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Cidadania Virtual: Qual a contribuição da Internet à Política contemporânea?

 

Fábio Fernando Barbosa de Freitas[1]

 

Tempos atrás um amigo afirmava de forma categórica que a Internet está muito longe de ser um instrumento contributivo à reflexão sociológica, política e filosófica. Ele argumentava, com certa razão, que há uma overdose de informações, em sua maioria de má qualidade, isto é, lixo. Por outro lado, dizia-me ele, por suas características específicas, a Internet dificulta o processo de concentração necessária à elaboração teórica.

Um outro aspecto desta crítica diz respeito ao uso da World Wide Web enquanto meio de comunicação. O meu amigo, que faz questão de não divulgar seu e-mail, mostrava-se indignado com o excesso de mensagens que nada comunicam - sem contar as sabidamente indesejáveis - e com a militância virtual.

Este diálogo me vem à mente quando, retornando das férias ou de algum afastamento, tenho que esperar um longo tempo até descarregar as inúmeras mensagens depositadas. Fico ainda mais meditativo ao abrir cada mensagem e analisar seu conteúdo. Então, passo a indagar se meu amigo não estava certo; e, o pior, se com as minhas contínuas mensagens sobre questões sociais e políticas não estaria reproduzindo um comportamento comum em determinadas listas, ou seja, a militância solitária dos que, em frente a um computador revolucionam o mundo, substituindo a necessária intervenção na realidade concreta pela virtualidade do meio eletrônico e pela retórica.

Em que pese as boas intenções, há uma circulação viciada e viciosa de informações: recebemos e enviamos repetidamente mensagens que geralmente provém da mesma fonte sem nos perguntarmos se nosso interlocutor têm acesso à fonte original ou se simplesmente não estamos estorvando-o.

O “movimento circular de informação" reproduz-se na Internet: tanto nas transmissões e recepções de mensagens quanto em relação a determinadas Home Page, páginas pessoais e institucionais, altamente repetitivas e pouco interativas. O fato é que, como afirma o sociólogo francês Pierre Bourdieu em relação ao campo jornalístico, nós, internautas, constituímos um campo muito restrito e com muitas propriedades comuns, lemo-nos uns aos outros e somos informados por mecanismos e fontes semelhantes.

Contudo, a despeito desta análise e dos problemas que possamos identificar, intensifica-se o uso político da rede mundial de computadores: estamos diante de uma nova modalidade da política. Franklin Roosevelt foi o pioneiro no uso do rádio como instrumento político. Quando surgiu a TV, John Kennedy logo percebeu sua utilidade política. Com a Internet não é diferente. Já nas eleições presidenciais de 1996, Bill Clinton e Bob Dole inauguraram a era da política virtual via World Wide Web, nas últimas eleições municipais no Brasil, candidatos de peso como Tarso Genro(PT-RS) e Marta Suplicy(PT-SP), fizeram farto uso da internet para trocarem idéias com eleitores e divulgarem suas propostas.

A utilização pelos políticos de um instrumento elitista como meio de comunicação de massas explica-se, porque os seus usuários são formadores de opinião. Assumamos: somos uma elite - basta ter em conta que, apesar do crescimento extraordinário no uso da Internet nos últimos anos, a parcela da população que tem acesso à rede ainda é extremamente minoritária.

Escrevemos para esta elite - Quantos verão as Home Page que tão arduamente e dedicadamente elaboramos? Mas, é uma elite que tem o poder de influenciar. Isto explica a importância que damos a este meio de comunicação. Além do mais, como é próprio do ser humano, necessitamos fazer parte de uma comunidade - ainda que as relações que desenvolvamos por meio eletrônico sejam prioritariamente formais, racionais e frias. Raramente nos perguntamos sobre o ser humano que está o outro lado à frente o computador. Em geral ele representa apenas um endereço que gravamos em nossa máquina.

Talvez por isto os políticos e instituições intensifiquem cada vez mais o uso deste meio. Eles perceberam a importância de interagir com este campo social. Num rápido navegar pela rede é possível acessar tanto as páginas pessoais quanto as elaboradas pelos partidos e organizações de caráter político. E o espectro ideológico varia da direita à esquerda, passando por sites fascistas e racistas às organizações de extrema-esquerda. Há ainda os sites governamentais; os das organizações não-governamentais (ONGs); os produzidos por movimentos sociais; dos segmentos socialmente discriminados; aqueles especializados em política etc.

Essa pluralidade de idéias e informações circulando livre e democraticamente, aliado às facilidades que a tecnologia coloca ao nosso alcance, é, sem dúvida, um fator político positivo. A Internet advogam os entusiastas, por propiciar o acesso às informações, circulação instantânea e a interatividade on line, tem um potencial extraordinário para a construção a cidadania e o fortalecimento da democracia.

A Internet possibilita ainda outras condições favoráveis ao exercício da cidadania: o acesso aos arquivos e dados governamentais, de forma rápida, com custos acessíveis e sem a via sacra da submissão aos ditames burocráticos - favorecendo, assim, o controle dos governantes pela sociedade civil; e, através do voto on line, utilizado não apenas para escolher nossos representantes, mas também para decidir sobre questões específicas e plebiscitárias, avançando-se para uma prática democrática direta.

Na Internet somos todos cidadãos. Alguns mais arrebatados falam até mesmo em democracia virtual. Deslumbram-se com as facilidades e possibilidades virtuais. Entretanto, parecem esquecer que a virtualidade não elimina alguns elementos complicadores e também paradoxais, vejamos.

 

 

Quais os paradoxos e as possibilidades do mundo virtual para a democracia ?

 

A democracia moderna é representativa: elegemos um executivo e um legislativo para exercerem o poder. A democracia antiga, ou grega, era direta: o povo, na praça, decidia as questões fundamentais. Essa é a grande diferença das duas democracias. Um tête-à-tête generalizado distinguia a democracia em seus primórdios. Era um regime da presença igualitária. Rousseau, o mais grego dos pensadores modernos da política, elogia esse olho no olho dos antigos. Até busca reativá-lo, escrevendo o Contrato social, em 1762.

Isso significa que toda representação é uma queda de qualidade. A democracia tem uma superioridade moral, ética, sobre qualquer outro regime político porque nela, olhando-nos no olho, acreditamos dizer a verdade. (Eu acrescentaria que um olhar que encontra o outro é o melhor nascimento do amor, em especial do amor à primeira vista). A democracia, quando todos se olham, é o regime da verdade e mesmo do amor. Mas, se os cidadãos não se encontram mais fisicamente, essa intensidade positiva desaba. Surge a representação – porta aberta para a mentira. O político trai a vontade de seu eleitor, a carta ou a gravação deturpa o que a pessoa quis dizer.

Este, o grande problema da democracia virtual: ela leva a representação ao extremo. Como confiar no outro? Não podemos submetê-lo a um face-a-face, conferir sua honestidade ou testar seu ânimo. Exemplo disso é como, nas salas de bate-papo, mente-se deslavadamente. As mulheres são lindas, magras, os homens são todos jovens, dinâmicos, bem sucedidos.

Eis a questão: no fundo continuamos acreditando que é mais fácil mentir à distância que ao vivo, e que a presença é uma garantia de veracidade.

O ideal de democracia ainda hoje aparece ligado à democracia direta dos atenienses. Como nossos Estados nacionais são maiores que as cidades-Estado da Antiguidade, é impossível reunir todos num único lugar. Por isso, a democracia atual é representativa, enquanto a dos atenienses era direta.

Mas aqui surgem as enormes possibilidades democráticas da Internet: milhões de pessoas podem ser consultadas sobre os assuntos de sua preferência. Plebiscitos freqüentes se tornam viáveis. A participação popular pode aumentar de forma vertiginosa.

Se a Internet aumenta a distância entre as pessoas, substituindo o olho no olho pelo contato escaneado, indireto, ela também amplia a comunicação, permitindo maior participação de todos. Ela é um meio de contato essencialmente de não-presença, de representação – mas ao mesmo tempo propicia a participação em escala inédita.

Contudo, esse potencial democrático da Internet não é fácil de se realizar. Não é provável que os políticos, mediadores entre o eleitorado e a coisa pública, aceitem passar parte de seu poder a seu legítimo dono – o povo. Mudar essa cultura exigirá mobilização e empenho. O internauta democrata terá que lutar!

Além disso, o recurso intenso aos plebiscitos coloca problemas. Ele é um dos pilares da democracia suíça. Naquele país, o povo precisa aprovar as leis para que entrem em vigor. A cada poucos meses se procede a um pacote de plebiscitos. Mas o eleitorado não se motiva, e por isso se tenta facilitar o voto – a última novidade é um envelope postal já franqueado. Basta o eleitor preencher a cédula e coloca-la numa caixa de correio. Mesmo assim a abstenção é enorme. Quem garante que um voto eletrônico seria mais eficaz? A dificuldade de fazer a voz popular se manifestar não é técnica: soma o desinteresse do povo e o interesse dos poderosos em desinteressa-lo. Não há soluções apenas tecnológicas para problemas sociais.

Mas as grandes inovações tecnológicas – e a informática é uma delas – não são meros meios. Mudam nossa própria forma de perceber as coisas. É verdade que o cidadão atual é um eleitor desencantado. Hoje prevalecem os interesses econômicos privados, como mostrou o século XIX, e os desejos individuais que o século XX revelou. Isso dificulta a dimensão pública da vida. Mas aqui está em jogo outra coisa. A Internet e a informática não são apenas uma invenção técnica. Constituem uma nova extensão do homem – como diria Marshal McLuhan. Ora, uma nova prótese de nosso corpo e alma não abre novas perspectivas às relações inter-humanas?

Vejamos as coisas por aí. Só uma sociedade individualista desenvolveria o fax, o e-mail, a Internet com o fito de permitir às pessoas trabalhar em casa, eliminando um velho espaço de socialização, que era o do local de trabalho. Os contatos entre as pessoas ficam cada vez menos corpóreos. Provavelmente, a médio prazo isso perturbará nossa sexualidade e nossa saúde. Mas, ao mesmo tempo, a possibilidade de se comunicar com o distante pode tornar o outro mais presente do que nunca.

Este, o paradoxo: por um lado, o virtual elimina a presença, o corpo tangível, degrada o tato e os sentidos; por outro, ele torna acessível o remoto. É claro que o acesso que ele proporciona é o da representação, e não o da presença. Mas essa representação não é a mesma da política tradicional, marcada pelo silenciamento do representado. A nova representação se fortalece com a voz dos representados. O deputado tradicional, uma vez eleito, queria esquecer e calar seus eleitores. O deputado militante e aguerrido de nossos dias – em especial nos partidos progressistas, de esquerda – só terá voz se esta for a dos que o apóiam. E é esse o diferencial que a Internet pode trazer à democracia. Ela pode permitir um sem-fim de acessos, de contatos, de trocas.

Finalmente, é bom lembrar que democracia tem vários sentidos. No plano diretamente político, podemos ensaiar plebiscitos virtuais o tempo todo: todas as leis que forem além do nível técnico poderiam ser votadas on line, após amplo debate. Prefeituras poderiam testar isso, submetendo aos cidadãos temas de discussão e se orientando por seu voto. Mas há outros níveis do que é democracia. “Conhecimento é poder”, diziam os primeiros modernos, Francis Bacon e Thomas Hobbes. O acesso à informação é fundamental. Mas ele depende de termos os links mais consultados. Mesmo no chamado primeiro mundo à conexão à WWW está longe de ser um meio de comunicação acessível à maioria. Bill Gates, que têm motivos de sobra para fazer a apologia da estrada do futuro e das potencialidades da rede para o fortalecimento da cidadania, reconhece que as disparidades sociais se convertem em um forte obstáculo à necessidade de socializar a informação. A receita do magnata americano é simples: deixar o tempo passar e ter paciência. Segundo ele, "as desigualdades frequentemente diminuem com o passar do tempo, dadas as mudanças tecnológicas e a evolução do mercado”.(sic!)

Enquanto o tempo passa, é melhor ficarmos atentos para a realidade e não exagerarmos o potencial político da Internet - sob o risco de fortalecermos uma cultura que, como alerta Umberto Eco, pode gerar um populismo qualitativo, no qual a reação emocional de um grupo seleto de indivíduos bem informados "pode ser apresentado e aceito como a Voz do Povo”.

Para sermos ouvidos (lidos) é preciso que nossa home page seja de fácil e conhecido acesso. Uma batalha se trava entre o sentido comercial e o democrático da Internet. Há fortes chances de que a Internet dos negócios ganhe. Mas mesmo assim a Internet das idéias, dos ideais e dos desejos pode ter seu espaço. Amplia-lo depende de nós. E com isso é provável que a democracia ganhe um território – virtual – maior do que jamais teve: afinal, regimes democráticos até hoje foram mais à exceção do que a regra.


[1] Professor de Teoria, Filosofia Política e Direitos Humanos na UFPB.

e-mail ffreitasdh@uol.com.br

 
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