legaram e nossa própria originalidade"
(Med. intr. 1) .
A AL forjou, na confluência, por vezes dolorosa,
das mais diversas raças e culturas, uma nova mestiçagem
de etnias e formas de existências e pensa mento
que permitiu a gestação de uma neva raça,
depois de vencidas as duras separações que
precederam.
A geração de um povo e de uma cultura é
sempre dramática: luzes e sombras a envolvem. A
evangelização, como tarefa humana, está
submetida às vicissitudes da história, mas
busca sempre transfigurá-las com o fogo do Espírito,
no caminho de Jesus Cristo, centro e sentido da história
universal e da de todos e cada um dos homens. Sob o aguilhão
das contradições e dilacerações
dos tempos da colonização e no meio de um
agigantado processo de dominações e culturas
ainda não encerrado, a evangelização
constituinte da AL é um dos capítulos relevantes
da história da Igreja. Em face de dificuldades
tão desmedidas quanto inéditas, ela respondeu
com uma capacidade criadora cujo alento sustenta viva
a religiosidade popular da maioria de nossos povos.
Nosso radical substrato católico, com suas formas
vitais de religiosidade vigente, foi estabelecido e dinamizado
por uma imensa legião missionária de bispos,
religiosos e leigos. Em primeiro plano, temos as realizações
de nossos santos, como Turíbio de Mogrovejo, Rosa
de Lima, Martinho de Porres, Pedro Claver, Luís
Beltran e outros. Ensinam-nos todos que, superadas as
debilidades e a covardia dos homens que os cercavam e
às vezes os perseguiam, o Evangelho, em sua plenitude
de graça e de amor, foi e pode ser vivido na AL
como sinal da grandeza espiritual e da verdade de Deus.
Intrépidos lutadores em prol da justiça
e evangelizadores da paz como Antônio de Montesinos,
Bartolomeu de Ias Casas, João de Zumárraga,
Vasco de Quiroga, João dal Valle, Julião
Garcés, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega
e tantos outros que defenderam os índios perante
os conquistadores e encomenderos até com a própria
morte, como o bispo Antônio Valdivieso, demonstram,
com a evidência dos fatos, como a Igreja faz a promoção
da dignidade e da liberdade do homem latino-americano.
Esta realidade foi reconhecida com gratidão pelo
Santo Padre João Paulo II, ao pisar pela primeira
vez as terras do Novo Mundo, quando se referiu "àqueles
religiosos que vieram anunciar Cristo Salvador, defender
a dignidade dos indígenas, proclamar seus direitos
invioláveis, favorecer sua promoção
integral, ensinar aos habitantes do Novo Mundo a fraternidade
que teriam de viver como homens e como filhos de um mesmo
Deus que é o Senhor e Pai" (João Paulo
II, Discurso em sua chegada a S. Domingos, AAS LXXI p.
154, 25-1-1979 ) .
A obra evangelizadora da Igreja da AL é o resultado
do esforço unânime de missionários
de todo o povo de Deus. Aí estão as incontáveis
iniciativas de caridade, assistência, educação
e, de modo exemplar as originais sínteses de evangelização
e promoçâo humana das missôes franciscanas,
agostinianas, dominicanas, jesuíticas, mercedárias
e outras. Aí estão a generosidade e o sacrifício
evangélico de muitos cristãos, em que, por
sua abnegação e oração, a
mulher teve papel essencial. Aí está a criatividade
na pedagogia da fé - a vasta rede de recursos que
conjugava todas as artes, desde a música, o canto
e a dança, até à arquitetura, à
pintura e ao teatro. Toda esta capacidade pastoral está
associada a um momento de grande reflexão teológica
e a uma dinâmica intelectual que dá vida
e impulso a universidades, escolas, dicionários,
gramáticas, catecismos em diversas línguas
indígenas e aos mais significativos relatos históricos
sobre as origens de nossos povos. E está. associada
igualmente a uma extraordinária proliferação
de confrarias e ìrmandades de leigos que chegam
a ser a alma e a espinha dorsal da vida religiosa dos
crentes e a fonte remota, mas fecunda, dos atuais movimentos
comunitários da Igreja latino-americana.
É certo que a Igreja, em seu labor apostólico,
teve de suportar o peso dos desfalecimentos, das alianças
com os poderes da terra, de uma visão pastoral
incompleta e da força destruidora do pecado: mas
não é menos certo - e forçoso é
reconhecê-1o! - que a evangelização
que transforma a AL no "Continente da Esperança"
tem sido muito mais poderosa do que as sombras que lamentavelmente
a acompanharam no interior do contexto histórico
onde lhe coube viver. Para nós, cristãos
de hoje, isto será um desafio, a fim de sabermos
estar à altura do melhor de nossa história
e de termos a capacidade de responder aos desafios deste
nosso tempo latino-americano, com fidelidade criadora.
Aquela fase da evangelização, tão
decisiva na formação da AL, após
um ciclo de estabilização, cansaço
e rotina, foi seguida pelas grandes crises do século
XIX e dos começos do nosso. Estas provocavam perseguições
e grandes amarguras na Igreja, que esteve submetida a
enormes incertezas e a conflitos que a abalaram até
aos fundamentos. Superando esta prova tão dura,
ela conseguiu, com potente esforço, reconstruir-se
e sobreviver. Hoje em dia, sobretudo a partir do Concílio
Vaticano II, a Igreja se foi renovando, pouco a pouco
com autêntico dinamismo evangelizador e captando
as necessidades e as esperanças dos povos latino-americanas.
A energia que convocou seus bispos a Lima, ao México,
à cidade do Salvador na Bahia e a Roma manifesta-se
ativa nas Conferências do Episcopado Latino-Americano
do Rio de Janeiro e de Medellin, que ativaram as suas
energias e a prepararam para os desafios do futuro.
Sobretudo a partir de Medellin, tem conseguido a Igreja
uma nítida consciência de sua missão
e tem-se aberto com lealdade ao diálogo. Por isso
vem perscrutando os sinais dos tempos e está generosamente
disposta a evangelizar, a fim de contribuir para a construção
de uma sociedade nova, mais justa e mais fraterna, que
é uma clamorosa exigência dos nossos povos.
Deste modo, a tradição e o progresso, que
antes pareciam antagônicos na AL, enfrentando-se
mutuamente, conjugam-se hoje em busca de uma nova síntese,
que irmane as possibilidades do porvir com as energias
que provêm de nossas raízes comuns. Destarte,
neste vasto movimento de renovação que inaugura
uma época nova, no meio dos desafios recentes,
retomamos nós, pastores, a tradição
secular dos bispos do Continente e nos preparamos para
levar, com esperança e fortaleza, a mensagem da
salvação evangélica a todos os homens,
preferentemente aos mais pobres e esquecidos.
Através de uma rica experiência histórica,
cheia de luzes e de sombras, a grande missão da
Igreja tem sido seu compromisso na fé com o homem
da AL: para sua salvação eterna, para sua
superação espiritual e plena realização
humana.
Movidos pela inspiração que vem dessa grande
missão de ontem, queremos aproximar-nos, com olhos
e coração de pastores e cristãos,
da realidade do homem latino-americano de hoje, para interpretá-lo
e compreendê-lo, a fim de analisarmos nossa missão
pastoral partindo desta mesma realidade.
CAPÍTULO II
VISÃO SÓCIO-CULTURAL
DA REALIDADE LATINO-AMERICANA
2.1. Introdução
Como pastores, peregrinamos com o povo latino-americano
através de nossa história, com muitos elementos
de base comuns, mas também com os matizes e as
diferenças de cada nação. Partindo
do Evangelho que nos apresenta Jesus Cristo como 0 que
passou fazendo o bem e amando a todos sem distinção,
e iluminados pela fé, situamo-nos na realidade
do homem latino-americano, que é expressa em suas
esperanças, em seus triunfos e suas frustrações.
Impele-nos esta fé a discernir as interpelações
de Deus nos sinais dos tempos, a dar testemunho, a anunciar
e a promover os valores evangélicos da comunhão
e da participação; e a denunciar tudo o
que, em nossa sociedade, vai contra a filiação
que tem sua origem em Deus Pai, e contra a fraternidade
dos homens em Cristo Jesus.
Como pastores, discernimos êxitos e malogros nestes
últimos anos. Apresentamos esta realidade, não
com o intento de provocar desânimo, mas antes querendo
estimular a todos os que tenham possibilidade de melhorá-1a.
A Igreja da AL tem procurado ajudar o homem "a passar
de situações menos humanas a mais humanas"
(PP 20). Tem-se esforçado por convocar as pessoas
para uma contínua conversão individual e
social. Pede que todos os cristãos colaborem na
transformação das estruturas injustas, comuniquem
valores cristãos à cultura
global em que estão inseridos, e, conscientes dos
resultados já obtidos, se animem a continuar trabalhando
pelo seu aperfeiçoamento.
Enumeramos, com alegria, alguns dados que nos enchem de
esperança:
- O homem latino-americano tem uma tendência inata
a acolher as pessoas; a partilhar o que tem, a viver a
caridade fraterna e o desprendimento (sobretudo no meio
dos pobres); a compadecer-se do sofrimento alheio. Valoriza
muito os vínculos especiais da amizade oriundos
do apadrinhamento, e preza não menos a família
e as relações que estabelece.
- Tomou consciência mais clara da própria
dignidade, do seu desejo de participação
política e social, embora estes direitos estejam
espezinhados em muitos lugares. Proliferam as organizações
comunitárias, como movimentos cooperativistas e
outros, sobretudo nos meios populares.
- Existe um interesse crescente pelos valores autóctones
e pelo respeito à originalidade das culturas indígenas
e de suas comunidades. Além disto há um
profundo amor à terra.
- Nosso povo é jovem, e, onde tem tido oportunidades
de habilitar-se e organizar-se, tem revelado surpreendente
capacidade de se promover e de consolidar suas justas
reivindicações.
- O significativo progresso econômico que nosso
continente alcançou demonstra que seria possível
erradicar a extrema pobreza e melhorar a qualidade de
vida do nosso povo; ora, se existe a possibilidade, existe,
conseqüentemente, a obrigação.
Nota-se um certo crescimento da classe média, embora
em determinados lugares ela tenha sofrido alguma deterioração.
São claros os progressos no setor da educação.
Entretanto nos múltiplos encontros pastorais com
nosso povo, percebemos também - como o Santo Padre
João Paulo II em seus contatos com camponeses,
operários e estudantes - o seu profundo clamor
cheio de angústias, esperanças e aspirações
ao qual queremos fazer eco: deste modo seremos a grande
"voz de quem não pode falar ou de quem é
silenciado" (Alocução Oaxaca 5 AAS
LXXI p. 208). Assim nos situamos no dinamismo de Medellin,
cuja visão da realidade assumimos e que se tornou
fonte de inspiração para tantos de nossos
documentos pastorais na última década.
O que Paulo VI apresentou na Evangelii Nuntiandi reflete
lucidamente a realidade de nossos países: "E
bem sabido em que termos falaram, durante o último
Sínodo, numerosos bispos de todos os continentes
e sobretudo os bispos do Terceiro Mundo, com um acento
pastoral em que vibravam as vozes de milhões de
filhos da Igreja que constituem tais povos. Povos - já
o sabemos - empenhados com todas as suas energias no esforço
e na luta para superar tudo o que os condena a ficarem
à margem da vida: fome, enfermidades crônicas,
analfabetismo, empobrecimento, injustiça nas relações
internacionais, especialmente nas de comércio,
situações de neocolonialismo econômico
e cultural por vezes tão cruel quanto o político
etc. A Igreja, repetiram os bispos, tem o dever de anunciar
a libertação de milhões de seres
humanos, entre os quais há muitos filhos seus;
o dever de ajudar a nascer esta libertação,
de dar testemunho da mesma, de fazer que seja total. Nada
disto é estranha à evangelização"
(EN 30).
2.2. Compartilhar as angústias
Preocupam-nos as angústias de todos os membros
do povo, qualquer que seja a sua condição
social: sua solidão, seus problemas familiares,
a falta de sentido que não poucos vêem na
vida. E mais especialmente queremos, hoje, compartilhar
as angústias que nascem de sua pobreza.
Vemos, à luz da fé, como um escândalo
e uma contradição com o ser cristão,
a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns
poucos converte-se em insulto contra a miséria
das grandes massas. Isto é contrário ao
plano do Criador e à honra que lhe é devida.
Nesta angústia e dor, a Igreja discerne uma situação
de pecado social, cuja gravidade é tanto maior
quanto se dá em países que se dizem católicos
e que têm a capacidade de mudar: "que se derrubem
as barreiras da exploração . . . contra
as quais se estraçalham seus maiores esforços
de promoção" (João Paulo II,
Alocução Oaxaca 5 AAS LXXI p. 209). Comprovamos,
pois, como o mais devastador e humilhante flagelo a situação
de pobreza desumana em que vivem milhões de latino-americanos
e que se exprime, por exemplo, em mortalidade infantil,
em falta de moradia adequada, em problemas de saúde,
salários de fome, desemprego e subemprego, desnutrição,
instabilidade no trabalho, migrações maciças,
forçadas e sem proteção.
Ao analisar mais a fundo tal situação, descobrimos
que esta pobreza não é uma etapa casual,
mas sim o produto de determinadas situações
e estruturas econômicas, sociais e políticas,
embora haja também outras causas da, miséria.
A situação interna de nossos países
encontra, em muitos casos, sua origem e apoio em mecanismos
que, por estarem impregnados não de autêntico
humanismo, mas de materialismo, produzem, em nível
internacional, ricos cada vez mais ricos às custas
de pobres cada vez mais pobres. Esta realidade exige,
portanto, conversão pessoal e transformações
profundas das estruturas que correspondam às legítimas
aspirações do povo a uma verdadeira justiça
social; tais mudanças ou não se deram ou
têm sido demasiado lentas na experiência da
AL.
Esta situação de extrema pobreza generalizada
adquire, na vida real, feições concretíssimas,
nas quais deveríamos reconhecer as feições
sofredoras de Cristo, o Senhor (que nos questiona e interpela
) : - feições de crianças, golpeadas
pela pobreza ainda antes de nascer, impedidas que estão
de realizar-se, por causa de deficiências mentais
e corporais irreparáveis, que as acompanharão
por toda a vida; crianças abandonadas e muitas
vezes exploradas de nossas cidades, resultado da pobreza
e da desorganização moral da família;
- feições de jovens, desorientados por não
encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados, sobretudo
nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de
oportunidades de capacitação e de ocupação;
- feições de indígenas e, com freqüência,
também de afro-americanos, que, vivendo segregados
e em situações desumanas, podem ser considerados
como os mais pobres dentre os pobres.
- feições de camponeses, que, como grupo
social, vivem relegados em quase todo o nosso continente,
sem terra, em situação de dependência
interna e externa, submetidos a sistemas de comércio
que os enganam e os exploram;
- feições de operários, com freqüência
mal remunerados, que têm dificuldade de se organizar
e defender os próprios direitos;
- feições de subempregados e desempregados,
despedidos pelas duras exigências das crises econômicas
e, muitas vezes, de modelos desenvolvimentistas que submetem
os trabalhadores e suas famílias a frios cálculos
econômicos;
- feições de marginalizados e amontoados
das nossas cidades, sofrendo o duplo impacto da carência
dos bens materiais e da ostentação da riqueza
de outros setores sociais;
- feições de anciãos cada dia mais
numerosos, freqüentemente postos à margem
da sociedade do progresso, que prescinde das pessoas que
não produzem.
Compartilhamos com nosso povo de outras angústias
que brotam da falta de respeito à sua dignidade
de ser humano, imagem e semelhança do Criador e
a seus direitos inalienáveis de filhos de Deus.
Países como os nossos, onde com freqüência
não se respeitam os direitos humanos fundamentais
vida, saúde, educação, moradia, trabalho
. . . acham-se em situação de permanente
violação da dignidade da pessoa humana.
Somam-se a isto as angústias produzidas pelo abuso
do poder, típicas dos regimes de força.
Angústias causadas pela repressão sistemática
ou seletiva, acompanhada de delação, de
violação da privacidade, de pressões
exageradas, de torturas, de exílios.
Angústias em numerosas famílias pelo desaparecimento
de seus entes queridos, dos quais não conseguem
teria menor notícia. Insegurança total por
detenções sem ordem judicial. Angústias
ante uma justiça - submissa ou manietada. A Igreja,
como afirmam os Sumos Pontífices, "por força
de um autêntico- compromisso evangélico",
deve fazer ouvir a sua voz, denunciando e condenando estas
situações, sobretudo quando os governos
ou responsáveis se confessam cristãos.
Angústias provocadas pela violência da guerrilha,
do terrorismo e dos seqüestras, efetuados por extremistas
de sinais diversos, que comprometem igualmente o convívio
social.
Em muitos de nossos países, a falta de respeito
à dignidade do homem se exprime também na
ausência de participação social nos
vários níveis. Referimo-nos de modo particular
à sindicalização. A legislação
trabalhista, em muitos lugares, aplica-se arbitrariamente
ou não é levada em consideração.
Sobretudo nos países onde há regimes de
força, vê-se com maus olhos a organização
de operários, camponeses e grupos populares e adotam-se
medidas repressivas para impedi-1a. Este tipo de controle
e limitação não acontece com os sindicatos
patronais, que podem agir com todo o seu poder para assegurar
os próprios interesses.
Em alguns casos a politizarão exasperada das cúpulas
sindicais distorce a finalidade de sua organização.
Nos últimos anos, comprova-se, ainda, a deterioração
do quadro político, com grave prejuízo da
participação dos cidadãos na condução
do seu próprio destino. Também aumenta,
com freqüência, a injustiça que se pode
chamar de institucionaliza. Além disso, grupos
políticos extremistas, ao empregarem meios violentos,
provocam novas repressões contra os setores populares.
A economia de mercado livre, na. sua expressão
mais rígida, que ainda vigora em nosso continente
e é legitimada por ideologias liberais, tem alargado
a distância entre ricos e pobres, pelo fala de antepor
o capital ao trabalho, o econômico ao social. Grupos
minoritários nacionais, associados às vezes
a interesses de fora, têm-se aproveitado das oportunidades
que lhes oferecem estas formas envelhecidas de mercado
livre, para se desenvolverem em proveito próprio
e às custas dos interesses dos setores populares
majoritários.
As ideologias marxistas se têm difundido no mundo
operário, estudantil e docente e em outros meios
com a promessa de maior justiça social. Na prática,
suas estratégias têm sacrificado muitos dos
valores cristãos e, portanto, humanos ou caído
em irrealismos utópicos, inspirando-se em políticas
que, ao utilizar a força como instrumento fundamental,
incrementam a espiral da violência.
As ideologias da Segurança Nacional têm contribuído
para fortalecer, em muitas ocasiões, o caráter
totalitário ou autoritário dos regimes de
força e alimentado o abuso do poder e da violação
dos direitos humanos. Há casos em que pretendem
proteger suas atitudes com uma profissão de fé
cristã, que é, contudo, subjetiva.
Os tempos de crise econômica que nossos países
estão vivendo (não obstante a tendência
para a modernização) com forte crescimento
da economia, mas enfrentando menor ou maior dureza, aumentam
as angústias de nossos povos. Entretanto uma tecnocracia
gélica aplica modelos de desenvolvimento que exigem
dos setores mais pobres um custo social realmente desumano,
tanto mais injusta quanto não é compartilhado
por todos.
2. 3. Aspectos culturais
A AL é constituída de várias raças
e grupos culturais com processos históricos diferentes.
Não é uma realidade uniforme e contínua.
Existem, contudo, elementos que constituem um patrimônio
cultural comum de tradições históricas
e de fé cristã.
Infelizmente, o desenvolvimento de algumas culturas é
muito precário. Na prática se desconhecem,
se marginalizam e até se destroem valores pertencentes
à antiga e rica tradição do nosso
povo. Por outro lado, iniciou-se uma revalorização
das culturas autóctones.
Em razão de influências externas dominantes
ou por imitação alienante de formas de vida
ou valores importados, as culturas tradicionais de nossos
países viram-se deformadas e agredidas, minando-se
assim nossa identidade e nossos valores específicos.
Compartilhamos, pois, com o nosso povo, as angústias
causadas pela inversão de valores que está
na raiz de muitos dos males acima mencionados, a saber:
- o materialismo individualista, valor supremo de muitos
homens de hoje, que atenta contra a comunhão e
a participação, impedindo a solidariedade;
e o materialismo coletivista que subordina a pessoa ao
Estado;
- o consumismo, com sua ambição descontrolada
de sempre se "ter mais", que vai afagando o
homem contemporâneo num imanentismo que o fecha
aos valores evangélicos do desprendimento e da
austeridade, paralisando-o para a comunhão solidária
e a participação fraterna;
- a deterioração dos valores básicos
da família que desintegra a comunhão familiar,
eliminando a participação co-responsável
de todos os seus membros e tornando-os presa fácil
do divórcio e do abandono do lar. Em alguns grupos
culturais, a mulher encontra-se em condições
de inferioridade; - a degeneração da honradez
pública e privada; as frustrações,
o hedonismo que incita para os vícios: o jogo,
as drogas, o alcoolismo, a devassidão. Educação
e Comunicação Social como transmissores
de cultura.
- A educação tem progredido muito nos últimos
anos; tem aumentado a escolaridade, embora a deserção
seja ainda considerável; tem diminuído 0
analfabetismo, ainda que não suficientemente nas
regiões de população autóctone
e camponesa. Apesar deste progresso, há deformações
e despersonalizações devidas à manipulação
de grupos minoritários de poder, preocupados com
assegurar seus próprios interesses e impor suas
ideologias. - Os traços culturais que apresentamos
sofrem a pesada influência dos meios de comunicação
social. Através deles, os grupos de poder político,
ideológico e econômico penetram de modo sutil
no ambiente e no modo de viver do nosso povo. Há
manipulação das informações
por partes dos diversos poderes e grupos. Isto se concretiza
de modo particular no caso da publicidade. Esta introduz
falsas expectativas, cria necessidades fictícias
e muitas vezes contradiz os valores fundamentais de nossa
cultura latino-americana e do Evangelho. O uso indevido
da liberdade nestes meios leva a invadir o campo da vida.
íntima das pessoas, geralmente indefesas. Estes
meios penetram todas as áreas da vida humana (lar,
centros de trabalho, lugares de lazer, praças)
24 horas por dia. Por outro lado, levam a uma mudança
cultural que gera uma nova linguagem c49).
2.4. Raízes profundas destes fatos
Queremos indicar algumas das suas raízes mais profundas,
para oferecer nossa contribuição e cooperar
nas mudanças necessárias, a partir de uma
perspectiva pastoral que perceba mais diretamente as exigências
do povo:
a) A vigência de sistemas econômicos que não
consideram o homem como centro da sociedade, nem realizam
as profundas mudanças que se fazem necessárias,
para a construção de uma sociedade justa.
b) A falta de integração entre as nossas
nações que, entre outras conseqüências
graves, tem esta igualmente: apresentamo-nos como entidades
pequenas, sem peso de negociação, no conceito
internacional.
c) O fato da nossa dependência econômica,
tecnológica, política e cultural: a presença
de grupos multinacionais que muitas vezes velam por seus
próprios interesses à custa do bem do país
que os acolhe; a perda do valor de nossas matérias-primas
comparado com o preço dos produtos elaborados que
adquirimos.
d) A corrida armamentista, o grande crime de nosso tempo,
que é produto e causa de tensões entre países
irmãos. Ela faz com que se destinem muitos recursos
à compra de armas em vez de se empregarem na solução
de problemas vitais.
e) A falta de reformas estruturais na agricultura, adaptadas
a cada realidade e que enfrentem com decisão os
graves problemas sociais e econômicos dos camponeses:
o acesso à terra e aos meios que tornem possíveis
a melhoria da produtividade e da comercialização.
f) A crise de valores morais: a corrupção
pública e privada, a ganância do lucro desmedido,
a venalidade, a falta de esforço, a carência
de sentido social, de justiça vivida e solidariedade,
a fuga de capitais e de cérebros . . . tudo isso
enfraquece e até impede a comunhão com Deus
e a fraternidade.
g) Finalmente, nós, como pastores, sem pretender
determinar o caráter técnico destas raízes,
vemos que no mais profundo delas há um mistério
de pecado: a pessoa humana, convocada a dominar o mundo,
impregna os mecanismos da sociedade de valores materialistas.
2.5. Localização no interior de um continente
com graves problemas demográficos
Observamos que em quase todos os nossos países
se tem experimentado um acelerado crescimento demográfico.
É jovem a maioria de nossa população.
As migrações internas e externas levam a
um senso de desenraizamento. As cidades crescem desordenadamente,
com perigo de se transformarem em megalópoles incontroláveis:
é cada dia mais difícil oferecerem-se os
serviços básicos de alimentação,
hospitais, escolas, etc . . . exarcebando-se assim a marginalização
social, cultural e econômica. O aumento dos que
buscam trabalho foi mais rápido do que a capacidade
de dar emprego do próprio sistema econômico
atual. Há instituições internacionais
que propiciam e governos que aplicam ou apóiam
políticas de antinatalidade, contrárias
à moral familiar.
CAPÍTULO III
VISÂO DA REALIDADE ECLESIAL,
HOJE, NA AMÉRICA LATINA
3.1. Introdução
A visão da realidade que acabamos de apresentar
em seu contexto social mostra-nos que também o
povo latino-americano vai caminhando entre angústias
e esperanças, entre frustrações e
expectativas.
As angústias e frustrações, se as
consideramos à luz da fé, têm por
causa o pecado, cujas dimensões pessoais e sociais
são muito amplas. As esperanças e expectativas
de nosso povo nascem de seu profundo sentido religioso
e de sua riqueza humana. Como tem olhado a Igreja para
esta realidade? Como a tem interpretado? Tem descoberto,
pouco a pouco, a maneira certa de enfocá-1a, à
luz do Evangelho? Tem chegado a discernir os aspectos
em que ela ameaça destruir o homem, objeto do infinito
amor de Deus? Em que outros aspectos por sua vez, se tem
realizado a Igreja, progressivamente, de acordo com os
amorosos planos do Pai? Como é que ela se tem construído,
pouco a pouco, para realizar a missão salvadora
que o Senhor Jesus lhe confiou e que deve projetar-se
em situações concretas e atingir homens
concretos? Que tem feito ela, diante da realidade em constante
mutação, nos últimos dez anos?
Estas são as grandes perguntas que nos fazemos
a nós mesmos, como pastores e a que trataremos
de responder, a seguir, tendo presente que a missão
fundamental da Igreja é evangelizar, aqui e agora,
com os olhos voltados para o futuro.
3.2. Em face das mudanças
Até o instante em que nosso continente foi alcançado
e envolvido pela vertiginosa corrente de mudanças
culturais, sociais, econômicas, políticas
e técnicas da época moderna, o peso da tradição
ajudava a comunicação do Evangelho: o que
a Igreja ensinava do púlpito era ciosamente recebido
no lar e na escola e sustentado pelo ambiente social.
Hoje em dia já não acontece o mesmo. O que
a Igreja propõe é aceito ou não,
dentro de um clima de mais liberdade, com marcado sentido
crítico. Os próprios camponeses, antes fortemente
isolados, vão adquirindo agora espírito
de crítica em razão das facilidades de contato
com o mundo atual, que lhes são oferecidas pelo
rádio e pelos meios de transporte; e também
pelo trabalho conscientizador dos agentes de pastoral.
O crescimento demográfico excedeu a capacidade
que a Igreja tem, presentemente, de levar a todos a Boa
Nova. Também faltam os sacerdotes, escasseiam as
vocações sacerdotais e religiosas, houve
deserções, as Igrejas não contam
com leigos mais diretamente comprometidos nas funções
eclesiais, surgiram crises nos movimentos apostólicos
tradicionais. Os ministros da Palavra, as paróquias
e outras estruturas eclesiásticas são insuficientes
para satisfazer à fome de Evangelho sentida pelo
povo latino-americano. Os vazios têm sido preenchidos
por outros, o que tem levado, em não poucos casos,
ao indiferentismo e à ignorância religiosa.
Ainda não se conseguiu uma catequese que atinja
a vida integralmente.
O indiferentismo, mais do que o ateísmo, passou
a ser um problema enraizado em grandes setores dos grupos
intelectuais e profissionais, da juventude e até
da classe operária. A própria ação
positiva da Igreja em defesa dos direitos humanos e o
seu comportamento em relação aos pobres
têm levado grupos economicamente poderosos, que
se consideravam líderes do catolicismo, a se sentirem
como que abandonados pela Igreja, que, segundo eles, teria
deixado sua missão "espiritual". Há
muitos outros que se dizem católicos "à
sua maneira" e não acatam os postulados básicos
da Igreja. Muitos valorizam mais a própria "ideologia"
do que sua fé e pertença à Igreja.
Muitas seitas se têm mostrado clara e pertinazmente
não só anti-católicas, mas até
injustas contra a Igreja e têm procurado minar os
seus membros menos esclarecidos. Devemos confessar com
humildade que, em grande parte, até em determinados
setores da Igreja, uma falsa intepretação
do pluralismo religioso permitiu a propagação
de doutrinas errôneas e discutíveis sobre
a fé e a moral, produzindo confusão no povo
de Deus.
Todos estes problemas são agravadas pela ignorância
religiosa em todos os níveis, desde os intelectuais
até os analfabetos. Comprovamos, todavia, que tem
havido um progresso muito positivo através da catequese,
especialmente a de adultos.
A ignorância e o indiferentismo religioso levam
muitos a prescindir dos princípios morais, quer
pessoais quer sociais, e a fechar-se no ritualismo ou
na prática social de certos sacramentos e de exéquias,
como sinal de pertença à Igreja.
A secularização - que reivindica para os
afazeres terrenos uma autonomia legítima e que
pode contribuir para purificar as imagens de Deus e da
Religião - tem degenerado, com freqüência,
na perda do valor do religioso ou no secularismo que volta
as costas a Deus e lhe nega, a presença. na vida
pública. A imagem da Igreja como aliada dos poderes
deste mundo tem mudado na maior parte dos nossos países.
A firme defesa que ela tem feito dos direitos humanos
e seu compromisso com uma real promoção
social levou-a para mais perto do povo, embora, por outro
lado, ela tenha sido alvo da incompreensão ou do
afastamento de determinados grupos sociais.
Urgida pelo mandato de Cristo a pregar o Evangelho a toda
criatura e exigida pela imensidade desta tarefa e pelo
processo das transformações, a Igreja da
AL tem sentido a sua insuficiência humana e, ao
mesmo tempo, experimentado que o Espírito de Cristo
a move e inspira e compreendido que não lhe é
possível, sem cair em pecado de infidelidade à
sua missão, ficar na retaguarda e imóvel,
ante as exigências de um mundo em transformação.
Desde a I Conferência Geral do Episcopado, realizada
no Rio de Janeiro, em 1955, e que deu origem ao Conselho
Episcopal Latino-Americano (CELAM), e, ainda com mais
vigor, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência
de Medellin, a Igreja tem conquistado paulatinamente a
consciência cada vez mais clara e profunda de que
a evangelização é sua missão
fundamental e de que não é possível
o seu cumprimento sem que se faça o esforço
permanente para reconhecer a realidade e adaptar a mensagem
cristã ao homem de hoje, dinâmica, atraente
e convincentemente.
Pode-se dizer que, nesta atitude de busca, a Igreja da
AL desencadeou uma atividade quase febril e organizou,
em todos os níveis, reuniões de estudo,
cursos, institutos, encontros, jornadas sobre os mais
variados temas, todos orientados de algum modo para o
aprofundamento da mensagem e para o conhecimento do homem,
em suas situações concretas e em suas aspirações.
3.3. Em face do clamor por justiça
Do coração dos vários países
que formam a AL está subindo ao céu um clamor
cada vez mais impressionante. É o grito de um povo
que sofre e que reclama justiça, liberdade e respeito
aos direitos fundamentais dos homens e dos povos.
Há pouco mais de dez anos, a Conferência
de Medellin já apontava a constatação
deste fato, ao afirmar: "Um clamor surdo brota de
milhões de homens, pedindo a seus pastores uma
libertação que não lhes chega de
nenhuma parte" (Pobreza da. Igreja, 2).
O clamor pode ter parecido surdo naquela ocasião.
Agora é claro, crescente, impetuoso e, nalguns
casos, ameaçador.
A situação de injustiça que descrevemos
na parte anterior nos leva a refletir sobre o grande desafio
que nossa pastoral enfrenta para ajudar o homem a passar
de situações menos humanas a situações
mais humanas. As profundas diferenças sociais,
a extrema pobreza e a violação dos direitos
humanos - que ocorrem em muitas regiões - são
desafios lançados à evangelização.
Nossa missão de levar Deus até aos homens
e os homens até Deus implica também em construirmos
no meio deles uma sociedade mais fraterna. Esta situação
social não tem deixado de acarretar tensões
para o próprio seio da Igreja: tensões produzidas
ou por grupos que enfatizam "o espiritual" de
sua missão, ressentindo-so dos seus trabalhos de
promoção social ou por grupos determinados
a transformar a missão da Igreja em mero trabalho
de promoção humana. Fenômenos novos
que preocupam são a participação
de sacerdotes na política partidária não
apenas de maneira individual, como alguns já haviam
feito antes, mas também como grupos de pressão
ou a aplicação à atividade pastoral
feita em certos casos, por alguns deles, de análises
sociais com forte conotação política.
A consciência que a Igreja tem de sua missão
evangelizadora tem-na levado a publicar, nestes últimos
dez anos, numerosos documentos sobre a justiça
social; a criar organismos de solidariedade em favor dos
que sofrem, de denúncia contra as violações
e de defesa das direitos humanos; a encorajar a opção
de sacerdotes e religiosos pelos pobres e marginalizados;
a suportar em seus membros a perseguição
e, às vezes, a morte, como testemunho de sua missão
profética. Sem dúvida, há ainda muito
por fazer, para que a Igreja se mostre mais unida e solidária.
O temor do marxismo impede a muitos de enfrentar a realidade
opressiva do capitalismo liberal. Pode-se dizer que, diante
do perigo de um sistema claramente marcado pelo pecado,
as pessoas se esquecem de denunciar e combater a realidade
já implantada de outro sistema igualmente marcado
pelo pecado. É necessário prestar atenção
a este, sem esquecer as formas históricas, atéias
e violentas do marxismo.
Em face de si mesma, urgida por um povo que pede o pão
da Palavra de Deus e reclama a justiça, colocada
na atitude de escuta deste povo profundamente religioso
e, por isso mesmo, povo que coloca em Deus toda a sua
confiança,, a Igreja, nestes últimos dez
anos, tem realizado grandes esforços para dar uma
resposta pastoral adequada a esta situação.
Apesar do que foi indicado anteriormente, foram surgindo
e amadurecendo felizes iniciativas e experiências.
Se, de um lado, há famílias que se desagregam
e se destroem, corroídas pelo egoísmo. pelo
isolamento, pela ânsia de bem-estar, pelo divórcio
legal ou de fato, por outro lado, é certo que há
famílias que são verdadeiras "Igrejas
domésticas" em cujo seio se vive a fé
e na fé se educam os filhos e em que se dá
bom exemplo de amor, de entendimento mútuo e de
irradiação de amor ao próximo na
paróquia e na diocese.
Por um lado - não podemos negá-1o - produzem-se
dolorosos conflitos de geração entre pais
e filhos. Há jovens que procuram unicamente o prazer
ou a conquista de posições lucrativas e
de prestígio, imbuídos de uma filosofia
que é de "arrivismo" e de dominação.
Mas, por outro lado, graças à educação
que se realiza nas famílias e nos colégios
que renovaram seu sistema educativo, existem nos grupos
juvenis, jovens que vibram com o descobrimento de Cristo
e que vivem intensamente comprometidos com o próximo,
e particularmente com o pobre.
As comunidades eclesiais de base que em 1968 eram apenas
uma experiência incipiente amadureceram e multiplicaram-se
sobretudo em alguns países. Em comunhão
com os seus bispos e como o pedia Medellin, converteram-se
em centros de evangelização e em motores
de libertação e de desenvolvimento. A vitalidade
das CEBs começa a dar seus frutos; é uma
das fontes de onde brotam os ministérios confiados
aos leigos: animação de comunidades, catequese,
missão.
Em alguns lugares não se deu a atenção
conveniente ao trabalho de formação de CEBs.
É lamentável que em algumas partes interesses
visivelmente políticos as pretendam manipular e
afastar da autêntica, comunhão com seus bispos.
Florescem igualmente outros grupos eclesiais de cristãos
formados por leigos de um e outro sexo: à luz do
Evangelho eles refletem sobre a realidade que os rodeia
e buscam formas originais de exprimir sua fé na
palavra de Deus e de a pôr em prática.
Com estes grupos a Igreja se apresenta em pleno processo
de renovação da vida da paróquia
e da diocese, mediante uma catequese que é nova
não apenas na sua metodologia e no uso de meios
modernos, mas também na apresentação
do conteúdo que é vigorosamente orientado
no sentido de introduzir na vida motivações
evangélicas em busca do crescimento em Cristo.
A liturgia conseguiu notáveis purificações
de costumes simplesmente ritualistas. É celebrada
em paróquias renovadas e em grupos reduzidos -
participação pessoal e ativa tal como pede
a constituição Sacrosanctum Concilium do
Concílio Vaticano II. Lamentavelmente houve grupos
que reagiram contra a renovação. E outros
introduziram abusos. Para a celebração dos
sacramentos, apesar da resistência encontrada a
princípio, a Igreja já conseguiu o estabelecimento
e a aceitação, talvez com raras exceções,
de cursos catequéticos pré-sacramentais,
e na própria celebração, obteve também
a proclamação da Palavra. Com isto a vida
cristã se vai iluminando e aprofundando.
As dolorosas tensões doutrinais, pastorais, psicológicas
entre agentes pastorais de tendências diferentes,
embora ainda subsistam, vão sendo gradualmente
superadas, mediante a prática do diálogo
aberto e construtivo. Para se ajudarem e se sustentarem
mutuamente na vida espiritual de pastores, em muitos lugares,
os sacerdotes têm-se organizado em grupos. Não
raro, colaboram pastoralmente, nestes grupos, religiosos
e leigos.
A ajuda generosa que nossas Igrejas e o CELAM receberam
das Igrejas irmãs da Europa e da América
do Norte. em pessoal e recursos financeiros, tem contribuído
significativamente para o esforço evangelizador
de todo o Continente. Por esta ajuda exprimimos o nosso
agradecimento. Este fato é um sinal da caridade
universal da Igreja. O esforço para inserir esta
contribuição nos planos das Igrejas locais
constitui um sinal de respeito e comunhão.
Para concluir esta descrição da realidade
eclesial, queremos chamar a atenção para
o seguinte: na Igreja da AL está se vivendo a comunhão,
naturalmente com alguns vazios e deficiências em
diversos níveis.
Vive-se a comunhão em núcleos menores: a
comunhão das famílias cristãs nas
CEBs e nas paróquias. Realizam-se esforços
para uma intercomunicação das paróquias.
Vive-se a comunhão intermediária, a da Igreja
particular ou diocese, que serve de ligação
entre as bases menores e a universal. De igual modo, vive-se
a comunhão entre as dioceses, em nível nacional
e regional, comunhão que é expressa nas
Conferências Episcopais e em nível latino-americano,
no CELAM.
Existe a comunhão universal que nasce da vinculação
com a Sé Apostólica e com o conjunto das
Igrejas de outros continentes. A Igreja da AL tem consciência
de sua vocação específica, do papel
que desempenha e da contribuição que dá
para o conjunto da Igreja universal e para essa comunhão
de Igrejas que tem sua expressão culminante em
nossa adesão ao Santo Padre, Vigário de
Cristo e Supremo Pastor.
A atividade ecumênica, expressa no diálogo
e nos esforços conjuntos em favor da promoção
humana, inscreve-se no caminho que leva à unidade
desejada.
A revalorização da religiosidade popular,
apesar de seus desvios e ambigüidades, exprime a
identidade religiosa do povo. Ao purificar-se de eventuais
deformações, ela oferece um lugar privilegiado
à evangelização. As grandes devoções
e celebrações populares têm sido um
distintivo do catolicismo latino-americano; elas conservam
valores evangélicos e são sinal de pertença
à Igreja.
3.4. Estruturas de evangelização
As paróquias
Observa-se que a organização pastoral da
paróquia, seja territorial seja pessoal, depende
antes de tudo daqueles que a integram e da união
que existe entre seus membros como comunidade humana.
A paróquia rural acha-se geralmente identificada.,
em suas estruturas e serviços, com a comunidade
existente. Ela tem procurado criar e coordenar CEBs que
correspondam aos grupos humanos dispersos na área
paroquial. As paróquias urbanas, por sua vez, assoberbadas
pelo número de pessoas que devem atender, têm-se
visto na necessidade de dar maior ênfase ao serviço
litúrgico e sacramental. Torna-se cada vez mais
necessária a multiplicação de pequenas
comunidades territoriais ou ambientais que correspondam
a uma evangelização mais personalizante.
A escola
Este é um lugar de evangelização
e comunhão. O número de escolas e colégios
católicos tem diminuído em proporção
com as exigências da comunidade, mas por outro lado,
existe maior consciência da necessidade da presença
de cristãos comprometidos com as estruturas educativas
estatais e particulares que não pertençam
à Igreja. Os centros educativos católicos
abrem-se cada dia mais para todos os setores da sociedade.
3.5. Ministérios e carismas i3ispos
A imagem e a situação do bispo mudou talvez
nestes últimos anos. Percebe-se maior espírito
de colegialidade entre os bispos e maior corresponsabilidade
com o clero, religiosos ou religiosas e com os leigos,
sobretudo em nível de Igreja particular, embora
seja de lamentar que nem sempre se tenha em conta a necessária
coordenação regional ou nacional.
Hoje, de maneira especial, pede-se ao bispo um testemunho
evangélico pessoal, maior aproximação
dos sacerdotes e do povo. Sem nenhuma dúvida, atualmente
há mais simplicidade e pobreza na forma de vida
dos bispos. .
A multiplicação de dioceses favoreceu o
contato entre o bispo e a comunidade diocesana.
Presbíteros
A escassez de sacerdotes é alarmante, embora em
alguns países se verifique o ressurgimento das
vocações. Os sacerdotes vivem sobrecarregados
de trabalho pastoral sobretudo onde não tem havido
suficiente abertura aos ministérios confiados aos
leigos e a cooperação com a missão
dos sacerdotes. É alentador o espírito de
sacrifício de muitos presbíteros que assumem
corajosamente a solidão e o isolamento sobretudo
no mundo rural. Todavia ainda persistem métodos
pastorais inadaptados às circunstâncias atuais
e à pastoral orgânica.
Na formação sacerdotal, embora haja insuficiência
numérica de formadores, não têm faltado
experiências valiosas; em alguns casos tem havido
exageros que se vão superando.
Diáconos permanentes
O diácono permanente é algo de novo em nossas
Igrejas. São bem aceitos em suas comunidades, mas
o número é ainda muito pequeno. Embora as
CEBs sejam o ambiente adequado para o surgimento de diáconos,
na maioria, algumas tarefas pastorais se confiam antes
a leigos (delegados da Palavra, catequistas, etc...).
Vida consagrada
A vida consagrada oferece uma grande força para
a evangelização da AL. Tem vivido um bom
período tentando definir sua identidade e seu carisma,
reinterpretando-o no contexto das novas necessidades e
de sua inserção no conjunto da pastoral
diocesana.
Os religiosos em geral conseguiram a própria renovação;
cresceram as relações pessoais em nível
de comunidade e também entre as diferentes famílias
religiosas. Aumentou sua presença. nas regiões
pobres e difíceis. São religiosos que têm
a seu encargo a maioria das missões indígenas.
Em certas ocasiões houve conflitos no seio dos
religiosos, causados pela maneira de se integrarem na
pastoral de conjunto ou por causa da inserção
insuficiente; também por falta de apoio comunitário
e de preparação para o trabalho social ou
pela carência de maturidade para viver experiências
novas.
As comunidades contemplativas, baluarte espiritual da
vida diocesana, passaram também por um período
de crise. Agora, em vários países, elas
assistem a um grande reflorescimento de vocações.
Os institutos seculares também têm florescido
em nosso Continente.
Leigos O seu sentido de pertença. à Igreja
aumentou em toda parte, não só pelo compromisso
eclesial mais estável, mas também por sua
participação mais ativa nas assembléias
litúrgicas e nas tarefas apostólicas. Em
muitos países as CEBs são prova desta incorporação
e deste desejo de participação. O compromisso
do laicato com o temporal, tão necessário
para a mudança de estruturas, tem sido insuficiente.
Em geral, poder-se-ia dizer que há uma valorização
maior da necessária participação
do laicato na vida da Igreja.
A mulher merece uma menção especial: tanto
a religiosa quanto a dos institutos seculares e as simples
leigas participam atualmente, cada vez mais, das tarefas
pastorais, embora, em muitos lugares, ainda exista o medo
desta participação.
CAPÍTULO IV
TENDENCIAS ATUAIS E EVANGELIZAÇAO NO FUTURO
4.1. Na sociedade
Olhando para o mundo atual com olhos de pastores, comprovamos
algumas tendências que não podemos deixar
de levar em conta:
A AL continuará mantendo um ritmo acelerado de
aumento de população e de concentração
nas cidades grandes. Tornar-se-ão mais agudos os
problemas que afetam os serviços públicos.
A população vai ser majoritariamente jovem
e terá dificuldade crescente em encontrar local
de trabalho. Por outro lado, a sociedade do futuro apresenta-se
mais aberta e pluralista; por outro, é submetida
ao influxo cada vez maior dos ditames dos meios de comunicação,
que irão programando cada vez mais a vida do homem
e da sociedade.
Parece que a programação da vida social
corresponderá cada dia mais aos modelos buscados
pela tecnocracia, sem correspondência com os anseios
de uma ordem internacional mais justa, em face da tendência
à cristalização das desigualdades
do momento.
No quadro internacional, vai-se tomando consciência
da limitação dos recursos do nosso planeta
e da necessidade de sua racionalização.
Alguns querem reduzir a população, sobretudo
nos países pobres; outros propõem a "prosperidade
racionada", isto é, uma sobriedade compartilhada
em vez da riqueza crescente não compartilhada.
Em face destas tendências, sentimo-nos solidários
com o povo da AL, do qual fazemos parte, e com sua história.
Queremos perscrutar suas aspirações, tanto
as que ele exprime claramente quanto as que apenas balbucia
e que nos parece serem estas:
- Uma qualidade de vida mais humana, sobretudo por sua
irrenunciável dimensão religiosa; sua busca
de Deus, do Reino que Jesus Cristo nos trouxe, que, às
vezes, é intuído confusamente pelos mais
pobres, com um vigor privilegiado.
- Uma distribuição mais justa dos bens e
das oportunidades; e trabalho justamente remunerado, que
permita o sustento digno de todos os membros da família
e que reduza a brecha existente entre o luxo desmedido
e a indigência.
- Uma convivência social fraterna. na qual se fomentem
e tutelem os direitos humanos; em que as metas a serem
alcançadas se decidam pelo cone senso e não
pela força ou violência; em, que ninguém
se sinta ameaçado pela repressão, pelo terrorismo,
pelos seqüestras e pela tortura.
- Mudanças estruturais que assegurem uma situação
de justiça para as grandes maiorias.
- Que se levem em conta todos os cidadãos e que
eles sejam considerados pessoas responsáveis e
sujeitos da história, com capacidade de participar
livremente das opções políticas,
sindicais etc. e da eleição de seus governantes.
- Que todos participem da produção e compartilhem
os progressos da ciência e da técnica moderna,
tendo também acesso à cultura e ao lazer
digno.
Tudo isso levará a uma maior integração
de nossas populações, em consonância
com as tendências universais para uma sociedade,
como sói dizer-se, mais global e planetária,
potenciada por meios de comunicação de amplíssimo
alcance. Mas, enquanto houver grandes setores da população
que não chegue a satisfazer a estas aspirações
legítimas, e outros a conseguem com excesso, os
bens reais do mundo moderno equivalem a fontes de frustrações
crescentes e de trágicas tensões. O contraste
notório e provocante entre os que nada possuem
e os que ostentam sua opulência é um obstáculo
insuperável a que se estabeleça o reinado
da paz.
Se não mudarem as tendências atuais, continuará
a deteriorar-se a relação do homem com a
natureza pela exploração irracional de seus
recursos e a contaminação do ambiente, com
o aumento de graves prejuízos para o homem e para
o equilíbrio ecológico.
O homem de hoje aspira, promovendo o bem universal e realizando-se
completamente, a ter a liberdade de viver e de exprimir
sua fé.
Numa palavra, nosso povo deseja uma libertação
integral que não se esgote no quadro de sua existência
temporal, mas que se projete na plena comunhão
com Deus e com os irmãos na eternidade, comunhão
que já se começa a realizar, embora imperfeitamente,
na história.
4.2. Na Igreja
A Igreja, através de sua, atuação
e de sua doutrina social, faz suas estas aspirações
do homem latino-americano. Basta recordar, aqui, o vigoroso
apelo da Conferência de Medellin que exprimiu a
vontade de fazer que o anúncio do Evangelho consiga
desencadear entre nós toda a sua força de
fermento transformador.
Esta Conferência, reiterando aquele apelo, quer
pôr a serviço dos nossos povos os recursos
de uma ação pastoral adaptada às
circunstâncias presentes.
A Igreja, cada vez mais, faz questão de ser independente
dos poderes deste mundo, para assim dispor de um amplo
espaço de liberdade que lhe permita realizar seu
labor apostólico, sem interferências estranhas:
o exercício do culto, a educação
da fé e o desenvolvimento das variadíssimas
atividades que levam os fiéis a traduzir em sua
vida privada, familiar ou social, os imperativos morais
que emanam esta mesma fé. Assim, livre de compromissos,
apenas com seu testemunho de ensino, a Igreja merecerá
mais credibilidade e será melhor ouvida. Desta
maneira, será evangelizado o próprio exercício
do poder em ordem ao bem comum.
A Igreja acompanha com profunda simpatia a procura realizada
pelos homens; sintoniza com seus anseios e esperanças,
e não aspira a outra coisa senão servi-tos,
alentando seus esforços e iluminando seus passos,
fazendo-os conhecer o valor transcendente de sua, vida
e de sua ação.
A Igreja assume a defesa dos direitos humanos e se solidariza
com os que lutam por eles. A esse propósito nos
apraz recordar, aqui, por seu especial valor, dentro da
ampla doutrina sobre a matéria, o discurso de S.S.
João Paulo II ao Corpo Diplomático, de 20
de outubro de 1978: "A Santa Sé atua nesta
esfera sabendo que a liberdade, o respeito à vida
e à dignidade das pessoas - que jamais são
instrumento - a igualdade de tratamento, a consciência
profissional no trabalho e a procura solidária
do bem comum, o espírito de reconciliação,
a abertura aos valores espirituais, são exigências
fundamentais da vida harmoniosa em sociedade, do progresso
dos cidadãos e de sua civilização".
A Igreja tem intensificado seu compromisso com os setores
desfavorecidos financeiramente, advogando sua promoção
integral. Esta atitude dá alguns a impressão
de que ela deixa de lado as classes abastadas.
Acentua melhor o valor evangélico da pobreza que
nos faz disponíveis para a construção
de um mundo mais justo e mais fraterno. Sente vivamente
a situação penosa dos que não possuem
o necessário para viver uma vida digna. Convida
a todos a transformar suas mentes e corações
segundo a escala de valores do Evangelho.
A Igreja confia mais na força da verdade e na educação
para a liberdade e a responsabilidade do que em proibições,
já que sua lei é o amor.
4.3. Evangelização no futuro
A evangelização dará prioridade à
proclamação da Boa Nova, à catequese
bíblica e à celebração litúrgica,
como resposta à crescente ânsia do povo pela
Palavra de Deus.
Procurará com o máximo empenho salvar a
unidade, porque Deus o quer e também para aproveitar
todas as energias disponíveis, concentrando-as
num plano orgânico de pastoral de conjunto, evitando-se
assim a dispersão infecunda de esforços
e serviços. Esta pastoral se apresenta em diversos
níveis: diocesano, nacional, continental.
Dará importância à pastoral urbana
com a criação de novas estruturas eclesiais,
que, sem desconhecer a validade da paróquia renovada,
permitam que se enfrente a problemática apresentada
pelas enormes concentrações humanas de hoje.
Também multiplicará esforços para
atender melhor à pastoral do campo.
Empenhar-se-á em recrutar novos agentes de pastoral,
tanto clérigos quanto religiosos e leigos. Adaptará
a formação destes agentes às exigências
das comunidades e dos ambientes:
Enfatizará a importância dos leigos, tanto
quando desempenham ministérios na Igreja e para
a Igreja, como quando, cumprindo a missão que lhes
é própria, são enviados, como vanguarda
sua, ao meio do mundo, para refazerem, de acordo com o
plano de Deus, as estruturas sociais, econômicas
e políticas.
Para formar os leigos e dar-lhes sólido apoio em
sua vida e ação, procurará incorpora-los
às organizações e movimentos apostólicos
e potenciará todos os seus instrumentos de formação,
de modo particular os que são próprios do
campo da cultura. Somente assim é que se obterá
um laicato amadurecido e evangelizador.
Reconhecerá a validade da experiência das
CEBs e estimulará seu desenvolvimento em comunhão
com os pastores.
A Igreja terá de empenhar-se decididamente em educar
a fé cristã do povo simples, naturalmente
religioso, e o preparará, de forma adequada, para
receber os sacramentos.
A Igreja dará maior importância aos meios
de comunicação social e empregá-los-á
para a evangelização.
Tanto o CELAM com todos os seus serviços quanto
as Conferências Gerais do Episcopado latino-americano
são uma. expressão da integração
pastoral da Igreja da AL. Esta integração
se deverá ir acentuando para benefício das
Igrejas particulares.
A voz coletiva dos episcopados tem despertado interesse
crescente na opinião pública, embora encontrando
freqüentes reservas em determinados setores dominantes
que têm pouca, sensibilidade social, e isto é
sinal de que a Igreja está ocupando seu lugar de
Mãe e Mestra de todos.
De qualquer forma, a Igreja deve estar disposta a assumir
com coragem e alegria as conseqüências de sua
missão, que o mundo nunca aceitará sem resistência.
SEGUNDA PARTE
DESÍGNIO DE DEUS SOBRE
A REALIDADE DA AMÉRICA LATINA
A Igreja na AL sente-se íntima
e realmente solidária com todo o povo do Continente
5'. Esteve, durante quase cinco séculos, a seu
lado e em seu coração. Não pode não
estar, agora, nesta encruzilhada da história.
Depois de termos olhado, como pastores, com os olhos da
fé e do coração, a realidade do nosso
povo, perguntamo-nos neste momento: Qual será o
desígnio de salvação que Deus dispôs
para a AL? Quais os caminhos de libertação
que ele nos apresenta?
Sua Santidade João Paulo II deu-nos a resposta:
a Verdade a respeito de Cristo, da Igreja e do Homem.
Meditamos sobre ela, tendo como pano de fundo as aspirações
e sofrimentos de nossos irmãos latino-americanos.
Evangelizados pelo Senhor em seu Espírito, somos,
enviados para levar a Boa Nova a todos os irmãos
especialmente aos mais pobres e esquecidos. Esta empresa
evangelizadora nos conduz à plena conversão
e comunhão com Cristo, na Igreja; ela impregnará
nossa cultura; levar-nos-á à autêntica
promoçâo de nossas comunidades e a uma presença
crítica e orientadora diante das ideologias e políticas
que condicionem a sorte de nossas nações.
CONTEÚDO
Capítulo I. Conteúdo da evangelização
Capítulo II. O que é evangelizar?
CAPÍTULO I
CONTEÚDO DA EVANGELIZAÇÃO
Queremos agora iluminar a
nossa angústia pastoral com a luz da verdade que
nos torna livres. Não é uma verdade que
possuamos como de próprio. Ela vem de Deus. Diante
do seca esplendor, fazemos a experiência da nossa
pobreza. Propomos agora anunciar as verdades centrais
da evangelização: Cristo, nossa esperança,
está no meio de nós, como enviado do Pai,
animando com seu Espírito a Igreja e oferecendo
sua palavra e sua vida ao homem de hoje, para levá-1o
à sua libertação integral.
A Igreja, mistério de comunhão, povo de
Deus a serviço dos homens, continua sendo evangelizada
através dos tempos e levando a todos a Boa Nova.
Maria é, para a Igreja, motivo de alegria e fonte
de inspiração por ser a estrela da Evangelização
e a Mãe dos povos da AL.
O Homem, por sua dignidade de imagem de Deus, merece nosso
compromisso em favor de sua libertação e
realização total em Cristo Jesus. Só
em Cristo se revela a verdadeira grandeza e só
nele é que se conhece, em plenitude, a realidade
mais profunda do homem. Por isso, nós, pastores,
falamos ao homem e lhe anunciamos a alegria de se ver
assumido e enaltecido pelo próprio Filho de Deus,
o qual quis participar com este próprio homem das
alegrias, dos trabalhos e sofrimentos desta vida e da
herança de uma vida eterna.
1. A VERDADE A RESPEITO DE CRISTO, O SALVADOR QUE ANUNCIAMOS
1.l. Introdução
A pergunta fundamental do Senhor: "E vós quem
dizeis que sou?" (Ml 16, 15), dirige-se permanentemente
ao homem latino-americano. Hoje, como ontem, poderiam
registrar-se diversas respostas. Nós, que somos
membros da Igreja, só temos uma, a de Pedro: "Tu
és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (Ml 16,
16).
Profundamente religioso ainda antes de ser evangelizado,
o povo latino-america,no, na sua grande maioria, crê
em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Entre outras, são expressão desta fé
os múltiplos atributos de poder, salvação
ou consolo que o povo lhe atribui; os títulos de
juiz e de rei que lhe dá; as invocações
que o vinculam a lugares e regiões; a devoção
ao Cristo padecente, ao seu nascimento no presépio
e à sua morte na cruz; a devoção
ao Senhor ressuscitado; e, mais ainda, a piedade para
com o Sagrado Coração e sua presença
real na eucaristia, manifestada nas primeiras comunhões,
na adoração noturna, na procissão
do Corpo de Deus e nos Congressos Eucarísticos.
Estamos conscientes de nossa insuficiente proclamação
do Evangelho e das carências do nosso povo em sua
vida de fé. No entanto, herdeiros de quase 500
anos de história evangelizadora e dos esforços
realizados principalmente depois de Medellin, vemos com
prazer que o abnegado trabalho do clero e das congregações
religiosas, o desenvolvimento das instituições
católicas e dos movimentos apostólicos dos
leigos, dos grupos de jovens e das comunidades eclesiais
de base têm produzido, em numerosos setores do povo
de Deus, uma aproximação maior ao Evangelho
e a busca da face sempre nova de Cristo, que cumula seus
legítimos anseios de libertação integral.
Isto não se realiza sem problemas. Colocados entre
os esforços para apresentar Cristo como força
motora da nossa história e inspiradora da verdadeira
mudança social e as tentativas de limitá-1o
ao campo da consciência individual, cremos necessário
esclarecer o seguinte:
É dever nosso anunciar claramente, sem deixar dúvidas
ou equívocos, o mistério da Encarnação:
tanto a divindade de Jesus Cristo, tal como professa a
fé da Igreja, quanto a realidade e a força
de sua dimensão humana, e histórica.
Devemos apresentar Jesus de Nazaré compartilhando
a vida, as esperanças e as angústias do
seu povo e mostrar que ele é o Cristo, crido, proclamado
e celebrado pela Igreja.
A Jesus de Nazaré, consciente de sua missão:
anunciador e realizador do Reino e fundador de sua Igreja,
a qual tem Pedro como alicerce visível Jesus Cristo
vivo, presente e atuante na, Igreja e na história.
Não podemos desfigurar, parcializar ou ideologizar
a pessoa de Jesus Cristo, nem fazendo dele um político,
um líder, um revolucionário ou um simples
profeta, nem reduzindo ao campo do meramente privado Aquele
que é o Senhor da História.
Fazendo eco ao discurso do Santo Padre ao inaugurar nossa
Conferência, afirmamos: "Qualquer silêncio,
esquecimento, mutilação ou inadequada acentuação
da integridade do mistério de Cristo que se aparte
da fé da Igreja, não pode ser conteúdo
válido da evangelização". Uma
coisa são as "releituras do Evangelho, resultado
de especulações teóricas" e
"as hipóteses, talvez brilhantes porém
frágeis e inconsistentes que delas derivam"
e outra a "afirmação da fé da
Igreja: Jesus Cristo Verbo e Filho de Deus, se faz homem
para aproximar-se do homem e presenteá-1o, pela
força de seu mistério, com a salvação,
grande dom de Deus" (João Paulo II, Discurso
Inaugural I, 4. I, 5 AAS LXXI, p. 190, 191).
Vamos falar de Jesus Cristo. Vamos proclamar, uma vez
mais a verdade da fé a respeito de Cristo. Pedimos
a todos os fiéis que acolham esta doutrina libertadora.
Seu próprio destino temporal e eterno está
ligado ao conhecimento na fé e ao seguimento no
amor daquele que, pela efusão de seu Espírito,
nos torna capazes de imitá-1o a Ele a quem chamamos
e que é de fato o Senhor e o Salvador.
Solidários com os sofrimentos e as aspirações
do nosso povo, sentimos a urgência de lhe dar o
que é nosso especificamente: o mistério
de Jesus de Nazaré, filho de Deus. Sentimos que
esta é a "Força de Deus" (Rm 1,
16), capaz de transformar nossa realidade pessoa? e social
e de encaminhá-1a para a liberdade e a fraternidade,
para a manifestação plena do Reino de Deus.
1.2. O homem "criado maravilhosamente"
A Sagrada Escritura nos ensina que não somos nós,
os homens, os que amamos primeiro. Foi Deus que primeiro
nos amou: Ele planejou e criou o mundo em Jesus Cristo,
sua própria imagem m criada. Ao fazer o mundo,
Deus criou os homens para que participássemos desta
comunidade divina de amor: o Pai com seu Filho Unigênito
no Espírito Santo.
Este desígnio divino, que, para o bem dos homens
e para a glória da imensidade de seu amor, o Pai
concebeu no Filho antes da criação do mundo
(Et 1,9), ele no-1o revelou, de acordo com o projeto misterioso
que tivera de levar até à plenitude a história
dos homens, realizando por meio de Jesus Cristo a unidade
do universo, tanto terrestre quanto celeste 63
O homem, eternamente idealizado e eternamente eleito 6
em Jesus Cristo, devia realizar-se como imagem criada
de Deus, refletindo em si mesmo e na convivência
com seus irmãos, o mistério divino da comunhão,
através de uma atuação que chegasse
a transformar o mundo. Assim, devia ter na terra o lar
de sua felicidade e não um campo de batalha, em
que reinasse a violência, o ódio, a exploração
e a escravidão.
1.3. Do Deus verdadeiro aos ídolos falsos
O homem, porém, já desde o início
rejeitou o amor de seu Deus. Não teve interesse
pela comunhão com ele. Quis construir, prescindindo
de Deus, um reino neste mundo. Em vez de adorar ao Deus
verdadeiro adorou os ídolos, as obras de suas mãos,
as realidades deste mundo; adorou-se a si próprio.
Por isso o homem se dilacerou interiormente. Penetraram
no mundo o mal, a morte e a violência, o ódio
e o medo. Estava destruída a convivência
fraterna.
Rompido assim pelo pecado o eixo primordial que submete
o homem ao domínio amoroso do Pai, irromperam todas
as escravidões. A realidade latino-americana faz-nos
experimentar amargamente, até aos extremos limites,
esta força do pecado que é a contradição
flagrante do plano de Deus.
1.4. A promessa
No entanto Deus pai não abandonou o homem ao poder
do seu pecado. Uma e outra vez reinicia com ele o diálogo.
Convida homens concretos para uma aliança, a fim
de construírem o mundo partindo da fé e
da comunhão com ele, aceitando ser os seus colaboradores
no seu desígnio de salvação. A história
de Abraão e a eleição do povo de
Israel, a história de Moisés - libertação
do povo da escravidão do Egito e a aliança
do Sinai - a história de Davi e de seu reinado,
o cativeiro de Babilônia e o retorno à Terra
Prometida mostram-nos a mão poderosa de Deus Pai,
que anuncia, promete e começa a realizar a libertação
do pecado e de suas conseqüências em favor
de todos os homens.
1.5. "O Verbo se fez carne e habitou entre nós"
(Jo 1, 14 ) : A Encarnação
E chegou "a plenitude dos tempos" (G1 4, 4).
Deus Pai enviou ao mundo seu Filho Jesus Cristo, Senhor
nosso, Deus verdadeiro "nascido do Pai de todos os
séculos" e homem verdadeiro nascido da Virgem
Maria por obra do Espírito Santo. Em Cristo e por
Cristo une-se aos homens Deus Pai. O Filho de Deus assume
o humano e o criado e restabelece a comunhão entre
seu Pai e os homens. O homem conquista uma dignidade altíssima
e Deus irrompe na história do homem, isto é,
no peregrinar humano rumo à liberdade e à
fraternidade, que aparecem agora como caminho que leva
à plenitude do encontro com ele.
A Igreja da AL quer anunciar, portanto, a verdadeira face
de Cristo, porque nele resplandecem a glória e
a bondade do Pai que tudo prevê e a força
do Espírito Santo que anuncia a libertação
verdadeira e integral de todos e de calda um dos homens
do nosso povo.
1.6. Ditos e fatos: A vida de Jesus
Jesus de Nazaré nasceu e viveu pobre no meio do
seu povo de Israel compadeceu-se das multidões
e fez o bem a todos. Este povo, acabrunhado pelo pecado
a pela dor, esperava a libertação que ele
lhes prometeu. No meio dele Jesus anuncia.: "Completou-se
o tempo; chegou o Reino de Convertei-vos e crede no Evangelho"
(Mc 1, 15). Ungido pelo Espírito Santo para anunciar
o evangelho aos povos, para proclamar a liberdade dos
cativos, a recuperação da vista dos cegos
e a libertação dos oprimidos. Jesus nos
entrega e confia, com as Bem-aventuranças e o Sermão
da Montanha, a grande proclamação da Nova
Lei do Reino de Deus.
As palavras Jesus juntou os fatos: ações
prodigiosa5 e atitudes surpreendentes que mostram que
o Reino anunciado já se tornou presente, que ele
é o Sinal eficiente da nova presença do
Pai na história, o portador do poder transformante
de Deus, que sua presença desmascara o maligno,
que o amor de Deus redime e mostra o alvorecer de um homem
novo num mundo novo.
Entretanto as forças do mal rejeitam este serviço
de amor: é a incredulidade do povo e de seus parentes,
são as autoridades políticas e religiosas
de seu tempo e a incompreensão de seus próprios
discípulos. Acentuam-se então em Jesus os
traços dolorosos do "Servo de Javé",
de que se fala no livro do profeta Isaías (Is 53).
Com amor e obediência, total ao Pai, expressão
humana de seu eterno caráter de Filho, empreende
seu caminho de doação abnegada, repelindo
a tentação do poder político e todo
recurso à violência. Agrupa em torno de si
uns poucos homens tirados de diversas
categorias sociais e políticas de seu tempo. Embora
confusos e às vezes infiéis, move-os o amor
e o poder que dele irradiam: são constituídos
fundamento de sua Igreja, atraídos pelo Pai e iniciam
o caminho do seguimento de Jesus. Este caminho não
é auto-afirmação arrogante do saber
ou do poder do homem nem o ódio ou a violência,
mas a doação desinteressada e sacrificada
do amor. Amor que privilegia os pequenos, os fracos, os
pobres. Amor que congrega e integra a todos em uma fraternidade
que é capaz de abrir a rota de uma nova história.
Assim Jesus, de modo original, próprio, incomparável,
exige um seguimento radical que abrange o homem todo e
todos os homens, que envolve todo o mundo e o cosmo todo.
Esta radicalidade faz que a conversão seja um processo
nunca encerrado, tanto em nível pessoal quanto
em nível social. Porque, se o Reino de Deus passa
por realizações históricas, não
se esgota nem se identifica com elas.
1.7. O mistério pascal: morte e vida
Cumprindo o mandato recebido de seu Pai, Jesus entregou-se
livremente à morte na cruz, meta do caminho de
sua existência. O portador da liberdade e do gozo
do Reino de Deus quis ser a vítima decisiva da
injustiça e do mal deste mundo. A dor da criação
é assumida pelo Crucificado que oferece sua vida;
em sacrifício por todos: Sumo Sacerdote que pode
compartilhar as nossas fraquezas, Vítima Pascal
que nos redime de nossos pecados, Filho obediente que
encarna, perante a justiça salvadora de seu Pai,
o clamor de libertação e de redenção
de todos os homens.
Por isso o Pai ressuscita a seu Filho de entre os mortos:
Eleva-o gloriosamente à sua destra. Cumula-o com
a força vivificante do seu Espírito. Estabelece-o
como Cabeça de seu Corpo que é a Igreja.
Constitui-o Senhor do mundo e da história. Sua
ressurreição é sinal e penhor da
ressurreição a que todos estamos chamados
e da transformação final do universo. Por
ele e nele quis o Pai recriar o que havia antes criado.
Jesus Cristo, exaltado, não se apartou de nós.
Vive no meio de sua Igreja, especialmente na Sagrada Eucaristia
e na proclamação de sua palavra. Está
presente no meio dos que se reúnem em seu nome
e na pessoa dos pastores que envia; e quis identificar-se,
num gesto de ternura particular, com os mais fracos e
os mais pobres.
No centro da história humana fica assim implantado
o Reino de Deus, resplandecente na face de Jesus ressuscitado.
A justiça de Deus triunfou da injustiça
dos homens. Com Adão principiou a história
velha. Com Jesus Cristo, o novo Adão, principia
a história nova. Esta recebe o impulso indefectível
que levará todos os homens, transformados em filhos
de Deus pela eficácia do Espírito, a um
domínio do mundo cada dia mais perfeito, a uma
comunhão entre os irmãos cada dia melhor
realizada, à plenitude da comunhão e participação
que constituem a própria vida de Deus. Assim proclamamos
a Boa Nova da pessoa de Jesus Cristo aos homens da América
Latina, chamados a serem homens novos pela novidade do
batismo e da vida segundo o Evangelho '2, para sustentarem
seu esforço e revigorarem sua esperança.
1.8. Jesus envia seu Espírito de filiação
Cristo ressuscitado e exaltado à direita do Pai
infunde seu Espírito Santo sobre os apóstolos
no dia de Pentecostes e depois sobre todos os que foram
chamados '3.
A aliança nova que ele estabeleceu com seu Pai
interioriza-se pelo Espírito Santo, que nos dá
a lei da graça e da liberdade que ele próprio
escreveu em nossos corações. Por isso a
renovação dos homens e conseqüentemente
a da sociedade vai depender, em primeiro lugar, da ação
do Espírito de Deus. As leis e estruturas deverão
ser animadas pelo Espírito que vivifica os homens
e faz com que o Evangelho se encarne na história.
A América Latina, que desde as origens da evangelização
selou esta aliança com o Senhor, tem de renová-1a
agora e vivê-1a pela graça do Espírito
em todas as suas exigências de amor, de entrega
e de justiça.
O Espírito que encheu o mundo assumiu também
o que havia de bom nas culturas pré-colombianas.
Ele próprio as ajudou a receber o Evangelho. Ele
continua despertando, hoje, anseio de salvação
libertadora no coração de nossos povos.
Urge, por isso, descobrir sua presença autêntica
na história deste Continente.
1.9. Espírito de verdade e de vida, de amor e liberdade
O Espírito Santo é chamado por Jesus de
"Espírito de verdade" e é encarregado
de nos conduzir à verdade total. Dentro de nós
dá testemunho de que somos filhos de Deus e de
que Jesus ressuscitou e é "o mesmo ontem,
hoje e através dos séculos" (Hb 13,8)
. Por isso é que ele é o principal evangelizador,
que anima a todos os evangelizadores e os assiste para
que transmitam a verdade total, sem erros nem limitações.
O Espírito Santo é "doador de vida".
É água viva que jorra da fonte, Cristo,
que ressuscita aos que morreram pelo pecado e que nos
faz odiar o pecado, sobretudo em um momento de tanta corrupção
e desorientação como o atual.
Ele é Espírito de amor e liberdade. Ao enviar-nos
o Espírito de seu Filho, o Pai "difunde seu
amor em nossos corações" (Rom 5,5),
convertendo-nos do pecado e concedendo-nos a liberdade
de filhos. Esta liberdade vincula-se necessariamente à
filiação e à fraternidade. Quem é
livre segundo o Evangelho só se compromete com
ações que sejam dignas de Deus seu Pai e
dos homens seus irmãos. 1.10. O Espírito
reúne na unidade e enriquece na diversidade
Jesus Cristo, Salvador dos homens, difunde seu Espírito
sobre todos, sem acepção de pessoas. Quem,
ao evangelizar, exclui de seu amor ainda que seja uma
única, pessoa, não possui o Espírito
de Cristo. Por isso a ação apostólica,
tem de compreender a todos os homens, destinados a se
tornarem filhos de Deus.
"O Espírito Santo unifica na comunhão
e no ministério e provê sua Igreja com diversos
dons hierárquicos e carismáticos através
dos tempos, vivificando, como se fosse sua alma, as instituições
eclesiásticas" _(AG 4). Portanto, longe de
serem um obstáculo para a evangelização,
a hierarquia e as instituições são
instrumentos do Espírito e da graça.
Os carismas nunca estiveram ausentes da Igreja. Paulo
VI expressou sua complacência para com a renovação
espiritual que aparece nos meios e lugares mais diversos
e que leva à oração de alegria, à
união íntima com Deus, à fidelidade
ao Senhor e a uma profunda comunhão de almas. Do
mesmo modo procederam várias Conferências
Episcopais. Contudo esta renovação exige
dos pastores bom senso, orientação e discernimento,
para que se evitem exageros e desvios perigosos .
A ação do Espírito Santo chega também
àqueles que não conhecem a Cristo, pois
"o Senhor quer que todos os homens se salvem e cheguem
ao conhecimento da verdade" ( 1Tm 2,4 ) .
1.11. Consumação da desígnio de Deus
A vida trinitária, de que Jesus Cristo nos faz
participantes, somente na glória é que chegará
à plenitude. A Igreja, peregrina enquanto instituição
humana e terrena, reconhece com humildade seus erros e
pecados que obscurecem a face de Deus em seus filhos.
Mas está decidida a continuar sua atuação
evangelizadora a fim de permanecer fiel à sua missão
com a confiança posta na fidelidade de seu fundador
e no poder do Espírito. Jesus Cristo procurou sempre
a glória do Pai e consumou sua entrega a ele na
cruz. Jesus é "o Primogênito entre muitos
irmãos" (Rm 8,29). Ir ao Pai: nisto consistiu
o caminhar terreno de Jesus Cristo. A partir de então,
ir ao Pai é o caminhar terreno da Igreja, povo
de irmãos. Somente no encontro com o Pai acharemos
a plenitude que seria utópico procurar no tempo.
Enquanto a Igreja espera a união consumada com
seu esposo divino, "o Espírito e a Esposa
dizem: vem Senhor Jesus" (Ap 22,17-20).
1.12. Comunhão e participação
Depois da proclamação de Cristo que nos
revela o Pai e nos dá seu Espírito, chegamos
a descobrir as raízes últimas de nossa comunhão
e participação.
Revela-nos Cristo que a vida divina, é comunhão
trinitária. Pai, Filho e Espírito vivem,
em perfeita intercomunhão de amor, o mistério
supremo da unidade. Daqui procede todo amor e toda comunhão,
para a grandeza e dignidade da existência humana.
Por Cristo, único Mediador, participa a humanidade
da vida trinitária. Cristo hoje sobretudo por sua
atividade pascal, nos leva a participar do mistério
de Deus. Por sua solidariedade conosco, nos torna capazes
de vivificar pelo amor nossa atividade e transformar nosso
trabalho e nossa história em gesto litúrgico,
isto é, de sermos protagonistas com ele da construção
da convivência e das dinâmicas humanas que
refletem o mistério de Deus e constituem sua glória
que vive.
Por Cristo, com ele e nele, passamos a participar da comunhão
de Deus. Não há outro caminho que leve até
ao Pai. Vivendo em Cristo, chegamos a ser seu corpo místico,
seu povo, povo de irmãos, unidos pelo amor que
derrama em nossos corações o Espírito.
Esta é a comunhão à qual chama o
Pai por Cristo e por seu Espírito. Para ela se
orienta toda a história da salvação
e nela se consuma o desígnio amoroso do Pai que
nos criou.
A comunhão que se há de construir entre
os homens abrange-lhes todo o ser desde as raízes
do amor, e há de se manifestar em toda a sua vida,
até na sua dimensão econômica, social
e política.. Produzida pelo Pai, o Filho e o Espírito
é a comunicação de sua própria
comunhão trinitária. Esta é a comunhão
que as multidões de nosso Continente procuram com
ânsia, quando confiam na providência do Pai
ou confessam a Cristo como Deus Salvador, quando buscam
a graça do Espírito nos sacramentos da Igreja
e até quando traçam sobre si o sinal da
cruz "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo".
"Nesta comunhão trinitária do povo
e da família de Deus veneramos ao mesmo tempo e
invocamos a intercessão da Virgem Maria e a de
todos os Santos. Qualquer testemunho autêntico de
amor que oferecemos aos bem-aventurados se dirige por
sua própria natureza, a Cristo e, por Cristo, a
Deus" ( LG 50 ) .
A evangelização é um chamado à
participação na comunhão trinitária.
Qualquer outra comunhão, embora não constitua
o destino último do homem, é, animada pela
graça, primícias dela.
A evangelização leva-nos a participar dos
gemidos do Espírito, que quer libertar a criação
inteira. O Espírito que nos move para esta libertação
abre-nos o caminho para a unidade de todos os homens entre
si e de todos os homens com Deus, até que "em
todos Deus seja tudo" (lCor 15,28).
2. A VERDADE A RESPEITO DA IGREJA: O POVO DE DEUS SINAL
E SERVIÇO DE COMUNHÃO
Cristo que sobe até o Pai e se oculta aos olhos
da humanidade continua evangelizando visivelmente através
da Igreja, sacramento de comunhão dos homens no
único Povo de Deus, peregrino na história.
A este povo Cristo envia seu Espírito, "que
impele cada um a anunciar o Evangelho e que no fundo da
consciência faz aceitar e compreender a palavra
de salvação" (EN 75).
2.1. A Boa Nova de Jesus e a Igreja
Duas presenças inseparáveis
A presença viva de Cristo na história, na
cultura e em toda a realidade da AL é manifesta.
Tal presença, no sentir de nosso povo, está
unida inseparavelmente à presença da Igreja,
porque através dela é que o Evangelho de
Cristo ressoou em nossas terras. Esta experiência
contém, no seu íntimo, uma profunda intuição
de fé acerca da natureza profunda, da Igreja.
A Igreja e Jesus Evangelizador
A Igreja é inseparável de Cristo, porque
ele mesmo a fundou por um ato expresso de sua vontade,
sobre os doze, cuja cabeça. é Pedro, constituindo-a
sacramento universal e necessário de salvação.
A Igreja não é um "resultado"
posterior nem uma simples conseqüência "desencadeada"
pela ação evangelizadora de Jesus. Com certeza
nasce desta ação, mas de modo direto, pois
é v próprio Senhor que convoca seus discípulos
e lhes comunica o poder de seu Espírito, dotando
a comunidade nascente de todos os meios e elementos essenciais
que o povo católico professa como de instituição
divina.
Além disto, Jesus aponta sua Igreja como caminho
normativo. Não fica, pois, à discrição
do homem o aceitá-1a ou não, sem conseqüências:
"quem vos ouve a mim ouve; quem vos rejeita é
a mim que rejeita" (Lc 10,16 ) . Foi o que o Senhor
disse aos seus apóstolos. Por isto mesmo aceitar
a Cristo exige aceitar a sua Igreja (PO 40c). Esta é
parte do Evangelho, do legado de Jesus e objeto de nossa
fé, de nosso amor, de nossa lealdade. E isto que
manifestamos ao rezar: "Creio na Igreja, una, santa,
católica e apostólica".
Mas a Igreja cá também depositária
e transmissora do Evangelho. Prolonga na terra, fiel à
lei da encarnação visível, a presença
e a ação evangelizadora de Cristo. Com ele,
vive a Igreja para evangelizar. Esta ë sua felicidade
e vocação peculiar (EN 14) : proclamar aos
homens a pessoa e a mensagem de Jesus.
Esta Igreja é uma só: a que foi edificada
sobre Pedro e que o próprio Senhor denomina "minha
Igreja" (Ml 16,18). Só na Igreja católica
é que ocorre a plenitude dos meios de salvação
(UR 36), legados por Jesus aos homens, mediante os apóstolos.
Temos por isso, o dever de proclamar a excelência
de nossa vocação à Igreja Católica
(LG 14) . Estai, vocação é ao mesmo
tempo imensa graça e responsabilidade.
A Igreja e o Reino que anuncia Jesus
A mensagem de Jesus tem como centro a proclamação
do Reino, que nele mesmo se torna presente e chega, até
nós. Este Reino, sem ser uma realidade separável
da Igreja (LG 8a), transcende seus limites visíveis.
Porque se realiza de certo modo onde quer que Deus esteja
reinando mediante sua graça, seu amor, vencendo
o pecado e ajudando os homens a crescer até conseguir
a grande comunhão que lhes é oferecida em
Cristo. Esta ação Deus acontece também
no coração dos homens que vivem fora do
âmbito perceptível da Igreja. E isto não
significa de modo nenhum que a pertença à
Igreja seja diferente.
Por isso é que a Igreja recebeu por missão
anunciar e instaurar o Reino em todos os povos. Ela é
o sinal do Reino. Nela se manifesta de modo visível
o que Deus está realizando silenciosamente, no
mundo inteiro. É o lugar onde se concentra ao máximo
a ação do Pai, que, na força do Espírito
de amor, busca solícito os homens para partilhar
com eles - em gesto de ternura inexprimível a sua
própria vida trinitária. A Igreja é
também o instrumento que introduz o Reino entre
os homens, para conduzi-tos à sua meta definitiva.
"Ela constitui já na terra o germe e o princípio
desse Reino" ( LG 5 ) . Este germe deve crescer na
história sob o influxo do Espírito até
o dia em que "em todos Deus seja tudo" (lCor
15,28). Até então a Igreja permanecerá
perfectível sob muitos aspectos, necessitada de
permanente auto-evangelização, de maior
conversão e purificação.
Não obstante o Reino já se encontra nela.
A presença da Igreja em nosso Continente é
uma Boa Nova, porque ela, se bem que apenas em germe,
cumula plenamente as esperanças e os anseios mais
profundos dos nossos povos.
Nisto é que está o "mistério"
da Igreja: uma realidade humana feita de homens pobres
e limitados, mas penetrada pela presença insondável
e pela força do Deus trino que nela resplandece,
apela e salva.
Mas a Igreja de hoje ainda não é aquilo
que está chamada a ser. É importante ter
isto em conta para se evitar uma falsa visão triunfalista.
Mas, por outro lado, não se deve enfatizar demais
o que lhe falta, pois nela já está presente
e atuante, de modo eficaz, neste mundo, a força
que operará o Reino definitivo.
2.2. A Igreja vive em mistério de comunhão
como Povo de Deus
Nosso povo gosta de peregrinações. Nelas
o cristão simples celebra a felicidade de se sentir
imerso no meio de uma multidão de irmãos,
que caminham juntos para Deus que os espera. Este gesto
constitui um sinal e um sacramental esplêndido da
grande visão da Igreja, oferecida pelo Concílio
Vaticano II: a família de Deus concebida como Povo
de Deus, peregrina ao longo da história, caminhando
para o seu Senhor.
O Concílio realizou-se num momento difícil
para nossos povos da AL. Foram anos de problemas, de busca
ansiosa da própria identidade, anos marcados por
um despertar das massas populares, por tentativas de integração
da nossa América, anos precedidos pela fundação
do CELAM (1955) . Este preparou o ambiente do povo católico,
para abrir-se com certa facilidade a uma Igreja que também
se apresenta como "povo" e povo universal, povo
que penetra os outros povos, para ajuda-los a irmanar-se
e a crescer, rumo a uma grande comunhão, como essa
que a AL começava a vislumbrar. Medellin divulga
esta nova visão tão antiga quanto a própria
história bíblica.
Hoje, dez anos depois, a Igreja da AL encontra-se em Puebla
em condições ainda melhores para reafirmar,
cheia de alegria e de felicidade, sua realidade de Povo
de Deus. Neste período após Medellin, nossos
povos vivem momentos importantes de encontro consigo mesmos,
reencontram o valor de sua história, das culturas
indígenas e da religiosidade popular. No meio deste
processo descobre-se a presença desse outro povo
que acompanha com sua história os nossos povos
naturais. Começa-se a apreciar a contribuição
dele como fator unificante de nossa cultura que ele tão
ricamente fecunda com a seiva do Evangelho. Foi uma fecundação
recíproca, já que a Igreja consegue encarnar-se
em nossos valores originais e desenvolver, assim, novas
expressões da riqueza do Espírito.
A visão da Igreja, enquanto Povo de Deus, aparece
além disto como necessária para completar
o processo de transição que foi acentuado
em Medellin: transição de um estilo individualista
de se viver a fé para a grande consciência
comunitária para a qual o Concílio nos abriu
a todos.
O Povo de Deus é um povo universal. É a
família de Deus na terra, povo santo, povo que
peregrina na história, povo enviado.
A Igreja é um povo universal destinado a ser "luz
das nações" (Is 49,6; Lc 2,32) . Não
é constituído nem por raça nem por
língua nem por qualquer particularidade humana.
Nasce de Deus, pela fé em Jesus Cristo. Por isso
não entra em litígio com nenhum outro povo
e pode encarnar-se em todos eles, a fim de introduzir
em suas histórias o Reino de Deus. Assim "fomenta
e assume e, ao assumir, purifica, fortalece e eleva todas
as capacidades, riquezas e costumes dos povos no que têm
de bom" (LG 13 b).
Povo, Família de Deus
Nosso povo latino-americano chama espontaneamente o templo
material de "casa de Deus" porque intui que
ali se reúne a Igreja como "Família
de Deus". É a mesma expressão que a
Bíblia usa repetidamente e também o Concílio,
para exprimir a realidade mais profunda e íntima
do Povo de Deus (S1 60,8; Dt 32,8s; Ef 2,19; Rm 8,29).
Esta visão da Igreja toca profundamente o homem
da AL que tem em alta estima os valores da família
e que procura com ânsia, em face da frieza crescente
do mundo moderno, a maneira de salvá-los. Nota-se
uma reação em muitos países tanto
no despontar da pastoral familiar quanto na multiplicação
das CEBs, onde se torna possível - a nível
de experiência humana - uma intensa vivência
da realidade da Igreja como família de Deus.
Muitas paróquias e dioceses acentuam também
o aspecto familiar. Sabem que o latino-americano necessita
de uma família e que a procura e que desta maneira
encontrará na Igreja respostas para as suas necessidades.
Não se trata aqui de uma tática psicológica,
mas sim da fidelidade à própria identidade.
Porque a Igreja não é o lugar em que os
homens "se sentem", mas o lugar em que "se
fazem" - real, profunda, ontologicamente - "família
de Deus". Convertem-se verdadeiramente em filhos
do Pai em Jesus Cristo ", que os torna participantes
de sua vida, pelo poder do Espírito mediante o
batismo. Esta graça da filiação divina
é o grande tesouro que a Igreja deve oferecer aos
homens de nosso Continente.
Da filiação em Cristo nasce a fraternidade
cristã. O homem moderno não tem conseguido
construir uma fraternidade universal na terra, porque
procura uma fraternidade descentrada e sem origem comum.
Esqueceu que os homens só têm uma maneira
de se tornarem irmãos: reconhecer que p ,, cedem
do mesmo Pai.
A Igreja, família de Deus, é o lar onde
cada filho e cada irmão é também
senhor, destinado a participar do domínio de Cristo
sobre a criação e da história. Este
domínio deve ser aprendido e conquistado mediante
um continuado processo de conservação e
assimilação ao Senhor.
O fogo que dá vida à família de Deus
é o Espírito Santo. É ele que suscita
a comunhão de fé, esperança e caridade
ou amor, que constitui como que sua alma invisível,
sua dimensão mais profunda, a raiz do compartilhar
cristão em outros níveis. E, uma vez que
a Igreja é formada por homens dotados de corpo
e alma, a comunhão interior deve exprimir-se visivelmente.
A capacidade de compartilhar será sinal da profundidade
da comunhão interior e de sua credibilidade para
fora. Daí a gravidade e o escândalo de tudo
que é desunião na Igreja. Na Igreja é
que se julga a própria missão que Jesus
confiou à Igreja: sua capacidade de ser sinal de
que Deus quer por meio dela transformar os homens em família
sua.
Os problemas que afetam a unidade da Igreja provêm
da diversidade de seus membros. Esta multidão de
irmãos que cristo reuniu na Igreja não constitui
uma realidade monolítica. Eles vivem sua unidade
a partir da diversidade com que o Espírito presenteou
cada um, diversidade que se deve entender como colaboração
prestada à riqueza do todo.
Esta diversidade pode fundar-se simplesmente na maneira
de ser de cada um, na função que a cada
um corresponde no interior da Igreja e que distingue nitidamente
o papel da hierarquia do papel do laicato. Ou em carismas
mais especiais que o Espírito suscita como o da
vida religiosa ou outros parecidos. Por isso a Igreja
é como um corpo que, gerado constantemente, alimentado
e renovado pelo Espírito, cresce na direção
da plenitude de Cristo.
A força que assegura a coesão da família
de Deus no meio das tensões e dos conflitos é
em primeiro lugar a própria vitalidade de sua comunhão
na fé e no amor. Isto supõe não só
o desejo e a determinação da unidade, mas
também a coincidência na verdade plena de
Jesus Cristo. Também asseguram e constróem
a unidade da Igreja os sacramentos. A Eucaristia significa
nesta unidade a sua realidade mais profunda, pois congrega
o povo de Deus como família que participa de uma
única mesa onde a vida de Cristo, entregue sacrificalmente,
se faz a única vida de todos.
A Eucaristia orienta-nos de modo imediato para a hierarquia
sem a qual ela é impossível; porque foi
aos apóstolos que o Senhor deu o mandato de celebrá-1a
"em minha memória" (Lc 22,19). Os pastores
da Igreja, sucessores dos apóstolos, constituem
por isso mesmo o centro visível onde se constrói,
aqui na terra, a unidade da Igreja. Segundo o Concílio
o papel dos pastores é eminentemente paterno (LG
28; CD 16; PO 9). Torna-se então evidente que acontece
na Igreja o que acontece em toda família: a unidade
dos filhos se realiza - fundamentalmente - na direção
do alto. Quando a comunicação com a Igreja
se enfraquece e até se rompe, são também
os pastores os ministros sacramentais da reconciliação.
Este caráter paterno não deixa que ninguém
esqueça que os pastores estão no interior
da família de Deus a serviço desta família.
São irmãos chamados a cuidar da vida que
o Espírito suscita, livremente, nos demais irmãos.
É dever dos pastores respeitar esta vida, acolhê-1a,
orientá-1a e promovê-1a, ainda que tenha
nascido independentemente da iniciativa deles. Por isso
é necessário cuidado para "não
extinguir o Espírito nem desprezar a profecia"
(1Ts 5,19). Os pastores vivem para os outros. "Para
que tenham a vida e a tenham em abundância"
( Jo 10,10 ) . Tarefa de unidade não significa
exercício de poder arbitrário. Autoridade
é serviço prestado à, vida. Estes
serviços dos pastores inclui o direito e o dever
de corrigir e decidir, com a clareza e a firmeza que sejam
necessárias.
Povo Santo
Povo de Deus, em que habita o Espírito, é
também um Povo Santo. Mediante o batismo, o próprio
Espírito o tornou participante da vida divina,
o ungiu como povo messiânico e o revestiu da Santidade
da vida divina recebida. Esta santidade recorda ao Povo
de Deus a dimensão vertical e constituinte da sua
comunhão. É um povo que não apenas
nasce de Deus, mas também se orienta para ele,
como povo consagrado, para render-lhe culto a glória.
O Povo de Deus aparece assim como o seu templo vivo, morada
de sua presença entre os homens. Nele, nós
cristãos somos pedras vivas.
Os cidadãos deste povo devem caminhar na terra,
fias como cidadãos do céu, com seu coração
enraizado em Deus, através da oração
e da contemplação. Esta atitude não
significa fuga diante do terreno, mas sim condição
para uma entrega fecunda aos homens. Porque quem não
aprendeu a adorar a vontade do Pai no silêncio da
oração, dificilmente conseguirá fazê-1o
quando sua condição de irmão lhe
pedir renúncia, dor ou humilhação.
O culto que Deus nos pede - expresso na oração
e na liturgia - prolonga-se na vida cotidiano através
do esforço que se faz para converter tudo em oferenda
e oblação. Como membros de um povo já
santificado pelo batismo, somos chamai dos, nós
cristãos, a manifestar esta santidade. "Sede
perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito"
( Mt 5,48 ) . Esta santidade exige o cultivo tanto das
virtudes sociais como da moral pessoal. Tudo o que atenta
contra a dignidade do corpo humano que é chamado
a ser templo de Deus implica profanação
e sacrilégio e entristece o Espírito. Vale
isto para o homicídio e a tortura, mas também
para a prostituição, para a pornografia,
o adultério, o aborto e qualquer outro abuso sexual.
Neste mundo não conseguirá nunca a Igreja
viver, em plenitude, sua vocação universal
para a santidade. Permanecerá sempre composta de
justos e pecadores. Mais: pelo coração de
cada cristão passa a linha que divide a parte que
temos de justos da que temos de pecadores.
Povo Peregrino
A Igreja, concebendo-se como povo, se define como uma
realidade no seio da história que caminha para
uma meta ainda n.o alcançada.
Por ser um povo histórico, a natureza da Igreja
exige visibilidade em nível de estrutura social.
O Povo de Deus considerado como "família"
já tinha a conotação de uma realidade
visível, porém num plano eminentemente vital.
A acentuação do caráter histórico
sublinha a necessidade que há de se exprimir tal
realidade como instituição.
Este caráter social institucional se manifesta
na Igreja através de uma estrutura visível
e clara que ordena a vida de seus membros, determina suas
funções e relações, seus direitos
e deveres. A Igreja enquanto Povo de Deus reconhece apenas
uma autoridade: Cristo. Ele é o pastor que a guia.
Todavia os laços que a prendem a ele são
muito mais profundos do que os de um simples trabalho
de direção. Cristo é a autoridade
da Igreja no sentido mais profundo da palavra, porque
é seu autor. Porque é fonte de sua, vida
e unidade, sua cabeça. Esta capitalidade é
a misteriosa relação vital que o vincula
a todos os seus membros. Por isso a participação
de sua autoridade aos Pastores ao longo da, história
nasce e parte desta mesma realidade. É muito mais
do que um simples poder jurídico. É verdadeira
participação no mistério de sua capitalidade.
E por isso é uma realidade de ordem sacramental.
Os Doze, presididos por Pedro, foram escolhidos por Jesus
para participar dessa misteriosa relação
que o prende à sua Igreja. Foram constituídos
e consagrados por ele como sacramentos vivos de sua presença,
para torna-los presente e visível, como cabeça
e pastor, no meio de seu povo. Desta comunhão profunda
no mistério é que decorre como conseqüência
o poder de "atar e desatar". Considerado em
sua, totalidade, o mistério hierárquico
é uma realidade de ordem sacramental, vital e jurídica
com a própria Igreja.
Este mistério foi confiado a Pedro e aos outros
apóstolos, cujos sucessores são hoje em
dia o Romano Pontífice e os bispos, a quem se unem
como colaboradores os presbíteros e diáconos.
Os pastores da Igreja não a guiam apenas em nome
do Senhor: exercem também a função
de mestres da verdade e presidem sacerdotalmente ao culto
divino. O dever de obediência do Povo de Deus aos
pastores que o conduzem funda-se menos em considerações
jurídicas do que no respeito de quem crê
que neles o Senhor tem uma presença sacramental.
Esta é sua realidade objetiva de fé, independente
de toda consideração pessoal.
Na AL, desde o Concílio e Medellin, percebe-se
uma grande mudança na maneira de se exercer a autoridade
dentro da Igreja. Acentuou-se o seu caráter de
serviço e sacramento, como também a sua
dimensão de afeto colegial. Esta encontrou sua
expressão não apenas a nível do conselho
presbiterial diocesano, mas também através
das conferências episcopais e do CELAM.
Esta visão da Igreja, enquanto povo histórico
e socialmente estruturado, é um marco ao qual obrigatoriamente
deve referir-se também a reflexão teológica
a respeito das CEBs de nosso Continente, pois introduz
elementos que permitem complementar o acento que as referidas
comunidades colocam no dinamismo vital das bases e na
fé que é compartilhada com mais espontaneidade
em comunidades pequenas. A Igreja como povo histórico
institucional representa a estrutura mais ampla, universal
e definida, dentro da qual se devem inscrever vitalmente
as CEBs, para não correrem o risco de degenerar
em anarquia organizativa, por um lado, ou em elitismo
fechado e sectário, por outro.
Alguns dos aspectos do problema da "Igreja popular"
ou dos "magistérios paralelos" se insinuam
nesta linha: a seita tende sempre ao auto-abastecimento
quer jurídico quer doutrinal; integradas na totalidade
do Povo de Deus, as CEBs evitarão com certeza estes
escolhos e corresponderão às esperanças
que a Igreja da AL nelas deposita.
O problema da "Igreja popular", ou seja, a Igreja
que nasce do povo, apresenta diversos aspectos. Se se
entende Igreja popular como aquela que procura encarnar-se
nos meios populares do nosso Continente e que, por isso
mesmo, surge da resposta de fé que os grupos do
povo dêem ao Senhor, evita-se o primeiro obstáculo:
a negação aparente da verdade fundamental
que ensina que a Igreja sempre nasce de uma primeira iniciativa
que "vem do alto", isto é, do Espírito
que a suscita e do Senhor que a convoca. Esta designação,
porém, parece pouco feliz. Todavia, a "Igreja
popular" aparece como distinta de "outra",
identificada como a Igreja "oficial" ou "institucional",
que é acusada de ser "alienante". Isto
implicaria uma divisão no interior da Igreja e
uma negação inaceitável da função
da hierarquia. Tais posições, de acordo
com João Paulo II, poderiam ser inspiradas por
conhecidos condicionamentos ideológicos.
Outro problema candente na América Latina e relacionado
com a condição histórica do Povo
de Deus é o das mudanças na Igreja. Ao caminhar
através da história, a Igreja muda necessariamente,
mas apenas no exterior e acidentalmente. Não se
pode falar, portanto, de uma contraposição
entre a "Igreja nova" e a "Igreja velha",
como alguns o pretendem (João Paulo II, Catedral
do México). O problema das mudanças tem
feito sofrer a muitos cristãos, que viram cair
por terra uma forma de viver a Igreja que eles julgaram
completamente imutável. É importante ajuda-los
a distinguir os elementos divinos dos elementos humanos
da Igreja. Cristo, enquanto Filho de Deus, permaneceu
sempre idêntico a si mesmo, mas em seu aspecto humano
foi mudando sem cessar: de estatura, de rosto, de aspecto.
O mesmo acontece com a Igreja.
Em outro extremo estão os que quiseram viver uma
mudança contínua. Não é este
o sentido de ser peregrinos. Não estamos à
procura de tudo. Existe algo que já possuímos
na esperança, mas com segurança e do qual
devemos dar testemunho. Somos peregrinos, mas também
somos testemunhas. Nossa atitude é de tranqüilidade
e de alegria por aquilo que já encontramos e de
esperança pelo que ainda nos falta. Tampouco é
certo que todo caminho se faz andando. O caminho pessoal,
em suas circunstâncias concretas, sim, mas o largo
caminho que é comum aos povos de Deus já
está aberto, já foi percorrido por Cristo
e pelos santos, e em especial pelos santos da América
Latina: os que morreram defendendo a integridade da fé
e a liberdade da Igreja, servindo aos pobres, servindo
aos índios, servindo aos escravos. Foi percorrido
igualmente pelos que alcançaram os mais altos cumes
da contemplação. Eles caminham conosco.
Ajudam-nos com sua intercessão. Ser peregrino implica
sempre uma cota inevitável de insegurança
e de risco. Ela é acrescida pela consciência
de nossa fraqueza e nosso pecado. É parte do morrer
cotidiano em Cristo. A fé no-1o permite assumir
com esperança pascal. Os últimos dez anos
têm sido violentos em nosso Continente. Mas caminhamos
na certeza de que o Senhor saberá transformar a
dor, o sangue e a morte, que no caminho da história
vão deixando os nossos povos e a nossa Igreja,
em sementes de ressurreição para a América
Latina. Reconforta-nos o Espírito Santo e a Mãe
fiel, sempre presentes no caminhar do Povo de Deus.
Povo enviado por Deus
Na força da consagração messiânica
do batismo, o Povo de Deus é enviado para servir
ao crescimento do Reino nos demais povos. É enviado
como povo profético que anuncia o Evangelho ou
faz discernimento das vozes do Senhor no coração
da história. Anuncia onde se manifesta a presença
de seu Espírito. Denuncia onde opera o mistério
da iniqüidade, mediante fatos e estruturas que impedem
uma participação mais fraterna na construção
da sociedade e no desfrutar dos bens que Deus criou para
todos.
Nos últimos dez anos comprovamos a intensificação
da função profética. Assumir tal
função tem sido trabalho duro para os pastores.
Temos procurado ser a voz dos que não têm
voz e testemunhar a mesma predileção do
Senhor com os pobres e os que sofrem. Cremos que nossos
povos sentiram que estamos mais perto deles. Com certeza
conseguimos iluminar e ajudar. Com certeza, também,
poderíamos ter feito mais. Agora, colegialmente,
tentaremos interpretar a passagem do Senhor pela América
Latina.
Outra forma privilegiada de evangelizar é a celebração
da fé na liturgia e nos sacramentos. Aí
aparece o Povo de Deus como Povo Sacerdotal, investido
de um sacerdócio universal do qual participam todos
os batizados, mas que difere essencialmente do sacerdócio
hierárquico.
2.3. O Povo de Deus a serviço da Comunhão
Um povo servidor
O Povo de Deus, como Sacramento universal de salvação,
está inteiramente a serviço da comunhão
dos homens com Deus e do gênero humano entre si
'°°. A Igreja é, portanto, um povo de
servidores. Seu modo próprio de servir é
evangelizar; é um serviço que só
ela pode prestar. Determina sua identidade e a originalidade
de sua contribuição. Este serviço
evangelizador da Igreja se dirige a todos os homens, sem
distinção. Mas nele sempre há de
refletir a especial predileção de Jesus
pelos mais pobres e sofredores.
Dentro do Povo de Deus, todos - hierarquia, leigos, religiosos
são servidores do Evangelho. Cada qual segundo
seu papel e carisma próprios. A Igreja, como servidora
do Evangelho, serve ao mesmo tempo a Deus e aos homens;
mas para conduzir estes ao Reino de seu Senhor, o único
de quem ela, junto com a Virgem Maria, se proclama escrava
e a quem subordina todo seu serviço humano.
A Igreja, sinal de comunhão
A Igreja evangeliza, em primeiro lugar, mediante o testemunho
global de sua vida. Assim, na fidelidade à sua
condição de sacramento, trata de ser mais
e mais um sinal transparente ou modelo vivo da comunhão
de amor em Cristo que anuncia e se esforça por
realizar. A pedagogia da encarnação nos
ensina que os homens necessitam de modelos preclaros que
os guiem 'o'. A América Latina necessita igualmente
de tais modelos.
Cada comunidade eclesial deveria esforçar-se por
constituir para o Continente um exemplo de modo de convivência
onde consigam unir-se a liberdade e a solidariedade, onde
a autoridade se exerça com o espírito do
Bom Pastor, onde se viva uma atitude diferente diante
da riqueza, onde se ensaiem formas de organização
e estruturas de participação, capazes de
abrir caminho para um tipo mais humano de sociedade, e,
sobretudo, onde inequivocamente se manifeste que, sem
uma radical comunhão com Deus em Jesus Cristo,
qualquer outra forma de comunhão puramente humana
acaba se tornando incapaz de sustentar-se e termina fatalmente
voltando-se contra o próprio homem.
A Igreja, escola de forjadores de história
Para os próprios cristãos, a Igreja deveria
transformar-se num lugar em que aprendem a viver a fé
experimentando-a e descobrindo-a encarnada nos outros.
Do modo mais urgente, deveria ser a escola onde se eduquem
homens capazes de fazer história, para levar eficazmente
com Cristo a história de nossos povos até
ao Reino.
Diante dos desafios históricos que enfrentam nossos
povos, encontramos entre os cristãos dois tipos
de reações extremas: os "passivistas",
que crêem não poder e não dever intervir,
esperando que só Deus atue e liberte; os "ativistas",
que numa perspectiva secularizada, consideram Deus distante,
como se houvesse entregue a completa responsabilidade
da história aos homens, os quais, por essa razão,
procuram angustiada e freneticamente levá-1a para
diante.
A atitude de Jesus foi outra. Nele culminou a sabedoria
ensinada por Deus a Israel. Este havia encontrado Deus
em meio de sua história. Deus o convidou a forjá-1a
juntos, em Aliança. Ele marcava o caminho e a meta
e exigia a colaboração livre e confiante
de seu Povo. Jesus aparece igualmente, atuando na história,
pela mão de seu Pai. Sua atitude é, ao mesmo
tempo, de total confiança e de máxima corresponsabilidade
e compromisso. Porque sabe que tudo está nas mãos
do Pai, que cuida das aves e dos lírios do campo.
Mas sabe também que a ação do Pai
procura passar através da sua.
Como o Pai é o protagonista principal, Jesus procura
seguir seus caminhos e ritmos. Sua preocupação
de cada instante consiste em sintonizar fiel e rigorosamente
com a vontade do Pai. Não basta conhecer a meta
e caminhar para ela. Importa conhecer e esperar a horalo3,
que para cada passo o Pai assinalou, perscrutando os sinais
de sua Providência. Dessa docilidade filial dependerá
toda a fecundidade da obra.
Além disso, Jesus entende perfeitamente que não
só se trata de libertar os homens do pecado e de
suas dolorosas conseqüências. Ele sabe muito
bem o que hoje tanto se cala na América Latina:
que se deve libertar a dor pela dor, isto é, assumindo
a Cruz e convertendo-a em fonte de vida pascal. Para que
a América Latina seja capaz de converter suas dores
em crescimento para uma sociedade verdadeiramente participada
e fraterna, precisa educar homens capazes de forjar a
história segundo a "práxis" de
Jesus, entendida como a explicitamos a partir da teologia
bíblica da história. O Continente precisa
de homens conscientes de que Deus os chama para atuar
na aliança com ele. Homens de coração
dócil, capazes de tornar seus os caminhos e o ritmo
que a Providência indique. Especialmente capazes
de assumir sua própria dor e a de nossos povos
e converte-los, com espírito pascal, em exigência
de conversão pessoal, em fonte de solidariedade
com todos os que compartilham este sofrimento e em desafio
para a iniciativa e a imaginação criadoras.
A Igreja, instrumento de comunhão
Através da ação de cristãos
evangelicamente comprometidos, a Igreja pode completar
sua missão de Sacramento de salvação
tornando-se instrumento do Senhor, que dinamize eficazmente
em direção a ele a história dos homens
e dos povos.
A realização histórica desse serviço
evangelizador será sempre árdua e dramática,
porque o pecado, força de ruptura, há de
impedir constantemente o crescimento no amor e a comunhão
tanto a partir do coração dos homens, como
a partir das diversas estruturas por eles criadas, nas
quais o pecado de seus autores imprimiu sua marca destruidora.
Neste sentido, a situação de miséria,
marginalidade, injustiça e corrupção
que fere nosso Continente, exige do Povo de Deus e de
cada cristão um autêntico heroísmo
em seu compromisso evangelizador, a fim de poder superar
semelhantes obstáculos. Diante de tal desafio,
a Igreja sabe que é limitada e pequena, mas se
sente animada pelo Espírito e protegida por Maria.
Sua poderosa intercessão lhe permitirá superar
as "estruturas do pecado" na vida pessoal e
social e lhe obterá a "verdadeira libertação",
que vem de Cristo Jesus (João Paulo II, Zapopán
11).
2.4. Maria, Mãe e modelo da Igreja
Em nossos povos, o Evangelho tem sido anunciado, apresentando
a Virgem Maria como sua realização mais
alta. Desde os primórdios - em sua aparição
e invocação de Guadalupe - Maria tornou-se
o grande sinal, de rosto materno e misericordioso, da
proximidade do Pai e de Cristo com quem ela nos convida
a entrar em comunhão. Maria foi também a
voz que deu impulso à união dos homens e
dos povos. Como em Guadalupe, os outros santuários
marianos do Continente são sinais do encontro da
fé da Igreja com a história latino-americana.
Paulo VI afirmou que a devoção a Maria é
um elemento "qualificador" e "intrínseco"
da "genuína piedade da Igreja" e do "culto
cristão". Isto é uma experiência
vital e histórica da América Latina. Esta
experiência, reafirma-o João Paulo II, pertence
à íntima, "identidade própria
destes povos" (João Paulo II, Zapopán
2).
Sabe o povo que encontra Maria na Igreja Católica.
A piedade mariana é com freqüência o
vínculo resistente que mantém fiéis
à Igreja setores que carecem de atenção
pastoral adequada.
O povo fiel reconhece na Igreja a família que tem
por mãe a mãe de Deus. A Igreja confirma
o seu instinto evangélico segundo o qual Maria
é o modelo perfeito do cristão, a imagem
ideal da Igreja. Maria, Mãe da Igreja
A Igreja "instruída pelo Espírito Santo
venera" Maria "como mãe muito amada,
com afeto de piedade filial" (LG 13) . Foi nessa
fé que o Papa Paulo VI quis proclamar Maria "Mãe
da Igreja"
Foi-nos revelada a fecundidade maravilhosa de Maria. Ela
torna-se Mãe de Deus, Mãe do Cristo histórico,
no Fiat da anunciação, quando o Espírito
Santo a cobre com sua sombra. É Mãe da Igreja
porque é Mãe de Cristo, Cabeça do
Corpo Místico. Além disso, é nossa
Mãe "por ter cooperado com seu amor"
( LG 53 ), no momento em que do coração
transpassado de Cristo nascia a família dos redimidos;
"por isso é nossa Mãe na ordem da graça"
(LG 61). É a vida de Cristo que irrompe vitoriosa
em Pentecostes, onde Maria implorou para a Igreja o Espírito
Santo Vivificador.
A Igreja, pela evangelização, gera novos
filhos hoje. Esse processo que consiste em "transformar
a partir de dentro ", em "renovar a própria
humanidade" (EN 18) é um verdadeiro renascimento.
Neste parto, sempre renovado, Maria é nossa Mãe.
Ela, gloriosa no céu, atua na terra. Participando
do domínio do Cristo ressuscitado, "cuida
com amor materno dos irmãos de seu filho, que ainda
peregrinam" ( LG 62 ) ; seu grande cuidado é
este: que os cristãos "tenham vida abundante
e cheguem à maturidade da plenitude de Cristo".
Maria não vela apenas pela Igreja. Tem um coração
tão grande quanto o mundo e intercede ante o Senhor
da história por todos os povos. Isto bem registra
a fé popular que põe nas mãos de
Maria, como rainha e mãe, o destino de nossas nações.
Enquanto peregrinamos, Maria será a mãe
educadora da fé ( LG 63 ) . Ela cuida que o Evangelho
nos penetre intimamente, plasme nossa vida de cada dia
e produza em nós frutos de santidade. Ela precisa
ser cada vez mais a pedagoga do Evangelho na América
Latina.
Maria é verdadeiramente Mãe da Igreja. Marca
o Povo de Deus. Paulo VI faz sua uma fórmula concisa
da tradição: "Não se pode falar
de Igreja sem que esteja presente Maria" (MC 28).
Trata-se de uma presença feminina, que cria o ambiente
de família, o desejo de acolhimento, o amor e o
respeito à vida. É presença, sacramental
dos traços maternais de Deus. É uma realidade
tão profundamente humana e santa que desperta nos
crentes as preces da ternura, da dor e da esperança.
Maria, Modelo da Igreja
Modelo em sua relação com Cristo
Segundo o plano de Deus em Maria, "tudo se refere
a Cristo e tudo depende dele" (MC 25). Toda sua existência
é uma plena comunhão com seu Filho. Ela
deu seu sim a esse desígnio de amor. Aceitou-o
livremente na anunciação e foi fiel à
palavra dada até o martírio do Gólgota.
Foi a fiel companheira do Senhor em todos os caminhos.
A maternidade divina levou-a a uma entrega total. Foi
uma doação generosa, cheia de lucidez e
permanente, unida a uma história de amor a Cristo
íntima e santa, uma história única
que culmina na glória.
Maria, levada ao máximo na participação
com Cristo, é íntima colaboradora de sua
obra. Foi "algo inteiramente distinto de uma mulher
passivamente remissiva ou de religiosidade alienante"
(MC 37). Ela não é apenas o fruto admirável
da redenção; é também sua
cooperadora ativa. Em Maria se manifesta preclaramente
que Cristo não anula a criatividade dos que o seguem.
Ela, associada a Cristo, desenvolve todas as suas capacidades
e responsabilidades humanas, até chegar a ser a
nova Eva juntamente com o novo Adão. Maria, por
sua livre cooperação na nova aliança
de Cristo, é junto a ele protagonista da história.
Por esta comunhão e participação,
a Virgem Imaculada vive agora imersa no mistério
da Trindade, louvando a glória de Deus e intercedendo
pelos homens.
Modelo para a vida da Igreja e dos homens Neste momento,
em que nossa Igreja Latino-Americana quer dar um novo
passo de fidelidade ao seu Senhor, olhamos para a figura
viva de Maria. Ela nos ensina que a virgindade é
uma entrega exclusiva a Jesus Cristo, em que a fé,
a pobreza. e a obediência ao Senhor se tornam fecundas
pela ação do Espírito. Assim, também
a Igreja quer ser mãe de todos os homens, não
à custa de seu amor a Cristo, afastando-se dele
ou postergando-o, mas precisamente pela sua comunhão
íntima e total com ele. A virgindade materna de
Maria conjuga, no mistério da Igreja, essas duas
realidades: toda de Cristo e com ele, toda servidora dos
homens. Silêncio, contemplação e adoração
que dão origem à mais generosa resposta
à missão, à mais fecunda evangelização
dos povos.
Maria, Mãe, desperta o coração do
filho adormecido em cada. homem. Assim, nos leva a desenvolver
a vida do batismo pela qual nos tornamos filhos. Ao mesmo
tempo esse carisma materno faz crescer em nós a
fraternidade e assim Maria faz com que a Igreja se sinta
uma família.
Maria "é reconhecida como modelo extraordinário
da Igreja na ordem da fé. É aquela que crê,
pois nela resplandece a fé como dom, abertura,
resposta e fidelidade. É a discípula perfeita
que se abre à palavra e se deixa penetrar por seu
dinamismo. Quando não a compreende e fica surpresa,
não a repele, ou põe de lado; medita-a e
conserva-a. E quando a palavra lhe soa dura aos ouvidos,
persiste confiantemente no diálogo de fé
com Deus que lhe fala; assim na cena do encontro com Jesus
no templo, assim em Caná, quando seu filho a princípio
rejeita sua súplica. Fé que leva a subir
ao Calvário e a associar-se à cruz, como
a única árvore da vida. Pela sua fé
é a Virgem fiel em quem se cumpre a bem-aventurança
maior: "feliz aquela que acreditou" ( Lc 1,45
).
O Magnificat é espelho da alma de Maria. Neste
poema conquista o seu cume a espiritualidade dos pobres
de Javé e o profetismo da Antiga Aliança.
É o cântico que anuncia o novo Evangelho
de Cristo. É o prelúdio do Sermão
da Montanha. Aí Maria se nos manifesta vazia de
si própria e depositando toda sua confiança
na misericórdia do
Pai. No Magnificat manifesta-se como modelo "para
os que não aceitam passivamente as circunstâncias
adversas da vida pessoal e social, nem são vítimas
da alienação, como se diz hoje, mas que
proclamam com ela que Deus 'exalta os humildes' e se for
o caso `derruba os poderosos de seus tronos'..."
(João Paulo II, Homilia Zapopán, 4 - AAS
LXXI p.230).
Bendita entre todas as mulheres
A Imaculada Conceição apresenta-nos em Maria
o rosto do homem novo redimido por Cristo, no qual Deus
recria ainda "mais admiravelmente" (Coleta da
Natividade de Jesus) o projeto do paraíso. Na Assunção
se nos manifestam o sentido e o destino do corpo santificado
pela graça. No corpo glorioso de Maria começa
a criação material a ter parte no corpo
ressuscitado de Cristo. Maria, arrebatada ao céu,
é a integridade humana, corpo e alma, que agora
reina intercedendo pelos homens, peregrinos na história.
Essas verdades e mistérios iluminam o Continente
onde a profanação do homem é uma
constante e onde muitos se fecham num fatalismo passivo.
Maria é mulher. É "a bendita entre
todas as mulheres". Nela dignifica Deus a mulher
elevando-a a dimensões inimagináveis. Em
Maria o Evangelho penetrou a feminilidade, redimiu-a e
exaltou-a. Isto é de importância capital
para nosso horizonte cultural, em que a mulher deve ser
valorizada muito mais e em que suas tarefas sociais se
estão definindo com mais clareza e amplidão.
Maria é uma garantia para a grandeza da mulher,
mostra a forma específica do ser mulher, com essa
vocação de ser alma, dedicação
que espiritualiza a carne e que encarne o espírito.
Modelo de serviço eclesial na América Latina
A Virgem Maria fez-se a serva do Senhor. A Escritura apresenta-a
como alguém que indo visitar Isabel por ocasião
do parto, presta-lhe o serviço muito maior de anunciar-lhe
o Evangelho com as palavras do Magnificat. Em Caná
está atenta às necessidades da festa e sua
intercessão provoca a fé dos discípulos
que "acreditam nele" (Jo 2,11). Todo serviço
que Maria presta aos homens consiste em abri-los ao Evangelho
e convida-los a obedecer-lhe: "Fazei o que vos disser"
(Jo 2,5). Deus se fez carne por meio de Maria, começou
a fazer parte de um povo, constituiu o centro da, história.
Ela é o ponto de união entre o céu
e a terra. Sem Maria desencarna-se o Evangelho, desfigura-se
e transforma-se em ideologia, em racionalismo espiritualista.
Paulo VI assinala a amplidão do serviço
de Maria com palavras que têm um eco muito atual
em nosso Continente: ela é "a mulher forte
que conheceu a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio
(cf. Ml 2,13-22 ) ; situações estas que
não podem escapar à atenção
de quem quiser dar apoio, com espírito evangélico,
às energias libertadoras do homem e da sociedade.
Apresentar-se-á Maria como a mulher que com a sua
ação favoreceu a fé da comunidade
apostólica, em Cristo (cf. Jo 2, 1-12) e cuja função
materna se dilatou, vindo a assumir no Calvário,
dimensões universais" (MC 3?).
O povo latino-americano conhece bem tudo isso. A Igreja
tem consciência de que "o que importa é
evangelizar não de maneira decorativa como se se
tratasse de um verniz superficial" (EN 20). Esta
Igreja que com nova lucidez e nova decisão quer
evangelizar no fundo, na raiz, na cultura do povo, volta-se
para Maria para que o Evangelho se torne mais carne, mais
coração na América Latina. Esta é
a hora de Maria, isto é, o tempo do Novo Pentecostes
a que ela preside com sua oração, quando,
sob o influxo do Espírito Santo, a Igreja inicia
um novo caminho em seu peregrinar. Que Maria seja nesse
caminho "estrela de evangelização sempre
renovada" (EN 81).
3. A VERDADE A RESPEITO DO HOMEM: A DIGNIDADE HUMANA
Visão cristã do homem, quer à Luz
da fé, quer à luz da razão, para
julgar sua situação na América Latina
a fim de se contribuir na construção de
uma sociedade mais cristã e, portanto, mais humana.
1. Visões inadequadas do homem na América
Latina
1.1. Introdução
No mistério de Cristo, Deus baixa até ao
abismo do ser humano para restaurar por dentro sua dignidade.
Oferece-nos assim a fé em Cristo, os critérios
fundamentais para se obter uma visão integral do
homem que, por sua vez, ilumina e completa a imagem concebida
pela filosofia e as contribuições das outras
ciências humanas, a respeito do ser do homem e de
sua realização histórica.
Por seu lado tem a Igreja o direito e o dever de anunciar
a todos os povos a visão cristã da pessoa
humana, país sabe que precisa dela para iluminar
a própria identidade e o sentido da vida e porque
professa que toda violação da dignidade
humana é injúria ao próprio Deus,
cuja imagem é o homem. Portanto, a evangelização
no presente e no futuro da América Latina exige
da Igreja uma palavra clara sobre a dignidade humana.
Por meio dela se quer retificar ou integrar tantas visões
inadequadas que se propagam em nosso Continente das quais
umas atentam contra a identidade e a genuína liberdade,
outras impedem a comunhão; outras não promovem
a participação com Deus e com os homens.
A América Latina constitui o espaço histórico
em que se dá o encontro de três universos
culturais: o indígena, o branco e o africano, que
foram enriquecidos posteriormente por diversas correntes
migratórias. Aí se dá, ao mesmo tempo,
uma convergência de maneiras diferentes de ver o
mundo, o homem e Deus, e de reagir frente a eles. Forjou-se
uma espécie de mestiçagem latino-americana.
Embora em seu espírito permaneça uma base
de vivências religiosas marcadas pelo Evangelho,
emergem também e se misturam cosmovisões
alheias à fé cristã. No decorrer
do tempo, teorias e ideologias introduzem em nosso continente
novos enfoques sobre o homem, que parcializam ou deformam
aspectos de sua visão integral ou a ela se fecham.
1.2. Visão determinista.
Não se pode desconhecer na, AL a erupção
da alma religiosa primitiva à qual se prende uma
visão da pessoa como prisioneira das formas mágicas
de ver o mundo e de atuar sobre ele. O homem não
é dono de si, mas vítima de forças
ocultas. Nesta visão determinista, não encontra
outra. atitude senão colaborar com essas forças
ou aniquilar-se diante delas". Acresce ainda, às
vezes, a crença na reencarnação por
parte dos adeptos de várias formas de espiritismo
e de religiões orientais. Não poucos cristãos,
ignorando a autonomia própria da natureza e da
história, continuam crendo que tudo o que acontece
é determinado e imposto por Deus.
Uma variante desta visão determinista, porém,
mais de tipo fatalista e social, se apóia na idéia
errônea de que os homens não são fundamentalmente
iguais. Tal diferença articula nas relações
humanas muitas discriminações e marginalizações
incompatíveis com a dignidade do homem. Mais do
que na teoria, essa falta de respeito à pessoa
se manifesta em expressões e atitudes daqueles
que se julgam superiores aos outros. Por isso, com freqüência,
domina uma situação de desigualdade em que
vivem operários, camponeses, índios, empregadas
domésticas e tantos outros setores.
1.3. Visão psicologista
Restrita até agora a certos setores da sociedade
latino-americana, ganha cada vez mais importância
a idéia de que a pessoa humana se reduz, em última
instância, a seu psiquismo. Na visão psicologista
do homem, segundo sua expressão mais radical, a
pessoa se apresenta como vítima do instinto fundamental
erótico ou com um simples mecanismo de resposta
a estímulos, carente de liberdade. Fechada para
Deus e para os homens, uma vez que a religião,
como a cultura e a própria história seriam
apenas sublimações do instinto sensual,
a negação da própria responsabilidade
conduz não poucas vezes ao pansexualismo e justifica
o machismo latino-americano.
1.4. Visões economicistas
Sob o signo do econômico, podem-se assinalar na
América Latina três visões do homem
que, embora distintas, têm raiz comum. Das três
talvez a menos consciente e, apesar de tudo, a mais generalizada
seja a visão consumiste. A pessoa humana está
como que lançada na engrenagem da máquina
da produção industrial; é vista apenas
como instrumento de produção e objeto de
consumo. Tudo se fabrica e se vende em nome dos valores
do ter, do poder e do prazer, como se fossem sinônimos
da felicidade humana. Impede-se assim o acesso aos valores
espirituais e promove-se, em razão do lucro, uma
aparente e mui onerosa "participação"
no bem comum.
A serviço da sociedade de consumo, mas projetando-se
para além da mesma, o liberalismo econômico,
de práxis materialista, apresenta-nos uma visão
individualista do ser humano. Segundo esta visão,
a dignidade da pessoa está na eficácia econômica
e na liberdade individual. Encerrada em si própria
e com freqüência aferrada ao conceito religioso
de salvação individual, cega-se para as
exigências da justiça social e coloca-se
a serviço do imperialismo internacional do dinheiro,
a que se associam muitos governos esquecidos de suas obrigações
em relação ao bem comum.
Oposto ao liberalismo econômico de forma clássica
e em luta permanente contra as suas conseqüências
injustas, o marxismo clássico substitui a visão
individualista do homem por uma visão coletivista,
quase messiânica, do mesmo. A meta existencial do
ser humano coloca-se no desenvolvimento das forças
materiais de produção. A pessoa não
é originariamente sua consciência; é
antes constituída por sua existência social.
Despojada do arbítrio interno que lhe pode assinalar
o caminho da realização pessoal, recebe
suas normas de comportamento unicamente daqueles que são
responsáveis pela mudança das estruturas
sócio-político-econômicas. Desconhece,
portanto, os direitos humanos, especialmente o direito
à liberdade religiosa, que está na base
de todas as liberdades. Desta forma, a dimensão
religiosa, cuja origem estaria nos conflitos da infra-estrutura
econômica, se orienta para uma fraternidade messiânica
sem relação com Deus. Materialista e ateu,
o humanismo marxista reduz o ser humano, em última
instância, às estruturas externas.
1.5. Visão estatista
Menos conhecida, mas atuante na organização
de não poucos governos da AL, a visão que
poderíamos denominar estatista do homem tem sua
base na teoria da Segurança Nacional. Submete o
indivíduo ao serviço ilimitado da suposta
guerra total contra os conflitos culturais, sociais, políticos
e econômicos e através deles, contra a ameaça
do comunismo. Ante este perigo permanente, real ou possível,
se limitam, como em toda situação de emergência,
as liberdades individuais; e a vontade do Estado se confunde
com a vontade da Nação. O desenvolvimento
econômico e o potencial bélico sobrepõem-se
às necessidades das massas abandonadas. Embora
necessária a toda organização política,
a Segurança Nacional, vista sob este ângulo,
apresenta-se como um absoluto acima das pessoas. Em seu
nome institucionaliza-se a insegurança dos indivíduos.
1.6. Visão cientificista
A organização técnico-científica
de certos países está gerando uma visão
cientificista do homem, cuja vocação é
a conquista do universo. Nesta visão só
se reconhece como verdade o que pode ser demonstrado pela
ciência. O próprio homem é reduzido
à sua definição científica,.
Em nome da ciência justifica-se tudo, até
o que constitui uma afronta à, dignidade humana.
Simultaneamente se submetem as comunidades nacionais às
decisões de um novo poder, a tecnocracia. Uma espécie
de engenharia social pode controlar os espaços
de liberdade dos indivíduos e instituições,
com o risco de reduzi-tos a meros elementos de cálculo.
2. Reflexão doutrinal
2.1. Proclamação fundamental
É grave obrigação nossa proclamar,
ante os irmãos da AL, a dignidade que é
própria de todos, sem nenhuma distinção
e que, contudo, vemos conculcada tantas vezes de maneira
extrema. Ao reivindicar tal dignidade move-nos a revelação
que está contida na mensagem e na própria
pessoa de Jesus Cristo: "Ele conhecia o que há
no homem" (Jo 2,25); contudo não hesitou em
"tomar a forma de escravo" (F1 2,7), nem se
recusou a viver até à morte junto dos postergados,
para fazê-los participantes da exaltação
que ele próprio mereceu de Deus Pai.
Professamos pois que todo homem e toda mulhernl4>,
por mais insignificantes que pareçam, têm
em si a nobreza inviolável que eles próprios
e os demais devem respeitar e fazer respeitar, incondicionalmente;
professamos também que toda a vida humana merece
por si mesma, em qualquer circunstância, sua dignificação;
e que toda convivência humana tem que fundar-se
no bem comum, que consiste na realização
cada vez mais fraterna da dignidade comum e que exige
não se instrumentalizem uns em favor de outros
e que todos estejam dispostos a sacrificar até
seus bens particulares.
Condenamos todo menosprezo, diminuição ou
injúria às pessoas e seus direitos inalienáveis;
todo atentado contra a vida humana, desde a que está
oculta no seio materno até à que se julga
inútil e a que definha na velhice; toda violação
ou degradação da convivência entre
os indivíduos, os grupos sociais e as nações.
É certo que o mistério do homem só
se ilumina perfeitamente pela fé em Jesus Cristo,
o qual tem sido para a AL fonte histórica do anseio
de dignidade, que hoje é clamoroso em nossos povos
cheios de fé e sofridos. Só a aceitação
e o seguimento de Jesus Cristo nos abrem para as certezas
mais reconfortantes e para as exigências mais fecundas
e difíceis da dignidade humana, uma vez que esta
tem sua raiz na vocação gratuita para a
vida que o Pai Celeste vai fazendo ouvir, de modo novo,
através dos combates e das esperanças da
história. Mas não temos dúvida de
que, ao lutar pela dignidade, estamos unidos a outros
homens lúcidos que se esforçam sinceramente
por libertar-se de enganos e atos de paixão e seguem
a luz do Espírito que o Criador lhes concedeu para
reconhecer na própria pessoa e na pessoa dos outros
um dom magnífico, um valor irrenunciável,
uma tarefa transcendente.
Deste modo, sentimo-nos urgidos a cumprir, por todos os
meios, o que pode ser o imperativo original desta hora
de Deus, em nosso Continente: uma audaciosa profissão
de cristianismo e uma promoção eficiente
da dignidade humana e de seus fundamentos divinos, precisamente
entre os que mais necessitam, ou porque a desprezam ou
sobretudo porque, sofrendo este desprezo, buscam - talvez
às cegas - a liberdade dos filhos de Deus e o advento
do homem novo em Jesus Cristo.
2.2. Dignidade e liberdade
Deve-se revalorizar entre nós a imagem cristã
dos homens. É forçoso e indispensável
que volte a ressoar essa palavra em que se vem cristalizando
desde há muito tempo um sublime ideal de nossos
povos, LIBERDADE. Esta liberdade é a um tempo dom
e tarefa. Ela não se alcança verdadeiramente
sem a libertação integral e é, em
sentido válido, meta do homem segundo nossa fé,
uma vez que "para a liberdade é que Cristo
nos libertou" (G1 5,1) a fim de que tenhamos vida
e a tenhamos em abundância, como "filhos de
Deus e co-herdeiros do próprio Jesus Cristo"
(Rm 8,17).
A liberdade implica sempre aquela capacidade que todos
temos, em princípio, de dispor de nós mesmos,
a fim de irmos construindo uma comunhão e uma participação
que hão de se plasmar em realidades definitivas,
em três planos inseparáveis: a relação
do homem com o mundo como senhor, com as pessoas como
irmão e com Deus como filho.
Pela liberdade, projetada sobre o mundo material da natureza
e da técnica, o homem - sempre em comunidade de
múltiplos esforços - consegue a realização
inicial de sua dignidade: submeter este mundo, através
do trabalho e da sabedoria, e humanizá-1o de acordo
com os desígnios do Criador.
Mas a dignidade do homem verdadeiramente livre exige que
ele não se deixe enclausurar nos valores do mundo,
particularmente nos bens materiais, mas que, como ser
espiritual que é, se liberte de qualquer escravidão
e vá mais além até ao plano superior
das relações pessoais onde se encontra consigo
e com os demais. A dignidade dos homens se realiza aqui,
no amor fraterno, entendido com toda a amplitude que o
Evangelho lhe deu e que inclui o serviço mútuo,
a aceitação e promoção prática
dos outros, especialmente dos mais necessitados.
Entretanto não seria possível a obtenção
autêntica e permanente da dignidade humana neste
nível, se não estivéssemos ao mesmo
tempo autenticamente libertados para realizar-nos no plano
transcendente. Este é o plano do Bem Absoluto no
qual está sempre em causa a nossa liberdade, até
quando parecemos ignorá-1o. É o plano da
confrontação iniludível com o mistério
divino de alguém que, na qualidade de Pai, chama
os homens e lhes dá a capacidade de ser livres,
que os guia providencialmente e, já que eles podem
fechar-se a ele e até mesmo rejeitá-1o,
os julga e sanciona para a vida ou para a morte eterna,
de acordo com aquilo que tenham realizado livremente.
É uma imensa responsabilidade que é outro
sinal da grandeza mas também do risco que se inclui
na dignidade humana.
Através da unidade indissolúvel destes três
planos aparecem melhor as exigências de comunhão
e participação que brotam desta dignidade.
Se no plano transcendente se realiza em plenitude nossa
liberdade pela aceitação filial e fiel de
Deus, entramos em comunhão de amor com o mistério
divino e participamos de sua própria vida. O contrário
é romper com o amor filial, repelir e desprezar
o Pai. São duas possibilidades extremas que a revelação
cristã chama graça e pecado. Elas, porém,
não se realizam a não ser estendendo-se
simultaneamente aos outros dois planos, com incensas conseqüências
para a dignidade humana.
O amor de Deus que nos dignifica radicalmente se faz necessariamente
comunhão de amor com os outros homens e participação
fraterna; para nós, hoje em dia, deve tornar-se
sobretudo obra de justiça para com os oprimidos,
esforço de libertação para quem mais
precisa. De fato, "ninguém pode amar a Deus
a quem não vê, se não ama o irmão
a quem vê" ( 1 Jo 4,20 ) . Todavia a comunhão
e a participação verdadeiras só podem
existir nesta vida projetadas no plano bem concreto das
realidades temporais, de tal modo que o domínio,
o uso e a transformação dos bens da terra,
dos bens da cultura, da ciência e da técnica
se vão realizando em um justo e fraterno domínio
do homem sobre o mundo, tendo-se em conta o respeito da
ecologia. O Evangelho nos deve ensinar, em face das realidades
em que vivemos imersos, que não se pode atualmente
na AL amar de verdade o irmão nem portanto a Deus
sem que o homem se comprometa em nível pessoal
e, em muitos casos, até em nível estrutural
com o serviço e promoção dos grupos
humanos e dos estratos sociais mais pobres e humilhados,
arcando com todas as conseqüências que se seguem
no plano destas realidades temporais.
Mas a uma atitude pessoal de pecado, à ruptura
com Deus que degrada o homem, corresponde sempre, no plano
das relações interpessoais, a atitude de
egoísmo, de orgulho, de ambição e
inveja que geram injustiça, dominação
e violência em todos os níveis; corresponde
à luta entre indivíduos, grupos, classes
sociais e povos bem como á corrupção,
o hedonismo, a exacerbação sexual e a superficialidade
nas relações mútuas. Conseqüentemente
se estabelecem situações de pecado que,
em nível mundial, escravizam a tantos homens e
condicionam adversamente a liberdade de todos.
Temos de nos libertar deste pecado; do pecado que destrói
a dignidade humana. Libertamo-nos participando da vida
nova que Jesus Cristo nos traz e também pela comunhão
com ele no mistério da sua morte e ressurreição,
sob a condição de vivermos este mistério
nos três planos já indicados, sem tornar
exclusivo nenhum deles. Assim não o reduziremos
nem ao verticalismo da união espiritual com Deus
desencarnada, nem ao simples personalismo existencial
feito de laços entre indivíduos ou pequenos
grupos, nem muito menos ao horizontalismo sócio-econômico-político.
2.3. O homem renovado em Jesus Cristo
O pecado está minando a dignidade humana que Jesus
Cristo resgatou. Através de sua mensagem, de sua
morte e ressurreição, ele nos deu a vida
divina: dimensão insuspeitada e eterna da nossa
existência terrena. Jesus Cristo, que está
vivo em sua Igreja, sobretudo entre os mais pobres, quer
hoje enaltecer esta semelhança com o Deus de seu
povo: pela participação do Espírito
Santo em Cristo também nós podemos chamar
a Deus de Pai e nos tornarmos radicalmente irmãos.
Ele nos faz tomar consciência do pecado contra a
dignidade humana, que se alastra pela AL; enquanto este
pecado destrói a vida divina do homem, é
o maior dano que uma pessoa pode causar-se a si mesma
e aos demais. Cristo, finalmente, nos oferece a sua graça
mais abundante que o nosso pecado. Dele vem o vigor que
nos permite libertar-nos a nós e libertar os outros
do mistério da iniqüidade. Jesus Cristo restaurou
a dignidade original que os homens tinham recebido ao
se: em criados por Deus à sua imagem, ao serem
chamados a uma santidade ou consagração
total ao Criador e destinados a conduzir a história
até a manifestação definitiva deste
Deus que difunde sua bondade para alegria eterna de seus
filhos em um Reino que já começou.
Em Jesus Cristo chegamos a ser filhos de Deus, irmãos
seus e participantes de seu destino, como agentes responsáveis
movidos pelo Espírito Santo para construirmos a
Igreja do Senhor.
Em Jesus Cristo descobrimos a imagem do "homem novo"
(Cl 3,10) à qual fomos configurados pelo batismo
e pela qual fomos assinalados pela confirmação
- imagem também daquilo a que todo homem é
chamado a ser, fundamento último de sua dignidade.
Ao apresentar a Igreja, mostramos como nela tem de se
expressar e realizar comunitariamente a dignidade humana.
Em Maria encontramos a figura concreta em que culmina
toda libertação e santificação
na Igreja. Estas figuras têm que robustecer hoje
os esforços dos fiéis latino-americanos
em sua luta em prol da dignidade humana.
Perante Cristo e Maria devem revalorizar-se na AL os grandes
traços da verdadeira imagem do homem e da mulher:
sendo todos fundamentalmente iguais membros da mesma estirpe,
apesar da diversidade de sexos, de línguas, de
culturas e de formas de religiosidade, temos por vocação
comum um destino único que - por incluir o alegre
anúncio de nossa dignidade - nos converte em evangelizados
e evangelizadores de Cristo neste Continente.
Nesta pluralidade e igualdade de todos, cada um . conserva
seu lugar e seu valor irrepetíveis, pois também
cada homem latino-americano deve sentir-se amado por Deus
e escolhido por ele desde toda a eternidade, por mais
que os homens não apreciem esse valor e esse lugar
ou por pouco que cada um se estime a si próprio.
Como pessoas em diálogo, não podemos realizar
nossa dignidade senão como senhores co-responsáveis
de um destino comum do qual Deus nos tornou capazes, inteligentes,
isto é, aptos para discernir a verdade e segui-1a
diante do erro e do engano, livres, isto é, não
submetidos inexoravelmente aos processos econômicos
e políticos, embora nos reconheçamos humildemente
condicionados por eles e obrigados a humanizá-los,
submetidos, ao invés, a uma lei moral que vem de
Deus e se faz ouvir na consciência dos indivíduos
e dos povos, ensinando, admoestando, repreendendo e enchendo-nos
da verdadeira liberdade dos filhos de Deus.
Por outro lado, Deus nos deu á existência
em um corpo pelo qual temos a possibilidade de nos comunicar
com os outros e de enobrecer o mundo. Por sermos homens,
precisamos da sociedade onde estamos imersos e que vamos
transformando e enriquecendo com a nossa contribuição
em todos os níveis, desde a família e os
grupos intermediários até ao Estado, cuja
função indispensável consiste no
serviço das pessoas e da própria comunidade
internacional. É necessária a sua integração,
sobretudo a integração latino-americana.
Alegramo-nos, por isso, de que também em nossos
povos se crie uma legislação em defesa dos
direitos humanos.
A Igreja tem obrigação de pôr em relevo
este aspecto integral da evangelização,
primeiro pela constante revisão de sua própria
vida e depois pelo anúncio fiel e pela denúncia
profética. Para que tudo isso se faça de
acordo com o espírito de Cristo, devemos exercitar-nos
no discernimento das situações e dos chamados
concretos que o Senhor faz em cada tempo. Isto exige atitude
de conversão e de abertura e um sério compromisso
com aquilo que foi reconhecido como autenticamente evangélico.
Só assim se chegará a viver o que é
mais característico da mensagem cristã a
respeito da dignidade humana, a qual está em ser
mais e não ter mais. Isto se viverá tanto
entre os homens que, acossados pelo sofrimento, miséria,
perseguição e morte, não vacilam
em aceitar a vida no espírito das bem-aventuranças,
quanto entre aqueles que, renunciando a uma vida de prazer
e de facilidades, se dedicam a praticar de um modo realista,
no mundo de hoje, as obras de serviço aos outros,
critério e medida pelos quais Jesus Cristo há
de julgar até aqueles que não o tiverem
reconhecido.
CAPÍTULO II
O QUE É EVANGELIZAR?
Nosso povo clama pela salvação
e pela comunhão que o Pai lhe preparou e, no meio
de suas lutas por viver e encontrar o sentido profundo
da vida, espera de nós, bispos, o anúncio
da Boa Nova.
O que é pois evangelizar? Quem espera o nosso anúncio
de salvação? Qual é a transformação
das pessoas e das culturas que a semente
do Evangelho tem de fazer germinar? O que é que
nos ensina a Igreja sobre a autêntica libertação
cristã? Como evangelizar a cultura e a religiosidade
de nosso povo? O que diz o Evangelho ao homem que anseia
por sua promoçâo e quer viver seu compromisso
político-social?
Propomos agora nossa reflexão sobre estas interrogações.
CONTEÚDO
1. Evangelização: dimensão universal
e critérios
2. Evangelização e cultura
3. Evangelização e religiosidade popular
4. Evangelização, libertação
e promoção humana 5. Evangelização,
ideologias e política
1. EVANGELIZAÇAO:
DIMENSAO UNIVERSAL E CRITÉRIOS
1.1. Situação
Há cinco séculos que estamos evangelizando
a América Latina. Hoje vivemos um momento grande
e difícil desta evangelização. É
verdade que a fé de nossos povos se exprime com
evidência. No entanto constatamos que nem sempre
ela chega à sua maturidade, e está ameaçada
pela pressão secularista, pelos abalos provocados
pelas mudanças culturais, pelas ambigüidades
teológicas existentes em nosso meio e pelo influxo
de seitas proselitistas e de sincretismos que vêm
de fora. Nossa evangelização está
marcada por algumas preocupações particulares
e por acentos mais fortes:
- a redenção integral das culturas, antigas
e novas, do nosso Continente tendo em conta a religiosidade
de nossos povos;
- a promoção da dignidade do homem e a libertação
de todas as servidões e idolatrias
- a necessidade de fazer com que a força do Evangelho
penetre até ao centro de decisão, "às
fontes inspiradoras e aos modelos de vida social e política"
(EN 19).
Nossos evangelizadores padecem, em certos casos, de uma
espécie de confusão e desorientação
a respeito de sua identidade, do próprio significado
da evangelização, do seu conteúdo
e de suas motivações profundas.
Para responder a esta situação e dar um
novo impulso à evangelização, queremos
dizer uma palavra clara e esperançosa que estimule
a evangelizar, com prazer e audácia, os nossos
povos, em quem percebemos um anseio profundo de receber
o Evangelho de Cristo. Para este fim recordamos o sentido
da evangelização, sua dimensão e
destino universal, como também os critérios
e sinais que lhe manifestam a autenticidade.
1.2. O ministério da evangelização
A missão evangelizadora é de todo o Povo
de Deus. Esta é sua vocação primordial,
"sua identidade mais profunda" (EN 14). É
a sua felicidade. O Povo de Deus com todos os seus membros,
instituições e planos existe para evangelizar.
O dinamismo do Espírito de Pentecostes anima-o
e envia-o a todos os povos. Nossas Igrejas particulares
hão de escutar, com renovado entusiasmo, o mandato
do Senhor: "Ide, pois, e fazei discípulos
meus todos os povos" (Ml 28,19).
A Igreja converte-se cada dia à palavra da verdade.
Segue pelos caminhos da história a Cristo encarnado,
morto e ressuscitado e faz-se seguidora do Evangelho para
transmiti-1o aos homens, com plena fidelidade.
A partir da pessoa chamada à comunhão com
Deus e com os homens, o Evangelho deve penetrar em seu
coração, em suas experiências e modelos
de vida, em sua cultura e ambientes, para fazer uma humanidade
nova com homens novos e caminharem todos na direção
de uma nova maneira de ser, julgar, viver e conviver.
Este é um serviço que a todos nós
obriga.
Afirmamos que a evangelização "deve
conter sempre uma proclamação clara de que
em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado,
se oferece a salvação a todos os homens,
como dom da graça e misericórdia de D2us"
(EN 27 ) . E aqui está o que é a base, o
centro e ao mesmo tempo o cume de seu dinamismo, o conteúdo
essencial da evangelização.
A evangelização dá a conhecer Jesus
como 0 Senhor que nos revela o Pai e nos comunica seu
Espírito. Ela chama-nos à conversão
que é reconciliação e vida nova,
leva-nos à comunhão com o Pai que nos torna
filhos e irmãos. Faz brotar, pela caridade derramada
em nossos corações, frutos de justiça,
perdão, respeito, dignidade e paz no mundo.
A salvação que Cristo nos oferece dá
sentido a todas as aspirações e realizações
humanas, mas questiona-as e excede-as infinitamente. Embora
"comece certamente nesta vida, tem sua plenitude
na eternidade" ( EN 27 ) . Origina-se em Cristo,
em sua encarnação, em toda a sua vida e
alcança-se de maneira definitiva, em sua morte
e ressurreição. Prossegue na história
dos homens pelo mistério da Igreja sob o influxo
permanente do Espírito que a precede, acompanha
e lhe dá fecundidade apostólica.
Esta mesma salvação, centro da Boa Nova
é "libertação do que oprime
o homem, mas sobretudo libertação do pecado
e do maligno, na alegria de se conhecer a Deus e de ser
conhecido por ele, de a pessoa o ver e de se entregar
a ele" ( EN 9 ) . Mas esta salvação
tem "vínculos muito fortes" com a promoção
humana em seus aspectos de desenvolvimento e de libertação,
parte integrante da evangelização. Estes
aspectos brotam da própria riqueza da salvação,
da ativação da caridade de Deus em nós,
a que estes aspectos estão subordinados. A Igreja
"não necessita, portanto, de recorrer a sistemas
e ideologias para amar e defender a libertação
do homem e colaborar com ela: no centro da mensagem de
que é depositária e pregoeira, encontra
inspiração para atuar em prol da fraternidade,
da, justiça e da paz; para agir contra as dominações,
escravidões, discriminações, violências
e atentados à liberdade religiosa, contra as agressões
ao homem e a tudo quanto atenta contra a vida" (João
Paulo II, Discurso Inaugural III, 2 ) .
A Igreja, mediante seu dinamismo evangelizador, gera este
processo:
- Dá testemunho de Deus, revelado em Cristo pelo
Espírito, que dentro de nós clama Abba "Pai"
c1381. Assim comunica a experiência de sua fé
nele.
- Anuncia a Boa Nova de Jesus Cristo, mediante a palavra
da vida: este anúncio suscita a fé, a pregação,
a catequese progressiva que a alimenta e educa.
- Gera a fé, que é conversão do coração
e da vida, entrega da pessoa a Jesus Cristo; dá
a participação de sua morte, para que a
vida de Cristo se manifeste em cada homem. Esta fé,
que também denuncia o que se opõe à
construção do Reino, implica em rupturas
que são necessárias e às vezes dolorosas.
- Leva ao ingresso na comunidade dos fiéis, que
perseveram na oração, na convivência
fraterna e celebram a fé e os seus sacramentos,
cujo ápice é a Eucaristia.
- Envia como missionários aos que receberam o Evangelho
com ânsias de que todos os homens sejam oferecidos
a Deus e de que todos os povos o louvem c141).
Assim a Igreja, em cada um dos seus membros, é
consagrada em Cristo pelo Espírito, é enviada
a pregar a Boa Nova aos pobres e a "buscar e salvar
o que estava perdido" (Lc 19,10).
1.3. Dimensão e destino universal da evangelização
A evangelização tem de calar fundo no coração
do homem e dos povos. Por isso sua dinâmica procura
a conversão pessoal e a transformação
social. A evangelização há de estender-se
a todos os povos; por isso sua dinâmica procura
a universalidade do gênero humano. Ambos estes aspectos
são de atualidade para evangelizar hoje e amanhã
a América Latina.
O fundamento desta universalidade é, antes de tudo,
o mandato do Senhor: "Ide, pois, fazei discípulos
meus todos os povos" (Ml 28,19) e a unidade da família
humana, criada por um mesmo Deus que salva e assinala
com sua graça. Cristo, a morto por todos, atrai
a todos por sua glorificação no Espírito.
Quanto mais convertidos a Cristo, tanto mais somos arrastados
por seu anseio universal de salvação. Assim
sendo, quanto mais vital é a Igreja particular,
tanto mais tornará presente e visível a
Igreja universal e mais forte será o seu movimento
missionário na direção dos outros
povos.
O nosso primeiro serviço para formar uma comunidade
eclesial mais viva consiste em fazer a nossos cristãos
mais fiéis e amadurecidos em sua fé, alimentando-os
com uma catequese adequada e uma liturgia renovada. Eles
serão fermento no mundo e darão à
evangelização extensão e vigor. Outra
tarefa consiste em atender às situações
que mais precisam de evangelização:
- Situações permanentes: nossos indígenas,
habitualmente marginalizados quanto aos bens da sociedade
e, em alguns casos, ou não evangelizados ou evangelizados
de forma insuficiente; os afro-americanos tantas vezes
esquecidos.
- Situações novas (AG 6) que nascem de mudanças
sócio-culturais e exigem uma outra evangelização:
pessoas que emigram para outros países; grandes
aglomerações urbanas no próprio país;
massas de todos os estratos sociais em precária
situação de fé; grupos expostos aos
influxos de seitas e ideologias que não lhes respeitam
a identidade, que confundem e provocam divisões.
- Situações particularmente difíceis:
grupos cuja evangelização é urgente,
mas muitas vezes adiada: universitários, militares,
operários, jovens, mundo da comunicação
social etc.
Finalmente chegou para a América Latina a hora
de intensificar os serviços recíprocos entre
as Igrejas particulares e de estas se projetarem p certo
que nós próprios precisamos de missionários,
mas devemos dar de nossa pobreza. Por o iro lado nossas
Igrejas podem oferecer algo de original e importante;
o seu sentido de salvação e libertação,
a riqueza de sua religiosidade popular, a experiência
das Comunidades Eclesiais de Base, a floração
de seus ministérios, sua esperança e a alegria
de sua fé. Já se realizaram esforços
missionários que se podem aprofundar e se devem
ampliar.
Não podemos deixar de agradecer a generosa ajuda
da Igreja universal e nesta ajuda a das Igrejas irmãs
pedindo que continuem a nos acompanhar especialmente na
formação de agentes autóctones. Assim
nos sentiremos sempre fortalecidos para assumir este compromisso
universal e teremos maior capacidade de responder ao serviço
próprio de nossa Igreja particular.
1.4. Critérios e sinais de evangelização
O evangelizador participa da fé e da missão
da Igreja que o envia. Necessita de critérios e
sinais que permitam discernir o que corresponde de fato
à fé e à missão da Igreja,
isto é, à vontade de seu Senhor. "Cada
um considere como constrói, pois ninguém
pode lançar outro fundamento. além do que
foi lançado, que é Jesus Cristo" (1
Cor 3, 10-11) . "Portanto, assim como acolhestes
a Cristo Jesus, o Senhor, continuai a guiar-vos por ele.
Arraigai-vos nele e edificai-vos sobre ele, perseverai
na fé que vos foi ensinada e transbordai em ações
de graça!" (Cl 2,6-7) c143).
Estes critérios e sinais são inspiradores
de uma evangelização autêntica e viva.
As distorções e perplexidades fretam ou
paralisam seu dinamismo. Apresentamos os seguintes critérios
fundamentais: - A Palavra de Deus contida na Bíblia
e na tradição viva da Igreja, particularmente
expressa nos símbolos ou profissões de fé
e dogmas da Igreja. A Sagrada Escritura deve ser a alma
da evangelização. Mas não adquire
só por si a clareza perfeita. Deve ser lida e interpretada
dentro da fé viva da Igreja. Nossos símbolos
ou profissões de fé resumem a Sagrada Escritura
e explicitam substâncias de mensagem pondo em relevo
a "hierarquia das verdades".
- A Fé do Povo de Deus. É a fé da
Igreja universal que se vive e exprime concretamente em
suas comunidades particulares. Uma comunidade particular
concretiza em si mesma a fé da Igreja universal
e deixa de ser comunidade privada e isolada; supera sua
própria particularidade na fé da Igreja
total.
- O magistério da Igreja. O sentido da Escritura,
dos símbolos e das formulações dogmáticas
do passado não brota só do próprio
texto, mas também da fé da Igreja. No seio
da comunidade encontramos a instância de decisão
e interpretação autêntica e fiel da
doutrina da fé e da moral; é o serviço
do sucessor de Pedro que confirma a seus irmãos
na fé e dos bispos "sucessores dos apóstolos
no carisma da verdade" (DV 8).
- Os teólogos prestam um serviço importante
à Igreja: sistematizam a doutrina e as orientações
do magistério em uma síntese de contexto
mais amplo, traduzem-na para uma linguagem adaptada ao
tempo: submetem a uma nova investigação
os fatos e as palavras reveladas por Deus, para referí-las
a novas situações sócio-culturais,
ou a novas descobertas e problemas suscitados pela ciência,
pela história ou pela filosofia. Servindo assim
à Igreja, procurarão não causar prejuízo
à fé dos fiéis, seja com explicações
difíceis, seja divulgando questões discutidas
e discutíveis.
- O trabalho teológico implica certa pluralidade
que resulta do uso de "métodos e modos diferentes
para conhecer e expressar os divinos mistérios".
Existe, portanto, um pluralismo bom e necessário
que procura exprimir as legítimas diversidades,
sem afetar a coesão e a concórdia. Também
existem pluralismos que fomentam a divisão.
- Todos participamos da missão profética
da Igreja. Sabemos que o Espírito distribui seus
dons e carismas para o bem de todo o corpo. Devemos recebê-1o
com gratidão, mas seu discernimento, isto é,
o juízo a respeito de sua autenticidade e a regulamentação
do seu exercício, corresponde à autoridade
na Igreja, à qual compete, antes de tudo não
sufocar o Espírito, mas sim experimentar tudo e
reter o que é bom.
Algumas atitudes nos revelam a autenticidade da evangelização:
- Uma vida de profunda comunhão eclesial.
- A fidelidade aos sinais da presença e da ação
do Espírito nos povos e nas culturas que sejam
expressão das legítimas aspirações
dos homens. Isto supõe respeito, diálogo
missionário, discernimento, atitude caridosa e
operante.
- A preocupação de que a palavra da verdade
chegue ao coração dos homens e se faça
vida.
- A contribuição positiva para a edificação
da comunidade.
- O amor prefencial e a solicitude para com os pobres
e necessitados.
- A santidade do evangelizador (EN 76), cujas notas características
são o sentido da misericórdia, a firmeza
e a paciência nas tribulações e perseguições,
a alegria de a pessoa saber que é ministro do Evangelho
( EN 80 ) .
Em conclusão, o que se pede ao servidor do Evangelho
é que seja encontrado fiel. Sua fidelidade cria
comunhão; "dela emana uma grande força
apostólica" (PC 15) que enriquecerá
a Igreja com frutos abundantes do Espírito.
2. EVANGELIZAÇAO DA CULTURA 2.1. Cultura e culturas
Nova e valiosa contribuição pastoral da
exortação Evangelii Nuntiandi está
no chamado de Paulo VI a que se enfrente a tarefa da evangelização
da cultura e das culturas ( EN 20 ) .
Com a palavra "cultura" indica-se a maneira
particular como em determinado povo cultivam os homens
sua relação com a natureza, suas relações
entre si próprios e com Deus (GS 53b), de modo
que possam chegar a "um nível verdadeira e
plenamente humano" (GS 53a). É "o estilo
de vida comum" (GS 53c) que caracteriza os diversos
povos; por isso é que se fala de "pluralidade
de culturas" (GS 53c) c153).
A cultura assim entendida abrange a totalidade . da vida
de um povo: o conjunto dos valores que o animam e dos
desvalores que o enfraquecem e que, ao serem partilhados
em comum por seus membros, os reúnem na base de
uma mesma "consciência coletiva" ( EN
18 ) . A cultura abrange, outrossim, as formas através
das quais estes valores ou desvalores se exprimem e configuram,
isto é, os costumes, a língua, as instituições
e estruturas de convivência social, quando não
são impedidas ou reprimidas pela intervenção
de outras culturas dominantes.
No quadro desta totalidade, a evangelização
procura alcançar a raiz da cultura a zona de seus
valores fundamentais, despertando uma conversão
que possa ser a base e a garantia da transformação
das estruturas e do ambiente social.
O essencial da cultura é constituído pela
atitude com que um povo afirma ou nega sua vinculação
religiosa com Deus, pelos valores ou desvalores religiosos.
Estes têm a ver com o sentido último da existência
e radicam naquela região mais profunda onde o homem
encontra respostas para as perguntas básicas e
definitivas que o atormentam, quer as encontre numa orientação
positivamente católica ou, pelo contrário,
numa orientação atéia. E por isso
que a religião ou a irreligião são
inspiradoras de todas as restantes ordens culturais familiar,
econômica, política,, artística, etc...
enquanto as libera para a ordem da transcendente ou as
encerra em seu próprio sentido imanente. A evangelização,
que leva em consideração o homem todo, procura
atingi-1o em sua totalidade, a partir de sua dimensão
religiosa.
A cultura é uma atividade criadora do homem pela
qual ele responde à vocação de Deus
que lhe pede que aperfeiçoe toda a criação
(Gênese) e nela as próprias capacidades e
qualidades espirituais e corporais.
A cultura vai-se formando e transformando à base
de uma contínua experiência histórica
e vital dos povos. Transmite-se através de um processo
de tradição genealógica. O homem,
portanto, nasce e desenvolve-se no seio de uma determinada
sociedade, condicionado e enriquecido por uma cultura
particular. Ele recebe-a e modifica-a criativamente e
continua a transmiti-1a. A cultura é uma realidade
histórica e social.
Sempre submetidas a novos desenvolvimentos, à interpenetração
e ao encontro recíprocos, passam as culturas, em
seu processo histórico, por períodos em
que se vêem desafiadas por novos valores ou desvalores
e pela necessidade de realização de novas
sínteses vitais. Nestes períodos, a Igreja
se sente chamada a estar presente juntamente com o Evangelho,
particularmente nas fases em que decaem e morrem velhas
formas, segundo as quais o homem organizou seus valores
e sua convivência para dar lugar a sínteses
novas''. É melhor evangelizar as novas formas culturais
logo ao nascer e não quando já cresceram
e se estabilizaram. É este o desafio global que
no momento a Igreja enfrenta, já que "se pode
falar, com razão de uma nova época da história
humana" (GS 54). Por isso a Igreja da América
Latina procura dar novo impulso à evangelização
em nosso Continente.
2.2. Opção pastoral da Igreja da América
Latina: a evangelização da própria
cultura, no presente em vista do futuro
Finalidade da evangelização
Cristo enviou sua Igreja para anunciar o Evangelho a todos
os homens, a todos os povos. Uma vez que cada um dos homens
nasce no seio de uma cultura, a Igreja procura alcançar,
por meio de sua ação evangelizadora não
só o indivíduo senão também
a cultura do povo. Procura "alcançar e transformar
pela força do Evangelho os critérios de
juízo, os valores determinantes, os pontos de interesse,
as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos
de vida da humanidade, que estão em contraste com
a palavra de Deus e com o projeto da salvação.
Poder-se-ia exprimir isso dizendo: importa evangelizar
- não de maneira decorativa, como que aplicando
um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade,
e isto até às suas raízes - a cultura
e as culturas do homem" ( EN 19-20 ) .
Opção pastoral
A ação evangelizadora de nossa Igreja latino-americana
há de ter como meta. geral a constante renovação
e transformação evangélica de nossa
cultura, quer dizer, a penetração pelo Evangelho,
dos valores e critérios que a inspiram, a conversão
dos homens que vivem segundo esses valores e a mudança
que, para ser mais plenamente humanas, requerem as estruturas
em que aqueles vivem e se expressam.
Para isso, é de primeira importância atender
à religião de nossos povos, não só
assumindo-a como objeto de evangelização,
mas também, por estar já evangelizada, como
força ativamente evangelizadora.
2.3. Igreja, fé e cultura
Amor aos povos e conhecimento de sua cultura A fim de
desenvolver sua ação evangelizadora com
realismo, a Igreja há de conhecer a cultura da
América Latina. Mas ela parte, antes de tudo, de
uma profunda atitude de amor aos povos. Deste modo, não
só por via científica, mas também
pela conatural capacidade de compreensão efetiva
que dá o amor, poderá conhecer e discernir
as modalidades próprias de nossa cultura, suas
crises e desafios históricos e solidarizar-se,
em conseqüência disso, com ela no seio de sua
história. Um critério importante que há
de guiar a Igreja em seu esforço de conhecimento
é o seguinte: importa verificar para onde se orienta
o movimento geral da cultura e não tanto os entraves
que se detêm no passado, as expressões atualmente
vigentes e não tanto as meramente folclóricas.
A tarefa da evangelização da cultura em
nosso Continente deve ser .focalizada sobre o pano de
fundo de uma arraigada tradição cultural,
desafiada pelo processo de transformação
cultural que a América Latina e o mundo inteiro
vêm vivendo nos tempos modernos e que atualmente
chega a seu ponto de crise.
Encontro da fé com as culturas
A Igreja, Povo de Deus, quando anuncia o Evangelho e os
povos acolhem a fé, neles se encarna e assume suas
culturas. Instaura assím não uma identificação,
mas duma estreita vinculação com ela. Por
um lado, efetivamente, a fé transmitida pela Igreja
é vivida a partír de uma cultura pressuposta,
isto é, por fiéis "vinculados profundamente
a uma cultura, e a construção do Reino não
pode deixar de servir-se de elementos da cultura e das
culturas humanas" c'61). por outro lado, continua
válido, na ordem pastoral, o princípio de
encarnação formulado por Santo Ireneu: "O
que não é assumido não é redimido".
O princípio geral de encarnação se
concretiza em diversos critérios particulares:
As culturas não são terreno vazio, carente
de autênticos valores. A evangelização
da Igreja não é um processo de destruição,
mas de consolidação e fortalecimento desses
valores; uma contribuição ao crescimento
dos "germes do Verbo" presentes nas culturas.
Com maior interesse assume a Igreja os valores especificamente
cristãos que encontra nos povos já evangelizados
e que são vividos por estes segundo sua própria
modalidade cultural.
A Igreja, parte, em sua evangelização, daquelas
sementes lançadas por Cristo e desses valores,
frutos de sua própria evangelização.
Tudo isso implica que a Igreja - e obviamente a Igreja
particular - se esmere por adaptar-se, realizando o esforço
de transvasamento da mensagem evangélica para a
linguagem antropológica e para os símbolos
da cultura em que se insere c163).
A Igreja, ao propor à Boa Nova, denuncia e corrige
a presença do pecado nas culturas, purifica e exorcisa
os desvalores. Estabelece, por conseqüência,
uma crítica das culturas, uma vez que o reverso
do anúncio do Reino de Deus é a crítica
das idolatrias, isto é, a crítica dos valores
erigidos em ídolos ou dos valores que uma cultura
assume como absolutos sem que o sejam. A Igreja tem a
missão de dar testemunho do "verdadeiro Deus
e do único Senhor". .
Não se pode considerar como violação
a evangelização que é um convite
a que se abandonem as falsas concepções
de Deus, procedimentos antinaturais e manipulações
aberrantes do homem feitas pelo homem.
A tarefa específica da evangelização
consiste em "anunciar a Cristo" c165) e convidar
as culturas não a ficar sob um esquema eclesiástico,
mas sim a acolher pela fé o domínio espiritual
de Cristo, fora de cuja verdade e graça não
poderão encontrar sua plenitude. Deste modo pela
evangelização a Igreja procura que as culturas
se renovem, se elevem e se aperfeiçoem pela presença
viva do Ressuscitado, centro da história e do seu
Espírito (EN 18,20,23; GS 58d, 61a).
2.4. Evangelização da cultura na AL
Já foram indicados os critérios fundamentais
que orientam a ação evangelizadora das culturas.
Nossa Igreja, por seu lado, realiza a referida ação
nesta área humana especial da AL. Seu processo
histórico-cultural já foi descrito ( cf.
Parte I ) . Retomamos agora brevemente os principais dados
estabelecidos na primeira parte deste documento, para
poder discernir os desafios e problemas que o momento
atual coloca para a evangelização.
Tipos de cultura e fases no processo cultural
A AL tem sua origem no encontro da raça hispano-lusitana
com as culturas pré-colombianas e africanas. A
mestiçagem racial e cultural marcou fundamentalmente
este processo, e sua dinâmica indica que no futuro
continuará marcando.
Este fato não nos pode fazer desconhecer a persistência
de várias culturas indígenas ou afro-americanas
em estado puro e a existência de grupos com diversos
graus de integração nacional. Posteriormente,
durante os dois últimos séculos, afluem
novas correntes migratórias, sobretudo no Cone
Sul, que trazem modalidades próprias integrando-se
basicamente no estrato cultural preexistente.
Na primeira época, isto é, do século
XVI ao XVIII se lançam as bases da cultura latino-americana
e de seu real substrato católico. Sua evangelização
foi suficientemente profunda para que a fé passasse
a ser constitutiva de sua essência e da sua identidade,
dando-lhe a unidade espiritual que subsiste, apesar da
anterior divisão em diversas nações
e apesar de estar marcada por rupturas em nível
econômico, político e social.
Esta cultura impregnada de fé e, com freqüência,
sem uma catequese conveniente, manifesta-se nas atitudes
próprias da religião de nosso povo, penetradas
de um profundo sentimento de transcendência e ao
mesmo tempo da proximidade de Deus. Traduz-se em uma sabedoria
popular com expressões contemplativas que orienta
o modo peculiar como o homem latino-americano vive sua
relação com a natureza e com os outros homens,
num sentido de trabalho e festa, de solidariedade, de
amizade e parentesco. Traduz-se igualmente no sentimento
de sua própria dignidade que não é
diminuída pela vida pobre e singela que leva.
E uma cultura que, conservada de um modo mais vivo e articulando
toda a existência nos setores pobres, está
marcada especialmente pelo coração e suas
intenções. Exprime-se não tanto nas
categorias e na organização mental características
das ciências, mas nas artes plásticas, na
piedade que se faz vida e nos espaços de convivência
solidária. Esta cultura, primeiro a mestiça
e depois pouco a pouco a dos diversos agrupamentos indígenas
e afro-americanos, começa no século XVIII
a sofrer o impacto da chegada da civilização
urbano-industrial, dominada pela mentalidade físico-matemática
e pela idéia de eficácia.
Esta civilização é acompanhada de
fortes tendências à personalização
e à socialização. Produz uma acentuada
aceleração da história, que exige
de todos os povos um grande esforço de assimilação
e criatividade, para que suas culturas não sejam
postergadas ou até eliminadas.
A cultura urbano-industrial com a conseqüente e a
intensa proletarização dos setores sociais
e até de diversos povos, é controlada pelas
grandes potências que detêm a ciência
e a técnica. Este processo histórico tende
a tornar cada vez mais agudo o problema da dependência
e da pobreza.
O advento da civilização urbano-industrial
acarreta igualmente problemas no plano ideológico
e chega a ameaçar as próprias raízes
de nossa cultura, uma vez que esta civilização
nos chega de fato, em seu real processo histórico,
impregnada de racionalismo e inspirada em duas ideologias
dominantes: o liberalismo e o coletivismo marxista. Em
ambas se aninham a tendência não só
a uma legítima e desejada secularização,
mas também a do secularismo.
No quadro deste processo histórico surgem em nosso
Continente fenômenos e problemas particulares e
importantes: a intensificação das migrações
e dos deslocamentos de população do campo
para a cidade; a presença de fenômenos religiosos
como o da invasão de seitas, que por parecerem
marginais, não devem ficar desapercebidas ao evangelizador;
a enorme influência dos meios de comunicação
social como veículos de novas diretrizes e modelos
culturais; o anseio da mulher por sua promoção,
de acordo com sua dignidade e peculiaridade no conjunto
da, sociedade; o surgimento de um mundo operário
que será decisivo na nova configuração
de nossa cultura.
A ação evangelizadora: desafios e problemas
Os fatos acima indicados são os desafios que a
Igreja há de enfrentar. Neles se manifestam os
sinais dos tempos, que apontam o futuro para onde vai
o movimento da cultura. A Igreja deve discerni-tos, para
poder consolidar os valores e derrubar os ídolos
que alentam esse processo histórico.
A cultura universal em ascensão
A cultura urbano-industrial, inspirada na mentalidade
científico-técnica, promovida pelas grandes
potências e marcada pelas ideologias mencionadas,
pretende ser universal. Os povos, as culturas particulares,
os diversos grupos humanos, são convidados, e mais
ainda, obrigados a integrar-se nela.
Na América Latina esta tendência traz de
novo à tona o problema da integração
das etnias indígenas no quadro político
e cultural das nações, precisamente por
estas se verem compelidas a avançar a um desenvolvimento
maior, a ganhar novas terras e braços para uma
produção mais eficaz, para poder integrar-se
com maior dinamismo no curso acelerado da civilização
universal.
Os níveis que esta nova universalidade apresenta
são diversos: o dos elementos científicos
e técnicos como instrumentos de desenvolvimento;
o de certos valores que são acentuados, como os
do trabalho e de uma crescente posse de bens de consumo;
o nível de um "estilo de vida" total
que traz consigo uma determinada hierarquia de valores
e preferências.
Nesta encruzilhada histórica, alguns grupos étnicos
e sociais se fecham em si mesmos, defendendo sua própria
cultura, num isolamento infrutuoso; outros, em contrapartida,
se deixam absorver facilmente pelos estilos de vida que
instaura o novo tipo de cultura universal.
A Igreja, em sua tarefa evangelizadora, procede com fino
e laborioso discernimento. Por seus próprios princípios
evangélicos, contempla com satisfação
os progressos da humanidade para a integração
e comunhão universal. Em virtude de sua missão
específica, se sente enviada, não para destruir,
mas para ajudar as culturas a se consolidarem em seu próprio
ser e identidade, convocando os homens de todas as raças
e povos a se reunirem, pela fé, sob Cristo, no
mesmo e único Povo de Deus.
A Igreja promove e fomenta até mesmo o que vai
além desta união católica na mesma
fé e que se concretiza em formas de comunhão
entre as culturas e de integração justa
nos níveis econômico, social e político.
Mas ela questiona, é claro, aquela "universalidade",
que é sinônimo de nivelamento e uniformidade,
que não respeita as diferentes culturas, debilitando-as,
absorvendo-as ou eliminando-as. Com maior razão
a Igreja não aceita aquela instrumentação
da universalidade que equivale à unificação
da humanidade mediante uma injusta e lesante supremacia
e domínio de uns povos ou setores sociais sobre
outros povos e setores.
A Igreja da América Latina se propõe reencetar
com renovado vigor a evangelização da cultura
de nossos povos e dos diversos grupos étnicos para
que germine ou seja reavivada a fé evangélica
e para que esta, como base de comunhão, se lance
em formas de justa integração nos quadros
respectivos de uma nacionalidade, de uma grande pátria
latino-americana e de uma integração universal
que permita a nossos povos o desenvolvimento de sua própria
cultura, capaz de assimilar de modo próprio as
descobertas científicas e técnicas.
A cidade
Na passagem da cultura agrária para a urbano-industrial,
a cidade se transforma em propulsora da nova civilização
universal. Este fato requer um novo discernimento por
parte da Igreja. Globalmente, deve inspirar-se na visão
da Bíblia, a qual ao mesmo tempo que comprova positivamente
a tendência dos homens à criação
de cidades onde conviver de um modo mais associado e humano,
é crítica da dimensão desumana do
pecado que nelas se origina.
Assim sendo, nas atuais circunstâncias, a Igreja
não alenta o ideal da criação de
megalópoles que se tornam irremediavelmente desumanas,
como tampouco de uma industrialização excessivamente
acelerada que as atuais gerações tenham
que pagar às custas de sua própria felicidade,
com sacrifícios desproporcionais.
Por outro lado, reconhece que a vida urbana e as transformações
industriais levantam problemas até agora desconhecidos.
Em seu interior se modificam os modos de vida e as estruturas
habituais da vida: a família, a vizinhança,
a organizarão do trabalho. Alteram-se igualmente
as condições de vida do homem religioso,
dos fiéis e da comunidade cristã.
As características anteriores constituem aspectos
do chamado "processo de secularização",
ligado evidentemente ao surgimento da ciência e
da técnica e à urbanização
crescente.
Não há razão de se pensar que as
formas essenciais da consciência religiosa estejam
exclusivamente ligadas à cultura agrária.
É falso dizer que a passagem para a civilização
urbano-industrial acarrete necessariamente a abolição
da religião. Contudo, constitui um evidente desafio,
ao se condicionar com novas formas e estruturas de vida,
a consciência religiosa e a vida cristã.
A Igreja se encontra pois diante do desafio de renovar
sua evangelização, de modo que possa ajudar
aos fiéis a viver sua vida cristã no quadro
dos novos condicionamentos que a sociedade urbano-industrial
cria para a vida de santidade; para a oração
e a contemplação; para as relações
entre os homens, que se tornam anônimas e arraigadas
no meramente funcional; para uma nova vivência do
trabalho, da produção e do consumo.
O secularismo
A Igreja assume o processo de secularização
no sentido de uma legítima autonomia do secular
como justo e desejável, conforme entendem a GS
e a EN. Contudo, a passagem para a civilização
urbano-industrial, considerada não em abstrato,
mas em seu real processo histórico ocidental, é
inspirada pela ideologia que chamamos "secularismo".
Em sua essência, o secularismo separa e opõe
o homem com relação a Deus; concebe a construção
da história como responsabilidade exclusiva do
homem, considerado em sua mera imanência. Trata-se
de "uma concepção do mundo segundo
a qual este último se explica por si mesmo, não
sendo necessário recorrer a Deus: Deus seria pois
supérfluo e até mesmo um obstáculo.
Este secularismo, para reconhecer o poder do homem, acaba
se colocando acima de Deus ou mesmo negando-o. Novas formas
de ateísmo - um ateísmo antropocêntrico,
não abstrato e metafísico, mas prático
e militante - parecem derivar dele. Em união com
este secularismo ateu, nos é proposta todos os
dias, sob as formas mais diversas, uma civilização
de consumo, o hedonismo erigido em valor supremo, uma
vontade de poder e de domínio, de discriminações
de toda espécie: constituem elas outras tantas
inclinações desumanas deste "humanismo"
( EN 55 ) .
A Igreja, pois, em sua tarefa de evangelizar e suscitar
a fé em Deus Pai providente e em Jesus Cristo,
ativamente presente na história humana, passa por
um confronto radical com esse movimento secularista. Vê
nele uma ameaça à fé e à própria
cultura de nossos povos latino-americanos. Por isso, uma
das incumbências fundamentais do novo impulso evangelizador
há de ser atualizar e reorganizar o anúncio
do conteúdo da evangelização partindo
da própria fé de nossos povos, de modo que
estes possam assumir os valores da nova civilização
urbano-industrial, numa síntese vital cujo fundamento
continue sendo a fé em Deus e não o ateísmo,
conseqüência lógica da tendência
secularista.
Conversão e estruturas
Ficou assinalada a incoerência entre a cultura de
nossos povos, cujos valores estão marcados de fé
cristã, e a condição de pobreza em
que muitas vezes permanecem retidos injustamente.
Sem dúvida, as situações de injustiça
e de pobreza extrema são um sinal acusador de que
a fé não teve a força necessária
para penetrar os critérios e as decisões
dos setores responsáveis da liderança, ideológica
e da organização da convivência social
e econômica de nossos povos. Em povos de arraigada
fé cristã impuseram-se estruturas geradoras
de injustiça. Estas, que estão em conexão
com o processo de expansão do capitalismo liberal
e em algumas partes se transformam em outras inspiradas
pelo coletivismo marxista, nascem das ideologias de culturas
dominantes e são incoerentes com a fé própria
de nossa cultura popular.
A Igreja convida, pois, a uma renovada conversão
no plano dos valores culturais, para que a partir daí
se impregnem de espírito evangélico as estruturas
de convivência. Ao convidar a uma revitalização
dos valores evangélicos, ela insiste numa rápida
e profunda transformação das estruturas,
uma vez que estas estão destinadas a conter, por
sua própria natureza, o mal que nasce do coração
do homem e se manifesta igualmente em forma social, e
em servir como condições pedagógicas
para uma conversão interior, no plano dos valores.
Outros problemas
No conjunto desta situação geral e de seus
desafios globais, se inserem alguns problemas particulares
de importância que a Igreja há de atender
em seu novo impulso evangelizador. Estes são: a
organização de uma adequada catequese partindo
de um devido conhecimento das condições
culturais de nossos povos e de uma compenetração
com seu estilo de vida, com suficientes agentes pastorais
autóctones e diversificados, que satisfaçam
o direito de nossos povos e de nossos pobres em não
ficar esquecidos na ignorância ou em níveis
de formação rudimentares de sua fé.
Um questionamento crítico e construtivo do sistema
educativo na América Latina.
A necessidade de traçar critérios e caminhos,
baseados na experiência e na imaginação,
para uma pastoral da cidade, onde se encontram em gestação
os novos modos de cultura bem como o aumento do esforço
evangelizador e promotor dos grupos indígenas e
afro-americanos.
A instauração de uma nova presença
evangelizadora da Igreja no mundo operário, nas
elites intelectuais e entre as artísticas.
A contribuição humanista e evangelizadora
da Igreja para a promoção da mulher, conforme
sua própria identidade específica.
3. EVANGELIZAÇÃO E RELIGIOSIDADE POPULAR
3.1. Noção e afirmações fundamentais
Entendemos por religião do povo, religiosidade
popular ou piedade popular o conjunto de crenças
profundas marcadas por Deus, das atitudes básicas
que derivam dessas convicções e as expressões
que as manifestam. Trata-se da forma ou da existência
cultural que a religião adota em um povo determinado.
A religião do povo latino-americano, em sua forma
cultural mais característica, é expressão
da fé católica. É um catolicismo
popular.
Com deficiências e apesar do pecado sempre presente,
a fé da Igreja marcou a alma da América
Latina, caracterizando-lhe a identidade histórica
essencial e constituindo-se na matriz cultural do Continente,
da qual nasceram os novos povos.
O Evangelho encarnado em nossos povos congrega-os numa
originalidade histórica cultural que chamamos América
Latina. Essa identidade está simbolizada muito
luminosamente no rosto mestiço da Virgem de Guadalupe
que surge no início da evangelização.
Esta religião do povo é vivida de preferência
pelos "pobres e simples" ( EN 48 ), mas abrange
todos os setores sociais e, às vezes, é
um dos poucos vínculos que reúne os homens
em nossas nações politicamente tão
divididas. Por outro lado, deve sustentar-se que tal unidade
contém diversidades múltiplas segundo os
grupos sociais, étnicos e, mesmo, as gerações.
A religiosidade do povo, em seu núcleo, é
um acervo de valores que responde com sabedoria cristã
às grandes incógnitas da existência.
A sapiência popular católica tem uma capacidade
de síntese vital; engloba criadoramente o divino
e o humano, Cristo e Maria, espírito e corpo, comunhão
e instituição, pessoa e comunidade, fé
e pátria, inteligência e afeto. Esta sabedoria
é um humanismo cristão que afirma radicalmente
a dignidade de toda pessoa como Filho de Deus, estabelece
uma fraternidade fundamental, ensina a encontrar a natureza
e a compreender o trabalho e proporciona as razões
para a alegria e o humor, mesmo em meio de uma vida muito
dura. Essa sabedoria é também para o povo
um princípio de discernimento, um instinto evangélico
pelo qual capta espontaneamente quando se serve na Igreja
ao Evangelho e quando ele é esvaziado e asfixiado
com outros interesses! (João Paulo II, Discurso
Inaugural, III, 6-AAS, LXXI, p. 203 ) .
Uma vez que esta realidade cultural abrange setores sociais
muito extensos, a religião do povo tem a capacidade
de congregar multidões. Por isso, no âmbito
da piedade popular, a Igreja cumpre com seu imperativo
de universalidade. Efetivamente, "sabendo que a mensagem
não está reservada a um pequeno grupo de
iniciados, de privilegiados ou eleitos, mas se destina
a todos" (EN 57), a Igreja consegue essa amplidão
de convocação das multidões nos santuários
e nas festas religiosas. Aí a mensagem evangélica
tem oportunidade, nem sempre aproveitada pastoralmente,
de chegar "ao coração das massas"
(ibid.).
A religiosidade popular não só é
objeto de evangelização, mas também,
enquanto contém encarnada a Palavra de Deus, é
uma forma ativa com que o povo se evangeliza continuamente
a si próprio. Esta piedade popular católica,
na América Latina, não chegou a impregnar
adequadamente ou mesmo não conseguiu evangelizar
certos grupos culturais autóctones ou de origem
africana, que por sua vez possuem riquíssimos valores
e guardam "sementes do Verbo" à espera
da Palavra viva.
A religiosidade popular, embora marque a cultura da América
Latina, não se expressou suficientemente na organização
de nossas sociedades e Estados. Por isso deixa um espaço
para o que S. S. João Paulo II tornou a designar
como "estruturas de pecado" (Homilia Zapopán,
3-AAS, LXXI, p. 230). Destarte a distância entre
ricos e pobres, a situação de ameaça
que vivem os mais fracos, as injustiças, as postergações
e sujeições indignas que sofrem, contradizem
radicalmente os valores de dignidade pessoal e de irmandade
solidária, que o povo latino-americano traz em
seu coração como imperativos recebidos do
Evangelho. Por isso a religiosidade do povo latino-americano
se converte muitas vezes num clamor por uma verdadeira
libertação. É uma exigência
ainda não satisfeita. O povo por sua vez, movido
por esta religiosidade, cria ou utiliza dentro de si,
em sua convivência mais estreita, alguns espaços
para exercer a fraternidade, por exemplo: o bairro, a
aldeia, o sindicato, o esporte. Entretanto, não
desespera, aguarda com confiança e com astúcia
os momentos oportunos para progredir em sua libertação
tão almejada.
Por falta de atenção dos agentes de pastoral
e por outros fatores complexos, a religião do povo
mostra em certos casos sinais de desgaste e deformação:
aparecem substitutos aberrantes e sincretismos regressivos.
Além disso, pairam em algumas partes sobre ela
sérias e estranhas ameaças que se apresentam
exacerbando a fantasia com tons apocalípticos.
3.2. Descrição da religiosidade popular
Como elementos da piedade popular podemos assinalar: a
presença trinitária que se percebe em devoções
e em iconografias, o sentido da Providência de Deus
Pai; Cristo celebrado em seu mistério de encarnação
(Natal, Menino Jesus), em sua crucifixão, na eucaristia
e na devoção ao Sagrado Coração;
amor a Maria: ela e "seus mistérios pertencem
à identidade própria desses povos e caracterizam
sua piedade popular" (João Paulo II, Homilia
Zapopán, 2, - AAS, LXXI, p. 228 ) - venerada como
Mãe Imaculada de Deus e dos homens, como Rainha
de nossos diversos países e do Continente inteiro;
os santos, como protetores; os defuntos; a consciência
de dignidade pessoal e de fraternidade solidária;
a consciência de pecado e de necessidade de expiação;
a capacidade de expressar a fé numa linguagem total
que supera os racionalismos (canto, imagens, gestos, cor,
dança); a fé situada no tempo ( festas )
e em lugares ( santuários e templos); a sensibilidade
para a peregrinação como símbolo
da existência humana e cristã; o respeito
filial aos pastores como representantes de Deus; a capacidade
de celebrar a fé em forma expressiva e comunitária;
a integração profunda dos sacramentos e
sacramentais na vida pessoal e social; o afeto particular
pela pessoa do Santo Padre; a capacidade de sofrimento
e heroísmo para suportar as provas e confessar
a fé; o valor da oração; a aceitação
dos outros.
A religião popular latino-americana, há
tempo, sofre por causa do divórcio entre a elite
e o povo. Isso significa que lhe faltam educação,
catequese e dinamismo, devido à carência
de uma adequada pastoral.
Os aspectos negativos são de origens várias.
De tipo ancestral: superstição, magia, fatalismo,
idolatria do poder, fetichismo e ritualismo. Por deformação
da catequese: arcaísmo estático, falta de
informação e ignorância, reinterpretação
sincretista, reducionismo da fé a um mero contrato
na relação com Deus. Ameaças: secularismo
difundido pelos meios de comunicação social,
consumismo, seitas, religiões orientais e agnósticas,
manipulações ideológicas, econômicas,
sociais e políticas, messianismos políticos
secularizados, perda de suas raízes e proletarização
urbana, em conseqüência das transformações
culturais. Podemos afirmar que muitos desses fenômenos
são verdadeiros obstáculos para a evangelização.
3.3. Evangelização da religiosidade popular;
processo, atitudes e critérios
Como toda a Igreja, a religião do povo deve ser
evangelizada sempre de novo. Na América Latina,
depois de quase quinhentos anos de pregação
do Evangelho e do batismo generalizado de seus habitantes,
esta evangelização há de apelar para
a "memória cristã de nossos povos".
Será um esforço de pedagogia pastoral, em
que o catolicismo popular seja assumido, purificado, completado
e dinamizado pelo Evangelho. Isso implica, na prática,
reencetar um diálogo pedagógico, a partir
dos últimos elos que os evangelizadores de outrora
deixaram no coração de nosso povo. Para
tanto se requer conhecer os símbolos, a linguagem
silenciosa, não verbal, do povo, com o fim de conseguir,
num diálogo vital, comunicar a Boa Nova mediante
um processo de reinformação catequética.
Os agentes de evangelização, com a luz do
Espírito Santo e cheios de "caridade pastoral",
saberão desenvolver a "pedagogia da evangelização"
(EN 48 ) . Isso exige, sobretudo, amor e aproximação
ao povo, prudência e firmeza, constância e
audácia para educar essa preciosa fé, algumas
vezes tão debilitada.
As formas concretas e os processos pastorais deverão
ser avaliados segundo esses critérios característicos
do Evangelho vivido na Igreja. Tudo se há de fazer
para que os batizados sejam mais filhos no Filho, mais
irmãos na Igreja, mas responsavelmente missionários
para estender o Reino. Nessa direção há
de amadurecer a religião do povo. 3.4. Tarefas
e desafios
Estamos em uma, situação de urgência.
A transformação de uma sociedade agrária
em uma sociedade urbano-industrial submete a religião
do povo a uma crise decisiva. Os grandes desafios que
a piedade popular levanta para o fim do milênio
na América Latina configuram as seguintes tarefas
pastorais:
a ) A necessidade de evangelizar e catequisar adequadamente
a grande maioria que foi batizada e vive um catolicismo
popular debilitado.
b ) Dinamizar os movimentos apostólicos, as paróquias,
as Comunidades Eclesiais de Base e os militantes da Igreja
em geral, para que sejam de maneira mais generosa "fermento
na massa". Será necessário revisar
as espiritualidades, as atitudes e as táticas das
elites da Igreja com referência à religiosidade
popular. Como bem salientou Medellin: "Esta religiosidade
coloca a Igreja diante do dilema de continuar sendo Igreja
universal ou de converter-se em seita, ao não incorporar
vitalmente a si aqueles homens que se expressam com essa
tipo de religiosidade" ( Pastoral popular, 3 ) .
Devemos desenvolver em nossos militantes uma mística
de serviço evangelizador da religião de
seu povo. Essa tarefa é agora mais atual do que
então: as elites devem assumir o espírito
de seu povo, purificá-1o, aquilatá-1o e
encarná-1o de forma esclarecida. Devem participar
nas convocações e nas manifestações
populares para darem sua contribuição.
c) Adiantar uma crescente e planificada transformação
de nossos santuários para que possam ser "lugares
privilegiados" (João Paulo II Homilia. Zapopán
5 AAS, LXXI, p. 231 ) de evangelização.
Isso requer purificá-los de todo tipo de manipulação
e de atividades comerciais. Uma tarefa especial cabe aos
santuários nacionais, símbolos da interação
da fé com a história de nossos povos.
d) Atender pastoralmente a piedade popular da zona rural
e indígena para que, segundo sua identidade e seu
desenvolvimento, cresçam e se renovem com a doutrina
do Concílio Vaticano II. Assim se hão de
preparar melhor para a transformação cultural
generalizada.
e) Favorecer a mútua fecundação entre
liturgia e piedade popular que possa orientar com lucidez
e prudência os anseios de oração e
vitalidade carismática que hoje se comprovam em
nossos países. Por outro lado, a religião
do povo, com sua grande riqueza simbólica e expressiva,
pode proporcionar à liturgia um dinamismo criador.
Este, devidamente discerni
do, há de servir para encarnar mais e melhor a
oração universal da Igreja em nossa cultura.
f) Procurar as reformulações e reacentuações
necessárias da religiosidade popular no horizonte
de uma civilização urbano-industrial. E
já é um processo que se percebe nas grandes
metrópoles do Continente, onde a piedade popular
está se expressando espontaneamente em modos novos
e enriquecendo-se com novos valores amadurecidos em seu
próprio seio. Nessa perspectiva, dever-se-á
procurar que a fé desenvolva uma personalização
crescente e uma solidariedade libertadora; fé que
alimente uma espiritualidade capaz de assegurar a dimensão
contemplativa, de gratidão para com Deus e de encontro
poético, sapiencial, com a criação;
fé que seja fonte de alegria popular e motivo de
festa mesmo em situações de sofrimento.
Desse modo podem se plasmar formas culturais que resgatem
a industrialização urbana do tédio
opressor e do economicismo frio e asfixiante.
g) Favorecer as expressões religiosas populares
com participação de grandes massas pela
força evangelizadora que possuem.
h) Assumir as inquietações religiosas que,
como angústia histórica, estão despertando
no fim do milênio. Assumi-las no domínio
de Cristo e na Providência do Pai, para que os filhos
de Deus obtenham a paz necessária enquanto lutam
no tempo.
Se a Igreja não reinterpretar a religião
do povo latino-americano, se dará um vazio que
será ocupado pelas seitas, pelos messianismos políticos
secularizados, pelo consumismo que produz tédio
e a indiferença ou o pansexualismo pagão.
Novamente a Igreja enfrenta o problema: o que não
é assumido em Cristo, não é redimido
e se constitui em ídolo novo com malícia
antiga.
4. EVANGELIZAÇAO, LIBERTAÇÃO E PROMOÇAO
HUMANA
A evangelização em sua relação
com a promoção humana, a libertação
e a doutrina social da Igreja.
4.1. Palavras de ânimo
Reconhecemos os esforços realizados por muitos
cristãos da América Latina para aprofundar
na fé e iluminar com a Palavra de Deus as situações
particularmente conflitantes de nossos povos. Animamos
a todos os cristãos a continuar prestando esse
serviço evangelizador e a discernir seus critérios
de reflexão e investigação, tendo
cuidado especial em conservar e promover a comunhão
eclesial, tanto em nível local quanto universal.
Estamos conscientes de que, a partir de Medellin, os agentes
de pastoral conseguiram progressos muito significativos
e esbarraram em não poucas dificuldades. Estas
não devem desanimar-nos; devem levar-nos antes
a novas procuras e melhores realizações.
4.2. Doutrina social da Igreja
A contribuição da Igreja à libertação
e promoção humana vem se concretizando num
conjunto de orientações doutrinais e critérios
de ação que costumamos chamar "doutrina
social da Igreja", os quais têm sua fonte na
Sagrada Escritura, na doutrina dos Santos Padres e dos
grandes teólogos da Igreja e no Magistério,
especialmente dos últimos papas. Como se evidência
desde sua origem, há neles elementos de validade
permanente que se fundamentam numa antropologia nascida
da própria mensagem de Cristo e nos valores perenes
da ética cristã. Mas há também
elementos que são alteráveis e respondem
às condições próprias de cada
país e de cada época, (GS, Nota 1).
Seguindo Paulo VI (0A, 4), podemos formular esta doutrina
assim: atenta aos sinais dos tempos, interpretados à
luz do Evangelho e do magistério da Igreja, toda
a comunidade cristã é chamada a se tornar
responsável pelas opções concretas
e pela sua efetiva atuação para responder
às interpelações que as circunstâncias
mutáveis apresentam. Esta doutrina social tem,
pois, um caráter dinâmico e em sua elaboração
e aplicação os leigos hão de ser
não passivos executores, mas ativos colaboradores
dos pastores, a quem levam sua experiência cristã,
sua competência profissional e científica
(GS 42).
Está claro, pois, que toda a comunidade cristã,
em comunhão com seus legítimos pastores
e guiada por eles, constitui sujeito responsável
pela evangelização, pela libertação
e promoção humana.
O objeto precípuo desta doutrina social é
a dignidade pessoal do homem, imagem de Deus e a tutela
de seus direitos inalienáveis (PP 14-21). A Igreja
explicitou seus ensinamentos nos diversos campos da vida:
social, econômico, político, cultural, segundo
as necessidades. Portanto, a finalidade dessa doutrina
da Igreja - que traz sua visão própria do
homem e da humanidade (PP 13) - é sempre a promoção
de libertação total da pessoa humana, em
sua dimensão terrena e transcendente, contribuindo
assim para a construção do Reino último
e definitivo, sem confundir, contudo, progresso terreno
e crescimento do Reino de Cristo.
Para que nossa doutrina social seja acreditável
e aceita por todos, deve responder de maneira eficaz aos
desafios e aos problemas graves que surgem de nossa realidade
latino-americana. Homens diminuídos por carências
de toda espécie reclamam ações urgentes
em nosso esforço promocional que tornam sempre
necessárias as obras assistenciais. Não
podemos propor eficazmente esta doutrina sem sermos nós
mesmos interpelados por ela em nosso comportamento pessoal
e institucional. Ela exige de nós coerência,
criatividade, audácia e entrega total. Nossa conduta
social é parte integrante de nosso seguimento de
Cristo. Nossa reflexão sobre a projeção
da Igreja no. mundo como sacramento de comunhão
e salvação é parte de nossa reflexão
teológica, porque "a evangelização
não seria completa se não levasse em conta
a interpelação recíproca que ao longo
dos tempos se estabelece entre o Evangelho e a vida concreta,
pessoal e social do homem ( EN 29 ) .
A promoçâo humana implica atividades que
ajudam a despertar a consciência do homem em todas
as suas dimensões e a lutar por si mesmo como protagonista
de seu próprio desenvolvimento humano e cristão.
Educa para a convivência, dá. impulso à
organização, fomenta a comunicação
cristã dos bens, ajuda de modo eficaz a comunhão
e a participação.
Para se conseguir a coerência do testemunho da comunidade
cristã no empenho de libertação e
de promoção humana, cada país e cada
Igreja particular organizará sua pastoral social
com meios permanentes e adequados que mantenham e estimulem
o compromisso comunitário, garantindo a necessária
coordenação de iniciativas, no diálogo
constante com todos os membros da Igreja. A "Cáritas"
e outros organismos que vêm trabalhando com eficácia
há muitos anos, podem oferecer um bom serviço.
A teologia, a pregação, a catequese, para
serem fiéis e completas, exigem ter diante dos
olhos todo o homem e todos os homens e comunicar-lhes
em forma oportuna e adequada "uma mensagem particularmente
vigorosa em nossos dias sobre a libertação"
(EN 29) "sempre no desígnio global da salvação"
(EN 38). Parece, pois, necessário que digamos uma
palavra esclarecedora sobre o próprio conceito
de libertação no momento atual do Continente.
4.3. Discernimento da libertação em Cristo
Em Medellin se desenvolve um processo dinâmico de
libertação integral cujos ecos positivos
se fazem sentir na EN e na Mensagem do Papa João
Paulo II a esta Conferência. É um anúncio
que vem urgindo a Igreja e faz parte da própria
essência da evangelização que tende
à realização autêntica do homem.
Existem, porem, concepções e aplicações
da libertação. Embora entre elas se descubram
traços comuns, existem enfoques difíceis
de se levar a uma adequada convergência. Por isso,
o melhor é oferecer critérios que emanam
do magistério e que servem para o necessário
discernimento acerca da original concepção
da libertação cristã Surgem dois
elementos complementares e inseparáveis: a libertação
de todas as servidões do pecado pessoal e social,
de tudo o que transvia o homem e a sociedade e tem sua
fonte no egoísmo, no mistério da iniqüidade,
e a libertação para o crescimento progressivo
no ser, pela comunhão com Deus e com os homens,
que culmina na perfeita comunhão do céu,
onde Deus é tudo em todos e não haverá
mais lágrimas.
É uma libertação que se vai realizando
na história, a libertação de nossos
povos e a nossa própria pessoal e abrange as diversas
dimensões da existência: o social, o político,
o econômico, o cultural e o conjunto de suas relações.
Em tudo isso há de circular a riqueza transformadora
do Evangelho, com sua contribuição própria
e específica, que se deve salvaguadar. Do contrário,
como adverte Paulo VI: "A Igreja perderia seu sentido
mais profundo; sua mensagem não teria nenhuma originalidade
e facilmente poderia ser monopolizada e manipulada por
sistemas ideológicos e por partidos políticos"
(EN 32).
É necessário esclarecer que esta libertação
se fundamenta em três grandes pilares que o Papa
João Paulo II nos lembrou como orientação
definida: a verdade sobre Jesus Cristo, a verdade sobre
a Igreja, a verdade sobre o homem.
Assim, se não chegamos à libertação
do pecado com todas as suas seduções e idolatrias;
se não ajudamos a concretizar a libertação
que Cristo conquistou na cruz, mutilamos a libertação
de modo irreparável, e a mutilamos igualmente se
esquecemos o eixo da evangelização libertadora,
que é a que transforma o homem em sujeito de seu
próprio desenvolvimento individual e comunitário.
Também a mutilamos se esquecemos a dependência
e as escravidões que ferem direitos fundamentais
que não são concedidos por governos ou instituições,
ainda as mais poderosas, mas que têm como autor
o próprio Criador e Pai.
É uma libertação que sabe utilizar
meios evangélicos, com sua peculiar eficácia
e que não recorre a nenhuma espécie de violência
nem à dialética da luta de classes, mas
à vigorosa energia e ação dos cristãos,
que, movidos pelo Espírita, acodem para responder
ao clamor de milhões e milhões de irmãos.
Como pastores da América Latina, temos razões
gravíssimas para urgir a evangelização
libertadora, não só porque é necessário
recordar o pecado individual e social, mas também
porque de Medellin para cá a situação
se agravou na maioria de nossos países.
Alegra-nos comprovar exemplos numerosos de esforços
por viver a evangelização libertadora em
sua plenitude. Uma das principais tarefas para continuarmos
animando a libertação cristã é
a procura criativa de caminhos que se afastem de ambigüidades
e de reducionismos (EN 32) em plena fidelidade à
Palavra de Deus que nos é dada na Igreja e nos
move ao alegre anúncio aos pobres, como um dos
sinais messiânicos do Reino de Cristo.
Como muito bem salientou João Paulo II em seu discurso
inaugural: "Há muitos sinais que ajudam a
discernir quando se trata de uma libertação
cristã e quando, ao contrário, se nutre
mais de ideologias que lhe tiram a coerência com
uma visão evangélica do homem, das coisas,
dos acontecimentos (EN 35). São sinais que derivam
dos conteúdos que anunciam, ou das atitudes concretas
que, assumem os evangelizadores. É preciso observar
em nível de conteúdos, qual a fidelidade
à Palavra de Deus, à Tradição
viva da Igreja, a seu Magistério. Quanto às
atitudes, é necessário ponderar qual o seu
sentido de comunhão com os bispos, em primeiro
lugar, e com os outros setores do Povo de Deus: qual a
contribuição que damos a construção
efetiva da comunidade e qual a forma de dedicarmos com
amor nossa solicitude para com os pobres, doentes, despojados,
desamparados, angustiados e como, descobrindo neles a
imagem de Jesus pobre e paciente, nos esforçamos
por remediar suas necessidades e procuramos servir neles
a Cristo (LG 8). Não nos enganemos: os fiéis
humildes e simples, como por instinto evangélico,
compreendem espontaneamente quando se serve na Igreja
ao Evangelho e quando este é esvaziado e asfixiado
com outros interesses.
Quem tem sobre o homem a visão que o cristianismo
dá, assume por sua vez o compromisso de não
poupar sacrifícios para garantir a todos a condição
de autênticos filhos de Deus e irmãos em
Jesus Cristo. Assim a evangelização libertadora
tem sua plena realização na comunhão
de todos em Cristo segundo a vontade do Pai de todos os
homens.
4.4. Evangelização libertadora para uma
convivência humana digna dos filhos de Deus
Nada, é divino e adorável fora de Deus.
O homem cai na escravidão quando diviniza ou absolutiza
a riqueza, o poder, o Estado, o sexo, o prazer ou qualquer
criatura de Deus, inclusive seu próprio ser ou
sua razão humana. O próprio Deus é
a fonte de libertação radical de todas as
formas de idolatria, porque a adoração do
não adorável e a absolutização
do relativo, levam à violação do
que há de mais íntimo na pessoa humana:
sua relação com Deus e sua realização
pessoal. Eis a palavra libertadora por excelência:
"Ao Senhor adorarás, e só a Ele prestarás
culto" (Ml 4,10). A queda dos ídolos restitui
ao homem seu campo essencial de liberdade. Deus, livre
por excelência, quer entrar em diálogo com
um ser livre, capaz de fazer suas opções
e exercer suas responsabilidades individualmente e em
comunidade. Existe, pois, uma história humana que,
embora tenha sua consistência própria e sua
autonomia, está destinada a ser consagrada pelo
homem a Deus. A verdadeira libertação, com
efeito, liberta de uma opressão para poder chegar
a um bem superior.
O homem e os bens da terra
Os bens e riquezas do mundo, por sua origem e natureza,
segundo a vontade do Criador, são para servir efetivamente
à utilidade e ao proveito de todos e cada um dos
homens e dos povos. Por isso a todos e a cada um compete
um direito primário e fundamental, absolutamente
inviolável, de usar solidariamente esses bens,
na medida do necessário, para uma realização
digna da. pessoa humana. Todos os outros direitos, também
o de propriedade e livre comércio lhe estão
subordinados. Como nos ensina João Paulo II: "Sobre
toda propriedade privada pesa uma hipoteca social".
A propriedade compatível com aquele direito primordial
é antes de tudo um poder de gestão e administração,
que, embora não exclua o de domínio, não
o torna absoluto nem ilimitado. Deve ser fonte de liberdade
para todos, nunca de dominação nem de privilégios.
É um dever grave e urgente fazê-1o retornar
à sua finalidade primeira.
Libertação do ídolo da riqueza
Os bens da terra se convertem em ídolo e em sério
obstáculo para o Reino de Deus, quando o homem
concentra toda sua atenção em tê-los
ou em cobiça-los. Então eles se tornam absolutos.
"Não podeis servir a Deus e ao dinheiro"
( Lc 16,13 ) .
A riqueza absolutizada é obstáculo para
a verdadeira liberdade. Os contrastes cruéis de
luxo e extrema pobreza, tão visíveis em
todo o Continente, agravados, ademais, pela corrupção
que muitas vezes invade a vida pública e profissional,
manifestam até que ponto nossos países se
encontram sob o domínio do ídolo da riqueza.
Essas idolatrias se concentram em duas formas opostas
que têm uma mesma raiz: o capitalismo liberal e,
como reação, o coletivismo marxista. Ambos
são formas do que se pode chamar "injustiças
institucionalizadas".
Finalmente, como já ficou dito, importa tomar consciência
dos efeitos devastadores de uma industrialização
descontrolada e de uma urbanização que vai
tomando proporções alarmantes. Os esgotamentos
dos recursos naturais e a contribuição do
ambiente constituirão um problema dramático.
Afirmamos uma vez mais a necessidade de uma profunda revisão
da tendência consumiste das nações
mais desenvolvidas; cumpre levar em consideração
as necessidades elementares dos povos pobres que formam
a maior parte do mundo.
O novo humanismo proclamado pela Igreja que rejeita toda
idolatria permitirá "ao homem moderno encontrar-se
a si mesmo, assumindo os valores do amor, da amizade,
da oração e da contemplação.
Assim poderá realizar em toda a sua plenitude o
verdadeiro desenvolvimento, que é o passo, para
cada um e para todos, de condições de vida
menos humanas a condições mais humanas"
(PP 20). Desse modo se planejará a economia a serviço
do homem e não o homem a serviço da economia,
como acontece nas duas formas de idolatria, a capitalista
e a coletivista. Será a única maneira de
que o "ter" não afogue o "ser".
O homem e o poder
As diversas formas do poder na sociedade pertencem fundamentalmente
à ordem da criação. Portanto, levam
em si a vontade essencial do serviço que devem
prestar à comunidade humana.
A autoridade, necessária em qualquer sociedade,
vem de Deus e consiste na faculdade de mandar segundo
a reta razão. Por conseguinte, sua força
obrigatória procede da ordem moral e dentro dela
deve desenvolver-se para que obrigue em consciência.
"A autoridade é sobretudo uma força
moral".
O pecado corrompe o uso que os homens fazem do poder,
levando-o ao abuso dos direitos dos outros, às
vezes em formas mais ou menos absolutas. Isso ocorre mais
notavelmente no exercício do poder político,
por se tratar do campo das decisões que determinam
a organização global do bem-estar temporal
da comunidade e por servir mais facilmente não
só aos abusos dos que detêm o poder, mas
à absolutização do próprio
poder, apoiados na força pública,. Diviniza-se
o poder político quando na prática ele é
tido como absoluto. Por isso, o uso totalitário
do poder é uma forma de idolatria e como tal a
Igreja o rejeita inteiramente (GS 75). Reconhecemos pesarosamente
a presença de muitos regimes autoritários
e mesmo opressivos em nosso Continente. Eles constituem
um dos mais sérios obstáculos ao desenvolvimento
dos direitos da pessoa, dos grupos e das próprias
nações.
Infelizmente, em muitos casos isso chega ao ponto de que
os próprios poderes políticos e econômicos
de nossas nações, para além das normais
relações recíprocas, estão
sujeitos a centros mais poderosos que operam em escala
internacional. Agrava a situação o fato
de que estes centros de poder se acham estruturados em
formas encobertas, presentes em toda parte, e se subtraem
facilmente ao controle dos governos e dos próprios
organismos internacionais.
É urgente libertar nossos povos do ídolo
do poder absoluto para conseguir uma convivência
social em justiça e liberdade. Com efeito, para
que os povos latino-americanos possam cumprir a missão
que lhes assinala a história como povos jovens,
ricos em tradições e cultura, necessitam
de uma ordem política que respeite a dignidade
do homem, que garanta a concórdia e a paz interior
da comunidade civil e em suas relações com
as outras comunidades. Entre os anseios e exigências
de nossos povos para que isso seja uma realidade, destacam-se:
A igualdade de todos os cidadãos com o direito
e o dever de participar no destino da sociedade, com as
mesmas oportunidades, dando sua contribuição
para os ônus eqüitativamente distribuídos
e obedecendo às leis legitimamente estabelecidas.
O exercício de suas liberdades, amparadas em instituições
fundamentais que garantam o bem comum, no respeito aos
direitos das pessoas e associações.
A legitima autodeterminação de nossos povos
que lhes permita organizar-se segundo seu próprio
gênio e a marcha de sua história (GS 74)
e cooperar numa nova ordem internacional.
A urgência de restabelecer a justiça não
só teórica e formalmente reconhecida, mas
também posta eficazmente em prática, por
instituições adequadas e realmente vigentes.
5. EVANGELIZAÇÃO, IDEOLOGIAS E POLÍTICA
5.1. Introdução
Nos últimos anos se percebe uma deterioração
crescente do quadro politico-social de nossos países.
Neles se sente o peso de crises institucionais e econômicas
e claros sintomas de corrupção e violência.
Essa violência é gerada e fomentada, tanto
pela injustiça, que se pode chamar institucionalizada
em diversos sistemas sociais, políticos e econômicos,
quanto pelas ideologias que a transformam em meio para
a conquista do poder.
Este último provoca, por sua vez, a proliferações
de regimes de força, muitas vezes inspirados na
ideologia da Segurança Nacional.
A Igreja, como Mãe e Mestra, perita em humanidade,
deve discernir e iluminar, a partir do Evangelho e de
sua doutrina social, as situações, os sistemas,
as ideologias e a vida política do Continente.
Deve fazer isso, embora saiba que se procura instrumentalizar
sua mensagem.
Por isso, projeta a luz de sua palavra sobre a política
e as ideologias, como mais um serviço a seus povos
e como guia orientadora e segura para todos os que, de
um modo ou de outro, devem assumir responsabilidades sociais.
5.2. Evangelização e política
A dimensão política, constitutiva do homem,
representa um aspecto relevante da convivência humana.
Possui um aspecto englobante, porque tem como fim o bem
comum da sociedade. Mas nem por isso esgota a gama das
relações sociais.
G A fé cristã não despreza a atividade
política; pelo contrário, a valoriza e a
tem em alta estima.
A Igreja - falando ainda em geral, sem distinguir o papel
que compete a seus diversos membros sente como seu dever
e direito estar presente neste campo da realidade: porque
o cristianismo deve evangelizar a totalidade da existência
humana. inclusive a dimensão política. Por
isso ela critica aqueles que tendem a reduzir o espaço
da fé à vida pessoal ou familiar, excluindo
a ordem profissional, econômica, social e política,
como se o pecado, o amor, a oração e o perdão
não tivessem importância aí.
Efetivamente a necessidade da presença da Igreja,
no âmbito político, provém do mais
íntimo da fé cristã: do domínio
de Cristo que se estende a toda a vida. Cristo marca a
irmandade definitiva da humanidade; cada homem vale tanto
quanto 0 outro: "Todos sois um em Cristo Jesus"
(G1 3,28).
Da mensagem integral de Cristo derivam uma antropologia
e teologia originais que abrangem "a vida concreta,
pessoal e social do homem" (EN 29). É uma
mensagem que liberta porque salva da escravidão
do pecado, raiz e fonte de toda opressão, injustiça
e a discriminação.
Estas são algumas das razões da presença
da Igreja no campo do político, para iluminar as
consciências e anunciar uma palavra transformadora
da sociedade.
A Igreja reconhece a devida autonomia do temporal (GS
36); isso vale para os governos, partidos, sindicatos
e outros grupos no campo social e político. O fim
que o Senhor determinou à sua Igreja é de
ordem religiosa e, portanto, ao intervir neste campo,
não a anima nenhuma intenção de ordem
política, econômica ou social. "Mas,
na verdade, desta mesma missão religiosa decorrem
benefícios, luzes e forças que podem auxiliar
a organização e o fortalecimento da comunidade
humana segundo a lei de Deus" ( GS 42 ) .
Interessa especialmente distinguir neste campo da política
aquilo que corresponde aos leigos, o que compete aos religiosos
e o que compete aos ministros da unidade da Igreja, o
bispo com seu presbitério.
5.3. Conceitos de política e de compromisso político
Devemos distinguir dois conceitos de política e
de compromisso político: primeiro, a política
em seu sentido mais amplo que visa o bem comum, no âmbito
nacional e no âmbito internacional. Corresponde-lhe
precisar os valores fundamentais de toda a comunidade
- a concórdia interna e a segurança externa
- conciliando a igualdade com a liberdade, a autoridade
pública com a legítima autonomia e participação
das pessoas e grupos, a soberania nacional com a convivência
e solidariedade internacional. Define também os
meios e a ética das relações sociais.
Neste sentido amplo, a política interessa à
Igreja e, portanto, a seus pastores, ministros da unidade.
É uma forma de dar culto ao único Deus,
dessacralizando e ao mesmo tempo consagrando o mundo a
Ele ( LG 34 ) .
A Igreja contribui assím para promover os valores
que devem inspirar a política, interpretando em
cada nação as aspirações de
seus povos especialmente os anseios daqueles que uma sociedade
tenda a marginalizar. E o faz mediante seu testemunho,
sua doutrina e sua multiforme ação pastoral.
Segundo: a realização concreta dessa tarefa
política fundamental se faz normalmente através
de grupos de cidadãos que se propõem conseguir
e exercer o poder político para resolver as questões
econômicas, políticas e sociais segundo seus
próprios critérios ou ideologias. Neste
sentido se pode falar de "política de partido".
As ideologias elaboradas por esses grupos, embora se inspirem
na doutrina cristã, podem chegar a diferentes conclusões.
Por isso, nenhum partido político, por mais inspirado
que esteja na doutrina da Igreja, pode arrogar-se a representação
de todos os fiéis, já que seu programa concreto
nunca poderá ter valor absoluto para todos (João
Paulo II, Discurso Inaugural, I, 4-AAS, LXXI, p. 190).
A política partidarista é o campo próprio
dos leigos (GS 43). Corresponde à sua condição
leiga constituir e organizar partidos políticos,
com ideologia e estratégia adequada. para alcançar
seus legítimos fins.
O leigo encontra na doutrina social da Igreja os critérios
adequados, à luz da visão cristã
do homem. Por seu lado, a hierarquia lhe garantirá
sua solidariedade, favorecendo sua formação
e sua vida espiritual e estimulando-o em sua criatividade
para que procure opções cada vez mais conformes
com o bem comum e as necessidades dos mais fracos. Os
pastores, pelo contrario, uma vez que devem preocupar-se
com a unidade, se despojarão de toda ideologia
político-partidária que possa condicionar
seus critérios e atitudes. Terão, assim,
liberdade para evangelizar o político como Cristo,
a partir de um Evangelho sem partidarismos nem ideologizações.
O Evangelho de Cristo não teria tido tanto impacto
na história, se ele não o houvesse proclamado
como uma mensagem religiosa. "Os evangelhos mostram
claramente como para Jesus era mais tentação
o que alterasse sua missão de Servo de Javé.
Não aceita a posição daqueles que
misturavam as coisas de Deus com as atitudes meramente
políticas (João Paulo II, Discurso Inaugural,
I, 4-AAS, LXXI, p. 190).
Os sacerdotes, também ministros da unidade e os
diáconos, deverão submeter-se a idêntica
renúncia pessoal. Se militassem em política
partidarista, correriam o risco de absolutizá-1a
e radicalizá-1a, dada sua vocação
a ser "os homens do absoluto". "Mas na
ordem econômica e social e principalmente na ordem
política, em que se apresentam diversas opções
concretas, ao sacerdote como tal não lhe cabe diretamente
a decisão, nem a liderança, nem tampouco
a estruturação de soluções"
(Med., Sac. 19 ) . "Ao assumir uma função
diretiva ( lea. dership ), "militar" ativamente
em um partido político, é algo que deve
excluir qualquer presbítero, a não ser que,
em circunstâncias concretas e excepcionais, o exija
realmente o bem comum, obtendo o consentimento do bispo,
consultado o conselho presbiteral e - se o caso o requer
- também a Conferência Episcopal" (Sínodo
1971, Parte II, 2b). Certamente, a tendência atual
da Igreja não está neste sentido.
Os religiosos, por sua forma de seguir a Cristo, segundo
a função peculiar que lhes compete dentro
da missão da Igreja, de acordo com seu carisma
específico, também cooperam na evangelização
do político. Numa sociedade pouco fraterna, dada
ao consumismo e que se propõe como fim último
desenvolvimento de suas forças produtivas mate
riais, os religiosos têm que ser testemunhas de
uma real austeridade de vida, de comunhão com os
homens e de intensa relação com Deus. Deverão,
pois, resistir, igualmente, à, tentação
de comprometer-se em política partidarista, para
não provocar a confusão dos valores evangélicos
com uma ideologia determinada.
Uma atenta reflexão dos bispos, sacerdotes e religiosos
sobre as palavras do Santo Padre, será preciosa
orientação para seu serviço neste
campo: "A alma que vive em contacto habitual Corr.
Deus e se move dentro do ardente raio de seu amor, sabe
defender-se com facilidade da tentação de
particularismos e antíteses, que criam o risco
de dolorosas divisões; sabe interpretar, à
justa luz do Evangelho, as opções pelos
mais pobres e por cada uma das vítimas do egoísmo
humano, sem ceder a radicalismos sócio-políticos,
que com o tempo se revelam inoportunos, contraproducentes
e geradores eles próprios de novas violações.
Sabe aproximar-se das pessoas e inserir-se no meio do
povo, sem questionar a própria identidade religiosa,
nem obscurecer a "originalidade específica"
da própria vocação que deriva do
peculiar "seguimento de
Cristo", pobre, casto e obediente. Um momento de
verdadeira adoração tem mais valor e fruto
espiritual do que a mais intensa atividade, ainda que
se tratasse da própria atividade apostólica.
Essa é a "contestação"
mais urgente que os religiosos devem opor a uma sociedade
onde a eficácia veio a ser um ídolo, sobre
cujo altar não poucas vezes se sacrifica até
a própria dignidade humana" (João Paulo
II aos Superiores Maiores Religiosos, 24-11-1978 ) .
Os leigos dirigentes da ação pastoral não
devem empregar sua autoridade em função
de partidos ou ideologias.
5.4. Reflexão sobre a violência política
Diante da deplorável realidade de violência
na América Latina, queremos pronunciar-nos com
clareza. A tortura física e psicológica,
os seqüestras, a perseguição de dissidentes
políticos ou de suspeitos e a exclusão da
vida pública, por causa das idéias são
sempre condenáveis. Se tais crimes são realizados
pela autoridade encarregada de tutelar o bem comum, tornam
vis aos que os praticam, independentemente das razões
aduzidas.
Com igual decisão a Igreja repele a violência
terrorista e guerrilheira, cruel e incontrolável
quando se desencadeia. De nenhum modo se justifica o crime
como caminho de libertação. A violência
gera inexoravelmente novas formas de opressão e
escravidão, geralmente mais graves do que aquelas
das quais se pretende libertar e homem. Mas, sobretudo,
é um atentado contra a vida que só depende
do Criador. Devemos salientar igualmente que quando uma
ideologia apela para a violência, reconhece com
isso sua própria insuficiência e debilidade.
Nossa responsabilidade de cristãos é promover
de todos os modos os meios não violentos para restabelecer
a justiça nas relações sócio-politicas
e econômicas, segundo a doutrina do Concílio,
que vale tanto para a vida nacional como para a vida internacional:
"Só podemos calorosamente aplaudir aqueles
que, para reivindicar os seus direitos, renunciam ao emprego
da violência e recorrem aos meios de defesa, que
aliás estão ao alcance também dos
mais fracos, contanto que isso seja viável sem
lesar direitos e obrigações de outros ou
da comunidade" (GS 78).
"Devemos dizer e reafirmar que a violência
não é nem cristã nem evangélica
e que as transformações bruscas e violentas
das estruturas serão enganosas, ineficazes em si
mesmas e certamente não conformes com a dignidade
do povo" (Paulo VI, discurso em Bogotá, 23-8-1968).
Com efeito, "a Igreja está consciente de que
as melhores estruturas e os sistemas mais idealizados
logo se tornam desumanos se as inclinações
do homem não forem sanadas, se não houver
a conversão do coração e da mente
por parte daqueles que vivem nessas estruturas ou as dirigem"
( EN 36 ) .
5.5. Evangelização e ideologias
Discernimento sobre as ideologias na América Latina
e os sistemas que nelas se inspiram.
Entre as múltiplas definições que
se podem propor, chamamos aqui ideologia toda concepção
que ofereça uma visão dos diversos aspectos
da vida, desde o ponto de vista de um grupo determinado
da sociedade. A ideologia manifesta as aspirações
desse grupo, convida para certa solidariedade e combatividade
e fundamenta sua legitimação em valores
específicos. Toda ideologia é parcial, já
que nenhum grupo particular pode pretender identificar
suas aspirações com as da sociedade global.
Uma ideologia será, pois, legítima se os
interesses que defende o forem e se respeitar os direitos
fundamentais dos demais grupos da nação.
Neste sentido positivo, as ideologias surgem como algo
necessário para a esfera social, enquanto são
mediações para a ação.
As ideologias trazem em si mesmas a tendência a
absolutizar os interesses que defendem, a visão
que propõem e a estratégia que promovem.
Neste caso, se transformam em verdadeiras "religiões
leigas". Apresentam-se como "uma explicação
última e suficiente de tudo e se constrói
assim um novo ídolo, do qual se aceita às
vezes, sem se dar conta, o caráter totalitário
e obrigatório" (0A 28). Nesta perspectiva
não é de estranhar que as ideologias tentem
instrumentalizar pessoas e instituições
a serviço da eficaz consecução de
seus fins. Eis o lado ambíguo e negativo das ideologias.
Não devemos analisar as ideologias somente do ponto
de vista de seus conteúdos conceituais. Elas constituem,
transcendendo a eles, fenômenos vitais de dinamismo
envolvente, contagioso. São correntes de aspirações
com tendência para a absolutização,
dotadas também de poderosa força de conquista
e fervor redentor. Isso lhes confere uma "mística"
especial e a capacidade de penetrar os diversos ambientes
de modo muitas vezes irresistível. Seus slogans,
suas expressões típicas, seus critérios,
chegam a marcar profundamente e com facilidade mesmo aqueles
que estão longe de aderir voluntariamente a seus
princípios doutrinais. Desse modo, muitos vivem
e militam praticamente dentro dos limites de determinadas
ideologias sem haverem tomado consciência disso.
Este é outro aspecto que exige constante revisão
e vigilância. Tudo isso se aplica tanto às
ideologias que legitimam a situação atual,
como àquelas que pretendem mudá-1a.
Para o necessário discernimento e julgamento crítico
sobre as ideologias, devem os cristãos apoiar-se
no "rico e complexo patrimônio que a Evangelii
Nuntiandi denomina Doutrina Social ou Ensinamento Social
da Igreja" (João Paulo II, Discurso Inaugural,
III, 7 - AAS, LXXI, p. 203 ) .
Esta Doutrina ou Ensinamento Social da Igreja expressa
"o que ela possui como próprio: uma visão
global do homem e da humanidade" ( PP 13 ) . Deixa-se
interpelar e enriquecer pelas ideologias no que elas têm
de positivo e, por sua vez, as interpela, relativiza e
critica.
Nem o Evangelho nem a Doutrina ou Ensinamento Social que
dele provém são ideologias. Pelo contrário,
representam para estas uma poderosa fonte de questionamentos
de seus limites e ambigüidades. A originalidade sempre
nova da mensagem evangélica deve ser permanentemente
esclarecida e defendida diante das tentativas de ideologização.
A exaltação desmedida e os abusos do Estado
não podem, contudo, fazer esquecer a necessidade
das funções do Estado moderno, respeitoso
dos direitos e das liberdades fundamentais. Estado que
se apoie sobre uma ampla base de participação
popular, exercida através de diversos grupos intermédios.
Propulsor de um desenvolvimento autônomo, acelerado
e eqüitativo, capaz de afirmar o ser nacional diante
de pressões ou interferências indevidas,
tanto em nível interno como internacional. Capaz
de adotar uma posição de ativa cooperação
com os esforços de integração continental
e no âmbito da comunidade internacional. Estado,
enfim, que evite o abuso do poder monolítico, concentrado
nas mãos de poucos.
Na América Latina há diversas ideologias
que exigem uma análise.
a) O liberalismo capitalista, idolatria da riqueza em
sua forma individual. Reconhecemos a força que
infunde a capacidade criadora da liberdade humana e que
foi o propulsar do progresso. Contudo, "considera
o lucro como o motor essencial do progresso econômico,
a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade
privada dos meios de produção como direito
absoluto, sem limites nem obrigações sociais
correspondentes" ( PP 26 ) . Os privilégios
ilegítimos, derivados do direito absoluto de propriedade,
causam contrastes escandalosos e uma situação
de dependência e opressão, tanto no âmbito
nacional quanto no internacional. Embora seja evidente
que em alguns países se atenuou sua expressão
histórica original, devido à influência
de uma necessária legislação social
e de precisas intervenções do Estado, em
outros lugares ainda manifesta persistência ou,
mesmo, retrocesso a formas primitivas e de menor sensibilidade
social.
b ) O coletivismo marxista conduz igualmente por seus
pressupostos materialistas - a uma idolatria da riqueza,
mas em sua forma coletiva. Embora nascido de uma crítica
positiva ao fetichismo do comércio e ao desconhecimento
do valor humano do trabalho, não conseguiu ir à
raiz dessa idolatria que consiste na recusa do Deus de
amor e justiça, único Deus adorável.
O motor de sua dialética é a luta de classes.
Seu objetivo, a sociedade sem classes, que se alcança
através de uma ditadura proletária que,
enfim, estabelece a ditadura do partido. Todas as suas
experiências históricas concretas, como sistema
de governo, se realizaram dentro do quadro de regimes
totalitários fechados a toda. possibilidade de
crítica e retificação. Alguns crêem
possível separar diversos aspectos do marxismo,
em particular sua doutrina e sua análise. Recordamos
com o Magistério pontifício que "seria
ilusório e perigoso chegar a esquecer o nexo íntimo
que os une radicalmente; aceitar os elementos da análise
marxista sem reconhecer suas relações com
a ideologia, entrar na prática da luta de classes
e de sua interpretação marxista, deixando
de perceber o tipo de sociedade totalitária e violenta
a que conduz tal processo" (0A 34).
Cumpre salientar aqui o risco de ideologização
a que se expõe a reflexão teológica,
quando se realiza partindo de uma práxis que recorre
à análise marxista. Suas conseqüências
são a total politizarão da existência
cristã, a dissolução da linguagem
da fé no das ciências sociais e o esvaziamento
da dimensão transcendental da salvação
cristã. Ambas as ideologias assinaladas - liberalismo
capitalista e marxismo - se inspiram em humanismos fechados
a qualquer perspectiva transcendente. Uma, devido a seu
ateísmo prático; a outra, por causa da profissão
sistemática de um ateísmo militante.
c ) Nos últimos anos vem se impondo em nosso Continente
a chamada "Doutrina da Segurança Nacional",
que na realidade é mais uma ideologia do que uma
doutrina. Está vinculada a um determinado modelo
econômico-político, de características
elitistas e verticalistas, que suprime a participação
ampla do povo nas decisões políticas. Pretende
mesmo justificar-se em certos países da América.
Latina como doutrina defensora da civilização
ocidental cristã. Desenvolve um sistema repressivo,
em conformidade com seu conceito de "guerra permanente".
Em alguns casos expressa uma clara intencionalidade de
protagonismo geopolítico.
Uma convivência fraterna, entendemos perfeitamente,
necessita de um sistema de segurança para impor
o respeito de uma ordem social justa, que permita a todos
cumprir sua missão com relação ao
bem comum. Este, portanto, exige que as medidas de segurança
estejam sob o controle de um poder independente, capaz
de julgar sobre as violações da lei e de
garantir medidas que as corrijam. A Doutrina da Segurança
Nacional, entendida como ideologia absoluta, não
se harmonizaria com uma visão cristã do
homem enquanto responsável pela, realização
de um projeto temporal nem do Estado, enquanto administrador
do bem comum. Impõe, com efeito, a tutela do povo
por elites de poder, militares e políticas, e conduz
a uma acentuada desigualdade de participação
nos resultados do desenvolvimento.
Em plena conformidade com Medellin, insistimos que "o
sistema liberal capitalista e a tentação
do sistema marxista parecem ter esgotado em nosso Continente
as possibilidades de transformar as estruturas econômicas.
Ambos os sistemas atentam contra a dignidade da pessoa
humana; pois um tem como pressuposto a primazia do capital,
seu poder e sua discriminatória utilização
em função do lucro; o outro, embora ideologicamente
sustente um humanismo, visa antes ao homem coletivo e,
na prática, se traduz numa concentração
totalitária do poder do Estado. Devemos denunciar
que a América Latina se encontra fechada entre
essas duas opções e permanece dependente
de um ou outro dos centros de poder que canalizam sua
economia" (Med; Justiça 10).
Diante desta realidade, "a Igreja quer manter-se
livre com relação aos sistemas opostos,
para optar só pelo homem. Quaisquer que sejam as
misérias ou sofrimentos que aflijam ao homem, não
será através da violência, dos jogos
de poder, dos sistemas políticos, mas mediante
a verdade sobre o homem, que a humanidade encontrará,
seu caminho para um futuro melhor" (João Paulo
II, Discurso Inaugural, III, 3 - AAS, LXXI, p. 199). Sobre
a base deste humanismo os cristãos obterão
força para superar a porfiada alternativa e contribuir
para a construção de uma nova civilização,
justa, fraterna e aberta para o transcendente. Será,
além disso, testemunho de que as esperanças
escatológicas animam e dão sentido às
esperanças humanas. Para essa ação
corajosa e criativa, o cristão fortalecerá
sua identidade nos valores originais da antropologia cristã.
A Igreja, "não precisa, portanto, recorrer
a sistemas e ideologias para amar, defender e colaborar
na libertação do homem: no centro da mensagem
da qual é depositária e pregoeira, ela encontra
inspiração para atuar em favor da fraternidade,
da justiça, da paz, contra todas as dominações,
escravidões, discriminações, atentados
à liberdade religiosa, opressões contra
o homem e tudo o que atenta contra a vida" (João
Paulo II, Discurso Inaugural, III, 2 - AAS, LXXI, p. 199).
Inspirando-se nesses conteúdos da antropologia
cristã, é indispensável o compromisso
dos cristãos na elaboração de projetos
históricos conformes às necessidades de
cada momento e de cada cultura. Cabe ao cristão
ter atenção e discernimento especiais em
seu eventual compromisso em movimentos históricos
nascidos de diversas ideologias que, por outro lado, são
diferentes delas. De acordo com a doutrina de Pacem m
Terris ( 55 e 152 ) retomada em Octogesima Adveniens,
não se pode identificar as teorias filosóficas
falsas com os movimentos históricos originados
nelas, na medida em que estes movimentos históricos
podem ser influenciados em sua evolução.
O compromisso dos cristãos nesses movimentos, em
todo caso, coloca para eles certas exigências de
fidelidade perseverante que facilitarão seu papel
evangelizador:
a) Discernimento eclesial, em comunhão com os pastores,
segundo OA 4.
b ) Fortalecimento de sua identidade, nutrindo-a nas verdades
da fé e sua explicitação na Doutrina
ou Ensinamento Social da Igreja e o apoio de uma rica
vida sacramental e de oração.
c) Consciência crítica das dificuldades,
limitações, possibilidades e valores destas
convergências.
5.6. Riscos de instrumentalização da Igreja
e de atuação de seus ministros
As ideologias e os partidos, ao proporem uma visão
absolutizada do homem à qual tudo submetem, inclusive
o próprio pensamento humano, tratam de utilizar
a Igreja ou de tirar-lhe sua legítima independência.
Esta instrumentalização, que é sempre
um risco na vida política, pode provir dos próprios
cristãos e mesmo de sacerdotes e religiosos, quando
anunciam um Evangelho sem conexões econômicas,
sociais, culturais e políticas. Na prática,
esta mutilação equivale a certo conluio
- em hora inconsciente - com a ordem estabelecida.
A tentação de outros grupos, pelo contrário,
é considerar uma política determinada como
a primeira urgência, como uma condição
prévia para que a Igreja possa cumprir sua missão.
É identificar a mensagem cristã com uma
ideologia e submetê-1a a ela, convidando a uma "releitura"
do Evangelho a partir de uma opção política.
Pois bem, é preciso ler o político a partir
do Evangelho e não 0 contrário.
O integrismo tradicional espera o Reino, acima de tudo,
do retrocesso da história para a reconstrução
de uma cristandade no sentido medieval: aliança
estreita entre o poder civil e o poder eclesiástico.
A radicalização de grupos opostos cai na
mesma cilada, esperando o Reino de uma aliança
estratégica da Igreja com o marxismo, excluindo
qualquer outra alternativa. Não se trata para eles
somente de ser marxista, mas de ser marxista em nome da
Fé.
5.7. Conclusão
A missão da Igreja em meio dos conflitos que ameaçam
o gênero humano e o Continente latino-americano,
em face das violações da justiça
e da liberdade, em face da injustiça institucionalizada
de regimes que se inspiram em ideologias opostas e em
face da violência terrorista é imensa e mais
do que nunca necessária. Para cumprir essa missão,
requer-se a ação da Igreja toda - pastores,
ministros consagrados, religiosos, leigos, cada qual em
sua missão própria. Uns e outros, unidos
a Cristo na oração e na abnegação,
se comprometerão, sem ódios nem violências,
até as últimas conseqüências,
na conquista de uma sociedade mais justa, livre e pacífica,
anseio dos povos da América Latina e fruto indispensável
de uma evangelização libertadora.
TERCEIRA PARTE
A EVANGELIZAÇÃO
NA IGREJA DA AMÉR,ICA LATINA
Comunhão e Participação
Na América Latina,
Deus nos chama para uma vida em Cristo Jesus. Urge anunciá-1a
a todos os irmãos. Esta missão incumbe à
Igreja evangelizadora: pregar a conversão, libertar
o homem e impulsioná-1o rumo ao mistério
de comunhão com a Trindade e comunhão com
todos os irmãos, transformando-os em agentes e
cooperadores do desígnio de Deus. Como deve a Igreja
viver a sua missão?
Cada batizado sente-se atraído pelo Espírito
de Amor, que o impele a sair de si mesmo, a abrir-se para
os irmãos e a viver em comunidade. Na união
entre nós torna-se presente o Senhor Jesus Ressuscitado,
que celebra sua Páscoa na América Latina.
Vejamos como se realiza de modo excelente o dom maravilhoso
da vida nova em cada Igreja particular e também,
numa escala crescente, na família, em pequenas
comunidades e nas paróquias. A partir desses centros
de evangelização, o Povo de Deus na História
vai crescendo em graça e santidade, pelo dinamismo
do Espírito e participação dos cristãos.
Em seu seio surgem carismas e serviços. Como se
diversificam entre si e se integram na vida eclesial os
ministros hierárquicos, as mulheres e homens consagrados
ao Senhor e, por fim, todos os membros do Povo de Deus,
em sua missão evangelizadora?
Por que meios atuam os batizados? A ação
do Espírito se faz sentir na oração
e ao escutar a Palavra de Deus; aprofunda-se na catequese,
celebra-se na liturgia, testemunha-se na vida, comunica-se
na educação e compartilha-se no diálogo,
que busca oferecer a todos os irmãos a vida nova
que, sem merecimento da nossa parte, recebemos na Igreja
como operários da primeira hora.
CONTEÚDO
Capítulo I: Centros de comunhão e participação
Capítulo II: Agentes de comunhão e participação
Capítulo III: Meios de comunicação
e participação Capítulo IV: O diálogo
para a comunhão e participação.
CAPÍTULO I
CENTROS DE COMUNHAO E PARTICIPAÇAO
O mistério da Igreja,
como comunidade fraterna de caridade teologal, fruto do
encontro da Palavra de Deus e da celebração
do Mistério Pascal de Cristo Salvador na eucaristia
e nos demais sacramentos, confiada ao colégio apostólico
presidido por Pedro para evangelizar o mundo, chega a
enraizar-se e tende a desenvolver o seu dinamismo transformador
da vida humana, tanto pessoal como social, em diversos
níveis e circunstâncias, que constituem centros
ou lugares preferenciais de evangelização,
cujo intuito é edificar a Igreja e promover sua
irradiação missionária.
Conteúdo
1. A família
2. As comunidades eclesiais de base (CEB), a paróquia
e a Igreja particular.
A FAMÍLIA
Para chegar a ser realmente centro de comunhão
e participação, a família latino-america.na
deve encontrar caminhos de renovação interna
e de comunhão com a Igreja e o mundo.
Apraz-nos abordar tema da família como sujeito
e objeto de evangelização. Conscientes de
sua complexidade, mas dóceis à voz do Senhor
tornada presente na palavra do Santo Padre em sua homilia
sobre a família (Puebla, 28 de janeiro de 1979),
desejamos, unindo-nos à sua preocupação,
ajudá-1a a ser fiel à sua missão
evangelizadora na hora atual.
1. FAMÍLIA
A família, sujeito e objeto de evangelização,
centro evangelizador de comunhão e participação.
1.1. Introdução
Os Padres da Conferência de Medellin perceberam
um traço primordial da cultura latino-americana
no grande senso de família que anima os nossos
povos. "Passados dez anos, a Igreja da América
Latina sente-se feliz por tudo o que logrou realizar em
favor da família. Reconhece porém com humildade
quanto lhe falta por fazer, quando percebe que a pastoral
familiar, longe de ter perdido o seu caráter prioritário,
revela-se hoje ainda mais urgente, como elemento sobremaneira
importante da evangelização".
1.2. Situação da família na América.
Latina
A família é uma das instituições
em que mais influiu o processo de mudança dos últimos
tempos.
A Igreja tem consciência - nos recordou o Papa -
de que na família "repercutem os frutos mais
negativos do subdesenvolvimento: índices verdadeiramente
deprimentes de insalubridade, pobreza e até miséria,
ignorância e analfabetismo, condições
desumanas de moradia, subalimentação crônica
e tantas outras realidades não menos confrangedoras"
(João Paulo II, Homilia Puebla., 3-AAS, LXXI, p.
184 ) .
Além disso, é preciso reconhecer que a realidade
da família já não é uniforme,
pois em cada família influem de maneira diversa
- independentemente da classe social - fatores sujeitos
a mudanças, como sejam: fatores sociológicos
(injustiça social, principalmente) , culturais
(qualidade de vida ) , políticos (dominação
e manipulação) , econômicos (salários,
desemprego, pluriemprego), religiosos (influência
secularista) entre tantos outros.
A família apresenta-se outrossim como vítima
dos que convertem em ídolos o poder, a riqueza
e o sexo. Para isto contribuem as estruturas injustas,
sobretudo os meios de comunicação, não
só com suas mensagens de sexo, lucro, violência,
poder, ostentação, mas também pondo
em destaque elementos que contribuem para propagar o divórcio,
a infidelidade conjugal e o aborto ou a aceitação
do amor livre e das relações pré-matrimoniais.
Não poucas vezes, a desorientação
das consciências se deve à falta de unidade
de critério entre sacerdotes, na aceitação
e aplicação da doutrina pontifícia
acerca de importantes aspectos da moral familiar e social.
A família rural e suburbana sofrem particularmente
os efeitos dos compromissos internacionais dos governos,
no que respeita o planejamento familiar, traduzidos em
imposição antinatalista e experiências
que não levam em consideração a dignidade
da pessoa nem o autêntico desenvolvimento dos povos.
Nesses setores populares, a situação de
desemprego crônica e generalizada afeta a estabilidade
familiar, já que a necessidade de trabalho força
à emigração, ao absenteísmo
dos pais, à dispersão dos filhos.
Em todos os níveis sociais, a família também
sofre o impacto deletério da pornografia, do alcoolismo,
das drogas, da prostituição e tráfico
de brancas, assim como o problema das mães solteiras
e das crianças abandonadas. Diante do fracasso
dos anticoncepcionais químicos e mecânicos,
passou-se à esterilização humana
e ao aborto provocado, em cuja propaganda se lança
mão de campanhas insidiosas.
Urge um acendrado esforço pastoral para evitar
os males provenientes da falta de educação
no amor, da falta de preparação para o matrimônio,
do descuido na evangelização da família
e na formação dos esposos para a paternidade
responsável. Além disso, não podemos
ignorar que grande número de famílias do
nosso continente não recebeu o sacramento do matrimônio.
Não obstante, muitas famílias dessas vivem
em certa unidade, fidelidade e responsabilidade. Tal situação
desperta interrogações teológicas
e exige um adequado acompanhamento pastoral.
Pelo contrário, é satisfatório verificar
que são cada dia mais numerosos os cristãos
que procuram viver sua fé dentro do ambiente familiar
e a partir dele, dando um valioso testemunho evangélico
e educando outrossim com dignidade uma família
razoavelmente numerosa. Não poucos são também
os noivos que se preparam com seriedade para o matrimônio
e tratam de dar à celebração deste
um sentido verdadeiramente cristão. Nota-se também
o empenho em revigorar a pastoral familiar e adaptá-1a
aos desafios e circunstâncias da vida moderna.
Em todos os países têm surgido iniciativas
dignas de nota, orientadas a fortalecer os valores e a
espiritualidade da família como Igreja doméstica,
numa participação e compromisso com a Igreja
particular. Nisso tudo revela-se o fruto da ação
silenciosa e constante dos movimentos cristãos
em prol da família.
Em toda a América, é dado visitar "casas
onde não faltam o pão e o bem estar, mas
talvez faltem a concórdia e a alegria; casas onde
as famílias vivem antes modestamente e na insegurança
do futuro, ajudando-se mutuamente a levar uma existência
difícil, porém digna; habitações
pobres das periferias de nossas cidades, onde há
muito sofrimento escondido, embora exista dentro delas
a singela alegria dos pobres; humildes choças de
camponeses, de indígenas, de emigrantes, etc."
(João Paulo II, Homilia Puebla, 4-AAS, LXXI, p.
186). Concluiremos frisando que os mesmos fatos que acusam
a desintegração da família "acabam
pondo em destaque, de diversas maneiras, a índole
autêntica dessa instituição"
(GS 47) "que não foi abolida nem pela sanção
do pecado original, nem pelo castigo do dilúvio"
( Liturgia do Matrimônio), mas continua sofrendo
os efeitos da dureza do coração humano.
1.3. Reflexão teológica sobre a família
A família é imagem de Deus, que "no
mais íntimo do seu mistério não é
uma solidão, mas uma família" (João
Paulo II, Homilia Puebla, 2-AAS. LXXI, p. 184 ) . É
uma aliança de pessoas, à qual se chega
por vocação amorosa do Pai, que convida
os esposos a uma "íntima comunidade de vida
e de amor" (GS 48), cujo modelo é o amor de
Cristo por sua Igreja. A lei do amor conjugal é
comunhão e participação, não
dominação. É uma exclusiva, irrevogável
e fecunda entrega à pessoa amada, sem perder a
própria identidade. Um amor assim compreendido
em sua rica realidade sacramental, é mais do que
um contrato; possui as características da aliança.
O casal santificado pelo sacramento do matrimônio
é um testemunho da presença pascal dó
Senhor. A família cristã cultiva o espírito
de amor e serviço. Quatro relações
fundamentais da pessoa encontram seu pleno desenvolvimento
na vida da família: paternidade, filiação,
irmandade, nupcialidade. Essas mesmas relações
compõem a vida da Igreja: experiência de
Deus como Pai, experiência de Cristo como irmão,
experiência de filhos em, com e pelo Filho, experiência
de Cristo como esposo da Igreja. A vida em família
reproduz essas quatro experiências fundamentais
e as compartilha em miniatura: são quatro facetas
do amor humano.
Cristo, ao nascer, assumiu a condição das
crianças: nasceu pobre e sujeito a seus pais. Toda
criança - imagem de Jesus que nasce - deve ser
acolhida com carinho e bondade. Ao transmitir a vida a
um filho, o amor conjugal produz uma pessoa nova, singular,
única e irrepetível. Neste momento começa
para os pais o ministério da evangelização.
Nisso devem eles fundar sua paternidade responsável:
nas circunstâncias sociais, econômicas, culturais,
demográficas em que vivemos, estariam os esposos
capacitados para educar e evangelizar em nome de Cristo
mais um filho? A resposta dos pais sensatos será
fruto do reto discernimento e não da opinião
estranha de pessoas, da moda, ou dos impulsos. Desta sorte,
o instinto e o capricho cederão lugar à
disciplina consciente e livre da sexualidade, por amor
a Cristo, cujo rosto transparece no rosto da criança
que se deseja e se traz livremente à vida.
A lenta e prazeirosa educação da família
sempre importa em sacrifício, recordação
da cruz redentora. Mas a íntima felicidade que
dá aos pais, recorda-lhes também a ressurreição.
Neste espírito de páscoa, evangelizam os
pais a seus filhos e são por eles evangelizados.
O reconhecimento das faltas e a sincera manifestação
do perdão são elementos de conversão
permanente e de permanente ressurreição.
O ambiente de páscoa floresce em toda a vida cristã
e se converte em profetismo, em contato com a divina Palavra.
Mas evangelizar não é só ler a Bíblia,
mas, a partir dela, trocar palavras de admiração,
consolo, correção, luz, segurança..
A estabilidade nas relações entre pais e
filhos é contagiante. Quando as demais famílias
vêem como eles se amam, nasce o desejo e a prática
dum amor que une as famílias entre si, como sinal
da unidade do gênero humano. Cresce ali a Igreja
mediante a integração das famílias
pelo batismo que a todos torna irmãos. Onde a catequese
robustece a fé, todos se enriquecem pelo testemunho
das virtudes cristãs. Um sadio ambiente de união
de famílias é lugar ímpar de se nutrirem
e fortalecerem física e mentalmente os filhos em
seus primeiros anos. Ali, os pais são mestres,
catequistas e os primeiros ministros da oração
e do culto a Deus. Renova-se a imagem de Nazaré:
"Jesus crescia em sabedoria, tamanho e graça
diante de Deus e dos homens" (Lc 2,52) .
A sociedade, para que funcione, requer as mesmas exigências
do lar: formar pessoas conscientes, unidas em comunidade
de fraternidade para fomentar o desenvolvimento comum.
A oração, o trabalho e a atividade educadora
da família, como célula social, devem pois
orientar-se a trocar as estruturas injustas pela comunhão
e participação entre os homens e pela celebração
da fé na vida cotidiano. "Na interpelação
recíproca que se estabelece no decorrer dos tempos
entre o Evangelho e a vida concreta pessoal e social"
(EN 29), a família sabe ler e viver a mensagem
explícita sobre os direitos e deveres da vida familiar.
Por isso, denuncia e anuncia, compromete-se na transformação
do mundo em sentido cristão e contribui para o
progresso, a vida comunitária, o exercício
da justiça distributiva, a paz.
Na eucaristia, a família encontra sua plenitude
de comunhão e participação. Prepara-se
para ela pelo desejo e busca do Reino, purificando a alma
de tudo o que aparta de Deus. Em atitude de ofertório,
exerce o sacerdócio comum e participa da eucaristia,
para prolongá-1a na vida pelo diálogo em
que partilha a palavra, as preocupações,
os planos, aprofundando-se com isto a comunhão
familiar. Viver a eucaristia é reconhecer e compartilhar
os dons que, por Cristo, recebemos do Espírito
Santo. É aceitar a acolhida que os outras nos oferecem
e deixa-los que entrem em nós mesmos. Com isso,
ressurge o espírito da aliança: deixar que
Deus entre em nossa vida e dela se sirva segundo sua vontade.
Surge, então, no centro da vida familiar, a imagem
forte e suave de Cristo, morto e ressuscitado.
Surge daí a missão da família. Esta
Igreja doméstica, convertida pela força
libertadora do Evangelho em "escola do mais rico
humanismo" (GS 52) sabendo-se peregrina com Cristo
e comprometida com Ele no serviço da Igreja particular,
lança-se rumo ao futuro, disposta a superar as
falácias do racionalismo e da sabedoria mundana
que desorientam o homem moderno. Percebendo a realidade
e atuando sobre ela, como Deus a vê e governa, busca
maior fidelidade ao Senhor, para não adorar ídolos,
e sim ao Deus vivo do amor.
1.4. Opções pastorais
Opção básica: Tendo em consideração
os ensinamentos de Medellin, de Paulo VI e o recente magistério
de João Paulo II acerca da família: "Envidai
todos os esforços para que haja uma pastoral da
família. Dai assistência a um campo tão
prioritário, na certeza de que, no futuro, a evangelização
depende em grande parte da Igreja doméstica (Discurso
Inaugural, IV a) - AAS, LXXI, p. 204), ratificamos a prioridade
da pastoral familiar dentro da pastoral orgânica
na América Latina.
Propomos um esquema elementar da pastoral familiar:
a) A pastoral familiar insere-se admiravelmente na pastoral
de toda a Igreja: é evangelizadora, profética
e libertadora.
* Anuncia o Evangelho do amor conjugal e familiar, como
experiência pascal vivida na Eucaristia.
* Denuncia as falácias e corruptelas que embargam
ou ensombram o Evangelho do amor conjugal e familiar.
* Procura caminhos para que os casais e as famílias
possam progredir na sua vocação ao amor
e em sua missão de formar pessoas, educar na fé,
contribuir para o desenvolvimento. Nos casos tão
freqüentes de famílias incompletas, devem-se
buscar caminhos pastorais para sua devida assistência.
* Acolhe os casais e famílias, seja qual for a
situação concreta de cada uma, e as acompanha
com passos de bom Pastor que lhes compreende a fraqueza,
ao ritmo de sua pobreza humana e de sua ignorância.
b ) Agentes desta pastoral são aqueles que se comprometem
a viver o Evangelho da família e promovem comunidades
eclesiais familiares, reduzidas ou amplas.
c) Oportunidades para desenvolver a pastoral familiar:
* nas ocasiões ricas de graça salvífica,
que sobrevêm aos casais e nas famílias: noivado,
casamento, paternidade e educação dos filhos,
aniversários, batizados, primeiras comunhões,
festas e celebrações familiares, sem excluir
as crises da convivência familiar, horas. dolorosas
como a enfermidade e a morte.
* Intimamente relacionado com a pastoral social está:
* o trabalho em prol da criação de estruturas
e ambientes que tornem possível a vida em família;
* o lazer, providenciando ambientes seguros e construtivos
para os filhos e para todos os jovens;
* a cultura, comunicando valores recebidos da história
familiar e da história local;
* o apostolado, unindo-se em comunidades intimamente relacionadas
com a hierarquia e comprometidas com a Igreja particular.
d) Baseando-se na Palavra, oferece princípios e
modelos para a ação: preferência do
"ser mais" sobre a tendência a possuir,
poder, saber "mais", sem servir mais. Dar mais
do que receber.
e) A pastoral familiar desenvolve-se:
* em atmosfera de confiança na verdade;
* na, integração dos valores naturais da
família com a fé;
* com um discernimento cristão das circunstâncias,
em vista da tomada de decisões.
Linhas de ação
a) Enriquecer e sistematizar a teologia da família,
para lhe facilitar o conhecimento e o aprofundamento como
"Igreja doméstica", com 0 objetivo de
iluminar as novas situações das famílias
latino-americanas.
b) Afirmamos que, em toda pastoral familiar, deverá
considerar-se a família como sujeito e agente insubstituível
de evangelização e como base da comunhão
na sociedade.
c) Promover no seio das famílias um profundo espírito
de comunhão entre seus membros, com expressões
de abertura e generoso serviço mútuo, procurando
assim a realização da Boa Nova.
d) Repisar na necessidade duma educação
de todos os membros da família na justiça
e no amor, de tal sorte que passam ser agentes responsáveis,
solidários e eficientes para promover soluções
cristãs da complexa problemática social
latino-americana.
e) Considerar a catequese pré-sacramental e sua
celebração litúrgica como ocasiões
privilegiadas para o anúncio do Evangelho do amor
conjugal e familiar e resposta ao mesmo.
f ) Promover, como parte importante da educação
progressiva no amor, a educação sexual,
que deve ser oportuna e integral, e que faro descobrir
a beleza do amor e o valor humano do sexo.
g) Acompanhar os esposos, para ajuda-los crescer na fé
e aprofundar-se no mistério d0 matrimônio
cristão. Assim, serão ajudados a ser felizes,
ensinando-se-lhes a cultivar o amor, a entrar em diálogo,
a trocar delicadezas e atenções, a centrar
no lar todos os interesses da vida.
h) Atenda-se, numa atitude pastoral profundamente evangélica
e com profundo senso de compreensiva prudência,
ao doloroso problema das uniões matrimoniais de
fato e das famílias incompletas.
i) Eduquem-se de preferência os esposos par. uma
paternidade responsável que os capacite não
só para uma honesta regulação da
fecundidade e para incrementar o gozo de sua complementariedade,
mas também para fazer dela bons formadores de seus
filhos.
j ) Frente às campanhas antinatalistas, de origem
governamental ou promovidas por outr05 países,
proporcionem-se às famílias conhecimentos
suficientes sobre os múltiplos efeitos negativos
das técnicas imperantes nas filosofias neomaltusianas
e proceda-se à aplicação integral
das normas éticas clara e repetidas mente enunciadas
pelo magistério.
Para conseguir uma honesta regulação da
fecundidade, requer-se promover a existência de
centros onde se ensinem cientificamente os métodos
naturais, por meio de pessoal qualificado. Esta alternativa
humanista evita os convenientes éticos e sociais
da anticoncepção e da esterilização,
que foram, historicamente passos prévios à
legalização do aborto.
k) A pastoral do respeito ao direito básico à
vida não deve ser circunscrita ao crime abominável
do aborto, mas estender-se à defesa da integridade
e saúde nos demais períodos e circunstâncias
da existência humana.
1 ) Siga-se fielmente esta recomendação:
"Em defesa da família... a Igreja se compromete
a prestar sua ajuda e convida os governos a que estabeleçam
como ponto-chave de sua ação uma política
sócio-familiar inteligente, audaz, perseverante,
reconhecendo que nisto se cifra indubitavelmente o porvir
- a esperança - do Continente" (Joâo
Paulo II, Homilia Puebla., 3-AAS, LXXI, p. 185 ) .
m) Tanto nos seminários como nos institutos religiosos
e outros centros, ministrar uma suficiente formação
em pastoral familiar e, posteriormente, na formação
permanente dos sacerdotes e demais agentes da evangelização.
n) Promovam-se e consolidem-se os movimentos e outras
formas do apostolado familiar, respeitando seus próprios
carismas dentro da pastoral de conjunto.
o ) Para assegurar o bom êxito dessas linhas de
ação, criem-se ou dinamizem-se centros de
coordenação diocesana, nacional e latino-americana,
para a pastoral familiar, com participação
dos pais de família.
COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, PARÓQUIA, IGREJA
PARTICULAR
Além da família cristã, que é
o primeiro centro de evangelização, o homem
vive sua vocação fraterna no seio da Igreja
particular, em comunidades que tornam presente e operante
o desígnio salvífico do Senhor, vivido na
comunhão e na participação.
Assim, dentro da Igreja particular, devem-se considerar
as paróquias, as comunidades eclesiais de base
e outros grupos eclesiais.
2. COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, PARÓQUIA, IGREJA
PARTICULAR
A Igreja é o Povo de Deus, que manifesta sua vida
de comunhão e serviço evangelizador em diversos
níveis e sob diversas formas históricas.
2.1. Situação
Em geral: em nossa Igreja da América Latina, há
grande anseio de relações mais profundas
e estáveis na fé, amparadas e animadas pela
Palavra de Deus. Intensificaram-se a oração
em comum e o esforço do povo por participar mais
consciente e frutuosamente na liturgia.
Verificamos um crescimento na corresponsabilidade dos
fiéis, tanto na organização como
na ação natural.
Há uma consciência e um exercício
mais amplos dos direitos e deveres que competem aos leigos
como membros da comunidade.
Percebe-se um grande anseio de justiça e um sincero
sentimento de solidariedade, num ambiente social caracterizado
pelo avanço do secularismo e pelos demais fenômenos
próprios duma sociedade em transformação.
Pouco a pouco, a Igreja foi-se desligando daqueles que
detêm o poder econômico ou político,
libertando-se de dependências e prescindindo de
privilégios.
A Igreja na América Latina quer continuar dando
um testemunho de serviço desinteressado e abnegado,
em face de um mundo dominado pelo afã do lucro,
pela ânsia do poder e pela exploração.
Numa linha de maior participação, surgem
ministérios ordenados, como o diaconato permanente
não ordenado e outros serviços, como os
de proclamadores da Palavra, animadores de comunidades.
Nota-se também uma melhoria na colaboração
entre sacerdotes, religiosos e leigos.
Manifesta-se mais claramente em nossas comunidades, como
fruto do Espírito Santo, um novo estilo de relacionamento
entre bispos e presbíteros e destes com seu povo,
caracterizado por maior simplicidade, compreensão
e amizade no Senhor. Tudo isso é um processo no
qual ainda há amplos setores que manifestam alguma
resistência e requerem compreensão e estímulo,
assim como grande docilidade ao Espírito Santo.
São precisas ainda maior abertura do clero para
com a ação dos leigos, superação
do individualismo pastoral e da auto-suficiência.
Por outro lado, a influência do ambiente secularizado
tem produzido, por vezes, tendências centrífugas
com respeito à comunidade e perda do autêntico
senso eclesial.
Nem sempre se encontraram os meios eficazes para superar
a escassez de educação do nosso povo na
fé, permanecendo este indefeso ante a difusão
de doutrinas teológicas inseguras, em face do proselitismo
sectário e dos movimentos pseudo-espirituais.
Em particular
Está comprovado que as pequenas comunidades, sobretudo
as comunidades eclesiais de base criam maior inter-relacionamento
pessoal, aceitação da Palavra de Deus, revisão
de vida e reflexo sobre a realidade, à luz do Evangelho;
nelas acentua-se o compromisso com a família, com
o trabalho, o bairro e a comunidade local. Destacamos
com alegria, como fato eclesial relevante e caracteristicamente
nosso e como "esperança da Igreja" (EN
58), a multiplicação das pequenas comunidades.
Esta expressão eclesial nota-se mais na periferia
das grandes cidades e no campo. Constituem elas ambiente
propício para o surgimento de novos serviços
leigos. Nelas se tem difundido muito a catequese familiar
e a educação dos adultos na fé, de
forma mais adequada ao povo simples. Todavia, não
se deu suficiente atenção à formação
de líderes educadores da fé e de cristãos
responsáveis nos organismos intermediários
do bairro, do mundo operário e agrário.
Quem sabe, por isso mesmo não hajam faltado membros
de comunidades ou comunidades inteiras que, atraídos
por instituições puramente leigas ou ideologicamente
radicalizadas, vão perdendo o autêntico senso
eclesial.
A paróquia está conseguindo diversas formas
de renovação, adequadas às mudanças
desses últimos anos. Há mudança de
mentalidade entre os pastores; os leigos são chamados
para os conselhos de pastoral e demais serviços;
constante atualização da catequese, maior
presença, do presbítero no meio do povo,
principalmente graças a uma rede de grupos e comunidades.
Na linha da evangelização, a paróquia
apresenta uma dupla relação de comunicação
e comunhão pastoral: em nível diocesano,
as paróquias se integram em regiões, vicariatos,
decanatos; no interior de si mesmas, a pastoral se diversifica
segundo os diferentes setores e se abre à criação
de comunidades menores.
Contudo, ainda subsistem atitudes que obstam a este dinamismo
de renovação: primazia do administrativo
sobre o pastoral, rotina, falta de preparação
para os sacramentos, autoritarismo de certos sacerdotes
e fechamento da paróquia sobre si mesma, sem considerar
as graves urgências apostólicas do conjunto.
Na Igreja particular, observa-se um notável esforço
para adaptar o território em função
de maior atendimento ao povo de Deus, com a criação
de novas dioceses. Há empenho por dotar as Igrejas
de organismos que promovam a co-responsabilidade, mediante
canais. adequados para o diálogo, tais como conselhos
presbiterais, conselhos de pastoral, comissões
diocesanas, que promovem uma pastoral mais orgânica
e adaptada à realidade peculiar de cada diocese.
Também há, por parte das comunidades religiosas
e dos movimentos leigos, maior consciência da necessidade
de inserir-se, com espírito eclesial, na missão
da Igreja particular.
Em nível nacional, é notável o esforço
em favor dum melhor exercício da colegialidade
no seio das conferências episcopais, cada dia mais
bem organizadas e dotadas de organismos subsidiários.
Menção especial merece o desenvolvimento
e a eficácia do serviço que o CELAM oferece
à comunhão eclesial em todo o âmbito
da América Latina.
Em nível universal, destacam-se as relações
de intercâmbio fraterno por meio do envio de pessoal
apostólico e da ajuda econômica, mantidas
com os episcopados da Europa e da América do Norte,
com o apoio da CAL, cuja confirmação e aprofundamento
ensejam mais amplas oportunidades de participação
intereclesial, sinal eminente de comunhão universal.
2.2. Reflexão doutrinal
O cristão vive em comunidade sob a ação
do Espírito Santo, princípio invisível
de unidade e comunhão, como também da unidade
e variedade de estados de vida, ministérios e carismas.
O batizado, na Igreja doméstica que é sua
família, é chamado à primeira experiência
de comunhão na fé, no amor e no serviço
ao próximo.
Nas pequenas comunidades, mormente nas mais bem constituídas,
cresce a experiência de novas relações
interpessoais na fé, o aprofundamento da palavra
de Deus, a participação na eucaristia, a
comunhão com os pastores da Igreja particular e
um maior compromisso com a justiça na realidade
social dos ambientes em que se vive. Pergunta-se quando
é que uma pequena comunidade pode ser considerada
verdadeira comunidade eclesial de base na América
Latina?
A comunidade eclesial de base, enquanto comunidade, integra
famílias, adultos e jovens, numa íntima
relação interpessoal na fé. Enquanto
eclesial, é comunidade de fé, esperança
e caridade; celebra a palavra de Deus e se nutre da eucaristia,
ponto culminante de todos os sacramentos; realiza a palavra
de Deus na vida, através da solidariedade e compromisso
com o mandamento novo do Senhor e torna presente e atuante
a missão eclesial e a comunhão visível
com os legítimos pastores, por intermédio
do ministério de coordenadores aprovados. É
de base por ser constituída de poucos membros,
em forma permanente e à guisa de célula
da grande comunidade. "Quando merecem o seu título
de eclesialidade, elas podem reger, em solidariedade fraterna,
sua própria existência espiritual e humana"
( EN 58 ) .
Os cristãos unidos em comunidade eclesial de base,
fomentando sua adesão a Cristo, procuram uma vida
mais evangélica no seio do povo, colaboram para
questionar as raízes egoístas e de consumismo
da sociedade e explicitam a vocação para
a comunhão com Deus e com os irmãos, oferecendo
um valioso ponto de partida para a construção
duma nova sociedade, "a civilização
do amor".
As comunidades eclesiais de base são expressão
de amor preferencial da Igreja pelo povo simples; nelas
se expressa, valoriza s purifica sua religiosidade e se
lhe oferece possibilidade concreta de participação
na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo.
A paróquia realiza uma função de
Igreja em certo sentido integral, já que acompanha
as pessoas e famílias no decorrer de toda a sua
existência, na educação e crescimento
na, fé. É centro de coordenação
e animação de comunidades, grupos e movimentos.
Aqui, amplia-se mais o horizonte de comunhão e
participação. A celebração
da eucaristia e demais sacramentos torna presente de maneira
mais clara a totalidade da Igreja. O seu vínculo
com a comunidade diocesana é garantido pela união
com o bispo, que confia a seu representante ( normalmente
o pároco ) o cuidado pastoral da comunidade. A
paróquia vem a ser para o cristão o lugar
de encontro, de fraterna comunicação de
pessoas e de bens, superando as limitações
próprias às pequenas comunidades. Na paróquia
se assume, de fato, uma, série de serviços
que não estão ao alcance das comunidades
menores, sobretudo em nível missionário
e na promoção da dignidade da pessoa humana,
atingindo-se, assim, os migrantes mais ou menos estáveis,
os marginalizados, os separados, os não-crentes
e, em geral, os mais necessitados.
Na Igreja particular, constituída à imagem
da Igreja universal, encontra-se e opera verdadeiramente
a Igreja de Cristo que é una, santa, católica
e apostólica. Ela .é uma parte do povo de
Deus, definida por um contexto sócio-cultural mais
amplo, onde se encarna. Sua primazia no conjunto das comunidades
eclesiais deve-se ao fato de ser presidida pelo bispo,
dotado de forma plena e sacramental do tríplice
ministério de Cristo, cabeça do corpo místico,
profeta, sacerdote e pastor. O bispo é, em cada
Igreja particular, princípio e fundamento de unidade
da mesma.
Por serem sucessores dos apóstolos, os bispos tornam
presente a apostolicidade de toda a Igreja através
de sua comunhão com o colégio episcopal
e, de maneira especial, com o Romano Pontífice;
garantem a fidelidade ao Evangelho; realizam a comunhão
com a Igreja universal e promovem a colaboração
do seu presbitério e o crescimento do povo de Deus,
confiado a seus cuidados. Responsabilidade do bispo será
discernir os carismas e incentivar os ministérios
indispensáveis para que a diocese cresça
até a maturidade, como comunidade evangelizada
e evangelizadora, de tal sorte que seja luz e fermento
da sociedade, sacramento da unidade e de libertação
integral, apta para o intercâmbio com as demais
Igrejas particulares, animada de espírito missionário,
que a faça irradiar a riqueza evangélica
amealhada em seu interior.
2.3. Linhas pastorais
Como pastores, queremos resolutamente promover, orientar
e acompanhar as comunidades eclesiais de base, de acordo
com o espírito de Medellin e os critérios
da Evangelii Nuntiandi, 58; favorecer o descobrimento
e a formação gradual de animadores para
elas. Em especial, é preciso procurar como possam
as peque: ias comunidades, que se multiplicam sobretudo
na periferia e nas zonas rurais, adaptar-se também
à pastoral das grandes cidades do nosso Continente.
Nas paróquias, é preciso prosseguir no esforço
de renovação, superando os aspectos meramente
administrativos; buscando maior participação
dos leigos, mormente no conselho pastoral; dando prioridade
aos apostolados organizados e formando os seculares para
que assumam, como cristãos, suas responsabilidades
na. comunidade e no ambiente social.
Deve-se insistir numa opção mais decidida
em favor da pastoral de conjunto, especialmente com a
colaboração das comunidades religiosas,
promovendo grupos, comunidades e movimentos; animando-as
a um esforço constante de comunhão, fazendo
da paróquia o centro de promoção
e dos serviços que as comunidades menores não
podem assegurar.
Devem-se incentivar as experiências para desenvolver
a ação pastoral de todos os agentes nas
paróquias e animar a pastoral vocacional dos ministérios
consagrados, dos serviços leigos e da vida religiosa.
Digno de especial reconhecimento e duma palavra de animação
são os presbíteros e outros agentes de pastoral,
a quem a comunidade diocesana deve dar apoio, estímulo
e solidariedade, também no que se refere ao necessário
sustento e segurança social, dentro do espírito
de pobreza.
Dentre os presbíteros, queremos ressaltar a figura
do pároco, como pastor à semelhança
de Cristo, promotor de comunhão com Deus e entre
os irmãos, a cujo serviço se dedica junto
com seus coirmãos presbíteros em torno do
bispo: atento a discernir os sinais dos tempos com o seu
povo; animador de comunidades.
No âmbito da Igreja particular, procure-se garantir
a constante formação e renovação
dos agentes de pastoral, promovendo a espiritualidade
e os cursos de capacitação, mediante centros
de retiro e dias de oração. Urge que as
cúrias diocesanas cheguem a ser centros mais eficazes
de promoção pastoral em seus três
níveis, de catequese, liturgia e serviços
de justiça e caridade, reconhecendo o valor pastoral
do serviço administrativo. Deve-se intentar com
especial empenho a integração dos conselhos
diocesanos de pastoral e outros organismos diocesanos
que, embora apresentem algumas dificuldades, são
instrumentos indispensáveis de planejamento, implementação
e constante acompanhamento da ação pastoral
na vida da diocese.
A Igreja particular dará maior relevo a seu caráter
missionário e à comunhão eclesial,
partilhando valores e experiências, bem como favorecendo
0 intercâmbio de pessoas e bens.
Através de seus pastores, pela colegialidade episcopal
e união com o Vigário de Cristo, a comunidade
diocesana deve intensificar sua estreita comunhão
com o centro de unidade da Igreja e sua aceitação
leal do serviço que ele oferece, por seu magistério,
na fidelidade ao Evangelho e na vivência da caridade.
Nisto vai incluída a colaboração
na ação - em nível continental -
por meio do CELAM e de seus programas.
Nós nos empenhamos para que esta colegialidade,
da, qual Puebla, com as duas Conferências Gerais
que a precederam, constitui um momento privilegiado, seja
o sinal mais eficaz de credibilidade do anúncio
e serviço do evangelho, em favor da comunhão
fraterna em toda a América Latina.
CAPÍTULO II
AGENTES DE COMUNHAO E PARTICIPAÇÃO
Nós nos dirigimos
agora aos principais agentes da evangelização.
Queremos refletir com eles e cobrar novo ânimo e
novas opções para levar a bom termo nossa
tarefa pastoral.
Somos responsáveis por essa difícil, mas
honrosa missão de evangelizar todas as pessoas
e todos os ambientes.
Estamos nos referindo aos presbíteros, diáconos,
religiosos, religiosas e leigos comprometidos e começamos
por nós mesmos, os bispos.
CONTEÚDO
1. Ministério hierárquico
2. Vida consagrada
3. Leigos
4. Pastoral vocacional
1. MINISTERIO HIERÁRQUICO
O Ministério hierárquico, sinal sacramental
de Cristo, Pastor e Cabeça da Igreja, é
o principal responsável pela edificação
da Igreja, na comunhão e dinamização
de sua ação evangelizadora.
1.1. Introdução
Muito ativa tem sido por todos esses anos a reflexão
teológica sobre a identidade sacerdotal, urgida
pelas crises e desajustes que a golpearam com certa rijeza.
Sente-se a falta, entretanto - e para isto convidamos
os teólogos e pastoralistas - de um aprofundamento
em campo tão importante, de acordo com as diretivas
do magistério, em particular do Concílio
Vaticano II, de Medellin, do Sínodo dos Bispos
de 1971 e do Diretório para o Ministério
Pastoral dos Bispos. Crescerá em interesse uma
visão de síntese, na qual se perceba a convergência
de elementos por vezes apresentados como antitéticos.
O sacerdócio, em virtude de sua participação
sacramental com Cristo, Cabeça da Igreja, é,
pela Palavra e pela eucaristia, serviço da unidade
da comunidade. O ministério da comunidade implica
participação no poder ou autoridade que
Cristo comunica mediante a ordenação e que
constitui o sacerdote na tríplice dimensão
do ministério de Cristo, profeta, liturgo e rei,
como alguém que age em seu nome a serviço
da comunidade. O ser e agir do sacerdote referem-se, na
identidade do seu serviço, à eucaristia,
raiz e eixo de toda comunidade, centro da vida sacramental,
à qual a Palavra conduz. Por isso, pode-se afirmar
que onde há eucaristia há Igreja. Como esta
é administrada pelo bispo, em união com
o presbitério, igualmente certo é dizer
que "onde estiver o bispo, aí está
a Igreja".
Em virtude da fraternidade sacramental, a plena unidade
entre os ministros da comunidade já é, de
per si, um fato evangelizador, cuja exigência é
lembrada pelo Papa em seu discurso inaugural. Desta unidade
deriva a própria unidade pastoral.
1.2. Situação
Em conseqüência das necessidades dos tempos,
observa-se uma mudança na mentalidade e atitudes
dos ministros hierárquicos e, portanto, em sua
imagem.
Vai-se adquirindo uma consciência mais profunda
do caráter evangelizador e missionário do
múnus pastoral.
O estilo de vida de muitos pastores tem crescido em simplicidade
e pobreza, no mútuo afeto e compreensão,
na aproximação ao povo, na abertura para
o diálogo e na corresponsabilidade.
Tem-se consolidado a comunhão eclesial, tanto dos
bispos com o Santo Padre, como dos bispos entre si; da
mesma forma a dos presbíteras e religiosos com
o bispo e entre as diversas famílias eclesiais.
Especial menção merecem as Igrejas particulares
de diversos países que não só incrementam
nosso trabalho de evangelização com o envio
de presbíteros, religiosos e outros agentes de
evangelização, como também contribuem
generosamente com sua comunicação cristã
de bens.
Admirável e animador é comprovar o espírito
de sacrifício e abnegação com que
muitos pastores exercem o seu ministério a serviço
do Evangelho, quer na pregação, quer na
celebração dos sacramentos ou na defesa
da dignidade humana, afrontando a solidão, o isolamento,
a incompreensão e, por vezes, a perseguição
e a morte °'
Nota-se em quase todos os ministros um crescente interesse
pela atualização, não só intelectual,
mas também espiritual e pastoral e um desejo de
aproveitamento de todos os meios que a favorecem. Verifica-se
um aumento de clareza com respeito à identidade
sacerdotal, que resultou em renovada afirmação
da vida espiritual do ministério hierárquico
e num serviço preferencial aos pobres. Os pastores
contribuíram sensivelmente para apurar uma tomada
de consciência na ação dos leigos,
tanto em sua vocação específica secular,
como uma participação mais responsável
na vida da Igreja, inclusive mediante os diversos ministérios.
Fenômeno animador é o dos diáconos
permanentes, com seu ministério diversificado,
especialmente em paróquias rurais e agrárias,
sem esquecer as comunidades de base e outros grupos de
fiéis. Faz-se contudo necessário um aprofundamento
teológico acerca da figura do diácono, para
conseguir-se maior aceitação do seu ministério.
Dentro deste panorama alentador, também aparecem
aspectos negativos. Apresentamos alguns: a) Falta unidade
nos critérios básicos de pastoral, com as
conseqüentes "tensões" na obediência
e sérias repercussões na "pastoral
de conjunto".
b ) Não obstante o recente aumento de vocações,
causa preocupação a escassez de ministros,
devida - entre outras causas - a uma, deficiente consciência
missionária.
c) A distribuição do clero, em nível
continental, é inadequada e vê-se agravada
em alguns casos por cumprirem os sacerdotes tarefas supletivas.
d) Falta uma suficiente atualização pastoral,
espiritual, e doutrinal; isto causa insegurança
diante dos progressos teológicos e diante de doutrinas
errôneas; provoca um sentimento de frustração
pastoral e até certas crises de identidade.
e) Por vezes, a insuficiência de meios de sustentação
e a falta duma modesta previdência social para os
presbíteros provoca o recurso a trabalhos remunerados,
em detrimento do seu ministério.
f ) Em algumas ocasiões, falta a oportuna intervenção
magisterial e profética dos bispos, bem como maior
coerência colegial.
1.3. Iluminação teológico-pastoral
O grande ministério ou serviço que a Igreja
presta ao mundo e aos homens que nele habitam é
a evangelização (apresentada com fatos e
palavras), a Boa Nova de que o Reino de Deus, reino de
justiça. e de paz, chega aos homens em Jesus Cristo.
Desde o princípio, houve na Igreja diversidade
de ministérios, cuja finalidade é a evangelização.
Os escritos do Novo Testamento revelam a vitalidade da
Igreja, que se manifestou em múltiplos serviços.
Assim, São Paulo menciona, entre outros, os seguintes:
a profecia, a diaconia, o ensino, a exortação,
o dar esmolas, o presidir, o exercício da misericórdia;
e, em outros contextos, fala de ministérios como
as palavras da sabedoria, do discernimento de espíritos
e alguns outros. Em outros escritas da Novo Testamento,
descrevem-se igualmente vários ministérios.
"O ministério eclesiástico, de instituição
divina, é exercido em diversas ordens por aqueles
que, já desde as primeiras eras, se vêm chamando
bispos, presbíteros e diáconos" (LG
28). Estas formam o ministério hierárquico
e se recebem mediante a "imposição
das mães", no sacramento da ordem. Como ensina
o Vaticano II, pelo sacramento da ordem - episcopal e
presbiterial - confere-se um sacerdócio ministerial,
essencialmente diferente do sacerdócio comum de
que participam todos os fiéis pelo sacramento do
batismo; os que recebem o ministério hierárquico
ficam constituídos, de acordo com suas funções,
"pastores" da Igreja. Assim como o Bom Pastor,
vão à frente das ovelhas; dão a vida
por elas, para que tenham vida e a tenham em abundância;
conhecem-nas e são por elas conhecidos.
"Ir à frente das ovelhas" significa,
ficar atentos aos caminhos por onde transitam os fiéis,
a fim de que, unidos pelo Espírita, dêem
testemunho da vida, padecimentos, morte e ressurreição
de Jesus Crista que, pobre entre os pobres, proclamou
que todos somos filhos de um mesmo Pai e, por conseguinte,
irmãos.
"Dar a vida" indica a medida da "ministério
hierárquico" e é a prova do maior amor;
assim o vive Paulo, que morre todos os dias" no cumprimento
do seu ministério.
"Conhecer as ovelhas e ser por elas conhecidos"
não se limita a saber das necessidades dos fiéis.
Conhecer é envolver-se com todo o ser, amar como
quem veio não para ser servido, mas para servir.
Renovamos a nossa adesão a todos os ensinamentos
que, sobre os pastores, nos foram ministrados pelo Concílio
Vaticano II, Sínodo Episcopal de 1971, Medellin
e o Diretório dos Bispos. Agora, porque as julgamos
especialmente úteis para a evangelização
da América Latina no presente, e no futuro, propomos
algumas "reflexões" sobre o ministério
dos bispos, das presbíteros e dos diáconos:
O bispo, como membro do colégio episcopal presidido
pelo Papa, é sucessor dos apóstolos e por
sua plena participação no sacerdócio
de Cristo - é sinal visível e eficaz do
mesmo Cristo, de quem faz as vezes como mestre, pastor
e pontífice. Esta função tríplice
e inseparável acha-se posta a serviço da
unidade de sua Igreja particular e cria exigências
de caráter espiritual e pastoral que, hoje, merecem
ser acentuadas.
O bispo é mestre da verdade. Numa Igreja totalmente
consagrada ao serviço da Palavra, ele é
primeiro evangelizador, o primeiro catequista; nenhuma
outra tarefa o pode eximir desta missão sagrada..
Medita religiosamente a Palavra, atualiza-se doutrinalmente,
prega ao povo pessoalmente; vela para que a sua comunidade
progrida de contínuo no conhecimento e prática
da palavra de Deus, animando e orientando a todos os que
ensinam na Igreja (a fim de evitar "magistérios
paralelos" de pessoas ou grupos), e suscitando a
colaboração dos teólogos, que exercem
o seu carisma específico dentro da Igreja a partir
dos métodos próprios da teologia; para isto,
busca uma atualização teológica,
a fim de poder discernir a verdade, e mantém com
eles uma atitude de diálogo. Isso tudo em comunhão
com o Papa e com seus irmãos bispos, especialmente
os de sua conferência episcopal.
O bispo é sinal e construtor da unidade. Faz de
sua autoridade, evangelicamente exercida, um serviço
da unidade; promove a missão de toda a comunidade
diocesana; fomenta a participação e corresponsabilidade
nos diversos níveis; infunde confiança em
seus colaboradores (mormente os presbíteros, para
os quais deve ser pai, irmão e amigo ); cria na
diocese um tal clima de comunhão eclesial orgânica
e espiritual, que permita a todos os religiosos e religiosas
viverem sua pertença peculiar à família
diocesana; discerne e valoriza a multiplicidade e variedade
dos carismas infundidos nos membros de sua Igreja, de
sorte que, eficazmente integrados, concorram para o crescimento
e vitalidade da mesma; faz-se presente nas principais
ocorrências da vida de sua Igreja particular.
O bispo é pontífice e santificador. Exerce
pessoalmente sua função de presidente e
promotor da liturgia; firma-o em seu próprio testemunho,
promove a santidade de todos os fiéis com meio
primordial de evangelização; haure na graça
própria do sacramento da ordem o fundamento para
um constante cultivo da vida espiritual que, no amor pessoal
a Cristo, impulsione o seu amor à Igreja e sua
entrega ao generoso pastoreio de suas ovelhas; ocupa-se
da vida espiritual dos seus presbíteros e religiosos;
faz de sua vida alegre, austera, simples e o mais chegada
possível ao povo, um testemunho de Cristo Pastor
e um meio de dialogar com todos os homens.
Os presbíteros são constituídos,
pelo sacramento da ordem, colaboradores principais dos
bispos em seu tríplice ministério; tornam
presente a Cristo-Cabeça no meio da comunidade
c2'4; formam, junto com seu bispo e unidos em íntima
fraternidade sacramental, um só presbitério
dedicado a tarefas variadas para o serviço da Igreja
e do mundo. Essas realidades fazem deles "peças
centrais da tarefa eclesial" (João Paulo II,
Alocução Sacerdotes, 1-AAS, LXXI, p. 179
) .
Já que os presbíteros são inseparáveis
dos bispos, os traços de espiritualidade pastoral
acima descritos também a eles se aplicam. Na atual
situação da Igreja na América Latina,
considera-se prioritário o seguinte:
O presbítero anuncia o Reino de Deus, que se inicia
neste mundo e chegará à plenitude quando
Cristo vier no fim dos tempos. Para servir a este Reino,
abandona tudo em seguimento do seu Senhor. Sinal desta
entrega radical é o celibato ministerial, dom do
próprio Cristo e penhor duma generosa e livre dedicação
ao serviço dos homens.
O presbítero é um homem de Deus. Só
lhe é dado ser profeta na medida em que tenha feito
a experiência do Deus vivo. Só esta experiência
o fará portador duma palavra poderosa para transformar
a vida pessoal e social dos homens, de conformidade com
o desígnio do Pai.
A oração sob todas as suas formas - e de
modo especial a Liturgia das Horas a ele confiada pela
Igreja - o ajudará a sustentar esta experiência
de Deus, que ele deverá partilhar com seus irmãos.
Assim como o bispo e em comunhão com ele, o presbítero
evangeliza, celebra o santo sacrifício e serve
à unidade.
Como pastor, empenhado na libertação integral
dos pobres e oprimidos, ele age sempre com critérios
evangélicos. Acredita na força do Espírito
para não cair na tentação de se transformar
em líder político, dirigente social ou funcionário
de um poder temporal; isto o impediria de "ser sinal
e fator de unidade e fraternidade" (João Paulo
II, Alocução Sacerdotes, 8-AAS, LXXI, p.
182).
O diácono, colaborador do bispo e do presbítero,
recebe uma graça sacramental própria. O
carisma do diácono, sinal sacramental de "Cristo
Servo" tem grande eficácia para a realização
duma Igreja servidora e pobre, que exerce sua. função
missionária com vistas à libertação
integral do homem. A missão e função
do diácono não se devem avaliar com critérios
meramente pragmáticos. por estas ou aquelas ações
que poderiam ser exercidas por ministros não ordenados
ou por qualquer batizado; nem tampouco como solução
para a escassez numérica de presbíteros
que afeta a América Latina. A conveniência
do diácono se depreende da sua contribuição
eficaz para melhor cumprimento da missão salvífica
da Igreja, graças a uma atenção mais
adequada à tarefa evangelizadora.
A implantação do diaconato permanente, já
pedida à Santa Sé pela maioria de nossas
conferências episcopais, deverá efetuar-se
dentro duma procura "do novo e do velho". Não
se trata simplesmente de restaurar o diaconato primitivo,
mas de pesquisar a tradição da Igreja universal
e as realidades peculiares do nosso continente, haurindo
desta dupla atenção, fidelidade ao patrimônio
eclesial e sadia criatividade pastoral com projeção
evangelizadora.
A espiritualidade ministerial comum a todos os membros
da hierarquia deve centrar-se na eucaristia e caracterizar-se
por uma autêntica devoção à
Santíssima Virgem Maria, tão arraigada.
no povo que evangelizamos e garantia duma permanente fidelidade,
característica-chave de todo evangelizador.
1.4. Orientações pastorais
Os bispos: Comprometemo-nos a:
Sempre cumprir com alegria, intrepidez e humildade o ministério
evangelizador, como tarefa prioritária do múnus
episcopal, na senda aberta e iluminada pelos insignes
pastores e missionários do Continente.
Assumir a colegialidade episcopal em todas as suas dimensões
e conseqüências, a nível regional e
universal.
Promover a todo o custo a unidade da Igreja particular,
com discernimento do Espírito para não extinguir
nem uniformizar a riqueza de carismas, e dar especial
importância à promoção da pastoral
orgânica e à animação das comunidades.
Dar aos conselhos presbiteriais e pastorais e outros organismos
pastorais a consistência e funcionalidade requeridas
pelo Concílio e promover com solicitude o crescimento
espiritual e pastoral dos presbíteros.
Procurar formas de agrupamento dos presbíteros
situados em regiões afastadas, a fim de evitar
seu isolamento e favorecer maior eficiência pastoral.
Recomenda-se especial consideração para
com os "capelães militares", no intuito
de que, nos lugares onde prestam seu ministério
sacerdotal, se integrem pastoralmente no presbitério
diocesano. Empenhar-nos, por exigência evangélica
e de acordo com a nossa missão, em promover a justiça
e defender a dignidade e os direitos da pessoa humana.
Num espírito de fidelidade total ao Evangelho e
sem perder de vista o nosso carisma de sinal de unidade
e pastor, dar a entender por nossa vida e atitudes a nossa
preferência pela evangelização e serviço
aos pobres.
Dar atenção preferencial ao seminário,
dada a sua importância na formação
dos presbíteros dos quais depende, em grande parte,
"a desejada renovação de toda a Igreja"
(0T, proêmio), destinar-lhes os melhores sacerdotes
adequadamente capacitados; buscar por todos os meios um
melhor conhecimento dos formadores e dos alunos e um maior
contato com eles.
Buscar efícazmente a solução para
a difícil situação econômica
dos presbíteros, mediante uma remuneração
e previdência social adequadas; acudindo, caso necessário,
a iniciativas de caráter supradiocesano, nacional
ou internacional, no espírito da comunicação
cristã de bens.
Estudar com objetividade o fenômeno do abandono
do ministério presbiterial, com suas causas e incidências
na vida da Igreja, tendo presente o critério traçado
pelo Sínodo de 1971, que pede sejam tratados, do
ponto de vista pastoral, "eqüitativa e fraternalmente"
e possam colaborar no serviço da Igreja, embora
"não sejam admitidos ao exercício de
atividades sacerdotais" (O Sacerdócio Ministerial,
II, 4, d).
Presbíteros No seu ministério, dêem
os presbíteros prioridade ao anúncio do
Evangelho a todos, mas muito especialmente aos mais necessitados
(operários, camponeses, indígenas, marginalizados,
grupos afro-americanos), incluindo a promoçâo
e defesa de sua dignidade humana.
Renove-se a vitalidade missionária dos sacerdotes
e sejam eles formados numa atitude de generosa disponibilidade,
para que se possa dar uma resposta eficaz à desigual
distribuição do clero atualmente existente.
Dêem prioridade ao trabalho evangelizador da família
e da juventude e à promoção das vocações
sacerdotais e religiosas.
Assumam o compromisso de incorporar o laicato e as religiosas
na ação pastoral, numa participação
cada, vez mais ativa, ministrando-lhes o devido acompanhamento
espiritual e doutrinal.
Diáconos permanentes
O diácono insira-se plenamente na comunidade a
que serve e promova de contínuo a comunhão
da mesma com o presbítero e o bispo. Além
disso, respeite e fomente os ministérios exercidos
por leigos.
A comunidade deve ter um papel importante na cuidadosa
seleção dos candidatos ao diaconato. Haja
formação adequada e contínua do diácono
e uma devida preparação de sua própria
família, da comunidade que o acolhe, do presbitério
e dos leigos.
Preveja-se uma justa remuneração dos diáconos
permanentes consagrados por inteiro ao ministério
pastoral.
Promovam-se estudos para aprofundar os aspectos teológicos`.
canônicos e pastorais do diaconato permanente e
procure-se a divulgação adequada de tais
estudos.
Formação permanente
A graça recebida na ordenação, que
se deve continuamente reavivar "), e a missão
evangelizadora exigem dos ministros hierárquicos
uma séria e contínua formação,
que não se pode reduzir ao campo intelectual, mas
deve estender-se a todos os aspectos de sua vida.
Objetivo desta formação, que levará
em conta a idade e as condições das pessoas,
deve ser: capacitar os ministros hierárquicos para
que, de conformidade com as exigências de sua vocação
e missão e com a realidade latino-americana, vivam
pessoal e comunitariamente um processo continuado que
os torne pastosamente competentes para o exercício
do ministério.
2. VIDA CONSAGRADA
A vida consagrada é, por si mesma, evangelizadora,
no sentido da comunhão e participação
na América Latina.
2.1. Tendências da vida consagrada na América
Latina
Motivo de grande alegria é para nós, bispos,
verificar a presença e o dinamismo de tantas pessoas
consagradas que, na América Latina, dedicam sua
vida à missão evangelizadora, como já
fizeram no passado. Podemos afirmar com Paulo VI: "Não
raras vezes, elas são encontradas na vanguarda
da missão, a afrontar os maiores riscos para sua
saúde e a própria vida. Sim, na verdade,
a Igreja lhes deve muitíssimo" (EN 69). Isto
nos incita a promover e acompanhar a vida consagrada de
acordo com suas notas características, De toda
a experiência de vida religiosa na América
Latina queremos reunir tão somente as tendências
mais significativas e renovadoras que o Espírito
suscita na Igreja, assim como apontar algumas dificuldades
manifestadas pela crise dos últimos anos.
Embora nos refiramos diretamente à vida religiosa,
queremos dizer aos institutos seculares e a outras formas
de vida consagrada que, aqui, depararão com muitas
idéias e experiências que também lhes
concerne. A Igreja da América Latina estima seu
estilo de consagração a Deus e seu modo
de vida "secular" como meio especialmente valioso
para levar a presença e mensagem de Cristo a todo
tipo de ambientes humanos.
A vida religiosa em seu conjunto constitui a maneira específica
de evangelizar, própria do religioso. Por isso,
ao assinalarmos esses aspectos, destacamos a contribuição
dos religiosos para a evangelização. Em
especial, descobrimos as tendências seguintes:
a) Experiência de Deus
Há certos indícios que exprimem um desejo
de interiorização e aprofundamento na vivência
da fé ao comprovar que, sem o contato com o Senhor,
não se consegue uma evangelização
convincente e perseverante.
Há empenho por que a oração chegue
a converter-se em atitude vital, de tal sorte que oração
e vida se enriqueçam mutuamente: oração
que conduza a comprometer-se na vida real, e vivência
da realidade que exija momentos fortes de oração.
Além de recorrer à oração
íntima, tende-se de forma especial à oração
comunitária, com partilha da experiência
de fé, com discernimento sobre a realidade, orando
junto com o povo.
Oração que deve ser visível e estimulante.
Está se redescobrindo o sentido da grande tradição
da Igreja de orar com salmos e textos litúrgicos,
sobretudo na eucaristia participada. O mesmo se dá
com outras devoções tradicionais como o
rosário. Deve-se reconhecer que alguns religiosos
não conseguiram a integração entre
vida e oração, mormente quando se acham
absorvidos pela atividade, quando na inserção
faltam espaços de intimidade ou vivem uma espiritualidade
falsa.
b ) Comunidade fraterna
Busca-se dar ênfase às relações
fraternas interpessoais nas quais se valoriza a amizade,
a sinceridade, a maturidade, como base humana indispensável
para a convivência; numa dimensão de fé,
pois quem chama é o Senhor; num estilo de vida
mais simples e acolhedor; com diálogo e participação.
Há diversos estilos de vida comunitária.
Para certas obras e de acordo com os diversos carismas
das instituições, existem comunidades numerosas.
Também surgem "pequenas comunidades"
que nascem geralmente do desejo de inserir-se em bairros
modestos ou no campo, ou em alguma missão evangelizadora
particular. A experiência mostra que, para terem
êxito, essas pequenas comunidades devem preencher
certas condições: motivação
evangélica, comunicação pessoal,
oração comunitária, avaliações,
integração no instituto e na diocese mediante
a indispensável assistência da autoridade.
Hoje, experimentam-se especiais dificuldades devidas à
proximidade das pessoas e diversidade de mentalidades,
quando diminui o sentido da fé ou não se
respeita o devido pluralismo.
c ) Opção preferencial pelos pobres
A abertura pastoral das obras e a opção
preferencial pelos pobres é a tendência mais
notável da vida religiosa latino-americana. De
fato, os religiosos acham-se cada vez mais em zonas marginais
e difíceis, nas missões entre indígenas,
num trabalho humilde e silencioso. Esta opção
não supõe exclusão de ninguém,
mas pelo contrário, uma preferência e aproximação
do pobre.
Isso tem levado à revisão das obras tradicionais,
para melhor responder às exigências da evangelização.
Igualmente projetou uma luz mais clara sobre a relação
dos religiosos com a pobreza dos marginalizados, que já
não supõe somente o desprendimento interior
e a austeridade comunitária, mas também
solidariedade, partilha e, em certos casos, convivência
com o padre.
Contudo, esta opção produz efeitos negativos,
quando falta a preparação adequada, o apoio
comunitário, a maturidade pessoal ou a motivação
evangélica. Em não poucas ocasiões,
tal opção implicou no risco de ser mal interpretada.
d) Inserção na vida da Igreja particular
Verifica-se uma redescoberta e vivência do mistério
da Igreja particular; um desejo crescente de participação,
contribuindo com a riqueza do próprio carisma vocacional.
Isto leva a maior integração na pastoral
de conjunto e a maior participação nos organismos
e obras diocesanas ou supradiocesanas.
Não obstante, ocorrem tensões. Umas vezes
no seio das comunidades; outras, entre estas e os bispos.
Acontece perde-se de vista a missão pastoral do
bispo ou o carisma próprio do instituto; ou então
faltar o diálogo e o discernimento em conjunto,
ao tratar-se do revisar obras ou de mudar pessoal a serviço
da diocese. Preocupa-nos o abandono sem consulta de obras
que tradicionalmente estiveram em mãos de comunidades
religiosas, como colégios, hospitais etc.
As comunidades contemplativas são como o coração
da vida religiosa. A todos animam e estimulam para que
intensifiquem o significado transcendente da vida cristã.
Elas mesmas também são evangelizadoras,
pois "o ser contemplativa não supõe
cortar radicalmente com o mundo, com o apostolado. A contemplativa
deve encontrar o seu modo específico de dilatar
o Reino de Deus" (João Paulo II, Alocução
às Religiosas de Guadalajara, 2 - AAS, LXXI, p.
226).
2.2. Critérios
a ) O desígnio de Deus
A vida consagrada, arraigada desde os primórdios
nos povos da América Latina, é um dom que
o Espírito concede sem cessar à sua Igreja
como "meio privilegiado de evangelização
eficaz" ( EN 69 ) .
O Pai, ao propor-se libertar nossa história do
pecado, germe de indignidade e morte, elege, em seu Filho,
mediante o Espírito, mulheres e homens batizados,
para um seguimento radical de Jesus Cristo dentro da Igreja.
E como a Igreja universal' se realiza nas Igrejas particulares
"6, nestas se concretiza, para a vida consagrada,
a relação de comunidade vital e compromisso
eclesial evangelizador. Com elas, os consagrados partilham
as fadigas, os sofrimentos, as alegrias e esperanças
da construção do Reino e nelas empenham
as riquezas de seus carismas particulares, como dom do
Espírito evangelizador. Nas Igrejas particulares
encontram seus irmãos presididos pelo bispo, a
quem "compete o ministério de discernir e
harmonizar" ( MR 6 ) .
b ) Chamados ao seguimento radical de Cristo Chamados
pelo Senhor, comprometem-se a segui-1o radicalmente, identificando-se
com ele "a partir das bem-aventuranças",
como salientou o Papa: "Não esqueçais
nunca que, para manter clara, a noção do
valor de vossa vida consagrada, precisareis duma profunda
visão de fé, que se alimenta e conserva
com a oração. A mesma oração
vos fará superar qualquer incerteza acerca da vossa
própria identidade, e vos manterá fiéis
a essa dimensão vertical que é essencial
para vos identificar com Cristo, segundo as bem-aventuranças
e para serdes testemunhas autênticas do Reino de
Deus perante os homens do mundo atual" (João
Paulo II Alocução Religiosas, 4 - AAS, LXXI,
p. 178).
Em virtude de sua consagração, aceitam alegremente,
fundados na. comunhão com o Pai, o mistério
da aniquilação e exaltação
pascal ". Por isso, negando-se radicalmente a si
mesmos, aceitam como própria a cruz do Senhor '°'
que sobre eles pesa e acompanham os que sofrem por causa
da injustiça, por causa da falta do senso profundo
da existência humana e por causa da fome de paz,
verdade e vida. Assim, compartilhando sua morte, ressuscitam
alegremente com eles para a novidade da vida e, fazendo-se
tudo para todos, consideram privilegiados os pobres, prediletos
do Senhor.
Especialmente chamados são eles para viver em intensa
comunhão com o Pai, que os cumula do seu Espírito,
urgindo-os a construir a comunhão sempre renovada
entre os homens. Desta sorte, a vida consagrada é
uma afirmação profética do valor
supremo da comunhão com Deus e entre os homens
(cf . ET 53) e um "exímio testemunho de que
o mundo não pode ser transfigurado nem oferecido
a Deus sem o espírito das bem-aventuranças"
(LG 31).
Tendo Maria por modelo de consagração e
por intercessora, os consagrados encarnarão a Palavra
em sua vida e, como ela e com ela, oferecê-1a-ão
aos homens numa contínua evangelização.
A sua radical consagração a Deus amado sobre
todas as coisas e. por conseguinte, ao serviço
dos homens, exprime-se e se realiza por meio dos conselhos
evangélicos, assumidos mediante votos ou outros
vínculos sagrados que os "unem particularmente
com a Igreja e seu mistério" ( LG 44 ) .
Assim, vivendo pobremente como o Senhor e sabendo que
Deus é o único absoluto, compartilham seus
bens; anunciam a gratuidade de Deus e de seus dons; inauguram,
desta forma, a nova justiça e proclamam "de
maneira toda especial a elevação do Reino
de Deus sobre tudo o que é terreno, e suas exigências
supremas" ( LG 44 ); por seu testemunho, são
uma denúncia evangélica daqueles que servem
ao dinheiro e ao poder, reservando para si egoisticamente
os bens que Deus outorga ao homem para benefício
de toda a comunidade.
Sua obediência consagrada, vivida com abnegação
e fortaleza "como sacrifício de si mesmos"
(PC 14) será expressão de comunhão
com a vontade salvífica de Deus e denúncia
a todo projeto histórico que, apartando-se do plano
divino, não faça crescer o homem em sua
dignidade de filho de Deus. Neste mundo onde o amor está
sendo esvaziado de sua plenitude, onde a desunião
amplia distâncias por toda a parte e o prazer é
erigido como ídolo, os que pertencem a Deus em
Cristo pela castidade consagrada serão um testemunho
da aliança libertadora de Deus com o homem e, no
seio da própria Igreja particular, uma presença
do amor com que "Cristo amou a Igreja e se entregou
por ela" (Et 5,25 ) . Finalmente, serão para
todos um sinal luminoso da libertação escatológica,
vivida na entrega a Deus e numa solidariedade nova e universal
com os homens.
Desta sorte, "esse testemunho silencioso de pobreza
e desprendimento, de pureza e transparência, de
abandono na obediência, pode ser, ao mesmo tempo
que uma interpelação ao mundo e à
própria Igreja, uma pregação eloqüente,
capaz de tocar até mesmo os não cristãos
de boa vontade, sensíveis a certos valores"
(EN 69).
Numa vida de contínua oração, são
chamados a mostrar a seus irmãos o valor supremo
e a eficácia apostólica da união
com o Pai (cf. João Paulo II, Discurso aos Superiores
Maiores, 24-11-78).
A comunhão fraterna vivida em todas as suas exigências,
a que são convocados os consagrados, é o
sinal do amor transformador que o Espírito infunde
em seus corações, mais forte que os laços
da carne e do sangue.
Pessoas diversas, por vezes de diferentes nacionalidades,
participam da mesma vida, e missão, em íntima
fraternidade.
Com isto, esforçam-se por dar eloqüente testemunho
da vida de Deus Trino em sua Igreja, da mesma comunhão
eclesial e atuam como fermento de comunhão entre
os homens e de co-participação nos bens
de Deus.
Se todos os batizados foram chamados a participar na missão
de Cristo, a abrir-se para seus irmãos e a trabalhar
em prol da unidade, dentro e fora da comunidade eclesial,
muito mais ainda os que Deus para si consagrou. Estes
são convidados a viver o mandamento novo, numa
doação gratuita a todos os homens "com
um amor que não é partidário, que
a ninguém exclui, embora se dirija com, preferência
ao mais pobre" (João Paulo II Alocução
Sacerdotes, AAS, LXXI, p. 181).
Desta forma nascem os serviços suscitados pelo
Espírito como expressão salvífica
de Jesus Cristo que, embora realizados individualmente,
são assumidos por toda. a comunidade. Urgidos pelo
amor de Cristo são fermento da consciência
missionária dentro da comunidade eclesial, ao mostrar-se
disponíveis para serem enviados a lugares e situações
onde a Igreja necessita uma ajuda maior e mais generosa.
A riqueza do Espírito se manifesta nos carismas
dos fundadores, que brotam em sua Igreja no decorrer de
todos os tempos, como expressão da força
do seu amor que responde solícito às necessidades
dos homens (cf. LG 46) .
A fidelidade ao próprio carisma é, portanto,
uma forma concreta de obediência à graça
salvífica de Cristo e de santificação
com ele para remir seus irmãos, quer na perspectiva
da área educacional, do serviço da saúde
ou social, do ministério paroquial, quer na perspectiva
da cultura, da arte, etc. Deste modo faz-se presente o
Espírito Santo, que evangeliza os homens com sua
riqueza multiforme.
2.3. Opções gera uma vida consagrada mais
evangelizadora
Orientados pelos ensinamentos das Exortações
Apostólicas Evangelii Nuntiandi, Evangelica Testificatio
e pelo documento Mutuae Relationes, comprometemo-nos a
colaborar com os superiores maiores para realizar as seguintes
opções:
a) Consagração mais profunda,
Intensificar pelos meios mais convenientes a vivência
da consagração total e radical a Deus, que
comporta dois aspectos inseparáveis e complementares:
entrega e reserva para Deus, generosa e total, e serviço
à Igreja e a todos os homens. Favorecer o clima
de oração e contemplação que
nasce da palavra do Senhor, escutada e vivida nas circunstâncias
concretas da nossa história. Valorizar o testemunho
evangelizador da vida consagrada como expressão
vital dos valores evangélicos anunciados nas bem-aventuranças.
Revitalizar a vida consagrada mediante a fidelidade ao
próprio carisma e ao espírito dos fundadores,
em resposta às novas necessidades do povo de Deus.
Incentivar uma seleção vocacional que permita
a decisão plena e consciente e capacite para um
serviço evangelizador adequado no presente e futuro
da América Latina. Para isto, favorecer uma séria
formação inicial e permanente, adaptada
às circunstâncias peculiares da nossa realidade
em perpétua mudança.
b ) Consagração como expressão de
comunhão Fomentar nas comunidades a fraternidade,
favorecendo em seu interior as relações
interpessoais que ensejem a integração e
conduzam a maior comunhão e melhor colaboração
na missão. Estimular a abertura a relações
intercongregacionais nas quais, respeitados o pluralismo
de carismas particulares e as disposições
da Santa Sé, se promova a união.
Criar nas dioceses um tal clima de comunhão eclesial
orgânica e espiritual em torno do bispo, que permita
às comunidades religiosas viver sua pertença
peculiar à família diocesana e, em especial,
leve os religiosos presbíteros à descoberta
de que são cooperadores da ordem episcopal e, de
certa forma, pertencem ao clero da diocese. Para isso,
estudar em conjunto os documentos eclesiásticos,
particularmente o das Relações entre os
Bispos e os Religiosos na Igreja.
Promover a plena adesão ao magistério da
Igreja, evitando qualquer atitude doutrinal ou pastoral
que se aparte de suas orientações ( cf.
João Paulo II, Discurso Inaugural I, 7 - AAS, LXXI,
p. 193 ) .
Fomentar entre os religiosos o conhecimento da teologia
da Igreja particular e o da teologia da vida religiosa
entre o clero diocesano, com vistas ao fortalecimento
duma autêntica pastoral orgânica, em nível
de diocese e de conferência episcopal ". Estabelecer
relações institucionalizadas entre as conferências
episcopais e outros organismos eclesiásticos com
as conferências nacionais de superiores religiosos
e outros organismos de religiosos, de acordo com os critérios
da Santa Sé para as relações entre
os bispos e religiosos na Igreja.
c ) Missão mais comprometida
Incentivar os religiosos para que assumam um compromisso
preferencial pelos pobres, levando em consideração
o que disse João Paulo II: "Sois sacerdotes
e religiosos; não sois dirigentes sociais, líderes
políticos ou funcionários dum poder temporal.
Por isso vos repito: não tenhamos a ilusão
de servir o Evangelho se permitimos que o nosso carisma
se "dilua" através dum exagerado interesse
pelo vasto campo dos problemas temporais" (João
Paulo II, Alocução Sacerdotes, 8 - AAS,
LXXI, p. 182 ) .
Estimular os religiosos e religiosas a atingirem, com
a sua ação evangelizadora, os ambientes
da cultura, da arte, da comunicação social
e da promoção humana, a fim de darem a sua
contribuição evangélica específica,
de acordo com sua vocação e situação
peculiar na Igreja.
Despertar a disponibilidade dos consagrados para assumirem,
dentro da Igreja Particular, os postos de vanguarda evangelizadora
em fiel comunhão com seus pastores e com sua comunidade
e na fidelidade ao carisma de sua fundação.
Estimular a fidelidade ao carisma original e sua atualização
e adaptação às necessidades do povo
de Deus, para que as obras alcancem maior força
evangelizadora.
Renovar a vitalidade missionária dos religiosos
e a atitude de generosa disponibilidade que os leve a
dar respostas eficazes e concretas ao problema da hodierna
desigualdade de distribuição das forças
evangelizadoras.
2.4. Institutos seculares
No que tange especificamente aos institutos seculares,
importa recordar que o seu carisma próprio intenta
responder de maneira direta ao grande desafio que as atuais
mudanças culturais estão lançando
à Igreja: dar um passo na direção
das formas de vida. secularizada que o mundo urbano-industrial
exige, evitando porém que a secularidade se converta
em secularismo.
O Espírito suscitou em nossos dias este novo modo
de vida consagrada, representado pelos institutos seculares,
para ajudar de certa forma, por meio deles, a resolver
a tensão entre a abertura real aos valores do mundo
moderno (autêntica secularização cristã)
e a plena e profunda entrega de coração
a Deus (espírito da consagração )
. Ao situarem-se em pleno foco do conflito, tais institutos
podem significar uma valiosa contribuição
pastoral para o futuro e ajudar a abrir novos caminhos
de validade geral para o povo de Deus.
Por outro lado, a mesma problemática, que eles
tentam resolver e sua falta de enraizamento numa tradição
já provada os expõe, mais que as outras
formas de vida consagrada, às crises do nosso tempo
e ao contágio do secularismo. Esta esperança
e os riscos implicados em seu modo de vida deverão
mover o episcopado latino-americano a promover e apoiar
com especial solicitude o seu desenvolvimento.
3. LEIGOS
Participação do leigo na vida da, Igreja
e na missão desta no mundo.
3.1. Situação
Reconhecendo no seio da Igreja latino-americana uma crescente
tomada de consciência da necessidade da presença
dos leigos na missão evangelizadora, queremos incentivar
a tantos leigos que, mediante o seu testemunho de dedicação
cristã, contribuem para o cumprimento da tarefa
evangelizadora e para apresentar a fisionomia duma Igreja
comprometida com a promoção da justiça
em nossos povos.
Na situação atual do Continente, os leigos
sentem-se particularmente interpelados pelo aspecto que
vão tomando os sistemas e estruturas que, devido
ao desigual processo de industrialização,
urbanização e transformação
cultural, aprofundam as diferenças sócio-econômicas,
afetando principalmente as massas populares, com crescentes
fenômenos de opressão e marginalização.
Após o Concílio e Medellin, no afã
de aceitar os desafios, a Igreja da América Latina
fez, em seu conjunto, experiências positivas e progressos,
conforme dissemos no nº 10 e seguintes e sofreu dificuldades
e crises (vejas-se nº 16-27 ) .
Houve crises que afetaram, naturalmente, o laicato latino-americano
e, em especial, o laicato organizado que sofreu não
só os embates da agressividade da própria
sociedade - repressão dos grupos de poder - mas
também aqueles gerados por uma forte ideologização,
por desconfianças mútuas e nas instituições,
que levaram inclusive a dolorosas rupturas dos movimentos
leigos entre si e com seus pastores.
Hoje, entretanto, vemos outro aspecto da crise, em suas
conseqüências positivas: a progressiva conquista
da serenidade, maturidade e realismo, que se manifesta
em aspirações declaradas de promover na
Igreja estruturas de diálogo, de participação
e ação pastoral de conjunto, expressões
de maior consciência de pertença à
Igreja.
Este otimismo crescente dos movimentos leigos não
desconhece, por outro lado, a persistência de tensões,
tanto em nível de compreensão do sentido
do compromisso do leigo, hoje, na América Latina,
como duma adequada inserção a ação
eclesial.
Enquanto essas tensões afetam principalmente aqueles
que participam em movimentos leigos, grandes setores do
laicato latino-americano não tomaram consciência
plena de sua pertença à Igreja e são
afetados pela incoerência entre a fé que
dizem professar e praticar e o compromisso real que assumem
na sociedade. Divórcio entre fé e vida exacerbado
pelo secularismo e por um sistema que antepõe o
ter mais ao ser mais.
Outrossim, a promoção efetiva do laicato
é muitas vezes obstada pela persistência
de certa mentalidade clerical em numerosos agentes pastorais,
clérigos e até mesmo leigos.
Este contexto social e eclesial, assim descrito, tem dificultado
a participação ativa e responsável
dos leigos em campos tão importantes como o político,
o social e o cultural, particularmente nos setores operário
e agrário.
3 . Reflexão doutrinal
O Leigo na Igreja e no Mundo
A raiz e o significado da missão do leigo encontra-se
em seu ser mais profundo, que o Concílio Vaticano
II se preocupou em sublinhar em alguns de seus documentos:
* O batismo e a confirmação o incorporam
a Cristo e o tornam membro da Igreja;
* participa, a seu modo, da função sacerdotal,
profética e real de Cristo e exerce-a na condição
que lhe é própria;
* a fidelidade e coerência com as riquezas e exigências
do seu ser lhe conferem a identidade de homem de Igreja
no coração do mundo e do homem do mundo
no coração da Igreja.
De fato, o leigo se situa por vocação na
Igreja e no mundo. Membro da Igreja, fiel a Cristo, acha-se
comprometido na construção do Reino em sua
dimensão temporal.
Em íntima comunicação com seus irmãos
leigos e com os pastores, nos quais vê seus mestres
na fé, o leigo contribui para construir a Igreja
como comunidade de fé, de oração,
de caridade fraterna e faz isto por meio da catequese,
da vida sacramental, da ajuda a seus irmãos.
Daí segue-se a multiplicidade de formas de apostolado,
cada uma das quais enfatiza algum dos aspectos acima mensionados.
Mas é no mundo que o leigo encontra seu campo específico
de ação. Pelo testemunho de sua vida, por
sua palavra oportuna e sua ação concreta,
o leigo tem a responsabilidade de ordenar as realidades
temporais para pô-las a serviço da instauração
do Reino de Deus.
No vasto e complexo mundo das realidades temporais, algumas
exigem especial atenção dos leigos: a família,
a educação, as comunicações
sociais.
Entre essas realidades temporais, não se pode deixar
de salientar com ênfase especial a atividade política.
Esta abarca um vasto campo, desde a ação
de votar, passando pela militância e liderança
em algum partido político, até o exercício
de cargos públicos em diversos níveis.
Em todos os casos, o leigo deverá buscar e promover
o bem comum, na defesa da dignidade do homem e do seus
inalienáveis direitos, na proteção
dos mais fracos e necessitados, na construção
da paz, da liberdade, da justiça; na criação
de estruturas mais justas e fraternas.
Isto posto, em nosso Continente latino-americano marcado
por agudos problemas de injustiça que se foram
agravando, os leigos não se podem eximir dum sério
compromisso com a promoção da justiça
e do bem comum, sempre iluminados pela fé e guiados
pelo Evangelho e pela doutrina social da Igreja, mas orientados
ao mesmo tempo pela inteligência e aptidão
para uma ação eficaz. "Para o cristão,
não basta a denúncia das injustiças,
pede-se-lhe que seja verdadeiramente testemunha e agente
da justiça" (João Paulo II, Alocução
Operários Guadalajara, 2 - AAS, LXXI (p. 223).
À medida que cresce a participação
dos leigos na vida da Igreja e na missão desta
no mundo, torna-se também mais urgente a necessidade
de sua sólida formação humana e geral,
formação doutrinal, social, apostólica.
Os leigos têm o direito de recebê-1a primordialmente
em seus próprios movimentos e associações,
mas também em institutos adequados e no contato
com seus pastores.
Por outro lado, o leigo deve trazer ao conjunto da Igreja
a sua experiência de participação
nos problemas, desafios e urgências do seu "mundo
secular" - de pessoas, famílias, grupos sociais
e povos - para que a evangelização eclesial
se enraíze com vigor. Neste sentido, será
preciosa contribuição do leigo, pela sua
experiência de vida, competência profissional,
científica e trabalhista, de sua inteligência
cristã, tudo quanto possa contribuir para o desenvolvimento,
estudo e investigação do ensinamento social
da Igreja.
Aspecto importante desta formação é
o que concerne ao aprofundamento numa espiritualidade
mais apropriada à sua condição de
leigo. Dimensões essenciais desta espiritualidade
são, entre outras, as seguintes:
* que o leigo não fuja às realidades temporais
para buscar a Deus, e sim persevere, presente e ativo,
no meio delas e ali encontre o Senhor;
* infunda nesta presença e atividade uma inspiração
de fé e um sentido de caridade cristã;
* à luz da fé, descubra nesta realidade
a presença do Senhor;
em meio à sua missão, não raro geradora
de conflitos e cheia de tensões para sua fé,
busque renovar sua identidade cristã no contato
com a palavra de Deus, na intimidade com o Senhor pela
eucaristia, nos sacramentos e na oração.
Tal espiritualidade deverá ser capaz de dar à
Igreja e ao mundo "cristãos com vocação
para a santidade, sólidos na fé, seguros
na doutrina proposta pelo magistério autêntico,
firmes e ativos na Igreja, fundados numa densa vida espiritual.
. . perseverantes no testemunho e ação evangélicos,
coerentes e denodados em seus compromissos temporais,
constantes promotores de paz e de justiça contra
toda violência ou opressão, penetrantes no
discernimento crítico das situações
e ideologias à luz dos ensinamentos sociais da
Igreja, confiados na esperança no Senhor"
(João Paulo II, Alocução Leigos,
6 - AAS, LXXI, p. 216 ) .
O laicato organizado
Manifestamos nossa confiança e decidido estímulo
às formas organizadas de apostolado dos leigos,
porque:
* A organização é sinal de comunhão
e participação na vida da Igreja; enseja
a transmissão e crescimento das experiências
e a permanente formação e capacitação
de seus membros;
* o apostolado exige muitas vezes uma ação
comum, tanto nas comunidades da Igreja como nos diversos
ambientes;
numa sociedade que se estrutura e planifica sempre mais,
a eficácia da atividade apostólica depende
também da organização.
Ministérios diversificados
A Igreja, para o cumprimento de sua missão, conta
com diversidade de ministérios. Ao lado dos ministérios
hierárquicos, a Igreja reconhece o lugar dos ministérios
desprovidos de ordem sagrada. Portanto, também
os leigos podem sentir-se chamados ou ser chamados a colaborar
com seus pastores no serviço à comunidade
eclesial, para o crescimento e vida da mesma, exercendo
ministérios diversos, conforme a graça e
os carismas que ao Senhor aprouver conceder-lhes.
Os ministérios que se podem conferir a leigos são
serviços realmente importantes na vida eclesial
(p. ex., no plano da Palavra, da liturgia ou da direção
da comunidade), exercidos por leigos com estabilidade
e que foram reconhecidos publicamente e a eles confiados
por quem tem a responsabilidade na Igreja.
3.3. Critérios pastorais
Critérios que orientam o laicato organizado na
pastoral de conjunto
Uma pastoral renovada do laicato organizado exige: a)
vitalidade missionária para descobrir com iniciativa
e audácia novos campos para ação
evangelizadora da Igreja;
b) abertura para a coordenação com organizações
e movimentos, levando em conta que nenhum deles possui
exclusividade de ação na Igreja;
c) canais permanentes e sistemáticos de formação
doutrinal e espiritual com atualização de
conteúdos e pedagogia adequada.
A diversidade de formas organizadas do apostolado secular
exige sua presença e participação
na pastoral de conjunto, tanto pela própria natureza
da Igreja, mistério de comunhão de diversos
membros e ministérios, como em vista da eficácia
da ação pastoral, pela participação
coordenada de todos. A participação do laicato
requer-se, não só na fase de execução
da pastoral de conjunto, mas também na planificação
e nos próprios organismos de decisão.
Sua inserção na pastoral de conjunto garantirá
a necessária referência das formas organizadas
de apostolado à pastoral dirigida às grandes
massas do povo de Deus.
As formas organizadas de apostolado leigo devem prestar
a seus membros ajuda, incentivo e iluminação
em seu compromisso político. Contudo, não
se ignoram as dificuldades existentes a nível de
dirigentes, quando pertencem a movimentos apostólicos
e simultaneamente militam em partidos políticos;
dificuldades que se deverão resolver com prudência
pastoral, levando em conta o critério de evitar
comprometer seu movimento apostólico com um determinado
partido político.
Critérios pastorais acerca dos ministérios
São as seguintes as características dos
ministérios que os leigos podem receber:
* não clericalizam aqueles que os recebem: estes
continuam sendo leigos com uma missão fundamental
de presença no mundo;
* requer-se uma vocação ou aptidão
ratificada pelos pastores;
* orientam-se para a vida e crescimento da comunidade
eclesial, sem perder de vista o serviço que esta
deve prestar no mundo;
* são variados e diversos, de acordo com os carismas
dos chamados e as necessidades da comunidade; esta diversidade,
porém, deve coordenar-se de acordo com sua relação
com o ministério hierárquico.
No exercício dos ministérios, convém
evitar os seguintes perigos:
a tendência à clericalização
dos leigos ou a de reduzir o compromisso leigo àqueles
que recebem ministérios, deixando de lado a missão
fundamental do leigo que é a sua inserção
nas realidades temporais e em suas responsabilidades familiares;
b ) não se devem promover tais ministérios
como estímulo puramente individual, fora dum contexto
comunitário;
c ) o exercício de ministérios por parte
de alguns leigos não pode diminuir a participação
ativa dos demais.
3.4. Avaliação
Para analisar e avaliar a situação atual
e as perspectivas do laicato, torna-se necessário,
por um lado, detectar a realidade da sua presença
ativa nos diversos lugares que configuram a dinâmica
social e, por outro, por de manifesto a "qualidade"
desta presença.
Neste intuito, usa-se um padrão de referência
que tem duas dimensões:
A primeira, que nos permite quantificar a presença
do laicato, é o crescimento das esferas funcionais
(mundo da cultura, do trabalho, etc.) em face dos âmbitos
territoriais ( o bairro, a paróquia, etc. ) como
conseqüência do processo de industrialização
e urbanização.
A segunda nos permite qualificar esta presença.
O critério neste caso é a maneira de se
compreender a realidade social, o ser e a missão
da Igreja. Quanto à primeira dimensão, observa-se:
* no âmbito da "vizinhança" (paróquia,
bairro), a existência de numerosos leigos e movimentos
de leigos;
* no âmbito do "apoio pastoral" ( entendendo-se
como tal o que reúne os serviços de formação
doutrinal do laicato, convite ao compromisso, espiritualidade,
etc.) há uma presença apreciável,
mas com deficiências nos serviços de formação;
* no âmbito de "construção da.
sociedade" (operários, camponeses, empresários,
técnicos, politicos, etc. ) a presença é
muito fraca; quase total ausência no domínio
da, criação e difusão cultural (
intelectuais, artistas, educadores, estudantes e comunicadores
sociais).
Quanto à segunda dimensão, observa-se:
* A persistência de leigos e movimentos leigos que
não assumiram suficientemente a dimensão
social do seu compromisso, tanto por se aferrarem a seus
interesses econômicos e de poder, como por uma compreensão
e aceitação deficientes do ensino social
da Igreja. Percebem-se também outros leigos e movimentos
de leigos que, por exagerada politização
do seu compromisso, esvaziaram o próprio apostolado
de dimensões evangelizadoras essenciais;
* a existência de movimentos leigos que se distorcem
por excessiva dependência das iniciativas da hierarquia
e também dos que atribuem tal valor à sua
autonomia, que se desprendem da comunidade eclesial.
Finalmente, assume particular gravidade o fato duma insuficiência
de esforço no discernimento das causas e condicionamentos
da realidade social e, em especial, a respeito dos instrumentos
e meios aptos para uma transformação da
sociedade. Isto se faz necessário como iluminação
da ação dos cristãos para evitar,
tanto a assimilação acrítica de ideologias,
como um espiritualismo de fuga. Além disso, assim
será possível descobrir caminhos para a
ação, superando-se a mera denúncia.
3.5. Conclusões
Fazemos um apelo urgente aos leigos para que se comprometam
na missão evangelizadora da, Igreja, missão
evangelizadora da Igreja, missão da qual a promoçâo
da justiça é parte integrante e indispensável
e que mais diretamente diz respeito à tarefa leiga,
sempre em comunhão com os pastores. Exortamos a
uma presença organizada do laicato nos diversos
setores pastorais, o que supõe a integração
e coordenação dos diversos movimentos e
serviços dentro de um plano de pastoral orgânica
do setor leigo.
Convidamos os pastores a terem especial consideração
pelo laicato organizado, com vistas à ação
eclesial, prestando-lhe a adequada assistência.
pastoral e o devido apreço de seu papel na pastoral
global da Igreja.
Em particular, adquire relevante importância a constituição
ou dinamização dos departamentos diocesanos
e nacionais de leigos ou de outros órgãos
de animação e coordenação.
Urge outrossim o fortalecimento dos organismos latino-americanos
dos movimentos leigos, merecendo apoio o trabalho que,
neste sentido, vem realizando o Departamento de Leigos
do CELAM.
Queremos igualmente ressaltar o lugar importante que os
leigos podem ocupar quando, individualmente convocados
a prestar serviços em instituições
da Igreja, particularmente nas educativas, nos organismos
de promoção humana e social e nas atividades
em regiões de missão.
Pedimos que se fomentem centros ou serviços de
formação integral de leigos, que dêem
adequada ênfase a uma pedagogia ativa, complementada
por uma formação sistemática nos
fundamentos da fé e do ensino social da Igreja.
Consideramos outrossim os movimentos organizados como
instrumentos de formação, graças
a seus projetos, experiências, planos de trabalho
e avaliações.
Na América Latina, sobretudo nas regiões
onde os ministérios hierárquicos não
estão suficientemente providos, fomente-se também,
sob a responsabilidade da hierarquia, uma especial criatividade
na instauração de ministérios ou
serviços que podem ser exercidos por leigos, de
acordo com as necessidades da evangelização.
Especial cuidado deve ter-se na formação
dos candidatos.
3.5. A mulher
Embora se fale da mulher em várias partes do documento,
como religiosa, no lar, etc., considereno-1a aqui sob
o aspecto de sua contribuição concreta para
a evangelização no presente e no futuro
ia, América Latina.
Situação
À sabida marginalização da mulher,
como conseqüência de atavismos culturais (prepotência
do homem, salários desiguais, educação
deficiente, etc.) que se manifesta em sua ausência
quase total da vida política, econômica e
cultural, acrescentam-se novas formas de marginalização
numa sociedade consumiste e hedonista. Assim é
que se chega ao, extremo de transformá-1a em objeto
de consumo disfarçando a sua exploração
sob o pretexto de evolução das tempos (por
meio da publicidade, do erotismo, da pornografia, etc).
Em muitos dos nossos países, quer pela situação
econômica angustiosa, quer por causa da acentua
da crise moral, a prostituição feminina
tem aumentado.
No setor operário, comprova-se a falta de cumprimento
ou elisão das leis de proteção à
mulher. Diante desta situação, as mulheres
nem sempre estão organizadas para exigir o respeito
a seus direitos.
Nas famílias, a mulher se vê sobrecarregada,
além das tarefas domésticas, pelo trabalho
profissional e, em não poucos casos, deve assumir
todas as responsabilidades devido ao abandono do lar por
parte do marido.
Deve-se também levar em conta a situação
lamentável das empregadas domésticas, devida
aos maus tratos e exploração que não
raro sofrem por parte dos patrões.
Na própria Igreja, tem havido por vezes uma valorização
insuficiente da mulher e uma escassa participação
da mesma em nível de iniciativas pastorais. Não
obstante, devem salientar-se, como sinais positivos, a
lenta, mas crescente inclusão da mulher em tarefas
da construção da sociedade, o ressurgimento
de organizações femininas que trabalham
por conseguir a promoção e incorporação
da mulher em todos os âmbitos.
Reflexão Igualdade e dignidade da mulher
A mulher, bem como o homem, é imagem de Deus. "Deus
criou pois o ser humano à sua imagem, criou-os
à imagem de Deus homem e mulher os criou"
(Gn 1,27). A tarefa de dominar o mundo, de prosseguir
na obra da criação, de serem com Deus co-criadores,
cabe pois tanto à mulher como ao homem.
Missão da mulher na Igreja
Já no Antigo Testamento se nos deparam mulheres
que exerceram papéis relevantes no povo de Deus,
como Maria a irmã de Moisés, Ana, as profetizas
Débora e Hulda, Ruth, Judite e outras. Na Igreja,
a mulher participa nos dons de Cristo e difunde seu testemunho
pela vida de fé e caridade, como a samaritana,
como as mulheres que acompanharam o Senhor e o assistiram
com seus bens; como as mulheres presentes no Calvário;
como as mulheres que, enviarias pelo próprio Senhor,
anunciam aos apóstolos que ele ressuscitara; como
as mulheres das primeiras comunidades cristãs.
Acima de tudo, porém, como Maria, na Anunciação,
ao aceitar incondicionalmente a Palavra de Deus na Visitação,
ao ofertar e anunciar a presença do Senhor; no
Magníficat, ao cantar profeticamente a liberdade
dos filhos de Deus e o cumprimento da promessa; na, Natividade,
ao dar à luz o Verbo de Deus e ao oferecê-1o
à adoração de todos aqueles que o
buscam, sejam eles singelos pastores ou sábios
vindos de terras longínquas; na fuga para o Egito,
ao aceitar as conseqüências da desconfiança
e da perseguição de que é objeto
o Filho de Deus; perante o comportamento misterioso e
adorável do Senhor, ao conservar tudo em seu coração;
com sua presença solícita às necessidades
dos homens, ao provocar o "sinal messiânico"
que garantia o bom êxito da festa (u5); na cruz,
forte, fiel e aberta a uma acolhida materna universal;
na espera ardente, com toda a Igreja, da plenitude do
Espírito; na Assunção, celebrada
na liturgia como a Mulher do Apocalipse, símbolo
da Igreja.
A mulher, com suas aptidões características,
deve contribuir eficazmente para a missão da Igreja,
participando em organismos de planejamento e coordenação
pastoral, catequese etc. A possibilidade de confiar às
mulheres ministérios não ordenados lhes
abrirá novos caminhos de participação
na vida e missão da Igreja.
Sublinhamos o papel fundamental da mulher como mãe,
defensora da vida e educadora do lar.
A missão da mulher no mundo ( comunhão e
participação, tarefa comum).
* As aspirações de libertação
vigentes em nossos povos incluem a promoção
humana da mulher como autêntico "sinal dos
tempos", que se corrobora na concepção
bíblica, do senhorio do homem, criado "varão
e mulher".
* A mulher deve estar presente nas readidades temporais,
contribuindo com o seu ser próprio de mulher, para
participar com o homem na, transformação
da sociedade; o valor do trabalho da mulher não
deve cifrar-se unicamente na satisfação
de necessidades econômicas, mas também no
ser instrumento de personalização e construção
da nova sociedade.
Conclusão
A Igreja é chamada a contribuir para a promoção
humana e cristã da mulher, ajudando-a assim a sair
de situações de marginalizarão em
que se possa encontrar e capacitando-a para sua missão
na comunidade eclesial e no mundo.
4. PASTORAL VOCACIONAL
A Pastoral Vocacional, dever de toda a Igreja. Validade
dos Seminários.
4.1. Situação
Alguns dados positivos:
* Há uma consciência mais aguda do problema
vocacional e maior clareza teológica sobre a unidade
e diversidade da vocação cristã.
* Multiplicam-se com êxito cursos, encontros, jornadas
e congressos.
* Tudo isso se realizou, na maioria dos casos, mediante
a colaboração entre o clero diocesano, os
religiosos, as religiosas e os leigos, em conexão
com a pastoral juvenil, os seminários e as casas
de formação.
* Ambientes efetivos de pastoral vocacional têm
sido, em muitos países, os grupos juvenis apostólicos
e as comunidades eclesiais de base.
* Em muitos países existe, com fruto visível,
o plano nacional e o diocesano de pastoral vocacional,
de acordo com a iniciativa da Sagrada Congregação
para a Educação Católica.
* Houve nos últimos anos um sensível aumento
de vocações ao sacerdócio e para
a vida consagrada, embora ainda insuficientes para satisfazer
às necessidades próprias e o compromisso
missionário com outras Igrejas mais necessitadas.
* Nota-se também entre os leigos, nos últimos
anos, maior tomada de consciência de sua vocação
específica.
Alguns dados negativos:
* Insuficiência de acompanhamento dado aos leigos
para o descobrimento e amadurecimento da própria
vocação cristã.
* Influxo negativo do "meio" progressivamente
secularista, consumiste e erotizado.
* Múltiplas deficiências da família.
* Grande marginalização das massas.
* Carência de testemunho por parte de alguns sacerdotes
e religiosos.
* Desinteresse e indiferença de alguns sacerdotes,
religiosos, religiosas e leigos pela pastoral vocacional.
* Desvios doutrinais.
* Falta de inserção profunda da pastoral
vocacional na pastoral familiar e educativa, e na pastoral
de conjunto.
4.2. Reflexão e critérios
Vocação humana, cristã, e cristã,-específica
Deus chama todos os homens e cada homem à fé
e, pela fé, a incorporar-se no povo de Deus mediante
o batismo. Este chamamento pelo Batismo, Confirmação
e Eucaristia para sermos povo seu, chama-se COMUNHÃO
E PARTICIPAÇÃO na missão e vida da
Igreja e, portanto, na evangelização do
mundo.
Nem todos, entretanto, somos enviados a servir e evangelizar
em virtude da mesma função. Uns o fazem
como ministros hierárquicos, outros como leigos
e outros pela vida consagrada. Todos, complementariamente,
construímos o Reino de Deus na terra.
Todos nós cristãos devemos, conforme o desígnio
divino, realizar-nos como homens - VOCAÇÃO
HUMANA - e como cristãos, vivendo o nosso batismo
nos seus traços de chamamento à santidade
( comunhão e cooperação com Deus
), a sermos membros ativos da comunidade e a dar testemunho
do Reino ( comunhão e cooperação
com os demais cristãos ) - VOCAÇÃO
CRISTÃ - e devemos descobrir a vocação
concreta (leiga, vida consagrada ou ministerial hierárquica,)
que nos permita trazer a nossa contribuição
específica à construção do
Reino - VOCAÇÃO CRISTÃ ESPECÍFICA.
Desta forma, cumpriremos plena. e organicamente a nassa
missão evangelizadora.
Diversidade na unidade
O ministério hierárquico (bispos, presbíteros
e diáconos ) confere unidade e autenticidade a
todo o serviço eclesial na grande tarefa evangelizadora.
A vida consagrada, em todas as suas modalidades, com mansão
explícita da contemplativa, é, por si mesma,
pelo radicalismo do seu testemunho, "um meio privilegiado
de evangelização eficaz" (EN 69). O
leigo, com sua função especial no mundo
e na saciedade, tem diante de si uma ingente tarefa evangelizadora
no presente e no futuro do nosso continente.
Por outro lado, o Espírito Santo está suscitando
hoje na Igreja uma diversidade de ministérios,
também exercidos por leigos, capazes de rejuvenescer
e reforçar o dinamismo evangelizador da Igreja.
No que tange em concreto às vocações
ao sacerdócio e à vida consagrada, fazemos
nossas as palavras de João Paulo II: "Na maioria
dos vossos países, não obstante um esperançoso
despertar de vocações, é um problema
grave e crônico ( . . . ) As vocações
leigas tão indispensáveis não podem
ser uma compensação suficiente. Mais ainda,
uma das provas do compromisso do leigo é a fecundidade
de vocações à vida consagrada (Discurso
inaugural IV, b - AAS, LXXI, p. 204). A pastoral vocacional
em cada Igreja local, deve enfrentar este problema com
otimismo e confiança em Deus.
Deus, comunidade e indivíduo
Optar por uma vocação ministerial e evangelizadora
na Igreja não é coisa que dependa exclusivamente
da iniciativa pessoal. Primordialmente, é chamamento
gratuito de Deus, vacação divina, que se
deve perceber graças a um discernimento, escutando
o Espírito Santo e colocando-se diante do Pai,
por Cristo, e frente à comunidade concreta e histórica
à qual se há de servir. Outrossim é
fruto e expressão da vitalidade e madureza de toda
a comunidade eclesial.
Por conseguinte, uma pastoral vocacional autêntica
que entenda ajudar o homem em tal processo, deverá
centrar-se no chamamento inicial, em seu subseqüente
amadurecimento e na perseverança, comprometendo
neste serviço toda a comunidade. A oração
na pastoral vocacional
No complexo problema vocacional é necessário,
sempre e em todos os níveis, o recurso ininterrupto
à oração pessoal e comunitária.
Quem chama é Deus: quem dá eficácia
à evangelização é Deus. O
próprio Cristo nos disse: "A messe é
grande e poucos os operários. Rogai ao Senhor da
messe que envie operários para sua messe"
(Lc 10,2). Pastoral vocacional encarnada e diversificada
A pastoral vocacional, por ser uma ação
evangelizadora e orientada para a evangelização,
missão de Igreja, deve ser encarnada e diversificada.
Ou seja, deve responder, a partir da fé, aos problemas
concretos de cada nação e região
e refletir a unidade e variedade de funções
e serviços deste corpo diversificado, cuja cabeça
é Cristo.
A América Latina, hoje empenhada em superar a sua,
situação de subdesenvolvimento e injustiça,
tentada por ideologias anticristãs e cobiçada
por lideres extremistas e focos de poder, precisa de pessoas
conscientes de sua dignidade e responsabilidade histórica
e cristãos ciosos de sua identidade
que, de acordo com seu compromisso, sejam construtores
de um "mundo mais justo, humano e habitável,
que não se fecha em si mesmo, mas se abre para
Deus" (João Paulo II, Homilia, S. Domingos,
3, - AAS, LXXI, p. 157). Cada, qual deve fazer isto no
posto e função que ocupa e todos em comunhão
e participação. É o grande desafio
e serviço de evangelização presente
e futura do nosso Continente e a grande responsabilidade
de nossa pastoral vocacional. Desde já louvamos
e apoiamos sem restrição a todos os que
trabalham nesta linha com fé, esperança
e amor.
Localização da pastoral vocacional e lugares
privilegiados
Período privilegiado, embora não seja o
único, para a opção vocacional é
a fase juvenil. Por isso, toda pastoral juvenil deve ser
ao mesmo tempo pastoral vocacional. "É mister
reativar uma intensa ação pastoral que,
partindo da vocação cristã em geral,
duma pastoral juvenil entusiasta, dê à Igreja
os servidores de que precisa" (João Paulo
II, Discurso Inaugural, IV, b - AAS, LXXI, p. 204).
A pastoral vocacional também é uma dimensão
essencial da pastoral familiar e da pastoral educativa
e deve ter lugar privilegiado na pastoral de conjunto.
Lugares privilegiados da pastoral vocacional são
a Igreja particular, a paróquia, as comunidades
de base, a família, os movimentos apostólicos,
os grupos e movimentos de juventude, os centros educacionais,
a catequese e as obras das vocações. Devem
também merecer-nos especial atenção
aqueles que, na idade adulta, percebem o chamamento do
Senhor para uma vocação cristã específica.
4.3. Seminários
Na maior parte de nossas Igrejas percebe-se a necessidade
de garantir uma sólida formação humano-cristã
e uma especial formação religiosa (OT 3)
prévia ao Seminário Maior.
O Seminário Menor, profundamente renovado, deve
procurar responder a esta necessidade e, com efeito, já
tem sido em alguns lugares uma resposta positiva a esta
problemática; em outras, incumbiram-se dessa tarefa
os centros de capacitação para o Seminário
Maior ou iniciativas afins.
Em todos eles deve ter-se em vista uma constante: que
os jovens não percam o contato com a realidade,
nem se desarraiguem do próprio contexto social.
Convém notar que todas essas fórmulas são
parte integrante da pastoral vocacional juvenil, e por
isso devem estar ligadas estreitamente com a família
e levar o jovem a um compromisso pastoral adequado à
sua idade.
Finalmente, tudo isso deve produzir como fruto que o jovem
adquira uma espiritualidade sólida e faça
uma opção livre e madura.
O processo de amadurecimento e formação
da vocação presbiteral encontra o seu ambiente
mais propício no "Seminário Maior"
ou "Casa de formação", declarado
pelo Concílio Vaticano II necessário para
a formação sacerdotal.
Com relação aos Seminários, depreende-se
na América Latina um forte espírito de renovação,
que representa uma esperança e uma resposta à
problemática da formação. Entretanto
requerem-se outras fórmulas com que se obtenha
a formação dos seminaristas, não
como formas paralelas, mas como experiências realizadas
com a aprovação da Conferência Episcopal,
para situações especiais e de acordo com
a Santa Sé.
O Seminário Maior, inserido na vida da Igreja e
do mundo, de acordo com as normas e orientações
precisas da Santa Sé, tem como objetivo acompanhar
o pleno desenvolvimento da personalidade humana, espiritual
e pastoral, ou seja integral dos futuros pastores. Estes,
tendo adquirido uma forte experiência de Deus e
uma clara visão da realidade em que se encontra
a América Latina, em íntima comunhão
com seu bispo, mestre da verdade, e com os outros presbíteros,
são os que evangelizarão, animarão
e coordenarão os diferentes carismas do povo de
Deus, para a construção do Reino. A formação
de pastores deve ser uma preocupação constante
que oriente os estudos e a vida espiritual. As atividades
pastorais devem ser revisadas à_ luz da fé
e com o devido assessoramento de seus formadores.
O seminarista, guiado por uma boa direção
espiritual, adquirirá a experiência de Deus
vivendo em constante comunhão com ele na oração
e na Eucaristia e numa sólida e filial devoção
à Virgem Maria.
Nos estudos, é necessário atender a uma
profunda formação doutrinal, de acordo com
o magistério da Igreja, e uma visão adequada
da realidade. Nos seminários, será preciso
insistir na austeridade, disciplina, responsabilidade
e espírito de pobreza, num clima de autêntica
vida comunitária. Os futuros sacerdotes sejam formados
responsavelmente para o celibato. Tudo isso é exigido
pela renúncia e entrega que se pede do presbítero.
Queremos acentuar o valor dos centros de formação
em comum para o clero diocesano e religioso, de acordo
com as normas da Santa Sé "5, pelo sentido
comunitário que eles representam e como recurso
para a integração na pastoral de conjunto.
Enquanto lamentamos a falta de formadores, é nosso
dever manifestar gratidão e exprimir o nosso incentivo
a todos os que trabalham na formação dos
futuros sacerdotes.
4.4. Opções e linhas de ação
Devem-se impulsionar, coordenar e ajudar a promoçâo
e amadurecimento de todas as vocações, mormente
as sacerdotais e de vida consagrada, dando a essa tarefa
prioridade efetiva.
Devem-se fomentar as campanhas de oração,
a fim de que o povo tome consciência das necessidades
existentes. A vocação é a resposta
de Deus providente à comunidade orante.
É mister acompanhar no processo de discernimento
todos os que sentem o chamamento do Senhor e ajudá-los
a cultivar as disposições básicas
para o amadurecimento da vocação.
Toda pastoral vocacional deve encarnar-se no atual momento
histórico da América Latina e deve ser diversificada,
isto é, refletir e promover a diversidade de vocações
na unidade da missão e do serviço evangelizador.
Deve-se atribuir à pastoral vocacional oposto prioritário
que tem na pastoral de conjunto e, mais concretamente,
na pastoral juvenil e familiar. Deve-se promover com particular
empenho as vocações no meio agrário,
no mundo operário e nos grupos étnicos marginalizados
e planificar sua posterior formação, para
que seja adequada.
Ao mesmo tempo, é preciso promover mais intensamente
as vocações presbiterais e de vida consagrada
nas cidades, nos meios profissionais, universitários,
etc.
É necessário pôr em prática
com fidelidade as normas e orientações da
Santa Sé e das Conferências Episcopais que
dizem respeito aos seminários. Estas, com as devidas
adaptações, deverão ser observadas
também pelas comunidades religiosas na formação
de seus presbíteros.
Deve-se capacitar pessoal para destiná-1o, em tempo
integral, à pastoral vocacional e notificar-lhe
que sua missão precípua é de animar
toda a pastoral neste sentido.
Deve-se criar institutos de aperfeiçoamento para
formadores de sacerdotes, em nível local e continental,
e aproveitar os institutos internacionais da Europa, especialmente
os de Roma.
Deve-se despertar, promover e orientar vocações
missionárias, pensando desde já em centros
ou seminários especializados com este objetivo.
CAPITULO III
MEIOS PARA A COMUNHAO E PARTICIPAÇÃO
Responsáveis que somos
pelo ministério da evangelização,
preocupa-nos como fazer chegar ao homem latino-americano
a Palavra de Deus, de tal modo que seja por ele escutada,
assumida, encarnada, celebrada e transmitida a seus irmãos.
Sabemos que Deus é quem a faz crescer; todavia,
o Senhor da messe espera a colaboração de
seus servos. Por isso, queremos refletir sobre os principais
meios de evangelização, com os quais a
Igreja cria comunhão e convida os homens ao serviço
de seus irmãos.
A comunidade que, na liturgia, celebra alegremente a Páscoa
do Senhor, tem o compromisso de dar testemunho, de catequizar,
educar e comunicar a Boa Nova por todos os meios a seu
alcance. Sente outrossim a necessidade de entrar em comunhão
e diálogo com os homens do nosso Continente que
buscam a verdade.
CONTEÚDO 1 . Liturgia, oração particular,
piedade popular 2. Testemunho
3. Catequese 4. Educação
5. Comunicação social
1. LITURGIA, ORAÇAO PARTICULAR., PIEDADE POPULAR
A oração particular e a piedade popular,
presentes na alma do nosso povo, constituem valores de
evangelização; a liturgia é o momento
privilegiado de comunhão e participação
para uma evangelização que conduz à
libertação cristã integral, autêntica.
1.l. Situação a) Liturgia
Em geral, a renovação litúrgica na
América Latina está dando resultados positivos,
pelo fato de se estar novamente encontrando a posição
real da liturgia na missão evangelizadora da Igreja,
pela maior compreensão e participação
dos fiéis, favorecidos pelos novos livros litúrgicos
e pela difusão da Catequese pré-sacramental.
Isto foi favorecido pelos documentos da Sé Apostólica
e das Conferências Episcopais, bem como por encontros
em diversos níveis: latino-americano, regional,
nacional, etc.
Facilitaram esta renovação o idioma comum,
a riqueza cultural e a piedade popular.
Sente-se a necessidade de adaptar a liturgia às
diversas culturas e à situação de
nosso povo jovem, pobre e humilde.
A falta de ministros, a dispersão populacional
e a situação geográfica do Continente
fizeram crescer a consciência da utilidade das celebrações
da Palavra e da importância de servir-se dos meios
de comunicação social ( rádio e televisão
) para alcançar a todos.
Verificamos entretanto que não se tem atribuído
ainda à pastoral litúrgica a prioridade
que lhe cabe dentro da pastoral de conjunto, continuando
muito prejudicial a oposição existente em
alguns setores entre evangelização e sacramentalização.
Falta um aprofundamento da formação litúrgica
do clero; nota-se marcada ausência de catequese
litúrgica destinada aos fiéis.
A participação na liturgia não repercute
de forma adequada no compromisso social dos cristãos.
A instrumentalização que, por vezes, se
faz da mesma, lhe desfigura o valor evangelizador. Prejudicial
também tem sido a falta de observância das
normas litúrgicas e do seu espírito pastoral,
por abusos que causam desorientação e divisão
entre os fiéis.
b ) Oração particular
A religiosidade popular do homem latino-americano possui
uma rica herança de oração, arraigada
em culturas autóctones e, depois, evangelizadas
pelas formas de piedade cristã de missionários
e imigrantes.
Consideramos um tesouro o costume existente desde outrora
de reunir se para orar em festividades e ocasiões
especiais. Mais recentemente, a oração foi
enriquecida pelo movimento bélico, por novos métodos
de oração contemplativa e pelo movimento
de grupos de oração.
Muitas comunidades cristãs carentes de ministro
ordenando acompanham e celebram seus acontecimentos e
festas com reuniões de oração e canto
que, a um tempo, evangelizam a comunidade e lhe proporcionam
força evangelizadora.
Em vastas áreas, a oração familiar
tem sido o único culto existente: de fato, ela
manteve a unidade e a fé da família e do
povo.
A invasão da TV e do rádio nos lares põe
em risco as práticas piedosas no seio da família.
Embora a oração brote muitas vezes por força
de necessidades meramente pessoais e se expresse em fórmulas
tradicionais não assimiladas, não se pode
ignorar que a vocação do cristão
deve levá-1o ao compromisso moral, social e evangelizador.
c) Piedade popular
No conjunto do povo católico latino-americano manifesta-se,
em todos os níveis e sob formas bastante diversificadas,
uma piedade popular que nós, bispos, não
podemos deixar passar despercebida, e que precisa ser
estudada com critérios teológicos e pastorais,
para se descobrir seu potencial evangelizador.
A América Latina está insuficientemente
evangelizada. A maioria do povo exprime sua fé
prevalentemente na, piedade popular.
As manifestações de piedade popular são
muito variadas, de caráter comunitário e
individual; entre elas deparamos: o culto a Cristo sofredor
e morto, a devoção ao Sagrado Coração,
diversas devoções à Santíssima
Virgem Maria, o culto dos santos e defuntos, as procissões,
novenas, festas de padroeiros, peregrinações
e santuários, os sacramentais, as promessas, etc.
A piedade popular apresenta aspectos positivos como: senso
do sagrado e do transcendente; disponibilidade para ouvir
a Palavra de Deus; marcada piedade mariana; capacidade
para rezar; sentido de amizade, caridade e união
familiar; capacidade de sofrer e reparar; resignação
cristã em situações irreparáveis;
desprendimento das coisas materiais. Mas apresenta também
aspectos negativos: falta de senso de pertença
à Igreja; desvinculação entre fé
e vida; o fato de não conduzir à recepção
dos sacramentos; exagerada valorização do
culto dos santos com detrimento do conhecimento de Jesus
Cristo e de seu mistério; idéia deformada
a respeito de Deus; conceito utilitário de certas
formas de piedade; propensão, em alguns lugares,
para o sincretismo religioso; infiltração
do espiritismo e, em certos casos, de práticas
religiosas do Oriente. Freqüentemente se suprimem
formas de piedade popular sem razões válidas
e sem substituí-las por algo melhor.
1.2. Critérios doutrinais e pastorais
a) Liturgia
É necessário que toda esta renovação
seja orientada por uma autêntica teologia litúrgica.
Nesta, sobressai a teologia dos sacramentos. Isto contribuirá
para a superação duma mentalidade neo-ritualista.
O Pai, por Cristo e no Espírito, santifica a Igreja
e, por ela, o mundo; mundo e Igreja por sua vez, por Cristo
e no Espírito, dão glória ao Pai.
A liturgia, como ação de Cristo e da Igreja,
é o exercício do sacerdócio de Jesus
Cristo; é o ápice e a fonte da vida eclesial.
É um encontro com Deus e os irmãos; banquete
e sacrifício realizado na Eucaristia; festa de
comunhão eclesial, na qual o Senhor Jesus; por
seu mistério pascal, assume e liberta o Povo de
Deus e, por ele, toda a humanidade, cuja história
é convertida em história salvífica,
para reconciliar os homens entre si e com Deus. A liturgia
é também força em nosso peregrinar,
para que se leve a bom termo, mediante o compromisso transformador
da vida, a realização plena do Reino, segundo
o plano de Deus.
Na Igreja particular, "o bispo deve ser tido como
o sumo sacerdote de sua grei; dele deriva e depende, de
certo modo, a vida em Cristo dos seus fiéis"
(SC 41).
O homem é um ser sacramental; no nível religioso,
exprime suas relações com Deus num conjunto
de sinais e símbolos; Deus, igualmente, os utiliza
quando se comunica com os homens. Toda a criação
é, de certa forma, sacramento de Deus, porque no-lo
revela.
Cristo "é imagem de Deus invisível"
(Cl 1,15). Como tal, é o sacramento primordial
e radical do Pai: "aquele que me viu, viu o Pai"
(Jo 14,9).
A Igreja é, por sua vez, sacramento de Cristo para
comunicar aos homens a vida nova. Os sete sacramentos
da Igreja concretizam e atualizam esta realidade sacramental
para as diversas situações da vida.
Por isso, não basta recebê-los de forma passiva,
mas sim inserindo-nos vitalmente na comunhão eclesial.
Pelos sacramentos Cristo continua, mediante a ação
da Igreja, a encontrar-se com os homens e salvá-los.
A celebração eucarística, centro
da sacramentalidade da Igreja e presença mais plena
de Cristo no meio da humanidade, é o centro e ponto
culminante de toda a vida sacramental.
A renovação litúrgica deve ser orientada
por critérios pastorais fundados na própria
natureza da liturgia e de sua função evangelizadora.
A reforma e renovação litúrgicas
fomentam a participação, que conduz à
comunhão. A participação plena, consciente
e ativa na liturgia é fonte primária e necessária
do espírito verdadeiramente cristão. Por
isso, as considerações pastorais, salva
sempre a observância das normas litúrgicas,
devem superar o mero rubricismo.
Os sinais, importantes em qualquer ação
litúrgica, devem ser empregados de maneira viva
e digna, com o pressuposto duma catequese adequada. As
adaptações previstas na Constituição
Sacrosanctum Concilium e nas normas pastorais posteriores
são indispensáveis para se conseguir um
rito acomodado às nossas necessidades, especialmente
às do povo simples, tendo-se em conta suas legítimas
expressões culturais.
Nenhuma atividade pastoral pode-se realizar sem referência
à liturgia. As celebrações litúrgicas
supõem uma iniciação à fé,
mediante o anúncio evangelizador, a catequese e
a pregação bíblica; esta é
a razão de ser dos cursos e encontros pré-sacramentais.
Qualquer celebração deve ter, por sua vez,
uma projeção evangelizadora e catequética
adaptada às diversas assembléias de fiéis,
pequenos grupos, crianças, grupos populares, etc.
As celebrações da Palavra, com uma abundante,
variada e bem escolhida leitura da Sagrada Escritura,
são de muito proveito para a comunidade, principalmente
onde não há presbíteros e, sobretudo,
para a realização do culto dominical.
A homilia, como parte da liturgia, é ocasião
privilegiada para se expor o mistério de Cristo
no aqui e agora da comunidade, partindo dos textos sagrados,
relacionando-os com o sacramento e aplicando-os à
vida concreta. Sua preparação deve ser esmerada
e sua duração, proporcionada às outras
partes da celebração.
Quem preside à celebração é
o animador da comunidade que, por sua atuação,
favorece a participação dos fiéis;
donde a importância duma forma digna e adequada
de celebrar.
b ) A oração particular
O exemplo de Cristo orante: o Senhor Jesus, que 932 passou
pela terra fazendo o bem e anunciando a Palavra, dedicou,
sob o impulso do Espírito, muitas horas à
oração, falando com seu Pai com filial confiança
e incomparável intimidade e dando 0 exemplo a seus
discípulos, aos quais ensinou expressamente a orar.
O cristão, movido pelo Espírito Santo, há
de fazer da oração motivo de sua vida diária
e de seu trabalho; a oração cria nele um
clima de louvor e agradecimento ao Senhor, aumenta-lhe
a fé, conforta-o na esperança operosa, leva-o
a entregar-se aos irmãos e a ser fiel na faina
apostólica, torna-o capaz de formar comunidade.
A Igreja que ora em seus membros une-se à oração
de Cristo.
A oração em família: a família
cristã, evangelizada e evangelizadora, deve seguir
o exemplo de Cristo orante. Assim, a sua oração
manifesta e sustenta a vida, da Igreja doméstica,
na qual se acolhe o germe do Evangelho que cresce para
tornar todos os seus membros capazes de serem apóstolos
e fazerem da família um núcleo de evangelização.
A liturgia não esgota toda a atividade da Igreja.
Recomendam-se os exercícios piedosos do povo cristão,
contanto que sejam conformes às normas e leis da
Igreja, derivem, de certa maneira, da liturgia e a ela
conduzam. O mistério de Cristo é uno e,
em sua riqueza, inclui manifestações e modos
diversos de chegar aos homens. Graças à
sua rica herança religiosa e em virtude da urgência
das circunstâncias de tempo e lugar, as comunidades
cristãs tornam-se evangelizadoras ao viverem a
oração.
c ) Piedade popular
A piedade popular conduz ao amor de Deus e dos homens
e ajuda as pessoas e os povos a tomarem consciência
de sua responsabilidade na realização do
próprio destino. A autêntica piedade popular,
baseada na palavra de Deus, encerra valores evangelizadores
que ajudam a aprofundar a fé do povo.
A expressão da piedade popular deve respeitar os
elementos culturais nativos.
Para constituir um elementos eficaz de evangelização,
a piedade popular precisa duma constante purificação
e clarificação, e levar, não só
à pertença à Igreja, mas também
à vivência cristã e ao compromisso
com os irmãos.
1.3. Conclusões
a) Liturgia
Dar à liturgia sua verdadeira dimensão de
ponto culminante e manancial da atividade da Igreja (SC
10).
Celebrar a fé, na liturgia, como encontro com Deus
e com os irmãos, como festa de comunhão
eclesial, como fortalecimento em nosso peregrinar e como
compromisso de nossa vida cristã. Dar especial
importância à liturgia dominical. Revalorizar
a força dos "sinais" e sua teologia.
Na liturgia, celebrar a fé com expressões
culturais, obedecendo a uma sadia criatividade. Promover
adaptações adequadas particularmente aos
grupos étnicos e ao podo simples (grupos populares);
atentando, porém, a que a liturgia não seja
instrumentalizada para fins alheios à sua natureza,
respeitem-se fielmente as normas da Santa Sé e,
nas celebrações litúrgicas, evitem-se
arbitrariedades. Estudar a função catequética
e evangelizadora da liturgia.
Promover a formação dos agentes de pastoral
litúrgica, por meio duma autêntica teologia
que os leve a um compromisso vital.
Procurar oferecer aos presidentes das celebrações
litúrgicas condições aptas para aprimorarem
sua função e conseguirem uma comunicação
viva com a assembléia; pôr um especial esmero
na preparação da homilia, cujo valor evangelizador
é grande. Fomentar as celebrações
da palavra dirigidas por diáconos ou leigos ( homens
ou mulheres ) .
Preparar e realizar com esmero a liturgia dos sacramentos,
a das grandes festividades e a que se realiza nos santuários.
Aproveitar como ocasiões propícias de evangelização
a celebração da palavra nos funerais e nos
atos de piedade popular.
Promover a música sacra, como serviço eminente
que corresponde à índole de nossos povos.
Respeitar o patrimônio artístico religioso
e fomentar a criatividade artística adaptada às
novas formas litúrgicas.
Incrementar as celebrações transmitidas
pelo rádio e televisão, levando em conta
a natureza da liturgia e a índole dos respectivos
meios de comunicação utilizados.
Fomentar os encontros preparatórios para a celebração
dos sacramentos.
Aproveitar as possibilidades oferecidas pelos novos rituais
dos sacramentos. Os sacerdotes dediquem-se de maneira
especial a administrar o sacramento da reconciliação.
b ) Oração particular
A diocese, na sua pastoral de conjunto, a paróquia
e as comunidades menores ( comunidades eclesiais de base
e família) integrem em seus programas evangelizadores
a oração pessoal e comunitária. Procurar
que todas as atividades na Igreja (como sejam reuniões,
uso de meios de comunicação social, obras
sociais, etc.) sejam ocasião e escola de oração.
Utilizar os seminários, mosteiros, escalas e outros
centros de formação como lugares privilegiados
para orar, irradiar vida de oração e formar
mestres da mesma.
Os sacerdotes, religiosos e leigos comprometidos, salientem-se
por seu exemplo de oração e pelo ensino
da mesma ao Povo de Deus.
Promover as obras que fomentem a santificação
do trabalho e a oração dos enfermos e inválidos.
Fomentar as formas de piedade popular que contribuam para
fortalecer a oração pessoal, familiar, de
grupo e comunitária.
Incluir os grupos de oração na pastoral
orgânica, para que orientem seus membros para a
liturgia, a evangelização e o compromisso
social.
c) Piedade popular
Esmerem-se os agentes de pastoral por recuperar os valores
evangelizadores da piedade popular em suas diversas manifestações,
quer pessoais, quer coletivas.
Tome-se a piedade popular como ponto de partida para conseguir
que a fé do povo ganhe madureza e profundidade;
para isso, esta piedade popular basear-se-á na
palavra de Deus e no sentido de pertença à
Igreja.
Não se prive o povo de suas expressões de
piedade popular. Caso algo tenha que mudar, proceda-se
gradualmente e recorra-se a uma prévia catequese
para conseguir algo melhor.
Orientar os sacramentos ao reconhecimento dos benefícios
de Deus e à tomada de consciência do compromisso
que o cristão tem no mundo. Apresentar a devoção
a Maria e aos santos como realização neles
da Páscoa de Cristo e recordar que elas devem conduzir
à vivência da Palavra e ao testemunho de
vida.
2. TESTEMUNHO
2.1. Situação
A Igreja deu de diversas maneiras, através de sua
história na América Latina, testemunho daquilo
em que crê: sua fidelidade ao Vigário de
Cristo, a mútua ajuda entre as Igrejas particulares;
a existência e as realizações do Conselho
Episcopal Latino-Americano são sinais da comunhão
em que ela vive.
A Igreja, através de inumeráveis sacerdotes,
religiosos, religiosas e leigos, tem estado presente entre
os mais pobres e necessitados, pregando a mensagem e pondo
em obra a caridade que o Espírito nela difunde
para a promoção integral do homem, e dando
testemunho de que o Evangelho tem força para elevá-1o
e dignificá-1o.
Contudo, nem todos os membros da Igreja têm guardado
o devido respeito para com o homem e sua cultura; muitos
deram mostras duma fé pouco vigorosa para vencer
seus egoísmos, seu individualismo e apego às
riquezas, agindo injustamente e lesando a unidade da sociedade
e da própria Igreja.
2.2. Critérios doutrinais
Cristo, primeiro evangelizador e testemunha fiel, evangeliza
dando testemunho verdadeiro do que viu junto do Pai e
faz as obras que vê o Pai fazer; suas ações
dão testemunho de que veio do Pai.
Os verdadeiros cristãos, unidos a Jesus, dão
por seu turno este mesmo testemunho. Por suas obras, testificam
o amor que o Pai tem para com os homens, o poder salvador
com que Jesus Cristo liberta do pecado e o amor neles
infundido pelo Espírito que neles habita e que
é capaz de criar a verdadeira comunhão com
o Pai e os irmãos.
As obras dos cristãos guiados pelo Espírito
são: ! amor, comunhão, participação,
solidariedade, domínio de si mesmo, alegria, esperança,
justiça realizada na paz, castidade, entrega desinteressada
de si mesmo; numa palavra, tudo aquilo que constitui a
santidade; esta anda acompanhada pela freqüência
aos sacramentos, oração e intensa devoção
a Maria.
O verdadeiro testemunho dos cristãos é,
portanto, manifestação das obras que Deus
realiza nos homens. O homem dá testemunho baseado
não em suas próprias forças, mas
na confiança que tem no poder de Deus que o transforma
e na missão que lhe confere.
2.3. Critérios pastorais
Sendo o testemunho elemento primordial da evangelização
e condição essencial para a verdadeira eficácia
da pregação, faz-se mister que esteja sempre
presente na vida e ação evangelizadora da
Igreja, de tal sorte que, no contexto da vida latino-americana,
atue como "sinal" que provoque o desejo de conhecer
a Boa Nova e ateste a presença do Senhor entre
nós.
Na situação em que vivem os nossos povos,
os frutos do Espírito, que formam o núcleo
do nosso testemunho, exigem que tanto a hierarquia como
o laicato e os religiosos vivamos numa contínua
autocrítica, à luz do Evangelho, em nível
pessoal, grupai e comunitário, para nos despojarmos
de qualquer atitude que não seja evangélica
e desfigure a fisionomia de Cristo.
Esta é a nossa primeira opção pastoral:.
a própria comunidade cristã, seus leigos,
seus pastores, seus ministros e seus religiosos devem
converter-se cada vez mais ao Evangelho, para poderem
evangelizar os outros.
Importante é, sobretudo, que revisemos, em comunidade,
nossa comunhão e participação com
os pobres, os humildes, os pequenos. Será portanto
necessário escutá-los, acolher o mais íntimo
de suas aspirações, valorizar, discernir,
animar, corrigir, com o desejo de que o Senhor nos guie
para tornar efetiva a unidade com eles num mesmo corpo
e num mesmo espírito.
Isto pede de nós uma oração mais
assídua, meditação mais profunda
da Escritura, despojamento íntimo e efetivo, segundo
o Evangelho, de nossos privilégios, modos de pensar,
ideologias, relacionamentos preferenciais e bens materiais;
maior simplicidade de vida; comprometer-nos na realização
de ações significativas, como seja o cabal
cumprimento da "hipoteca social" da propriedade;
a comunhão cristã de bens materiais e espirituais;
a colaboração em ações comunitárias
de promoção humana e uma vasta gama de obras
de caridade, cujo mínimo que se possa exigir é
a justiça, associada à maior liberdade diante
de critérios e poderes pervertidos.
Também importa que a Igreja progrida, em nível
continental, na realização de sinais que
dêem testemunho de sua vitalidade interior; entre
esses sinais estão a maior solidariedade entre
as Igrejas particulares e a melhor coordenação
pastoral através do CELAM, que deve continuar servindo
à colegialidade episcopal e à comunhão
intra-eclesial na, América Latina.
3. CATEQUESE
A catequese "que consiste na educação
ordenada e progressiva da fé" (Mensagem do
Sínodo de Catequese, nº 1 ) , deve ser atividade
prioritária na América Latina, se quisermos
conseguir uma renovação profunda da vida
cristã e, com esta., uma nova civilização
que seja participação e comunhão
de pessoas na Igreja e na sociedade.
3.1. Situação
Do ponto de vista histórico, a partir de Medellin,
podem-se notar na catequese aspectos positivos e negativos:
Positivos:
O florescimento da ação catequética
nos diversos países, mediante novas e ricas experiências,
como por exemplo:
- Um esforço sincero para integrar a vida com a
fé, a história humana com a história
da salvação, a situação humana
com a doutrina revelada, a fim de que o homem consiga
a sua verdadeira libertação.
- Uma pedagogia catequética positiva, que parte
da pessoa de Cristo para chegar a seus preceitos e conselhos.
- Um amor mais acendrado à Sagrada Escritura, como
fonte principal da catequese.
- Uma educação baseada no sentido construtivo
da pessoa e da comunidade, numa visão cristã.
- Um redescobrimento da dimensão comunitária
da catequese, de sorte que a comunidade eclesial está
se tornando responsável pela catequese em todos
os níveis: na família, na paróquia,
nas Comunidades Eclesiais de Base, na comunidade escolar
e na organização diocesana e nacional.
- Uma tomada de consciência cada vez maior de que
a catequese é um processo dinâmico, gradual
e permanente de educação na fé.
- Um aumento de institutos para a formação
de catequistas, em muitas partes e em todos os níveis:
diocesanos, nacionais e internacionais.
- Uma proliferação de textos de catecismo.
Isto, às vezes é positivo, outras é
negativo, na, medida em que são parciais ou não
renovados.
Negativos:
- A catequese não consegue atingir todos os cristãos
em medida suficiente, nem todos os setores e situações
como, por exemplo: vastos setores da juventude, das elites
intelectuais, dos camponeses e do mundo operário,
das forças armadas, dos anciãos e dos enfermos,
etc.
- Não raro, cai-se em dualismos e falsas oposiçôes,
como entre catequese sacramental e catequese vivencial;
catequese da situação e catequese doutrinal.
Por não situar-se numa posição de
justo equilibro, alguns têm caído no formalismo
e outros no vivencial sem apresentação de
doutrina; há, os que passaram do memorismo à
total ausência de memorização.
- Há catequistas que descuram a iniciação
à oração e à liturgia.
- Por vezes, não se respeita a diferença
entre certos assuntos que são da alçada
dos teólogos e outros que cabem aos catequistas
em sintonia com o magistério; devido a isso, tem
sucedido difundirem-se, entre os catequistas, conceitos
que não passam de meras hipóteses teológicas
ou de estudo.
- Verifica-se certa desorientação das atitudes
catequéticas no campo ecumênico.
3.2. Critérios teológicos
a) Comunhão e participação
A obra evangelizadora que se efetua na catequese exige
a comunhão de todos: ela requer ausência
de divisões e que as pessoas se encontrem numa
fé adulta e num amor evangélico. Uma das
metas da catequese é precisamente a construção
da comunidade.
Impõe-se a colaboração de todos os
membros da comunidade eclesial, cada qual de acordo com
seu ministério e carisma, sem se esquivar de responsabilidades
apostólicas e missionárias, para que, com
a catequese, a Igreja edifique a Igreja. A Igreja é
constantemente evangelizada e evangelizadora.
b ) A fidelidade a Deus
A fidelidade a Deus se expressa na catequese como fidelidade
à Palavra outorgada em Jesus Cristo. O catequista
não prega a si mesmo, mas Jesus Cristo, sendo fiel
à sua Palavra e à integridade da sua mensagem.
c ) Fidelidade à Igreja
Todo aquele que catequiza sabe que a fidelidade a Jesus
Cristo anda indissoluvelmente unida à fidelidade
à igreja; que ele, com seu trabalho, está
continuamente a edificar a comunidade e a transmitir a
imagem da Igreja; que deve fazer isto em união
com os bispos e com a missão deles recebida.
d) Fidelidade ao homem latino-americano
A fidelidade ao homem latino-americano exige da catequese
que ela penetre, assuma e purifique os valores de sua
cultura "'. Por conseguinte, que se esmere no uso
e adaptação da. linguagem catequética.
A catequese deve, por conseqüência, iluminar
com a Palavra de Deus as situações humanas
e os acontecimentos da vida, para neles fazer descobrir
a presença ou ausência de Deus.
e) Conversão e crescimento
A catequese deve levar a um processo de convers9.o e crescimento
permanente e progressivo na fé.
f ) Catequese integradora
"Em toda a catequese integral, devem-se unir sempre
de modo inseparável:
- o conhecimento da Palavra de Deus;
- a celebração se fé nos sacramentos;
- a confissão da fé na vida cotidiana (Sínodo
de 1977, 11) .
3.3. Projetos pastorais
Para cumprir sua missão evangelizadora na América
Latina, a catequese deverá ter pressentes os seguintes
itens:
a) Formar homens pessoalmente comprometidos com Cristo,
capazes de participação e comunhão
no seio da Igreja e dedicados ao serviço da salvação
do mundo.
b) Tomar como fonte principal a Sagrada Escritura, lida
no contexto da vida, à luz da Tradição
e do Magistério da Igreja, transmitindo, além
disso, o símbolo da fé; portanto, dará
importância ao apostolado bíblico, difundindo
a Palavra de Deus, formando grupos bíblicos, etc.
c) Dar prioridade pastoral à formação
adequada dos catequistas, em diversos institutos, atendendo
à sua especialização em função
das diversas situações, idades e áreas
em que vivem os catequizandos, p. ex. crianças,
jovens, camponeses, operários, forças armadas,
elites, enfermos, deficientes, presidiários, etc.
d) Nos institutos de formação dos sacerdotes
e dos religiosos e religiosas, adaptar a Ratio studiorum,
como algo urgente para que se intensifique o sentido da
transmissão adequada e atualizada da mensagem evangélica.
Os catequistas devem procurar:
- A integridade do anúncio da Palavra, para superar
dualismos, falsas aposições e a unilateralidade.
- Iniciar os catequizandos na oração e na
liturgia; no testemunho e no compromisso apostólico.
- Ministrar uma catequese vocacionalmente orientadora,
explicando também a vocação leiga,
suscitando um compromisso adaptado às diferentes
idades, desde a infância até a idade adulta.
- Como educadores da fé das pessoas e das comunidades,
empenhar-se numa metodologia que inclua, sob forma de
processo permanente por etapas sucessivas, a conversão,
a fé em Cristo, a vida em comunidade, a vida sacramental
e o compromisso apostólico.
- Ministrar uma educação integral da fé,
que inclua os aspectos seguintes:
- A capacitarão do cristão para "dar
razão de sua esperança.
- A capacidade de dialogar ecumenicamente com os outros
cristãos.
- Uma boa formação para a vida moral, assumida
como seguimento de Cristo, acentuando-se a vivência
das bem-aventuranças.
- A formação gradual para uma ética
sexual crista positiva.
- A formação para a vida política
e a doutrina social da Igreja.
A metodologia
Os catequistas tenham em consideração a
importância da memória, conforme o que afirma
o Papa Paulo VI: "Memorizar as mais importantes sentenças
bíblicas, mormente as do N.T., e os textos litúrgicos
que se usam para a oração em comum e para
tornar mais fácil a confissão da fé;
e dêem importância às técnicas
audiovisuais: desenho, fotopalavra, mini-média,
dramatização, canto, etc.
A ação catequética
- Deverá dirigir-se de forma simultânea aos
grupos e às multidões. Para estas últimas,
são de muita eficácia as missões
populares, convenientemente renovadas numa linha evangelizadora.
- Favoreça-se a catequese permanente, desde a infância
até a velhice integrando-se entre si as comunidades
ou instituições que catequizam, a saber,
a família, a escola, a paróquia, os movimentos
e as diversas comunidades ou grupos.
4. EDUCAÇÃO
Para a Igreja, educar o homem é parte integrante
de sua missão evangelizadora, continuando assim
a missão de Cristo Mestre.
Quando a Igreja evangeliza e consegue a conversão
do homem, também o educa, pois a salvação
(dom divino e gratuito) longe de desumanizar o homem,
o aperfeiçoa e enobrece; faz com que cresça
em humanidade. A evangelização é,
neste sentido, educação. Todavia, a educação
enquanto tal não pertence ao conteúdo essencial
da evangelização, mas ao seu conteúdo
integral.
4.1. Situação
O múnus educativo desenvolve-se entre nós
numa situação de transformação
sócio-çultural, caracterizada pela secularização
da cultura, influenciada pelos meios de comunicação
de massa e marcada pelo desenvolvimento econômico
quantitativo que, embora haja significado algum progresso,
não suscitou as requeridas mudanças para
nina sociedade mais justa e equilibrada. A situação
de pobreza de grande parte de nossos povos está
significativamente correlacionada com os processos educativos.
Os setores deprimidos são os que mostram maiores.
taxas de analfabetismo e deserção escolar
e as menores possibilidades de conseguir emprego.
Em algumas nações, constitui situação
problemática a presença, de grupos aborígenes
que, não obstante seus valores culturais (formas
de organização social, sistemas simbólicos,
costumes e celebrações comunitárias,
artes e habilidades manuais), carecem de formas estruturadas
de educação, de escrita e de certa sagacidade
e hábitos mentais, circunstâncias estas que
os marginalizam e mantêm numa situação
desvantajosa. Para eles, as instituições
educativas convencionais são, não só
estranhas, mas também pouco funcionais, pois costumam
operar como mecanismos de desenraizamento e evasão
da comunidade.
O crescimento demográfico acelerou a demanda de
educação em todos os níveis: elementar,
médio e superior, à qual corresponde um
considerável aumento de oferta, especialmente por
parte do setor estatal. Contudo, a distribuição
de recursos fiscais costuma obedecer a critérios
políticos, mais do que à preferência
por áreas menos favorecidas. Também a iniciativa
privada e as instituições vinculadas à
Igreja têm contribuído, apesar das dificuldades,
para aumentar a oferta educacional.
As relações entre Igreja e Estado em matéria
de educação variam de um país para
outro. Em alguns, existam formas, legais ou de fato, duma
real colaboração; em outros, situações
de conflito, mormente onde impera o monopólio educativo
do Estado. Em geral, o diálogo depende ás
situação política. Alguns governos
chegaram a considerar subversivos certos aspectos e conteúdos
da educação cristã.
A crescente demanda educacional de índole variada
cria também para a Igreja novos desafios, não
só no campo da educação convencional
(colégios e universidades), mas também em
outros: educação de adultos, educação
á distância, não-formal, assistemática,
em estreita liga coto o notável desenvolvimento
dos meios modernos de comunicação social,
e, finalmente, as amplas possibilidades ensejadas pela
educação permanente.
Entre os religiosos educadores surgem questionamentos
sobre a instituição escolar católica,
porque favoreceria o elitismo e a mentalidade classista;
por causa dos escassos resultados na educação
da fé e das mudanças sociais; devido a problemas
financeiros, etc. Esta tem sido uma das causas que levaram
muitos religiosas a abandonar o campo da educação
em troca duma ação pastoral considerada
mas direta, valiosa e urgente.
Nota-se, com satisfação, a presença
crescente dos leigos nas instituições educativas
eclesiais e comprova-se a intervenção de
cristãos responsáveis em todos os campa8
da educação.
Verificam-se influências ideológicas na maneira
de conceber a educação, mesmo cristã.
Uma, de feitio utilitário-individualista, a considera
simples meio para assegurar um porvir: um investimento
a prazo. Outra procura instrumentalizar a educação,
não com fins individualistas, mas a serviço
dum projeto sócio-político definido, quer
de tipo estatal, quer coletivista.
Experimentam-se dificuldades na coordenação
de agentes e agências educativas eclesiais, entre
si e com os bispos, quer porque não se aceita plenamente
a liderança destes, quer por menosprezar-se uma
preocupação e compromisso dos pastores no
campo da educação. Em conseqüência
disto, nota-se também deficiência na planificação
educacional e, até, certa incapacidade para fixar
os objetivos.
Está adquirindo maior vigência a idéia
da "comunidade ou cidade educativa", na. qua,l
se integram, atual ou potencialmente, todos os fatores
educativos da comunidade, a partir da família e
realçando-se o papel da, mesma. Esta concepção
está transformando alguns colégios em verdadeiros
agentes de evangelização.
4.2. Princípios e critérios
A educação é uma atividade humana
da ordem da cultura; a cultura tem uma finalidade essencialmente
humanizadora. Desta forma, compreende-se que o objetivo
de toda educação genuína seja humanizar
e personalizar o homem, sem desvirtuá-1o, mas pelo
contrário orientando-o eficazmente para seu fim
último que transcende a essencial finitude do homem.
A educação será tanto mais humanizadora
quanto mais se abrir para a transcendência, ou seja,
para a verdade e o Sumo Bem.
A educação humaniza e personaliza o homem
quando consegue que este desenvolva plenamente o seu pensamento
e sua liberdade, fazendo-os frutificar em hábitos
de compreensão e comunhão com a totalidade
da ordem real; por meio destes, o próprio homem
humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade
e constrói a história.
A educação evangelizadora assume e completa
a noção de educação libertadora,
porque deve contribuir para a conversão do homem
total, não só em seu eu profundo e individual,
mas também no eu periférico e social, orientando-o
radicalmente para a genuína libertação
cristã, que torna o homem acessível à
plena participação no mistério de
Cristo ressuscitado, isto é, à comunhão
filial com o Pai e à, comunhão fraterna
com todos os homens, seus irmãos.
Esta educação evangelizadora deverá
englobar, entre outras, as características seguintes:
a) Humanizar e personalizar o homem, para nele criar o
lugar onde possa revelar-se e ser escutada a Boa Nova:
o desígnio salvífico do Pai em Cristo e
na sua Igreja.
b) Integrar-se no processo social latino-americano, impregnado
por uma cultura radicalmente cristã, na qual, entretanto,
coexistem valores e contravalores, luzes e sombras e que,
por isso, necessita ser constantemente reevangelizada.
c) Exercer a função crítica própria
da verdadeira ' educação, procurando regenerar
permanentemente, do ponto de vista da educação,
os princípios culturais e as normas de interação
social que possibilitem a criação duma nova
sociedade, verdadeiramente participante e fraterna, em
outras palavras, educação para a justiça.
d) Converter o educando em sujeito, não só
do seu próprio desenvolvimento, mas também
posto a serviço do desenvolvimento da comunidade:
educação para o serviço.
Considerado o que precede, enumeram-se os seguintes critérios:
a) A educação católica pertence à
missão evangelizadora da Igreja e deve anunciar
explicitamente Cristo Libertador.
b ) A educação católica não
deve perder de vista a situação histórica
e concreta em que o homem se encontra, a saber, sua situação
de pecado na ordem individual e social. Por conseguinte,
propõe-se formar personalidades fortes, capazes
de resistir ao relativismo debilitante e viver coerentemente
as exigências do batismo (EC 12).
c) A educação católica deve produzir
os agentes da transformação permanente e
orgânica que a sociedade da América requer
(Med 4, II, 8) mediante uma formação cívica
e política inspirada na doutrina social da Igreja
(João Paulo II, Discurso Inaugural I, 9-AAS, LXXI,
p. 195).
d) Por ser uma pessoa, todo homem tem direito inalienável
à educação que corresponda ao seu
fim, caráter, sexo; acomodada à cultura
e às tradições pátrias. Aqueles
que não recebem esta educação devem
ser considerados com os mais deserdados, portanto, mais
necessitados da ação educativa da Igreja.
e) O educador cristão desempenha uma missão
humana e evangelizadora. As instituições
educativas da Igreja recebem um mandato apostólico
da hierarquia.
f ) A família é a primeira responsei pela
educação. Toda tarefa educadora deve habílitá-1a
a que possa exercer esta missão.
g) A Igreja proclama a liberdade de ensino, não
para favorecer privilégios ou o lucro particular,
mas como um direito à verdade, que assiste às
pessoas e às comunidades.
Ao mesmo tempo, a Igreja se declara disposta a colaborar
no múnus educativo da nossa sociedade pluralista.
h) De acordo com os dois princípios anteriores,
o Estado deveria distribuir eqüitativamente o seu
orçamento com as outras organizações
educativas não estatais, a fim de que os pais,
que também são contribuintes, possam escolher
livremente a educação para seus filhos.
4.3. Sugestões pastorais
- Fomentar, em união com os agentes de pastoral
familiar, a responsabilidade da família, especialmente
dos pais, em todos os aspectos do processo educativo.
- Reafirmar eficazmente, sem esquecer outras responsabilidades
da Igreja no campo educacional, a importância da
escola católica em todos os níveis, favorecendo
sua democratização e transformando-a, conforme
as orientações do Documento da Sagrada.
Congregação para a Educação
Católica em:
- Instância efetiva de assimilação
crítica, sistemática e integradora do saber
e da cultura geral.
- Lugar mais apto para o diálogo entre a fé
e a ciência.
- Ambiente privilegiado que favoreça e estimule
o crescimento na fé, coisa que não depende
só dos cursos de religião programados.
- Alternativa válida para o pluralismo educacional.
- Ajudar os religiosos e religiosas educadores, especialmente
os jovens, a redescobrirem e aprofundarem o sentido pastoral
de seu trabalho na escola, de acordo com o seu carisma
próprio, prestando-lhes apoio em tarefa tão
difícil.
- Promover o educador cristão, especialmente o
leigo, para que assuma a sua pertença e posição
na Igreja, como chamado a participar da sua missão
evangelizadora no campo da educação.
- Dar prioridade, no campo educacional, aos numerosos
setores pobres da nossa população, marginalizados
material e culturalmente, orientando para eles, com preferência,
de acordo com o ordinário do lugar, os serviços
e recursos educativos da Igreja.
- Igualmente prioritária é a educação
de líderes e agentes de transformação.
- Acompanhar a alfabetização dos grupos
marginalizados com atividades educacionais que os ajudem
a comunicar-se eficazmente; a se darem conta dos seus
deveres e direitos; a compreenderem a situação
em que vivem e a discernirem suas causas: a se habilitarem
para organizar-se no campo civil, trabalhista e político,
e assim poder participar plenamente dos processos decisórios
que lhes dizem respeito.
- Sem descurar os atuais compromissos educacionais escolares,
urge responder com generosidade e imaginação
aos desafios que a Igreja da América Latina hoje
enfrenta e no futuro enfrentará. Essas novas formas
de ação educativa não podem ser fruto
da veleidade ou improvisação, mas requerem
suficiente capacitação de seus promotores
e uma fundamentação em diagnósticos
objetivos das necessidades, bem como o inventário
e avaliação dos próprios recursos.
Aconselhável seria recorrer ao uso de métodos
participativos.
- Promover a educação popular ( educação
m- 1 formal) para revitalizar a nossa cultura popular,
incentivando tentativas que, por meio da imagem e do som,
ponham criativamente em destaque os valores e símbolos
profundamente cristãos da cultura latino-americana.
- Estimular a comunidade civil em todos os seus setores.
Para isso, é necessário instaurar um diálogo
franco e receptivo, a fim de que ela assuma suas responsabilidades
educativas e consiga transformar-se, junto com suas instituições
e recursos, numa autêntica "cidade educativa".
- Promover a coordenação de tarefas, agentes
e instituições educativas na ação
pastoral da Igreja particular, por meio de um organismo
competente, vinculado ao bispo, a cujo encargo estarão
as funções de planejamento e avaliação.
Faz-se mister uma avaliação objetiva de
atividades, obras e situações, que possa
levar à melhor utilização dos recursos,
modificando, suprimindo ou criando instituições
ou programas.
- Elaborar, sobretudo em nível de comissões
episcopais, a doutrina ou teoria educativa cristã,
baseada nos ensinamentos da Igreja e na experiência
pastoral. Isto dará ensejo a examinar, à
luz da referida doutrina, os princípios objetivos
e métodos dos sistemas educativos vigentes, para
ínterpretá-los adequadamente e avaliar criticamente
seus resultados - Partindo desta teoria, urge a elaboração
dum projeto educativo cristão em nível nacional
ou continental, no qual desde logo se inspirarão
os ideários concretos das diversas instituições
educacionais.
4.4. Universidades
Observou-se nos últimos dez anos uma enorme demanda
de ensino superior, com o ingresso em massa dos jovens
latino-americanos nas universidades, motivado em grande
parte pelo acelerado desenvolvimento de nossos países.
Tal fato fez surgir o grave problema da incapacidade do
sistema educativo e social para poder satisfazer a todas
as demandas: esta incapacidade deixa frustrados a milhares
de jovens, porque muitos não entram na universidade,
e porque muitos que delas saem não encontram emprego.
A secularização da, cultura e os progressos
da tecnologia e dos estudos antropológicos e sociais
levantam a série de interrogações
a respeito do homem, de Deus e do mundo. Isto causa confrontações
entre ciência e fé, entre a técnica
e o homem, de modo especial para os crentes.
As ideologias em voga sabem que as universidades são
um campo propício para sua infiltração
e para conseguir o domínio às cultura e
da sociedade. A diversidade deve formar verdadeiros líderes,
construtores duma nova sociedade, e isto implica, por
parte da Igreja, dar a conhecer a mensagem do Evangelho
neste meio e fazê-1o com eficácia, respeitando
a liberdade acadêmica, inspirando-lhe a função
criativa, tornando-se presente à educação
política, e social de seus membros, iluminando
a pesquisa científica.
Segue-se dai a atenção que todos devemos
dar ao ambiente intelectual e universitário. Pode-se
afirmar que se trata duma opção-chave capital
e funcional da evangelização, país
do contrário per. der-se-ia uma posição
decisiva para iluminar as mudanças de estruturas.
Como os resultados não se podem medir a curto prazo,
poderia ficar-nos a impressão de fracasso e ineficiência.
Contudo, isto não deve diminuir a esperança
e o empenho dos cristãos que trabalham no campo
universitário, pois apesar dais dificuldades, eles
estão colaborando na missão evangelizadora
da Igreja.
Importante é a evangelização do mundo
universitário (professores, pesquisadores e estudantes)
mediante contatos e serviços de animação
pastoral oportunos em instituições não
eclesiais de educação superior.
Deve-se insistir mui especialmente em que a universidade
católica, vanguardeira da mensagem cristã
no mundo universitário é chamada a prestar
um serviço relevante à Igreja e à
sociedade. Num mundo pluralista, não lhe é
fácil manter a própria identidade. Ela cumprirá
sua função, enquanto católica, descobrindo
"o seu significado último e profundo em Cristo,
na sua mensagem salvífica que abarca o homem em
sua totalidade" (João Paulo II, Alocução
Universitários Z-AAS, LXXI, p. 236 ) . Enquanto
universidade, procurará sobressair pela honestidade
científica, pelo compromisso com a verdade, pela
preparação de profissionais competentes
para o mundo do trabalho e pela pesquisa de soluções
para os problemas mais angustiantes da América
Latina.
Sua missão educadora primordial será promover
urna cultura integral capaz de formar pessoas que sobressaiam
pelos profundos conhecimentos científicos e humanísticos;
pelo "testemunho de fé perante o mundo"
(GE 10); pela prática sincera da moral cristã
e pelo compromisso na criação duma nova
América Latina mais justa e fraterna,. Desta forma,
contribuirá ativa e eficazmente para a criação
e renovação da nossa cultura, transformada
pela força do Evangelho, na qual o nacional, o
humano e o cristão consigam harmonizar-se da melhor
maneira.
Além do diálogo das diversas disciplinas
entre si e especialmente com a teologia, da pesquisa da
verdade Como empresa comum entre professores e estudantes,
da integração e participação
de todos na vida e ocupações universitárias,
cada qual segundo a própria competência,
deve a mesma universidade católica ser um exemplo
de cristianismo vivo e operante. Em seu âmbito,
todos os membros dos diversos níveis - mesmo aqueles
que, embora não sejam católicos, aceitam
e respeitam esses ideais - devem formar uma "família
universitária" (João Paulo II, Alocução
Universitários 3-AAS, LXXI, p. 237).
Nesta missão de serviço, a universidade
católica deverá viver em contínua
auto-análise e tornar sua estrutura operacional
flexível para responder ao desafio da própria
região ou nação, mediante a oferta
de breves cursos especializados, educação
continuada para adultos, extensão universitária
com oferta de oportunidade e serviços para marginalizados
e pobres.
5. COMUNICAÇÃO SOCIAL
A evangelização, anúncio do Reino,
é comunicação: portanto, a comunicação
social deve ser levada em conta em todos os aspectos da
transmissão da Boa Nova.
A comunicação, como ato social vital, nasce
' com o próprio homem e tem sido potencializada
na época moderna mediante poderosos recursos tecnológicos.
Por conseguinte, a evangelização não
pode prescindir, hoje em dia, dos meios de comunicação.
5.1. Situação
Visão da realidade na América Latina
A comunicação social surge como dimensão
ampla e profunda do relacionamento humano, mediante o
qual o homem, individual e coletivamente, à medida
que se inter-relaciona no mundo, expõe-se ao influxo
da civilização audiovisual e à contaminação
da "poluição sonora".
Devido à diversidade de meios existentes (rádio,
televisão, cinema, imprensa, teatro, etc.) que
atuam de maneira simultânea e maciça,, a
comunicação social incide em toda a vida
do homem e sobre ele exerce de maneira consciente ou subliminar,
uma influência decisiva.
A comunicação social está condicionada
pela realidade sócio-cultural de nossos países
e constitui, por sua vez, um dos fatores determinantes
que mantêm esta realidade.
Reconhecemos que os meios de comunicação
social são fatores de comunhão e contribuem
para a integração latino-americana, bem
como para a expansão e democratização
da cultura; contribuem outrossim para o lazer, especialmente
das pessoas que vivem fora dos centros urbanos; aumentam
as capacidades perspectivas pelo estímulo visual
auditivo, de penetração sensorial.
Não obstante os aspectos positivos assinalados,
devemos denunciar o controle desses meios de comunicação
social e a manipulação ideológica
que exercem os poderes políticos e econômicos,
que se empenham em manter o statu quo e até em
criar uma ordem nova de dependência-dominação
ou, pelo contrário, em subverter esta ordem para
criar outra de sinal contrário. A exploração
das paixões, dos sentimentos, da violência
e do sexo, com objetivos consumistes, constituem uma flagrante
violação dos direitos individuais. Igual
violação aparece na indiscriminação
das mensagens, repetitivas ou subliminares, com respeito
à pessoa e principalmente à família.
Os jornalistas nem sempre se mostram objetivos e honestos
na transmissão de notícias, de forma que
são eles mesmos os que às vezes manipulam
a informação, calando, alterando ou inventando
o conteúdo da mesma, com grande desorientação
da opinião pública.
O monopólio da informação, tanto
por parte do governo como de interesses privados, permite
o uso arbitrário dos meios de informação
e dá lugar à manipulação de
mensagens de acordo com interesses setoriais. Particularmente
grave é o manejo da informação que
empresas e interesses transacionais fazem a respeito de
nossos países ou com destino a eles.
A programação, em grande parte estrangeira,
produz transculturação não participativa
e mesmo destruidora de valores autóctones; o sistema
publicitário, tal como se apresenta, e o uso abusivo
do esporte, enquanto elemento de evasão, os transformam
em fatores de alienação; seu impacto massificante
e compulsivo pede levar ao isolamento e até à
desintegração da comunidade familiar.
Os meios de comunicação social têm-se
convertido muitas vezes em veículo de propaganda
do materialismo reinante, pragmático e consumiste,
e criam em nosso povo falsas expectativas, necessidades
fictícias, graves frustrações e um
doentio afã competitivo.
Visão da realidade na Igreja da América
Latina Existe na Igreja da América Latina certa
percepção da importância da comunicação
social, porém, não como realidade global,
que afeta todas as relações humanas e a
própria pastoral, bem como da linguagem específica
dos media.
A Igreja tem sido explícita quanto à doutrina
referente aos meios de comunicação social,
publicando numerosos documentos sobre a matéria,
embora tenha havido delongas em levar estes ensinamentos
à prática.
Há insuficiente aproveitamento das ocasiões
de comunicação que se oferecem à
Igreja por parte dos meios estranhos e incompleta utilização
dos seus próprios meios ou daqueles que são
por ela influenciados; além disso, os meios próprios
não estão integrados entre si, nem na pastoral
de conjunto.
Salvo raras exceções ainda não existe
na Igreja da América Latina uma verdadeira preocupação
por formar o Povo de Deus na comunicação
social , capacitá-lo para assumir uma atitude crítica
frente ao bombardeio dos mass media e para opor-se ao
impacto de suas mensagens alienantes, ideológicas,
culturais e publicitárias. Situação
que se agrava pelo pouco uso que se faz dos cursos organizados
nesta área, escasso orçamento que se destina
aos meios de comunicação social em função
evangelizadora e descuido da atenção devida
a proprietários e técnicos desses meios.
Não obstante os aspectos positivos assinalados,
devemos denunciar o controle desses meios de comunicação
social e a manipulação ideológica
que exercem os poderes políticos e econômicos,
que se empenham em manter o statu quo e até em
criar uma ordem nova de dependência-dominação
ou, pelo contrário, em subverter esta ordem para
criar outra de sinal contrário. A exploração
das paixões, dos sentimentos, da violência
e do sexo, com objetivos consumistes, constituem uma flagrante
violação dos direitos individuais. Igual
violação aparece na indiscriminação
das mensagens, repetitivas ou subliminares, com respeito
à pessoa e principalmente à família.
Os jornalistas nem sempre se mostram objetivos e honestos
na transmissão de notícias, de forma que
são eles mesmos os que às vezes manipulam
a informação, calando, alterando ou inventando
0 conteúdo da mesma, com grande desorientação
da opinião pública.
O monopólio da informação, tanto
por parte do governo como de interesses privados, permite
o uso arbitrário dos meios de informação
e dá lugar à manipulação de
mensagens de acordo com interesses setoriais. Particularmente
grave é o manejo da informação que
empresas e interesses transnacionais fazem a respeito
de nossos países ou com destino a eles.
A programação, em grande parte estrangeira,
produz transculturação não participativa
e mesmo destruidora de valores autóctones; o sistema
publicitário, tal como se apresenta, e o uso abusivo
do esporte, enquanto elemento de evasão, os transformam
em fatores de alienação; seu impacto massificante
e compulsivo pode levar ao isolamento e até à
desintegração da comunidade familiar.
Os meios de comunicação social têm-se
convertido muitas vezes em veículo de propaganda
do materialismo reinante, pragmático e consumiste,
e criam em nosso povo falsas expectativas, necessidades
fictícias, graves frustrações e um
doentio afã competitivo.
Visão da realidade na Igreja da América
Latina Existe na Igreja da América Latina certa
percepção da importância da comunicação
social, porém, não como realidade global,
que afeta todas as relações humanas e a
própria pastoral, bem como da linguagem específica
dos media.
A Igreja tem sido explícita quanto à doutrina
referente aos meios de comunicação social,
publicando numerosos documentos sobre a matéria,
embora tenha havido delongas em levar estes ensinamentos
à prática.
Há insuficiente aproveitamento das ocasiões
de comunicação que se oferecem à
Igreja por parte dos meios estranhos e incompleta utilização
dos seus próprios meios ou daqueles que são
por ela influenciados; além disso, os meios próprios
não estão integrados entre si, nem na pastoral
de conjunto.
Salvo raras exceções ainda não existe
na Igreja da América Latina uma verdadeira preocupação
por formar o Povo de Deus na comunicação
social, capacitá-1o para assumir uma atitude crítica
frente ao bombardeio dos mass media e para opor-se ao
impacto de suas mensagens alienantes, ideológicas,
culturais e publicitárias. Situação
que se agrava pelo pouco uso que se faz dos cursos organizados
nesta área, escasso orçamento que se destina
aos meios de comunicação social em função
evangelizadora e descuido da atenção devida
a proprietários e técnicos desses meios.
Deve-se mencionar aqui como fenômeno altamente positivo
o rápido desenvolvimento dos meios de comunicação
grupai (MCG) e dos pequenos meios, com uma produção
sempre crescente de material para a evangelização
e com um emprego cada dia maior desses meios pelos agentes
de pastoral, propiciando-se assim um acertado crescimento
da capacidade de diálogo e de contato.
A Igreja da América Latina. tem feito nos últimos
anos muitos esforços em favor duma comunicação
maior em seu interior. Todavia, em muitos casos, o que
se realizou até agora não corresponde plenamente
às exigências do momento. O fluxo de experiências
e opiniões legítimas, como expressão
pública de pareceres no interior da Igreja, reduz-se
a manifestações esporádicas e, portanto,
insuficientes, que têm pouca influência na
totalidade da comunidade eclesial.
5.2. Opções
Critérios
a ) Integrar a comunicação na pastoral de
conjunto.
b ) Dentre as tarefas por realizar neste campo, dar prioridade
à formação na comunicação
social, tanto do público em geral, como dos agentes
de pastoral em todos os níveis.
c) Respeitar e favorecer a liberdade de expressão
e a correlativa informação, pressupostos
essenciais da comunicação social e de sua
função na sociedade dentro da ética
profissional, conforme a Exortação Communio
et Progressio.
Propostas pastorais
A luz da problemática latino-americana e levando
em conta o fenômeno da comunicação
social e suas implicações na evangelização,
cabe formular as seguintes propostas pastorais:
a) Urge que a hierarquia e os agentes pastorais ' em geral
conheçam, compreendam e experimentem mais a fundo
o fenômeno da comunicação social,
a fim de que se adaptem às respostas pastorais
a esta nova realidade e se integre a comunicação
na pastoral de conjunto.
b) Para que a articulação da pastoral da
comunicação com a pastoral orgânica
seja efetiva, é preciso criar, onde não
existe, e potencializar, onde existe, um departamento
ou organismo específico (nacional e diocesano)
para a comunicação social e incorporá-1o
nas atividades de todas as áreas pastorais.
c ) A tarefa de formação no campo da comunicação
é uma ação prioritária. Portanto,
urge formar neste campo todos os agentes da evangelização:
Para os aspirantes ao sacerdócio e à vida
religiosa, é necessário que esta formação
se integre nos programas de estudos e formação
pastoral.
Para os sacerdotes, religiosos, religiosas, agentes de
pastoral e para os próprios responsáveis
pelos organismos nacionais e diocesanos de pastoral de
comunicação social. é mister programar
sistemas de formação permanente.
Especial atenção merecem os profissionais
da comunicação e a formação
mais adequada dos que cobrem a área da informação
religiosa.
d) Dentro das normas litúrgicas, cada Igreja particular
providencie a forma mais adequada para introduzir na liturgia,
que é em si mesma comunicação, os
recursos de som e imagem, os símbolos e formas
de expressão mais aptos para representar a relação
com Deus, de sorte que se faculte uma participação
maior e mais adequada nos atos litúrgicos. Recomenda-se
utilização esmerada dos aparelhos de som
nos lugares de culto.
e ) Educar o público receptor para que tenha uma
atitude crítica perante o impacto das mensagens
ideológicas, culturais e publicitárias que
nos bombardeiam continuamente, com o fim de neutralizar
os efeitos negativos da manipulação e massificação.
Recomenda-se aos organismos eclesiais que operam em escala
continental (UNDA, OCIC, UCLAP ) dediquem uma especial
atenção à formação
do público receptor, assim como das pessoas acima
mencionadas.
f) Sem descurar a necessária e urgente presença
dos meios de comunicação de massa, urge
intensificar o uso dos meios de comunicação
de grupo (MCG) que. além de serem menos custosos
e de mais fácil utilização, oferecem
a possibilidade de diálogo e são mais aptos
para uma evangelização de pessoa para pessoa
que suscite adesão e compromissos verdadeiramente
pessoais.
g) Para maior eficácia na transmissão da
mensagem, a Igreja deve lançar mão duma
linguagem atualizada, concreta, direta, clara e ao mesmo
tempo caprichada. Esta linguagem deve ficar próxima
da realidade que o povo enfrenta, de sua mentalidade e
religiosidade, de tal sorte que possa ser facilmente captada;
para isso, é preciso levar em conta os sistemas
e recursos da linguagem audiovisual própria do
homem hodierno.
h) Com o objetivo de iluminar pelo Evangelho os acontecimentos
cotidianos e acompanhar o homem latino-americano com base
no conhecimento de seus afazeres diários e dos
fatos que influem sobre ele, a Igreja deve preocupar-se
com possuir canais próprios de informação
e de notícias que assegurem a intercomunicação
e o diálogo com o mundo. Isto é tanto mais
urgente quanto a experiência mostra as contínuas
distorções do pensamento e dos fatos de
Igreja por parte das agências. A presença
da Igreja no mundo da comunicação social
exige importantes recursos que devem ser providenciados
pela comunidade cristã.
i ) Conhecida a situação de pobreza, marginalização
e injustiça em que estão imersas grandes
massas latino-americanas e de violação dos
direitos humanos, a Igreja, no uso de seus meios próprios,
deve ser cada dia mais a voz dos desamparados, apesar
dos riscos que isto implica.
j ) As limitações que temos encontrado no
Continente nos forçam a ratificar o direito social
à informação, com suas obrigações
correlativas, dentro dos limites éticos que impõem
o respeito à privacidade das pessoas e à
verdade. Maior validez ainda têm esses princípios
no interior da Igreja.
CAPÍTULO IV
O DIALOGO PARA A COMUNHAO
E PARTICIPAÇAO
Incrementar o diálogo
ecumênico entre as religiões e com os não-crentes,
com vistas à comunhão, buscando áreas
de participação para o anúncio universal
da salvação.
1.1. Introdução
A evangelização goza duma universalidade
sem fronteiras: "Ide por todo o mundo e pregai o
Evangelho a toda criatura" (Mc 16,15). A Igreja,
depositária da Boa Nova e evangelizadora, começa
evangelizando-se a si mesma. Este mandato do Senhor, do
qual são depositários todos os cristãos,
é motivo para um esforço comum, impulsionado
pelo Espírito Santo, para dar testemunho de nossa
esperança "diante de todos os povos".
Face à responsabilidade da evangelização,
a Igreja Católica abre-se para um diálogo
de comunhão, procurando áreas de participação
para o anúncio universal da salvação.
Isto supõe que evangelização e diálogo
estejam intimamente relacionados. As áreas de intercâmbio
que se abrem diante da Igreja são muitas e variadas,
mas aqui, seguindo o Concílio e a Encíclica
Ecclesiam Suam, sintetizamo-las em três: os cristãos
não-católicos; os não-cristãos;
os não-crentes.
O Continente latino-americano foi evangelizado na fé
católica desde o seu descobrimento. Isto constitui
um traço fundamental de identidade e unidade do
Continente, e ao mesmo tempo, uma tarefa permanente. Por
causas diversas, presencia-se hoje um crescente pluralismo
religioso e ideológico.
1.2. Situação
A Igreja Católica constitui a mesma maioria na
América Latina, e isto é um fato muito relevante,
de caráter não somente sociológico,
mas também teológico.
Junto com ela, encontram-se Igrejas orientais e Igrejas
e comunidades eclesiais do ocidente. Encontram-se também
aquilo que hoje costuma chamar-se "movimentos religiosos
livres" (popularmente "seitas"), alguns
dos quais se mantêm nos limites da profissão
de fé basicamente; outros, pelo contrário,
não podem ser considerados como tais.
Presente está o judaísmo, com a variedade
de correntes e tendências que lhe é própria.
Deparamos o islamismo e outras religiões não
cristãs.
Notamos igualmente outras formas religiosas ou para-religiosas,
com um conjunto de atitudes bem diferentes entre si, que
aceitam uma realidade superior ("espíritos",
"forças ocultas", "astros"
etc.) com a qual entendem comunicar-se para obter ajuda
e normas da vida.
A "não-crença" é um fenômeno
que designa realidades muito diversas. Manifesta-se pela
repulsa explícita do divino - forma mais extremada
porém, mais amiúde, por deformações
da idéia de Deus e da religião, interpretadas
como alienantes. Isto se nota bastante nos ambientes intelectuais
e universitários; em meios juvenis e operários.
Outros equiparam as religiões e as reduzem à
esfera da vida privada. Finalmente, cresce o número
daqueles que se despreocupam do religioso, ao menos na
vida prática.
Aspectos positivos e negativos
Sobretudo a partir do Vaticano II, cresceu entre 1 nós
o interesse pelo ecumenismo. Provas disso temos na promoção
conjunta da difusão, conhecimento e apreço
da Sagrada Escritura; nas orações privadas
e públicas pela unidade, cada vez mais freqüentes,
cuja expressão mais frisante está na semana
dedicada a tal objetivo; em encontros e grupos de reflexão
interconfessionais; em trabalhos conjuntos para a promoçâo
do homem, a defesa dos direitos humanos e a construção
da justiça e da paz. Em alguns lugares, chegou-se
a constituir conselhos bilaterais ou multilaterais de
Igrejas, em diversos níveis.
Persistem, contudo, em muitos cristãos a ignorância
ou desconfiança com respeito ao ecumenismo. Desconfiança
que, em nossas comunidades, se origina em grande parte
do proselitismo, sério obstáculo para o
verdadeiro ecumenismo. Outro fato negativo com respeito
a este é a existência de tendências
alienantes em alguns movimentos religiosos, que apartam
o homem de seu compromisso para com o próximo.
Entretanto dão-se também, a pretexto de
ecumenismo, aproveitamentos ou instrumentalizações
políticas que desvirtuam o caráter do diálogo.
Os "movimentos religiosos livres" manifestam
não raro desejo de comunhão, de participação,
de liturgia vivida, que se devem levar em consideração.
Não podemos ignorar, contudo, no tocante a estes
grupos, proselitismos muito acentuados, fundamentalismo
bíblico e literalismo escrito com respeito a suas
doutrinas.
Tanto em nível continental como em algumas nações
em particular, tem começado a estruturar-se o diálogo
com o judaísmo. Contudo, verifica-se a persistência
de certa ignorância acerca de seus valores permanentes
e algumas atitudes deploradas pelo próprio Concílio.
O monoteísmo islâmico, a busca de absoluto
e de respostas aos enigmas do coração humano,
características das grandes religiões não-cristãs,
constituem pontos de aproximação para um
diálogo que, em forma incipiente, já acontece
em alguns lugares.
Nas outras formas religiosas ou para-religiosas, nota-se
a busca de respostas para as necessidades concretas do
homem, um desejo de contato com o mundo da transcendência
e do espiritual. Observa-se todavia nelas, junto com um
proselitismo muito acentuado, a tentativa de subjugar
pragmaticamente a transcendência espiritual do homem.
Para estabelecer um discernimento adequado do fenômeno
da descrença, com vista a um diálogo efetivo,
é preciso ter presente a variedade de causas e
motivos que a produzem, tais como as inter-relações
profundas entre as objetivações do pecado
no campo econômico, social, político e ideológico-cultural,
assim como as ambivalências de qualquer procura
sincera da verdade e da promoção da liberdade.
Talvez a própria Igreja não se possa considerar
isenta de culpa nesta ordem de coisas. Não raras
vezes os descrentes sobressaem pelo exercício de
valores humanos que jazem na linha do Evangelho. Entretanto,
a nossa época não é estranha a formas
de ateísmo militante e humanismos que obstruem
o desenvolvimento integral da pessoa.
1.3. Critérios doutrinais evangelho e diálogo.
Em qualquer evangelização ressoa a palavra
de Cristo, que é por sua vez a Palavra do Pai.
Esta palavra procura a resposta da fé. Entretanto,
a mesma palavra, proclamada pela Igreja, pretende outrossim
entrar num fecundo intercâmbio com as manifestações
religiosas e culturais que caracterizam o nosso hedierno
mundo pluralista. Isto é o diálogo, que
sempre tem um caráter de testemunho, dentro do
máximo respeito à pessoa e à identidade
do interlocutor. O diálogo tem suas exigências
de lealdade e integridade da parte de ambos os interlocutores.
Não se opõe à universalidade da proclamação
do Evangelho, e sim completa-a por outra via e salva sempre
a obrigação que incumbe à Igreja
de partilhar o Evangelho com todos 3''. Oportuno é
recordar aqui que foi precisamente no âmbito da
missão que nasceu, no século passado pela
graça do Espírito Santo, a preocupação
ecumênica; não se pode pregar um Cristo dividido.
Sendo assim, a Igreja, no Concílio, insiste com
os pastores e fiéis para que "reconhecendo
os sinais dos tempos, participem diligentemente no trabalho
ecumênico", a fim de "promover a restauração
da unidade entre todos os cristãos", "um
dos principais propósitos do Concílio".
Com respeito ao judaísmo, o Vaticano II "lembra
o vínculo que une espiritualmente o povo do Novo
Testamento à raça de Abraão"
e por isso "deseja fomentar e recomendar o mútuo
conhecimento e apreço" (NA 4) entre os fiéis
de ambas as religiões.
A vontade salvífica universal de Deus atinge todos
os homens; a Igreja está persuadida de que, tendo
Cristo morrido por todos e sendo a vocação
última do homem uma só, isto é, divina,
o Espírito Santo a todos oferece as possibilidades
de serem associados, numa forma conhecida, só por
Deus ao mistério pascal. Sendo a fé pascal
um ato livre, é preciso que a Igreja, ao dialogar,
se aproxime dos não-crentes com o maior respeito
de sua liberdade pessoal e procurando compreender suas
motivações e razões. Além
disso, a não-crença constitui uma interpelação
e um desafio à fidelidade e autenticidade dos crentes
e da Igreja.
1 . 4. Aspectos pastorais
Incentivar uma atitude mais simples, humilde e autocrítica
na Igreja e nos cristãos, como condição
para um diálogo religioso fecundo.
Promover, nos diversos níveis e setores em que
se estabelece o diálogo, um decidido compromisso.
comum de defesa e promoção dos direitos
fundamentais de todo homem e de todos os homens, especialmente
dos mais necessitados, colaborando na edificação
duma nova sociedade mais justa e mais livre.
Procurar uma exposição adequada da doutrina
católica, que apresente uma justa "hierarquia
de verdades" (Uft 11) e uma resposta válida
aos problemas que se lhe oferecem da situação
concreta latino-americana. Procurar também a educação,
formação e informação necessárias
com relação ao ecumenismo e ao diálogo
religioso em geral, especialmente para os agentes de pastoral.
Promover, numa perspectiva ecumênica, um testemunho
comum mediante a oração, semana pela unidade,
ação bíblica conjunta, grupos de
estudo e reflexão e, onde for possível,
comissões e conselhos interconfessionais em diversos
níveis.
Estudar diligentemente o fenômeno dos "movimentos
religiosos livres" e as causas que motivam o seu
rápido crescimento, para responder em nossas comunidades
eclesiais aos anseios e questionamentos aos quais esses
movimentos tentam dar uma resposta, tais como liturgia
viva, fraternidade sentida e participação
missionária ativa.
Favorecer o diálogo religioso com os judeus, tendo
presentes os princípios e pontos contidos nas "orientações
e sugestões para a aplicação da Declaração
N'ostra Aetate".
Informar e orientar nossas comunidades, baseados num lúcido
discernimento, a respeito das formas religiosas ou para-religiosas
acima mencionadas e das distorções que elas
contêm para a vivência da fé cristã.
Ativar uma presença mal decidida nos centros onde
nascem as correntes culturais e donde emergem as novas
lideranças. Neste sentido, torna-se necessária
uma pastoral orgânica da cultura, do movimento dos
operários e da juventude.
Tomar consciência da realidade e extensão
do fenômeno da descrença, com vistas à
purificação da fé dos crentes; à
coerência entre fé e vida e à colaboração
"em verdadeira paz, para a edificação
do mundo" (CG 92) .
Finalmente, considerar a dimensão ecumênica,
assim como a abertura para o diálogo com o mundo
não-cristão e da descrença, como
uma perspectiva global do múnus evangelizador,
mais do que tarefas setoriais.
QUARTA PARTE
IGREJA MISSIONÁRIA
A SERVIÇO DA EVANGELIZAÇÃO NA AMÉRICA
LATINA
O Espírito do Senhor impele o Povo de Deus, na
história, a discernir os sinais dos tempos e a
descobrir, nos mais profundos anseios e problemas dos
seres humanos, o plano de Deus sobre a vocação
do homem na construção da Sociedade, para
torná-la mais humana, justa e fraterna.
Assim, na América Latina, a pobreza aparece palpável
como marca impressa nas imensas maiorias, as quais estão,
ao mesmo tempo, abertas não só às
bem-aventuranças e à predileção
do Pai, mas também à possibilidade de serem
os verdadeiros protagonistas de seu próprio desenvolvimento.
A evangelização dos pobres foi para Jesus
um dos sinais messiânicos e será também
para nós sinal de autenticidade evangélica.
Além disto, a juventude latino-americana deseja
construir um mundo melhor e busca, por vezes sem sabê-1o,
os valores evangélicos da verdade, justiça
e amor. Sua evangelização não só
satisfará seus generosos anseios de realização
pessoal, mas garantirá a conservação
duma fé vigorosa em nosso Continente.
Os pobres e os jovens constituem, portanto, a riqueza
e a esperança da Igreja na América, Latina,
e sua evangelização é, por conseguinte,
prioritária. A Igreja convoca também todos
os seus filhos dentro de suas responsabilidades peculiares
- a serem fermento no mundo e a participarem como construtores
duma nova sociedade, em nível nacional e internacional.
Mormente em nosso Continente, por ser na, maioria constituída
de cristãos, os homens devem ser germe, luz e força
transformadora.
CONTEÚDO
Capítulo I Opção preferencial pelos
pobres
Capítulo II Opção preferencial pelos
jovens
Capítulo III Ação da Igreja junto
aos construtores da, sociedade pluralista na AL Capítulo
IV Ação em prol da pessoa na sociedade nacional
e internacional
CAPÍTULO I
OPÇAO PREFERENCIAL PELOS POBRES
1.1. De Medellin a Puebla
A Conferência de Puebla volta a assumir, com renovada
esperança na. força vivificadora do Espírito,
a posição da II Conferência Geral
que fez uma clara e profética opção
preferencial e solidária pelos pobres, não
obstante os desvios e interpretações com
que alguns desvirtuaram o espírito de Medellin,
e o desconhecimento e até mesmo a hostilidade de
outros. Afirmamos a necessidade de conversão de
toda a Igreja para uma opção preferencial
pelos pobres, no intuito de sua integral libertação.
A imensa maioria de nossos irmãos continua vivendo
em situação de pobreza e até miséria,
que se veio agravando. Queremos tomar consciência
do que a Igreja latino-americana fez ou deixou de fazer
pelos pobres depois de Medellin, como ponto de partida
para a busca de pistas opcionais eficazes em nossa ação
evangelizadora, no presente e no futuro da América
Latina.
Verificamos que episcopados nacionais e numerosos setores
de leigos, religiosos, religiosas e sacerdotes tornaram
mais profundo e realista o seu compromisso com os pobres.
Esse testemunho incipiente, mas real, levou a Igreja latino-americana
à denúncia das graves injustiças
derivadas de mecanismos opressores.
Os pobres, também alentadas pela Igreja, começaram
a organizar-se para uma vivência integral de sua
fé e, por isso, para reivindicar os seus direitos.
A denuncia profética da Igreja e seus compromissos
concretos com o pobre causaram-lhe, em não poucos
casos, perseguições e vexames de vários
tipos: os próprios pobres têm sido as primeiras
vítimas de tais vexames.
Isso tudo foi causa de tensões e conflitos dentro
e fora da Igreja. Acusaram-na com freqüência,
seja de estar do lado dos poderes sócio-econômicos
e políticos, seja dum perigoso desvio ideológico
marxista.
Na Igreja da América Latina, nem todos nos temos
comprometido bastante com os pobres; nem sempre nos preocupamos
com eles e somos com eles solidários. O serviço
do pobre exige, de fato, uma conversão e purificação
constante, em todos os cristãos, para conseguir-se
uma identificação cada dia mais plena com
Cristo pobre e com os pobres.
1.2. Reflexão doutrinal Jesus evangeliza os pobres
O compromisso evangélico da Igreja, como disse
o papa, deve ser como o de Cristo: um compromisso com
os mais necessitados (cf. Lc 4,18-21; Discurso Inaugural,
III, 3) . Por conseguinte, a Igreja deve ter os olhos
em Cristo quando se pergunta qual há de ser a sua
ação evangelizadora. O Filho de Deus demonstrou
a grandeza deste compromisso ao fazer-se homem, pois identificou-se
com os homens tornando-se um deles, solidário com
eles e assumindo a situação em que se encontram,
em seu nascimento, em sua vida e, sobretudo, em sua paixão
e morte, na qual chegou à expressão máxima
da pobreza.
Só por este motivo, os pobres merecem uma atenção
preferencial, seja qual for a situação moral
ou pessoal em que se encontrem. Criados à imagem
e semelhança de Deus para serem seus filhos, esta
imagem faz obscurecida e também escarnecida. Por
isso Deus toma sua defesa e os ama. Assim é que
os pobres são os primeiros destinatários
da missão e sua evangelização é
o sinal e prova por excelência da missão
de Jesus.
Este aspecto central da evangelização foi
sublinhado por S. S. João Paulo II: "Desejei
vivamente este encontro porque me sinto solidário
convosco e porque, sendo pobres, tendes direito a meu
particular desvelo; e o motivo é este: o papa vos
ama porque sois os prediletos de Deus. Ele mesmo, ao fundar
sua família, a Igreja, tinha presente a humanidade
pobre e necessitada. Para remi-1a, enviou precisamente
seu Filho, que nasceu pobre e viveu entre os pobres para
nos tornar ricos com sua pobreza (Cf. 2 Cor 8,9) Alocução
Bairro Santa Cechia AAS, LXXI, p. 220).
De Maria, que em seu canto do Magnificat proclama que
a salvação de Deus tem muito a ver com a
justiça para com os pobres, "parte também
o compromisso autêntico com os outros homens, nossos
irmãos, especialmente pelos mais pobres e necessitados
e pela necessária transformação da
sociedade" (João Paulo II, Homilia Zapopán
4 - ASS LXXI, p. 230).
A serviço do irmão pobre
Ao aproximar-nos do pobre para acompanhá-1o e servi-1o,
fazemos o que Cristo nos ensinou, quando se fez irmão
nosso, pobre como nós. Por isso o serviço
dos pobres é medida privilegiada, embora não
exclusiva, de nosso seguimento de Cristo. O melhor serviço
do irmão é a evangelização
que o dispõe a realizar-se como filho de Deus,
o liberta das injustiças e o promove integralmente.
E de suma importância que este serviço do
irmão siga a linha que o Concílio Vaticano
II nos traça: "Cumprir antes de mais nada
as exigências da justiça, para não
ficar dando como ajuda de caridade aquilo que já
se deve em razão da justiça; suprimir as
causas e não só os efeitos dos males e organizar
os auxílios de forma tal que os que os recebem
se libertem progressivamente da dependência externa
e se bastem a si mesmos" (AA 8) .
O compromisso com os pobres e oprimidos e o surgimento
das Comunidades de Base ajudaram a Igreja a descobrir
o potencial evangelizador dos pobres, enquanto estes a
interpelam constantemente, chamando-a à conversão
e porque muitos deles realizam em sua vida os valores
evangélicos de solidariedade, serviço, simplicidade
e disponibilidade para acolher o dom de Deus.
A pobreza cristã
Para o cristão, o termo "pobreza" não
é somente expressão de privação
e marginalização de que nos precisemos libertar.
Designa também um modelo de vida que já
desponta no Antigo Testamento no tipo dos "pobres
de Javé" e é vivido e proclamado por
Jesus como bem-aventurança. São Paulo resumiu
este ensinamento dizendo que a atitude do cristão
deve ser de usar os bens deste mundo (cujas estruturas
são transitórias) sem absolutizá-los,
pois são apenas meios para se chegar ao Reino.
Este modelo de vida pobre é exigido pelo Evangelho
de todos os que crêem em Cristo e, por isso, podemos
chamá-1o "pobreza. evangélica".
Os religiosos vivem de maneira radical esta pobreza exigida
de todos os cristãos, ao se comprometerem por seus
votos e viver os conselhos evangélicos. A pobreza
evangélica une a atitude de abertura confiante
em Deus com uma vida simples, sóbria e austera,
que aparta a tentação da cobiça e
do orgulho.
A pobreza evangélica põe-se em prática
também pela comunicação e participação
dos bens materiais e espirituais; não por imposição,
mas por amor, para que a abundância de uns remedeie
a necessidade dos outros.
A Igreja se alegra por ver em muitos filhos seus, sobretudo
da classe média mais modesta, a vivência
concreta desta pobreza cristã.
No mundo de hoje, esta pobreza é um desafio ao
materialismo e abre as portas a soluções
alternativas da sociedade de consumo.
1.3. Linhas pastorais Objetivo
A opção preferencial pelos pobres tem como
objetivo o anúncio de Cristo Salvador, que os iluminará
sobre a sua dignidade, os ajudará em seus esforços
de libertação de todas as suas carências
e os levava à comunhão com o Pai e os irmãos,
mediante a vivência da pobreza evangélica.
"Jesus Cristo veio para compartilhar nossa condição
humana com seus sofrimentos, suas dificuldades, sua morte.
Antes de transformar a existência cotidiano, ele
soube falar ao coração dos pobres, libertá-los
do pecado. abrir seus olhos para um horizonte de luz e
enchê-los de alegria e esperança. Hoje, Jesus
Cristo faz o mesmo. Está presente em vossas Igrejas,
em vossas famílias, em vossos corações"
(João Paulo II, Alocução Operários
Monterrey, 8 - AAS LXXI, p. 244).
Esta opção, exigida pela escandalosa realidade
do desequilíbrios econômicos da América
Latina, deve levar a estabelecer uma convivência
humana digna e a construir uma sociedade justa e livre.
A necessária mudança das estruturas sociais,
políticas e econômicas injustas não
será verdadeira e plena se não for acompanhada
pela, mudança de mentalidade pessoal e coletiva
com respeito ao ideal duma vida humana digna e feliz,
que por sua vez dispõe à conversão.
A exigência evangélica da pobreza, como solidariedade
com o pobre e como rejeição da situação
em que vive a maioria do Continente, liberta o pobre de
ser individualista em sua vida e ser atraído e
seduzido pelos falsos ideais duma sociedade de consumo.
Da mesma forma, o testemunho duma Igreja pobre pode evangelizar
os ricos, que têm o coração apegado
às riquezas, convertendo-os e libertando-os desta
escravidão e de seu egoísmo.
Meios
Para viver e anunciar a exigência da pobreza cristã,
a Igreja deve rever suas estruturas e a vida de seus membros,
sobretudo dos agentes de pastoral, com vistas a uma conversão
efetiva.
Esta conversão traz consigo a exigência de
um estilo de vida austero e uma total confiança
no Senhor, já que na sua ação evangelizadora
a Igreja contará mais com o ser e poder de Deus
e de sua graça do que com o "ter mais"
e o poder secular. Assim, apresentará uma imagem
autenticamente pobre, aberta a Deus e ao irmão,
sempre disponível, onde os pobres têm capacidade
real de participação e são reconhecidos
pelo valor que têm.
Ações concretas
Comprometidos com os pobres, condenamos como antievangélica
a pobreza extrema que afeta numerosíssimos setores
em nosso Continente. Envidamos esforços para conhecer
e denunciar os mecanismos geradores dessa pobreza. Reconhecemos
a solidariedade de outras Igrejas, unimos os nossos esforços
aos dos homens de boa vontade para desarraigar a pobreza
e criar um mundo mais justo e fraterno.
Apoiamos as aspirações dos operários
e camponeses que querem ser tratados como homens livres
e responsáveis, chamados a participar nas decisões
que concernem à sua vida e futuro e animamos a
todos em sua própria superação.
Defendemos o seu direito fundamental de "criar livremente
organizações de defesa e promoção
dos seus interesses e para contribuir responsavelmente
para o bem comum" (João Paulo II, Alocução
Operários Monterrey, 3 AAS, LXXI, p. 242) .
As culturas indígenas possuem valores indiscutíveis;
são a riqueza dos povos. Comprometemo-nos a considerá-las
com respeito e simpatia e a promovê-las, sabendo
"quando é importante a cultura como veículo
de transmissão da fé, para que os homens
progridam no conhecimento de Deus. Neste ponto, não
pode haver distinções de raças e
culturas" (João Paulo II. Alocução
Oaxaca, 2 - AAS, LXXI, p. 208).
Com seu amor preferencial, mas não exclusivo, pelos
pobres, a Igreja presente em Medellin foi, como disse
o Santo Padre, um chamado à esperança, rumo
a metas mais cristãs e mais humanas. A III Conferência
Episcopal de Puebla quer manter vivo este chamado e abrir
novos horizontes à esperança.
CAPÍTULO II
OPÇAO PREFERENCIAL PELOS JOVENS
Apresentar aos jovens o Cristo
vivo, como único Salvador, para que, evangelizados,
evangelizem e contribuam, como em resposta de amor a Cristo,
para a libertação integral do homem e da
sociedade, levando uma vida de comunhão e participação.
2.1. Situação da juventude
Características da juventude: a juventude não
é só um grupo de pessoas de idade cronológica.
E também uma atitude frente à vida, numa
etapa não definitiva, mas transitória. Possui
traços muito característicos:
Um inconformismo que a tudo questiona.; um espírito
de aventura que a leva a compromissos e situações
radicais; uma capacidade criadora com respostas novas
para o mundo em transformação, que aspira
a sempre melhorar em sinal de esperança. Sua aspiração
pessoal mais espontânea e forte é a liberdade,
emancipada de qualquer tutela exterior. É sinal
de alegria e felicidade. Muito sensível aos problemas
sociais. Exige autenticidade e simplicidade, rejeitando
com rebeldia uma sociedade invadida por hipocrisias e
contravalores.
Este dinamismo a torna capaz de renovar "as culturas"
que, doutra forma., envelheceriam.
A juventude no corpo social
O papel normal desempenhado pela juventude na sociedade
é dinamizar o corpo social. Quando os adultos não
são autênticos nem abertos para o diálogo
com os jovens, impedem que o dinamismo criador do jovem
faça progredir o corpo social. Ao perceberem que
não são tomados a sério, os jovens
se lançam por diversos caminhos: ou são
perseguidos por diversas ideologias, especialmente as
radicalizadas, já que, sendo sensíveis às
mesmas por seu idealismo natural, nem sempre têm
a suficiente preparação para um claro discernimento,
ou mostram-se indiferentes para com o sistema vigente
ou se acomodam a ele com dificuldade e perdem a capacidade
dinamizadora.
O que mais desorienta o jovem é a ameaça
à sua exigência de autenticidade por parte
do meio adulto, em grande parte incoerente e manipulador
e por parte do conflito de gerações, da
civilização de consumo, duma certa pedagogia
do instinto, da droga, do sexualismo, da tentação
de ateísmo.
Hoje em dia, a juventude é manipulada especialmente
na área política e no emprego do "tempo
livre". Uma parte da juventude tem legítimas
inquietações políticas e consciência
de poder social. Sua falta de formação nesses
campos e a ausência de assessoria equilibrada a
levam a radicalizações ou frustrações.
O jovem ocupa grande parte do seu "tempo livre"
com o esporte e uso dos meios de comunicação
social. Estes são, para alguns, instrumentos de
educação e recreação sadia;
para outros, elementos de alienação.
A família é o corpo social primário
no qual se origina e se educa e juventude. Da sua estabilidade,
tipo de relacionamento com a juventude, vivência
e abertura aos seus valores depende em grande parte o
fracasso ou êxito da realização desta
juventude na sociedade ou na Igreja.
A juventude feminina está passando por uma crise
de identidade, por causa da confusão reinante acerca
da missão da mulher hoje. Os elementos negativos
referentes à libertação feminina
e um certo machismo ainda existente impedem uma sadia
promoção feminina, como parte indispensável
da construção da sociedade.
A juventude da América Latina
A juventude da América Latina não pode ser
considerada em abstrato. Há diversidade de jovens,
caracterizados por sua situação social ou
pelas experiências sócio-políticas
que vivem seus respectivos países.
Se observarmos a situação social, verificamos
que, ao lado daqueles que, por sua condição
econômica, se desenvolvem normalmente, há
muitos jovens indígenas, camponeses, mineiros,
pescadores e operários que, por sua pobreza, se
vêem obrigados a trabalhar como adultos. Ao lado
de jovens que vivem folgadamente, há estudantes,
sobretudo de subúrbios, que já vivem na
insegurança dum futuro emprego ou não encontram
seu caminho por falta de orientação vocacional.
Por outro lado, é indubitável haver jovens
que se sentiram frustrados pela falta de autenticidade
de alguns líderes seus ou se sentiram enfastiados
por uma civilização de consumo. Outros,
pelo contrário, em resposta às múltiplas
formas de egoísmo, desejam construir um mundo de
paz, justiça e amor. Finalmente, comprovamos que
não poucos descobriram a alegria da entrega a Cristo,
não obstante as variadas e rudes exigências
de sua cruz.
Os jovens e a Igreja
A Igreja vê na juventude uma enorme força
renovadora, símbolo da própria Igreja. E
a Igreja faz isto não por tática mas por
vocação, já que é "chamada
à constante renovação de si mesma,
isto é, a um incessante rejuvenescimento"
(João Paulo II Alocução Juventude,
2 - AAS, LXXI, p. 218) . O serviço prestado com
humildade à juventude deve fazer com que mude na
Igreja qualquer atitude de desconfiança ou incoerência
para com os jovens.
Atualmente, contudo, os jovens consideram a Igreja de
diversas maneiras: uns a amam espontaneamente como ela
é, sacramento de Cristo; outros a questionam para
que seja autêntica; e não faltam os que procuram
um Cristo vivo separado do seu corpo que é a Igreja.
Há uma massa indiferente, passivamente acomodada
à civilização de consumo ou outros
sucedâneos, desinteressada da exigência evangélica.
Existem jovens socialmente muito inquietos, mas reprimidos
pelos sistemas de governo; estes buscam a Igreja como
espaço de liberdade para poderem expressar-se sem
manipulações e protestar social e politicamente.
Alguns, pelo contrário, pretendem utilizá-1a
como instrumento de contestação. Finalmente,
uma minoria muito ativa, influenciada por seu ambiente
ou por ideologias materialistas e atéias, nega
e combate o Evangelho.
Os jovens desejosos de se realizar na Igreja podem ' ficar
frustrados por não encontrarem uma boa planificação
e programação pastoral que corresponda à
realidade histórica em que vivem. Igualmente sentem
a falta de assessores preparados, embora em não
poucos grupos e movimentos juvenis existam assessores
competentes e abnegados.
2 - 2 . Critérios pastorais
Queremos dar uma resposta à situação
da juventude, graças aos três critérios
de verdade propostos por S. S. Joâo Paulo II: verdade
sobre Jesus Cristo, verdade sobre a missão da Igreja
e verdade sobre o homem.
Embora não se dê conta disso, a juventude
vai ao encontro de um Messias, Cristo, o qual caminha
em direção dos jovens. Somente ele torna
o jovem verdadeiramente livre. Este é o Cristo
que deve ser apresentado aos jovens como libertador integral
que, pelo espírito doa bem-aventuranças,
oferece a todo jovem a inserção num processo
de constante conversão; compreende suas fraquezas
e oferece-lhe um encontro muito pessoal com
Ele e com a comunidade, nos sacramentos da reconciliação
e da Eucaristia. O jovem deve experimentar Cristo como
amigo pessoal que nunca falha, caminho de total realização.
Com ele e pela lei do amor, o jovem caminha em direção
do Pai comum e dos irmãos. Cem isto, sente-se verdadeiramente
feliz.
O jovem na Igreja
4 Os jovens devem sentir que são Igreja, experimentando-a
como lugar de comunhão e participação.
Por isso, a Igreja aceita suas críticas, por reconhecer-se
limitada em seus membros, e os quer gradualmente responsáveis
na sua construção até que os envie
como testemunhas e missionários, especialmente
à grande massa juvenil. Nela, os jovens sentem-se
povo novo, o povo das bem-aventuranças, sem outra
segurança que a de Cristo; um povo dotado de coração
de pobre, contemplativo, em atitude de escutar e discernir
evangelicamente, construtor de paz, portador de alegria
e de um projeto libertador integral em favor, sobretudo,
de seus irmãos jovens. A Virgem Mãe bondosa,
indefectível na fé, educa o jovem para ser
Igreja.
Assumindo as atitudes de Cristo, o jovem promove e defende
a dignidade da pessoa humana. Em virtude do batismo, é
filho do único Pai, irmão de todos os homens
e contribui para a edificação da Igreja.
Sente-se cada vez mais "cidadão universal"
instrumento na construção da comunidade
latino-americana e universal.
2.3. Opções pastorais Opção
preferencial
A Igreja confia nos jovens. Eles são a sua esperança.
A Igreja vê na juventude da América Latina
um verdadeiro potencial e o futuro de sua evangelização.
Por ser verdadeira dinamizadora do corpo social e especialmente
do corpo eclesial, com vistas à sua missão
evangelizadora no Continente.
Por isso queremos oferecer uma linha pastoral global:
desenvolver, de acordo com a pastoral diferencial e orgânica,
uma pastoral de juventude que leve em conta a realidade
social dos jovens de nosso continente; atenda ao aprofundamento
e crescimento da fé para a comunhão com
Deus e os homens; oriente a opção vocacional
dos jovens; lhes ofereça elementos para se converterem
em fatores de transformação e lhes proporcione
cais eficazes para a participação ativa
na Igreja e na transformação da sociedade.
Aplicações concretas
Comunhão e compromisso
A Igreja evangelizadora faz um veemente apelo para que
os jovens nela busquem o lugar de sua comunhão
com Deus e os homens a fim de construir "a civilização
do amor" e edificar a paz na justiça. Convida-os
a que se comprometam eficazmente numa ação
evangelizadora que não exclua ninguém, de
acordo com a situação em que vivem, e tendo
predileção pelos mais pobres.
A integração na Igreja será canalizada
através de movimentos juvenis ou comunidades que
devem estar integradas na pastoral de conjunto diocesana
ou nacional, com projeções para uma integração
latino-americana. Esta integração far-se-á
especialmente por meio da:
* pastoral familiar;
* pastoral da Igreja diocesana e paroquial em seus diversos
aspectos de catequese, educação, vocações,
etc.;
* inter-relacionamento dos diversos movimentos de juventude
ou comunidades, considerando-lhes a situação
concreta: estudantes secundários, universitários,
operários, camponeses, que tem condicionamentos
próprios e exigências diferentes em face
do processo evangelizador e que, por isso, pedem uma pastoral
específica.
Esta pastoral de movimentos e comunidades deve levar em
conta os jovens numa inter-relação fecunda,
já que os grupos devem ser fermento no conjunto
e propiciar uma evangelização total. Providencie-se
um acolhimento e atenção aos jovens que,
por diversos motivos, devem emigrar, temporária
ou definitivamente, e que são vítimas da
solidão, da falta de ambientação,
da marginalização, etc.
Formação e participação
A inserção na Igreja e a tarefa de compromisso
efetivo na edificação de nova civilização
do amor e da paz é muito exigente e requer profunda
formação e participação responsável.
Por este motivo: A pastoral de juventude na linha da evangelização
deve ser um verdadeiro processo de educação
na fé, que leva à própria conversão
e a um compromisso evangelizador.
O fundamento desta educação deve ser a apresentação
ao jovem de Cristo vivo, Deus e homem, modelo de autenticidade,
simplicidade e fraternidade; único que salva, libertando
de todo pecado e de suas conseqüências e que
compromete para a libertação ativa dos irmãos
por meios não violentos. A pastoral da juventude
empenhar-se-á em que o jovem cresça numa
espiritualidade autêntica e apostólica, fundada
no espírito de oração e no conhecimento
da Palavra de Deus e no amor filial a Maria Santíssima
que, unindo-o a Cristo, o torne solidário com seus
irmãos.
A pastoral da juventude deve ajudar também a formar
os jovens de maneira gradual para a ação
sócio-política e para as mudanças
de estruturas, de menos humanas em mais humanas, segundo
a Dou trina Social da Igreja.
Formar-se-á no jovem um sentido crítico
frente aos meios de comunicação social e
aos contravalores culturais que as diversas ideologias
tentam transmitir-lhe, especialmente a liberal capitalista
e a marxista, para que não seja por elas manipulado.
Usar-se-á uma linguagem simples e adaptada a uma
pedagogia que tenha presente as diferenças psicológicas
do homem e da mulher e se caracterize pela mútua
confiança e respeito recíproco; numa conversão
ao meio em que vive e atua, para centrar assim sua missão
dinâmica evangelizadora. Estimule-se a capacidade
criadora dos jovens, para que eles mesmos imaginem e descubram
os meios mais diversos e aptos para tornar presente, de
forma construtiva, a missão que exercem na sociedade
e na Igreja. Para isso, lhes sejam facilitados os meios
e áreas onde ponham em prática o seu compromisso.
Recomenda-se a presença missionária dos
jovens em lugares especialmente necessitados. Procure-se
dar aos jovens uma boa orientação espiritual
a fim de que possam amadurecer a sua opção
vocacional, quer leiga, quer religiosa ou sacerdotal.
Recomenda-se dar a maior importância a todos os
meios que favoreçam a evangelização
e o crescimento na fé: retiros, jornadas, encontros,
cursilhos, convivências, etc.
Como tempo forte para o amadurecimento na fé que
leva necessariamente a um compromisso apostólico
- deve-se destacar a celebração consciente
e ativa do sacramento da confirmação, precedida
duma esmerada catequese e sempre de acordo com as diretrizes
da Santa Sé e das Conferências Episcopais.
Deve-se procurar formar com prioridade animadores juvenis
qualificados (sacerdotes, religiosos ou leigos) que sejam
guias e amigos da juventude, conservando sua própria
identidade e prestando este serviço com madureza
humana e cristã.
A juventude não se pode considerar em abstrato,
nem é um grupo isolado no corpo social. Por isso,
ela requer uma pastoral articulada que permita uma comunicação
efetiva entre os diversos períodos da juventude
e uma continuidade de formação e compromisso
depois, na idade adulta.
Seja a pastoral juvenil uma pastoral da alegria e da esperança,
que transmita a mensagem alegre da salvação
a um mundo muitas vezes triste, oprimido e desesperançado,
em busca da sua libertação.
CAPÍTULO III
AÇAO DA IGREJA JUNTO
AOS CONSTRUTORES DA SOCIEDADE PLURALISTA NA AMERICA LATINA
A Igreja colabora por meio do anúncio da Boa Nova
e mediante uma radical conversão à justiça
e ao amor, para transformar, a partir do seu íntimo,
as estruturas da sociedade pluralista, para que respeitem
e promovam a dignidade da pessoa humana e lhe ensejem
a possibilidade de realizar a sua vocação
suprema de comunhão com Deus e dos homens entre
si (Cf. EN 18, 19, 20) .
3.1. Situação
Limitamo-nos a enfocar alguns aspectos que mais diretamente
desafiam nossa ação pastoral, fazendo assim
uma como síntese de questões tratadas em
diversos lugares.
Desde Medellin, percebem-se sobretudo duas tendências
evidentes:
a) Por um lado, a tendência à modernização,
com forte crescimento econômico, urbanização
crescente do Continente, tecnificação das
estruturas econômicas, políticas, militares,
etc . . .
b) Por outro, a tendência à pauperização
e crescente exclusão das grandes maiorias latino-americanas
da vida produtiva. Por isso, o povo pobre da América
Latina anseia por uma sociedade de maior igualdade, justiça
e participação em todos os níveis.
Essas tendências contraditórias favorecem
a apropriação, por uma minoria privilegiada,
de grande parte da riqueza, assim como dos benefícios
criados pela ciência e cultura; por outro lado,
geram a pobreza duma grande maioria com a consciência
de sua exclusão e do bloqueio de suas crescentes
aspirações de justiça e participação.
Não obstante, verificamos que as classes médias
estão aumentando em muitos países da América
Latina.
Deste modo, surge um conflito estrutural grave: "A
crescente riqueza de alguns poucos corre paralela com
a crescente miséria das massas" (João
Paulo II, Discurso Inaugural, III, 4. AAS LXXI, p. 200).
3.2. Critérios Doutrinais
Vivemos numa sociedade pluralista, na qual se encontram
diversas religiões, concepções filosóficas,
ideologias, sistemas de valores que, encarnando-se em
diferentes movimentos históricos, propõem-se
construir a sociedade do futuro, rejeitando a tutela de
qualquer instância inquestionável. Sabemos
que a Igreja, ao trazer uma valiosa colaboração
para a construção da sociedade, não
se atribui competência para propor modelos alternativos.
Por isso, adotamos os critérios doutrinais seguintes:
a) Não reivindicamos privilégio algum para
a Igreja; respeitamos os direitos de todos e a sinceridade
de todas as convicções, com pleno respeito
para a autonomia das realidades terrestres.
b) Contudo, exigimos para a Igreja o direito de dar testemunho
de sua mensagem e de usar sua palavra profética
de anúncio e denúncia em sentido evangélico,
na correção das falsas imagens da sociedade,
incompatíveis com a visão cristã.
c) Defendemos os direitos dos organismos intermediários,
dentro do princípio de subsidiariedade, inclusive
dos criados pela própria Igreja, em colaboração
com tudo o que se refere ao bem comum.
Pastorais
Advogamos:
a) A superação da distinção
entre pastoral de elites e pastoral popular. A pastoral
é uma só.
Penetra em "quadros" ou "elites" evangelizadoras;
afeta todos os âmbitos da vida social; dinamiza
a vida da sociedade e, ao mesmo tempo, põe-se a
seu serviço.
b) A responsabilidade específica dos leigos na
construção da sociedade temporal, conforme
inculca a Evangelii Nuntiandi.
c) A preocupação preferencial em defender
e promover os direitos dos pobres, marginalizados e oprimidos.
d) A preocupação preferencial pelos jovens,
da parte da Igreja, que neles vê uma força
transformadora da sociedade.
e) A responsabilidade insubstituível da mulher,
cuja colaboração é indispensável
para a humanização dos processos transformadores,
como garantia de que o amor é uma dimensão
da vida e da mudança e porque sua perspectiva é
insubstituível para a representação
cabal das necessidades e esperanças do povo.
3.2. Opções e linhas de ação
Princípios gerais de ação pastoral
Sabemos que o povo, em sua dimensão total e em
sua forma particular, mediante suas organizações
próprias, constrói a sociedade pluralista.
Diante deste desafio, temos consciência de que a
missão da Igreja não se reduz a exortar
os diversos grupos sociais e categorias profissionais
à construção duma sociedade nova,
para o povo e com o povo, nem se trata tão-somente
de estimular cada um dos grupos e categorias a darem,
com honestidade e competência, sua contribuição
específica, mas a serem outrossim agentes duma
conscientização geral de responsabilidade
comum perante um desafio que exige a participação
de todos.
Temos consciência de que a transformação
das estruturas é uma expressão externa da
conversão interior. Sabemos que esta conversão
começa por nós mesmos. Sem o testemunho
duma Igreja convertida, vãs seriam nossas palavras
de pastores. Na Igreja, como unidade dinamizadora e em
vista duma eficácia permanente de sua ação,
assumimos a necessidade duma pastoral orgânica que
compreenda, entre outras coisas: princípios orientadores,
objetivos, opções, estratégias, iniciativas
práticas, etc.
Linhas de ação pastoral
Princípios orientadores
A defesa e promoção da inalienável
dignidade da pessoa humana.
O destino universal dos bens criados por Deus e produzidos
pelos homens, que não podem esquecer que "uma
hipoteca social pesa sobre toda propriedade privada"
(João Paulo II, Discurso Inaugural III, 4. AAS
LXXI, p. 200). ; - O recurso às fontes da força
divina: a oração assídua, a meditação
da palavra de Deus, que sempre questiona, e a participação
eucarística dos construtores da sociedade que,
com suas responsabilidades, acham-se rodeados de tentações
que os inclinam a encerrar-se no âmbito das realidades
terrenas sem abertura para as exigências do Evangelho.
A comunidade cristã conduzida pelo bispo estabelecerá
a ponte de contato e diálogo com os construtores
da sociedade temporal, a fim de iluminá-los com
a visão cristã, estimulá-los com
gestos significativos e acompanhá-los com atuações
eficazes.
Neste contato e diálogo deve circular, numa atitude
de escuta sincera e acolhedora, a problemática
trazida por eles do seu próprio ambiente temporal.
Assim poderemos descobrir os critérios, normas
e caminhos por onde aprofundar e atualizar a doutrina
social da Igreja, no sentido da elaboração
duma ética capaz de formular as respostas cristãs
aos grandes problemas da cultura contemporânea.
Exortamos a todos a lutarem contra a corrupção
econômica em seus diversos níveis, tanto
na administração pública como nos
negócios particulares, pois com ela causa-se grave
prejuízo à grande maioria.
- Este diálogo requer iniciativas que permitam
o encontro e relacionamento estreito com todos os que
colaboram na construção da sociedade, de
tal sorte que eles descubram a sua complementariedade
e convergência. Pela mesma razão, nesta ação,
deve-se trabalhar prioritariamente com aqueles que detêm
poder decisório. Isto não exclui o reconhecimento
do valor construtivo de tensões sociais que, dentro
das exigências da justiça, contribuem para
garantir a liberdade de direitos, especialmente dos mais
fracos.
Objetivos, opções e estratégias
- Formar nos diversos setores pastorais pessoas capazes
de exercer nos mesmos liderança como fermento evangelizador.
- Elaborar, com pessoas de cada setor, normas de conduta
cristã que sejam objeto de reflexão e aplicação
e que se submetam a permanente revisão.
- Promover encontros, que reúnem pessoas de setores
pastorais diversos, para confrontar suas experiências
e em vista da convergência de sua ação.
- Estimular a elaboração de alternativas
viáveis para a ação evangelizadora,
tendentes à renovação crista das
estruturas sociais.
- Promover a formação de sacerdotes e diáconos
especializados, e os novos ministérios confiados
aos leigos, que se adaptem às necessidades pastorais
de cada setor.
- Desenvolver movimentos especializados que reúnem
os elementos disponíveis para a evangelização
do próprio ambiente.
- Saber valorizar os meios pobres, humildes, populares,
inclusive artesanais, para comunicar a mensagem.
- Preservar os recursos naturais criados por Deus para
todos os homens, a fim de transmiti-tos como herança
às gerações vindouras.
Iniciativas práticas
A Igreja leva sua palavra com simpatia e sem prevenção
àqueles que ela sabe que a esperam e precisam de
sua orientação ou estímulo. Aos que
elaboram, difundem e realizam idéias, valores e
decisões:
Aos políticos e homens de governo, lembramos as
palavras do Concílio Vaticano II: "Só
Deus é a fonte da vossa autoridade e o fundamento
das vossas leis" (Vaticano II, Mensagem à
Humanidade, nº 2, aos governantes) por mediação
do povo. Afirmamos a nobreza e dignidade do compromisso
com uma atividade orientada para a consolidação
da concórdia interna e segurança externa,
estimulando a ação sensível e inteligente
do político para melhor conduzir o Estado, para
conseguir o bem comum e para conciliar eficazmente a liberdade,
a justiça e a igualdade, numa genuína sociedade
participada. "A comunidade política e a Igreja
são independentes e autônomas, cada qual
em seu próprio terreno. Todavia ambas, embora por
títulos diferentes, acham-se a serviço da
vocação pessoal e social do homem. Este
serviço, ambas o realizarão com tanto maior
eficácia, para o bem de todos, quanto melhor cultivarem
uma sadia cooperação entre si, levando em
conta as circunstâncias de tempo e lugar" (GS
76).
Ao mundo intelectual e universitário, para que
atue com liberdade espiritual, cumpra com autenticidade
sua função criativa, se disponha para a
educação política - diferente da
mera politização - e satisfaça a
lógica interior da reflexão e o rigor científico,
já que deste mundo se esperam projetos e linhas
teóricas sólidas para a construção
da nossa sociedade (Cf. Vet. II, Mensagem à Humanidade:
Aos Homens do pensamento e da ciência).
Aos cientistas, técnicos e forjadores da sociedade
tecnológica, para que incentivem o espírito
científico com amor à verdade, a fim de
investigar os enigmas do universo e dominar a terra; para
que evitem os efeitos negativos duma sociedade hedonista
e a tentação tecnocrática e apliquem
a força da tecnologia à criação
de bens e à invenção de meios destinados
a resgatar o homem do subdesenvolvimento. Deles se esperam
notadamente estudos e investigações tendentes
à síntese entre á ciência e
a fé. Exortamos a todos os pensadores conscientes
do valor da sabedoria - cuja fonte primeira e última
é o Logos - e preocupados com a criação
do novo humanismo, a que atentem à grande afirmação
da Gaudium et Spes: "O destino futuro do mundo corre
perigo, se não se formarem homens mais instruídos
nesta sabedoria" (15,c) . Para isso, é preciso
um grande esforço de diálogo interdisciplinar
da teologia, filosofia e ciências, à procura
de novas sínteses.
Aos responsáveis pelos meios de comunicação,
para que elaborem e respeitem um código de ética
da informação e comunicação,
para que tomem consciência de que a neutralidade
instrumental das meios os torna disponíveis para
a bem ou para o mal; para que sirvam à verdade,
objetividade, educação e conhecimento suficiente
da, realidade.
Aos criadores em arte, para que se esmerem em intuir os
rumos do homem, pressintam e interpretem suas crises,
ampliem a dimensão estética da vida humana
e contribuam para a personalização do homem
concreto.
Aos juristas, segundo o seu saber especial, para que reivindiquem
o valor da lei na relação entre governantes
e governados e para a justa disciplina da sociedade. Aos
juízes, para que não comprometam sua independência,
julguem com eqüidade e inteligência e sirvam,
através de suas sentenças, para a educação
de governantes e governados no cumprimento das obrigações
e conhecimento de seus direitos.
Aos operários: no mundo que se urbaniza e se industrializa,
cresce o papel dos operários como principais artífices
das prodigiosas transformações que o mundo
hoje experimenta" (Vat. II Mensagem aos Trabalhadores,
6). Para isto, devem empenhar sua experiência na
busca de novas idéias; renovar-se a si mesmos e
contribuir de maneira ainda mais decidida para construir
a América Latina do porvir. Não esqueçam
o que o Papa lhes disse no mesmo discurso: é direito
dos operários "criar livremente organizações
para defender, promover seus interesses, para contribuir
responsavelmente para o bem comum" (João Paulo
II, Alocução Operários Monterrey
3-AAS LXXI, p. 241).
Aos camponeses: vós sais uma força dinamizadora
na, construção duma sociedade mais participada.
Advogando por vós, o Santo Padre dirigiu estas
palavras aos setores de poder: "Dá vossa parte,
responsáveis pelos povos, classes poderosas que
mantendes por vezes improdutivas as terras que escondem
o pão que falta a tantas famílias: a consciência
humana, a consciência dos povos, o clamor do desvalido
e, sobretudo, a voz de Deus, a voz da Igreja vos repete
comigo: não é justo, não é
humano, não é cristão continuar com
certas situações claramente injustas. Devem-se
pôr em prática medidas concretas, eficazes,
em nível local, nacional .e internacional, na vasta
linha traçada pela Encíclica Mater et Magistra...
Irmãos e filhos muitos amados: trabalhai por vossa
elevação humana" (João Paulo
II, Alocução Oaxaca. - AAS LXXI, p. 210).
A sociedade econômica, para que os economistas contribuam
com um pensamento criativo a dar respostas rápidas
às exigências fundamentais do homem e da
sociedade. Para que os empresários, tendo presente
a função social da empresa, atuem concebendo-a
não só como fator de produção
e lucro, mas como comunidade de pessoas e como elemento
duma sociedade pluralista, unicamente viável quando
não há concentração excessiva
do poder econômico.
Aos militares: lembramo-lhes com Medellin que "sua
missão é dar garantia às liberdades
políticas dos cidadãos, em vez de pôr-lhes
obstáculos" (Pastoral de Elites, 20). Tenham
eles consciência de sua missão: garantir
a paz e a segurança de todos. Jamais abusem da
força. Sejam antes defensores da força do
direito. Propiciem outrossim uma convivência livre,
participativa e pluralista.
Aos funcionários, para que assumam sua atividade
como um serviço, porque a dignidade da função
e da vida pública reside no fato de que o seu destinatário
natural é a sociedade e, sobretudo, os que menos
possuem e mais dependem do bom funcionamento do serviço
público.
A todos, por fim, que contribuam para o funcionamento
normal da sociedade: profissionais liberais, comerciantes,
para que assumam sua missão em espírito
de serviço ao povo, que deles espera a defesa de
sua vida, de seus direitos e a. promoçâo
do seu bem-estar.
3.4. Conclusão
Na conjuntura atual da América Latina, as mudanças
poderão ser rápidas e profundas em benefício
de todos, especialmente dos pobres, por serem estes os
mais afetados, e dos jovens que, em breve, assumirão
os destinos do Continente. Para tanto, propomos a mobilização
de todos os homens de boa vontade. Que eles se unam, com
novas esperanças, para essa tarefa imensa. Queremos
escutá-los com viva sensibilidade; unir-nos a eles
em sua ação construtiva.
Com nossos irmãos que professam a mesma fé
em Cristo, embora não pertençam à
Igreja Católica, esperamos unir esforços,
preparando constantes e progressivas convergências
que apressem a chegada do Reino de Deus.
Aos filhos da Igreja que se empenham em postos de vanguarda,
queremos transmitir-lhes nossa confiança em sua,
ação, fazendo deles nossos mensageiros de
novas esperanças. Sabemos que, no Evangelho, na
oração e na Eucaristia, procurarão
encontrar a fonte de constantes revisões de vida
e a força de Deus para sua ação transformadora.
CAPÍTULO IV
AÇAO DA IGREJA EM FAVOR DA PESSOA NA SOCIEDADE
NACIONAL È INTERNACIONAL
4.1. Introdução
João Paulo II lembrou-nos que a dignidade humana
é um valor evangélico e o Sínodo
de 1974 nos ensinou que a promoção da justiça
é parte integrante da evangelização.
Essa dignidade e esta promoção da justiça
devem verificar-se tanto na ordem nacional como na internacional.
Ao ocupar-nos da realidade da ordem nacional e internacional,
fazemo-1o numa atitude de serviço, como pastores,
e não de um ponto de vista econômico, político
ou meramente sociológico. Esforçamo-nos
para que haja entre os homens maior comunhão e
participação nos bens de toda ordem que
Deus nos outorgou.
Por isso, queremos encarar a situação da
dignidade da pessoa humana e da promoção
da justiça em nossa realidade latino-americana,
refletindo sobre a mesma à luz de nossa fé
e dos princípios fundados na 'própria natureza
humana, para encontrar critérios e serviços
que nortearão nossa ação pastoral,
hoje e no futuro próximo.
4.2. Situação Em nível nacional
Recordamos alguns pontos que já foram considerados
em outras partes deste documento:
O homem latino-americano sobrevive numa situação
social que contradiz sua condição de habitante
dum Continente majoritariamente cristão: são
evidentes as contradições existentes entre
estruturas sociais injustas e as exigências do Evangelho.
Muitas são as causas desta situação
de injustiça, mas à raiz de todas elas encontra-se
o pecado, tanto em seu aspecto pessoal como nas próprias
estruturas.
Verificamos com profundo pesar que se agravou a situação
violenta que se pode chamar institucionalizada (subversiva
e repressiva), na qual a dignidade humana é violada
até em seus direitos mais fundamentais.
Precisamos assinalar de maneira especial que, depois dos
anos cinqüenta, e não obstante as realizações
obtidas, têm fracassada as amplas esperanças
do desenvolvimento e aumentado a marginalização
de grande parte da sociedade e a exploração
dos pobres.
A falta de realização da pessoa humana em
seus direitos fundamentais tem início antes mesmo
do nascimento do homem, pelo incentivo de evitar a concepção
e também de interrompê-1a por meio do aborto;
prossegue com a desnutrição infantil, o
abandono prematuro, a carência de assistência
médica., de educação e moradia, que
propiciam uma desordem constante, na qual não se
pode estranhar a proliferação da criminalidade,
da prostituição, do alcoolismo e da toxicomania.
Neste contexto, impedido o acesso aos bens e serviços
sociais e às decisões políticas,
agravam-se os atentados à liberdade de opinião,
à liberdade religiosa. à integridade física.
Assassinatos, desaparecimentos, prisões arbitrárias,
atos de terrorismo, seqüestras, torturas disseminadas
por todo . o Continente, demonstram uma total falta de
respeito pela dignidade da pessoa humana. Por vezes até
pretende-se justificar alguns desses atentados como exigências
da segurança nacional. Ninguém pode negar
a concentração da propriedade empresarial,
rural. e urbana em mãos de poucos, o que torna
imperioso reivindicar verdadeiras reformas agrárias
e urbanas; de igual forma, a concentração
do poder pelas tecnocracias civis e militares, que frustram
as exigências de participação e garantias
dum Estado democrático.
Em nível internacional
O homem latino-americano encontra uma sociedade cada vez
mais desequilibrada na sua convivência. Há
"mecanismos que, por estarem impregnados, não
dum autêntico humanismo, mas de materialismo, produzem
em nível internacional ricos cada vez mais ricos,
à custo de pobres cada vez mais pobres" (João
Paulo II, Discurso Inaugural, III, 4). Tais mecanismos
se manifestam numa sociedade muitas vezes programada à
luz do egoísmo, nas manipulações
da opinião pública, em expropriações
invisíveis e em novas formas de domínio
supranacional, pois crescem as distâncias entre
as nações ricas e pobres. Acrescente-se,
além disso, que em muitos casos e poderio de empresas
multinacionais se sobrepõe ao exercício
da. soberania das nações e ao pleno domínio
de seus recursos naturais.
Como conseqüência dos novos manejos e da exploração
causada pelo sistema de organização da economia
e da política internacional, o subdesenvolvimento
do hemisfério pode agravar-se e até tornar-se
permanente. Devido a isso, vemos o ideal da integração
latino-americana ameaçado, fato lamentável,
motivado em grande parte pelas ambições
econômicas nacionalistas, pela paralisação
dos grandes planos de cooperação e por novos
conflitos internacionais.
O desequilíbrio sócio-político, em
nível nacional e internacional, está criando
um grande número de desenraizados, tais como os
emigrantes, número este que pode crescer de forma
imprevisível em futuro próximo. A esses
devem acrescentar-se os desenraizados políticos,
como os asilados, refugiados, desterrados e também
toda a gama de pessoas desprovidas de documentos .Em situação
de total abandono encontram-se os anciãos, os inválidos,
os nômades e as grandes massas de camponeses e indígenas
"quase sempre abandonados num nível de vida
ignóbil e, por vezes, duramente ludibriados e explorados"
(Paulo VI, Discurso Camponeses, Bogotá 23.8. 1968).
Finalmente, não se torna estranho neste complexo
problema social o aumento dos gastos com armamentos, como
tampouco a criação artificial de necessidades
supérfluas, impostas de fora aos países
pobres.
4.3. Critérios
Na sociedade nacional
A realização da pessoa consegue-se graças
ao exercício de seus direitos fundamentais, eficazmente
reconhecidos, tutelados e promovidos. Por isso a Igreja,
perita em humanidade, deve ser a voz daqueles que não
têm voz (da pessoa, da comunidade perante a sociedade,
das nações fracas perante as poderosas)
cabendo-lhe uma ação de docência,
denúncia e serviço em prol da comunhão
e da participação.
Em face da situação de pecado, surge por
parte da Igreja o dever de denúncia, que deve ser
objetiva, denodada e evangélica; que não
intenta condenar, mas sim salvar o culpado e a vítima.
Tal denúncia, feita após entendimento prévio
entre os pastores, requer a solidariedade interna da Igreja
e o exercício da colegialidade.
A declaração dos direitos fundamentais da
pessoa humana, hoje e no futuro, é e será
parte indispensável de sua missão evangelizadora.
A Igreja proclama, entre outros, a exigência de
realização dos seguintes direitos:
Direitos individuais: direito à vida (a nascer,
á procriação responsável),
à integridade física e psíquica,
à proteção legal, à liberdade
religiosa, à liberdade de opinião, à
participação nos bens e serviços,
a construir o próprio destino, ao acesso à
propriedade e "outras formas de domínio privado
sobre os bens exteriores" (GS 71).
Direitos sociais: direito à educação,
à associação, ao trabalho, à
moradia, à saúde, ao lazer, ao desenvolvimento,
ao bom governo, à liberdade e justiça social,
à participação nas decisões
que concernem ao povo e às nações.
- convoca a comunidade humana para que se revejam e orientem
as instituições internacionais e se criem
formas de proteção que, baseadas na justiça,
garantam a promoçâo autenticamente humana
da crescente multidão de desamparados.
Recomenda-se a colaboração entre as Conferências
Episcopais, para o estudo de problemas pastorais, especialmente
dos que respeitam à justiça e que ultrapassam
o nível nacional.
Em especial, compete à ação da Igreja
com relação aos anônimos sociais,
o dever de acolhê-los e assisti-tos, de restaurar
sua dignidade e sua fisionomia humana, "porque quando
um homem é ferido em sua dignidade, toda a Igreja
sofre" (Paulo VI, janeiro de 1977).
A Igreja deve empenhar-se para que este grupo flutuante
da humanidade se reintegre socialmente, sem perder os
próprios valores; deve velar pela restauração
plena de seus direitos; colaborar para que aqueles que
não existem legalmente adquiram a necessária
documentação, a fim de que todos tenham
acesso ao desenvolvimento integral, que a sua dignidade
de homens e filhos de Deus merece. Com isto ela cooperará
para assegurar ao homem uma existência digna, que
o capacite para realizar-se no interior da família
e da sociedade. Também necessária é
a ação da Igreja para que os desenraizados
e marginalizados do nosso tempo não se constituam
permanentemente em cidadãos de segunda categoria,
já que eles são sujeitos de direitos, com
legítimas aspirações sociais, e têm
direito a uma atenção pastoral adequada,
conforme os documentos pontifícios e as orientações
propostas nas reuniões latino-americanas sobre
pastoral de migrações.
A Igreja faz um apelo urgente à consciência
dos povos e também às organizações
humanitárias para que:
- se fortaleça e generalize o direito de asilo,
instituição genuinamente latino-americana
(tratado do Rio de Janeiro, 1942), forma atual daquela
proteção que a Igreja anteriormente oferecia;
- os países ampliem suas quotas de recepção
de refugiados e emigrantes e se agilize a implementação
dos acordos e mecanismos de integração competentes
nessas ações;
- se ataque pela raiz o problema ocupacional, com políticas
específicas de posse da terra, de produção
e comercialização, que cubram as urgentes
necessidades da população e fixem o trabalhador
em seu meio;
- se incentive a cooperação fraterna das
nações por ocasião de catástrofes;
- se possibilite a anistia como sinal de reconciliação,
para se conseguir a paz, de acordo com o convite de Paulo
VI na proclamação do Ano Santo de 1975;
- se criem centros de defesa da pessoa humana, que trabalhem
com o objetiva de "que se derrubem as barreiras de
exploração criadas, não raro, por
egoísmos intoleráveis, contra os quais se
destroçam seus melhores esforços de promoção"
(João Paulo II, Alocução Oaxaca,
5) .
A todas as pessoas aflitas e aos que sofrem por causa
da violação de seus direitos, fazemos chegar
nossa palavra de compreensão e ânimo. Exortamos
os responsáveis pelo bem comum e que ponham todo
o seu empenho, com vontade resoluta, para remediar as
causas que geram essas situações, e criem
as condições necessárias para uma
convivência autenticamente humana.
QUINTA PARTE
SOB O DINAMISMO DO ESPÍRITO:
OPÇÕES PASTOR,AIS
O Espírito de Jesus
Ressuscitado habita na sua Igreja. Ele é o Senhor
e doador da vida. É a força, de Deus que
impele para a plenitude a sua Igreja; é o Amor,
criador de comunhão e de riquezas. É o Testemunho
de Jesus que nos envia, como missionários com a
Igreja, a dar testemunho dele entre os homens.
Desejamos ser dóceis a essa força e a esse
amor. Por isso, impelidos por ele, buscamos a comunhão,
pretendemos ser servidores do homem, enviados ao mundo
para transformá-1o com os dons de Deus.
Refletindo nos nossos planejamentos pastorais, desejamos
possuir a criatividade do Espírito, o seu dinamismo
para transformar o homem latino-americano num homem novo,
a imagem de Cristo Ressuscitado, portador da nova esperança
para seus irmãos.
OPÇÕES PASTORAIS
O exame dos aspectos anteriores colocou-nos diante dos
grandes desafios que o Continente latino-americano apresenta
para a sua evangelização presente e futura.
Que tipo de resposta nós cristãos somos
chamados a dar a essa realidade? Quais são as linhas
e critérios que devem orientar uma verdadeira e
autêntica evangelização da América
Latina? Quais as opções pastorais básicas
para que o Evangelho se torne um acontecimento atual com
toda a sua vitalidade e força original?
As opções pastorais são o processo
de escolha que permite selecionar e descobrir a resposta
pastoral aos desafios da evangelização,
através da ponderação e análise
das realidades positivas e negativas, vistas à
luz do Evangelho.
As comissões, em seus respectivos temas, deram
já uma resposta. Não é necessário
repetí-la. Nesta última parte, como conclusão,
desejamos apenas apresentar as grandes linhas ou opções-chaves.
É sobretudo um espírito, uma característica
que deve marcar a evangelização em nosso
Continente radicalmente cristão, mas no qual a
fé, como vivência total e norma de vida,
não tem a incidência que seria de desejar
na conduta pessoal e social de muitos cristãos.
As formas de injustiça que enfraquecem e violentam
nossa convivência social e que se manifestam especialmente
na pobreza extrema, na violação da dignidade
da pessoa e dos direitos humanos, deixam claro que a fé
ainda não atingiu entre nós a sua plena
maturidade. As próprias culturas vivas no Continente
e a nova civilização que se vai formando
sob a influência do mundo técnico-científico,
de tendência marcadamente secularista, exigem dos
cristãos um compromisso mais evangélico
e uma atitude de permanente diálogo.
Por esta razão, hoje e amanhã na América
Latina, os cristãos, como Povo de Deus, enviados
para sermos sementes de unidade, de esperança e
de salvação, precisamos formar uma comunidade
que viva a comunhão da Trindade e seja sinal de
presença de Cristo morto e ressuscitado, que reconcilia
os homens com o Pai no Espírito, os homens entre
si e o mundo com seu Criador. "Tudo é vosso;
vós sois de Cristo e Cristo é de Deus"
(lCor 3, 23). "E quando todas as coisas lhe estiverem
submetidas, então também o Filho se submeterá
Àquele que lhe submete todas as coisas, a fim de
que Deus seja tudo em todos" (lCor 15, 28).
Optamos por:
Uma Igreja-sacramento de comunhão, que, numa história
marcada por conflitos, oferece energias incomparáveis
para promover a reconciliação e a unidade
solidária dos nossos povos.
Uma Igreja servidora, que prolonga no decorrer dos tempos
o Cristo-Servo de Javé através dos diversos
ministérios e carismas.
Uma Igreja missionária que anuncia alegremente
ao homem de hoje que ele é filho de Deus em Cristo.
Igreja que se compromete com a libertação
do homem todo e de todos os homens (o serviço da
paz e da justiça é um ministério
essencial da Igreja), e se insere solidária na
atividade apostólica da Igreja universal, em estreita
comunhão com o sucessor de Pedro. Ser missionário
e ser apóstolo é condição
do cristão.
Essas atitudes fundamentais do ser pastoral de 1 nossas
Igrejas no Continente exigem que a Igreja esteja em permanente
processo .de evangelização, que seja uma
Igreja evangelizadora que escuta, aprofunda e encarna
a Palavra. Uma Igreja evangelizadora que testemunha, proclama
e celebra essa Palavra de Deus, o Evangelho, Jesus Cristo
na vida. Uma Igreja que ajuda a construir uma nova sociedade
em total fidelidade a Cristo e ao homem no Espírito
Santo. Uma Igreja que denuncia as situações
de pecado, que chama à conversão e compromete
os fiéis na ação transformadora do
mundo.
PLANEJAMENTO PASTORAL
Para realizar concretamente essas opções
pastorais básicas da evangelização,
o caminho prático é uma pastoral planejada.
A ação pastoral planejada é a resposta
específica, consciente e intencional às
exigências da evangelização. Deverá
realizar-se num processo de participação
em todos os níveis das comunidades e pessoas interessadas,
educando-as numa metodologia de análise da realidade,
para depois refletir sobre essa realidade do ponto de
vista do Evangelho e optar pelos objetivos e meios mais
aptos e fazer deles um uso mais racional na ação
evangelizadora.
O HOMEM NOVO
É necessário criar no homem latino-americano
uma sã consciência social, um sentido evangélico
crítico face à realidade, um espírito
comunitário e um compromisso social. Tudo isto
tornará possível uma participação
livre e responsável, em comunhão fraterna
e dialogante, para a construção da nova
sociedade, verdadeiramente humana, penetrada de valores
evangélicos. Ela deve ser modelada em comunhão
com o Pai, o Filho e o Espírito Santo e dar resposta
aos sofrimentos e aspirações de nossos povos,
cheios de uma esperança. que não poderá
ser iludida.
SINAIS DE ESPERANÇA E DE ALEGRIA
Graças a Deus, existe atualmente muita vitalidade
evangelizadora em nosso Continente:
- As comunidades eclesiais de base em comunhão
com seus pastores.
- Os movimentos de apostolado leigo organizados, como
os movimentos de casais, de juventude e outros.
- A consciência mais esclarecida dos leigos a respeito
de sua própria identidade e missão eclesial.
- Novos ministérios e serviços.
- Intensa atividade pastoral comunitária dos sacerdotes,
religiosos e religiosas nas regiões mais pobres.
- A presença cada vez maior e mais simples dos
bispos no meio do povo.
- A colegialidade episcopal mais vivida.
- A sede de Deus e a sua procura na oração
e contemplação, à imitação
de Maria, que guardava em seu coração as
palavras e os atos de seu Filho.
- A consciência cada vez mais clara da dignidade
do homem em sua visão cristã.
Todos estes aspectos são outros tantos sinais de
esperança e alegria para quem vive imerso no mistério
pascal de Cristo e sabe que unicamente o Evangelho vivido
e proclamado, como ele o fez, leva à autêntica
e total libertação da humanidade: "E
em nenhum outro se encontra a salvação;
pois, debaixo do céu não foi dado aos homens
outro nome pelo qual possamos salvar-nos" (At 4,
12).
Ele é a plenitude de todo o ser. É somente
em Cristo que o homem encontra sua alegria perfeita.
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