Educando
para a Cidadania
Os
Direitos Humanos no Currículo Escolar

APRESENTAÇÃO
Nas suas mais de três décadas de luta humanitária pela
conquista e pelo exercício da cidadania plena para todos, a Anistia
Internacional tem primado, sobretudo, por ser um Movimento de eficácia.
Com a credibilidade que lhe confere uma postura rigorosamente imparcial,
angariou mais de um milhão de membros em todos os continentes e ajudou
a salvar a integridade e a vida de milhares de pessoas. Soube
utilizar-se, para tanto, de uma estratégia que intimida mesmo os
Estados mais autoritários: a pressão internacional.
Respaldada sempre por uma avalanche de cartas, telegramas,
telefax, telefonemas, publicações em jornais e revistas, matérias
televisivas, caminhadas cívicas, shows de protesto, ação direta sobre
os corpos diplomáticos e denúncias nos diversos foros das Nações, a
Anistia tem acossado, sem tréguas, o poder organizado, sempre que este
toma os caminhos da barbárie. Pelos testemunhos que nos chegam daqueles
que foram libertados, ou salvos da tortura ou da morte, sabemos da
importância de continuar denunciando, sem cessar, à opinião pública,
práticas cruéis e crimes hediondos perpetrados por governos e, algumas
vezes, paradoxalmente, por suas oposições. Não vamos calar, estamos
seguros, até que cesse definitivamente este estado de coisas. Contudo,
estamos preocupados com o futuro. Temos aprendido que a denúncia tão
somente, ainda que inabdicável dever, pode ser terapêutica
insubstituível a curto prazo, mas perspectivamente inóqua quando se
trata de uma transformação definitiva dos comportamentos. Consegue
segurar, por uns tempos, a mão do poderoso ou abrandar-lhe o golpe, mas
não retirá-la de sobre os oprimidos. Pode atemorizar o feitor, a ponto
de mudar-lhe um pouco os métodos em respeito às conseqüências. Faz
mesmo, em alguns casos, com que o feitor seja afastado. Mas outro
haverá para substituí-lo.
Percebemos, assim, que, a largo prazo, é preciso casar a
denúncia com algo mais. É preciso construir alternativas. É preciso
fazê-lo coletivamente, e isso só se pode conseguir com a educação
das consciências.
Estamos convencidos de que uma nova geração de cidadãos –
cidadãos de verdade – não só abdicará da injustiça e da
violência, como parâmetros individuais e corporativos do “sobreviver
em sociedade”, como organizar-se-á para impedir a outros a
utilização desses mesmos “parâmetros”. Um povo que conhece os
seus direitos é um povo que não se deixa vergar. A cada golpe, quando
menos se espera, torna a levantar-se. Lamentavelmente, a maioria das
pobres gentes encontra-se magnificamente distanciada dessa sonhada
realidade. E é nessa medida que a ação educativa reveste-se de
fundamental importância. Para a Anistia, uma ação responsável é
aquela que combina a denúncia das possibilidades de um mundo fraterno.
Há vários anos nos dedicamos a educar crianças, jovens e
adultos para a vivência de uma cidadania. Estamos presentes em creches,
escolas, centros comunitários, faculdades e academias de formação
profissional, multiplicando a consciência dos direitos de todo o ser
humano.
A presente coletânea surgiu da preocupação de muitos colegas
educadores, sequiosos por superar o formalismo tantas vezes imposto nos
“programas de conteúdos” desvinculados da realidade. Se as
ciências não se constituem em mitos, se não são fim em si mesmas, se
têm compromisso com a realização do potencial de excelência presente
em toda a criatura humana na construção de uma vida melhor, então é
preciso repensar o currículo escolar.
“Educando para a Cidadania” é um modesto, singelo, mas mui
significativo passo nessa direção. É um trabalho construído a muitas
mãos, além daquelas que firmamos textos. Vários desses textos
surgiram de um processo coletivo de discussão nas escolas de origem dos
educadores autores. Nas raras vezes foram levados para a sala de aula e
debatidos e enriquecidos pelos alunos. em todos os casos a construção
passou por um processo de mutirão intelectual que envolveu, com maior
ou menor ênfase em um ou outro ponto: a socialização com os colegas
de cadeira, a participação de alunos e grupos de estudos, a troca de
idéias com a equipe de educadores da Anistia Internacional, as
exaustivas revisões, o refazer quantas vezes necessário para
enriquecer mais. Pelo menos um ano levamos para fazer mais que escrever
um livro: apresentar algumas conclusões de um processo vivenciado por
muitos, voltado a descobrir como trabalhar mais e melhor a questão dos
Direitos Humanos no currículo escolar. Ainda assim – e por isso mesmo
– não é um trabalho pretensioso. Em momento algum objetivamos
propostas bem acabadas, priorizando o verniz acadêmico-intelectual. Os
educadores que escreveram para esta coletânea, foram escolhidos mais
pelo seu compromisso ético com a cidadania, por sua consciência do
papel da educação como promotora da liberdade e da justiça, pela
perspectiva da militância cidadã que levam para junto de seus
educandos.
Suas reflexões de base, oriundas da prática pedagógica
cotidiana, querem servir para iluminar, estimular, sugerir amplos
caminhos aos colegas que tiverem a oportunidade de ler os textos. Não
pretendem fornecer a “receita” pronta, muito menos apresentar teses
exaustivas e rebuscadas. Mais que tudo, desejam provar, através de
exemplos concretos, que, com a intuição, simplicidade e criatividade,
é possível fazer muito, no âmbito escolar, para construção de
nação cidadão que todos almejamos.
Contudo, a experiência não se esgota aqui. Este primeiro
trabalho reúne as reflexões (universais, é claro) de educadores do
extremo sul do país. Em um futuro próximo – desafio lançado –
esperamos repetir o feito com autores de outros estados. Há muito que
aprofundar a discussão sobre currículos e formação da cidadania. Ela
é estrategicamente fundamental, uma vez que atinge o recurso
multiplicador por excelência: o professor. Novos aportes significarão
novas riquezas incorporadas a este pequeno mas precioso patrimônio
educacional.
R. Balestreri
Coordenador do Programa Nacional de Educação para a Cidadania - PRONEC |