Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
II
Capítulo
V
Entrevistas
Manuel
de Araújo: Ignorância de
deputados sobre direitos humanos é
assustadora
O
deputado moçambicano Manuel de
Araújo17
denunciou, em entrevista exclusiva concedida
ao bantulândia, o que qualifica
de “ignorância e fraca preparação
em direitos humanos dos deputados que
compõem a Assembléia da
República (AR)”. Araújo,
que já trabalhou na Amnistia Internacional,
diz que dos 15 membros da Comissão
de Relações Internacionais
da AR, da qual faz parte, mais de metade
não tem a mínima idéia
do que sejam relações internacionais
e direitos humanos. Num outro quadro correspondente,
o deputado aponta algum tipo de circunlóquios
governamentais e subterfúgios parlamentares
que concorrem para o atraso de ratificação
de instrumentos internacionais de direitos
humanos, a exemplo do Estatuto de Roma,
que cria o Tribunal Penal Internacional.
Siga a entrevista abaixo...
Bantulândia
– Este blogue tem percebido que
o parlamento moçambicano não
tem critérios e prioridade máxima
de propor, legislar e ratificar instrumentos
(inter)nacionais de direitos humanos.
- O que motiva esse comportamento na Assembléia
da República?
Manuel de Araújo (MA)
- A Constituição da República
de Moçambique e o regimento da
Assembléia da República
(AR) conferem ao deputado a prerrogativa
de apresentar propostas de Lei. Contudo,
o actual figurino da AR retira, na prática,
essa prerrogativa aos deputados de bancadas
minoritárias, porque as comissões
especializadas são constituídas
com base na proporcionalidade. Ou seja,
por causa desse critério, todos
os assuntos a serem discutidos devem ser
aprovados pelo voto da bancada maioritária,
constituído pelo partido Frelimo!
Quer dizer, se a bancada maioritária
não tiver interesse ou for manietada
pelo Executivo, então, as propostas
da oposição minoritária
jamais serão discutidas em sede
de comissão. Isto acontece mesmo
nas comissões presididas pela oposição,
que são os casos das comissões,
designadamente Relações
Internacionais, Defesa, Segurança
e Ordem Pública e Assuntos Económicos.
Bantulândia
- Que outros factores favorecem para as
fracas propostas legislativas em direitos
humanos?
MA -
Outro aspecto é a ignorância
e a fraca preparação em
direitos humanos dos deputados que compõem
a AR e em particular as comissões.
Só para dar um exemplo, dos 15
membros da Comissão de Relações
Internacionais, mais de metade não
tem a mínima idéia do que
sejam relações internacionais
e direitos humanos! E mais: não
há acções enérgicas
de formação dos deputados,
muito menos de capacitação.
Até parece que tudo é feito
de propósito, para que a comissão
não exerça o seu papel de
monitoria e supervisão de actividades
do governo numa área sensível
de governação, a área
externa que engloba as actividades do
Ministério dos Negócios
Estrangeiros, Plano e Desenvolvimento,
Finanças, Interior, Migração,
fronteiras, Justica, Meio Ambiente e mais.
Estou convencido de que o Governo e uma
parte da presidência da AR não
estejam interessados em ter uma Comissão
de Relações Internacionais
forte, capaz e competente!
Também posso colocar que o problema
material é um dos empecilhos que
a comissão enfrenta.
Bantulândia
– Que problema material...?
MA – Bom, depois
de ter apontado algum tipo de fechamento
da bancada maioritária e ignorância
generalizada de deputados, para propor,
legislar e ratificar instrumentos (inter)nacionais
de direitos humanos, posso apontar o recurso
material como terceira razão. O
orçamento da Comissão de
Relações Internacionais,
a título de exemplo, só
serve para efectuar duas viagens a igual
número de fronteiras! E, nos cinco
anos, esse foi o único trabalho
visível que a comissão fez
no terreno: Macarretane. Visitar a fronteira
de Goba ou de Milange, ou de Tete e Chicualacuala;
e visitar o centro de refugiados de Macarretane.
Lembro-me de ter sugerido, numa das sessões,
que a Comissão de Relações
Internacionais deveria chamar-se Comissão
de Fronteiras e Refugiados. Veja que o
único país visitado por
metade da Comissão foi a China.
E sabe porquê? Porque os chineses
pagaram! O outro país que se iria
visitar era Cuba!
Bantulândia
– Como deputado, que propostas já
avançou para a ratificação
de instrumentos internacionais de direitos
humanos?
MA - (...) A primeira
tarefa que propus, na reunião da
Comissão de Relações
Internacionais, foi o levantamento das
convenções de direitos humanos
de que Moçambique faz parte (ou
não) e aquelas que tínhamos
que assinar e ou ratificar durante o mandato.
Até hoje, não temos tal
lista. Segunda proposta que apresentei:
fazer visitas de cortesia às representações
diplomáticas. Sabe a quantas os
meus colegas foram? Uma. E sabe qual foi?
Cuba!
Bantulândia
- Que fez para cumprir seu dever de deputado?
MA - Por todos esses
acontecimentos, verifiquei que, ao nível
da comissão, não iria a
lado algum; pelo que decidi usar da minha
prerrogativa de deputado, para, a título
individual, contactar as representações
diplomáticas e efectuar o trabalho
que achava que deveria ser feito! E que
não poderia estar ali, naquela
casa, eleito pelo povo, fingindo que estava
a exercer a minha função
de deputado, quando vivia amordaçado
pelo voto da maioria! Foi assim que consegui
integrar-me, a título individual,
em organizações internacionais
como o “Parliamentarians for Global
Action”, com sede em Nova York,
“Parliamentarians Against Nuclear
Proliferation”, “Fórum
Parlamentar sobre Armas Pequenas e Ligeiras”;
neste último, entrei como simples
membro, e logo fui eleito para o corpo
directivo e mais tarde eleito vice-presidente.
Bantulandia
- Qual é o nível de conhecimento
e debate de direitos humanos no parlamento
moçambicano?
MA - Quase nulo. Não
sei se a culpa é dos partidos ou
da sociedade em geral. Mas o nível
de ignorância sobre direitos humanos,
na nossa Assembleia da República,
é assustador. E digo-lhe mais,
quando entrei estava preparado para encontrar
alguma falta de preparação
dos deputados quanto à compreensão
de direitos humanos, mas a que encontrei
assustou-me! E não estou a falar
somente da bancada da oposição.
A ignorância e a falta de preparação
se estendem, para a nossa desgraça,
à bancada do partido no Poder!
Bantulandia
- Qual é o nível de fiscalização
do parlamento moçambicano ao Executivo,
no que tange à implementação
de direitos humanos?
MA - Zero!
Estatuto
de Roma
Bantulândia –
Que pode dizer sobre a não ratificação
do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal
Penal Internacional...
MA – A não
ratificação do Estatuto
de Roma pode ser por ignorância,
desleixo ou, então, medo.
Explico-me. Durante os cinco anos em que
estive na Comissão de Relações
Internacionais, trabalhei em vários
temas: Questão do Zimbabwe, Tribunal
Penal Internacional, Armas Ligeiras e
de Pequeno Porte, entre outras. Muitos
deles, a título individual, pois
nesse aspecto nem a minha bancada nem
a maioritária mostravam interesse.
Se tiver espaço, poderei dar-te
mais exemplos...
Bantulândia
– Pode, sim, dar outros exemplos...
MA – Vou falar
da questão do Tribunal Penal Internacional.
Moçambique assinou o Estatuto de
Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional,
no ano 2000. Volvidos nove anos, este
estatuto ainda não foi ratificado
(Moçambique não faz parte
dele). Como mandam as regras, e usando
as prerrogativas que são conferidas
aos deputados, marquei um encontro de
trabalhos com a ex-ministra dos Negócios
Estrangeiros, Alcinda Abreu, para perceber
por que é que Moçambique
volvidos, na altura, cinco anos, não
tinha submetido à AR os Estatutos
de Roma para a respectiva ratificação.
Recebi a resposta que indicava que o Ministério
dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
já tinha preparado o dossier; contudo,
tinha encalhado no Ministério da
Justiça (tudo isto no mandato do
presidente Guebuza, 2004-2009).
Acto
contínuo, marquei uma audiência,
com a então ministra da Justiça,
Esperança Machavele. Na audiência,
ela afirmou haver incompatibilidades entre
a nossa Constituição e o
estatuto.
Não
sendo especialista na matéria,
usei dos meus contactos internos e internacionais
para obter assessoria jurídica.
Especialistas da matéria indicaram-me
que o problema levantado pela ministra
da Justiça não era real,
dando razão ao Ministério
dos Negócios Estrangeiros. Tive
informações segundo as quais
alguns países, como o Brasil, haviam
resolvido o equívoco, de forma
muito simples! Por isso, a juíza
do Tribunal Penal Internacional veio a
Maputo, ano passado, para partilhar a
experiência do Brasil e de outros
vários países na solução
da aparente contradição
entre os Estatutos de Roma e as suas Constituições...
Bantulândia
– Como deputado, que caminhos tentou
abrir, para a possível ratificação?
MA - Em 2007, organizei,
em Nova York, um encontro entre o Director
dos Assuntos Jurídicos do Ministério
dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
e um especialista na matéria para
troca de pontos de vista, com vista à
solução do caso. Quando
esperava por um avanço na direcção
certa, eis que o presidente da República,
Armando Guebuza, substitui as duas ministras,
nomeando para seus lugares Benvinda Levi
(ministra da Justiça) e Oldemiro
Baloi (ministro dos Negócios Estrangeiros).
Mesmo assim, prossegui, com os contactos.
Marquei, então, uma audiência
com Oldemiro Baloi. No encontro, Baloi
foi muito cortês. Confessou que
não estava a par do assunto, mandou
chamar o respectivo técnico responsável
pela área e este na minha presença
reiterou o que acabei de contar!
O ministro indigitou o técnico
para entrar em contacto com a sua contraparte
no Ministério da Justiça,
com o objectivo de harmonizarem o dossier.
Foram dados dez dias para que o funcionário
reportasse o assunto ao ministro. E que,
por sua vez, o ministro me manteria informado
dos progressos.
Acto contínuo, marquei um encontro
com a então nova ministra da Justiça,
Benvinda Levi. Apesar da mudança
de ministra, a posição do
Ministério da Justiça não
tinha mudado.
Sobre este assunto, consultei vários
juristas como o presidente da Comissão
dos Assuntos Jurídicos, Direitos
Humanos e Legalidade, Ossumane Aly Dauto,
e o embaixador de Moçambique na
Suécia, Pedro Comissário,
só para mencionar alguns.
...Estamos nesse ping-pong. E já
estamos no final do mandato. Infelizmente,
a posição do Ministério
dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
é diametralmente oposta à
do Ministério da Justiça.
Apesar das insistências, nunca mais
recebi o prometido contacto, e como o
ministro Baloi responde pelos Negócios
Estrangeiros e Cooperação
está sempre fora do país...
Imprensa
e AR
Bantulândia –
Mudando de assunto, qual é a relação
entre a Imprensa moçambicana e
a AR?
MA - A nossa Imprensa
tem feito um mau trabalho! Passa a vida
a falar mal do parlamento e dos deputados
ao invés de se aproximar e perceber
os problemas que a nossa AR enfrenta.
Os jornalistas deveriam eles mesmos educar-se
sobre questões parlamentares antes
de atacarem uma coisa que não conhecem!
Vão pelo lado mais fácil.
Vi ainda esta semana um documento ou exortação
em que se questionava a razão de
um deputado possuir uma viatura. Esse
nível de ignorância é
grave! E os jornalistas devem desempenhar
o seu papel, educando-se para educar a
sociedade sobre a importância das
suas próprias instituições!
Com este andar, não me surpreenderia
ver daqui a 10–15 anos o Presidente
Guebuza, já no seu terceiro ou
quarto mandato se transformar em Primeiro
Ministro (como fez Putin), mandar fazer
um referendo sobre a abolição
da Assembleia da Republica! E que muita
gente se esquece que Hitler foi eleito
democraticamente; e democraticamente foi
retirando bloco a bloco os alicerces da
democracia!
^
Subir
Nota:
17
- Manuel de Araújo é pós-doutorado
pela... Ex-deputado da Assembléia
da República de Moçambique
pela bancada da Renamo-União Eleitoral
(legislatura de ...)
<
Voltar