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Direitos Humanos em Moçambique
Josué Bila

 

Parte II
Capítulo V

Entrevistas

Sociólogo Book Sambo: “Os homens do governo moçambicano não crescerem o suficiente para acompanhar interesses de direitos humanos”

Em entrevista à Dhnet-Moçambique, o sociólogo Book Sambo16 revelou que o Estado moçambicano, de um modo geral, não tem uma política clara sobre quando deve ratificar ou não um instrumento internacional de direitos humanos. “Lembro-me de uma entrevista que a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) fez ao ex- ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão, sobre os critérios para a ratificação dos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos, ao que nos respondeu: Nós (Estado/governo) não temos uma regra clara. Mediante as circunstâncias, nós podemos ratificar um documento ou não”. Sambo que é, igualmente, pesquisador de temáticas de direitos humanos na LDH denuncia: “as instituições do Governo ocultam a informação - desde o acesso à informação até à sonegação de dados - que seja do interesse da LDH”. “O governo não nos dá a informação verdadeira sobre as barbaridades cometidas pelas suas instituições”, afirma.

Dhnet-Moçambique - Em Moçambique, o debate e a defesa mais corrente sobre os direitos humanos aponta para os baleamentos (mortais), protagonizados pela Polícia da República de Moçambique, ao crime, à actuação do tribunal, PGR, Ministério da Justiça e outras instituições afins.

- Por que, dificilmente, os debates e os defensores dos direitos humanos não desafiam, em mesmo plano, outros direitos, a título de exemplo, o acesso a água, a saúde, a alimentação, a habitação, ao talhão, ao emprego, ao lazer e a cultura?

Book Sambo (BS) - Bom essa questão é interessante na medida em que tem a ver com o contexto do País. De uma forma geral, existem direitos civis e políticos, cuja observância e materialização não precisa que o País seja tão robusto em termos económicos e financeiros. Depende, sim, da boa vontade política ou predisposição do Governo para a materialização desses direitos (civis e políticos). Vou dar-lhe um pequeno exemplo sobre a tortura: o governo não pode defender a tortura, dizendo que nós somos um país pobre e que, por via disso, não temos condições para não torturar esses ladrões que apanhamos por aí. Eles não podem justificar-se na descapitalização do País para não materializar os direitos civis e políticos.

Porém, nos direitos económicos, sociais e culturais, a coisa é um pouco diferente, porque a sua observância implica uma certa estabilidade económica e financeira desse país. Por causa disso, e, sabendo que a nossa economia não está muito robusta nem estável, estando na fase de crescimento, evitamos cobrar com muita veemência a observância dos direitos económicos, sociais e culturais - estou a falar do direito ao emprego, à educação, à saúde e outros. Se aparecemos a cobrar esses direitos, o governo vai defender-se, dizendo que não tem dinheiro e que o nosso orçamento depende da ajuda externa; não temos ainda condições para dar emprego a todos, razão pela qual estamos a incentivar as pessoas a aderirem ao auto-emprego.

DHM - Disse que a nossa economia não está muito robusta nem estável para materializar os direitos económicos, sociais e culturais. Por causa disso, quer dizer que os direitos humanos são divisíveis em Moçambique, encontrando-se, por exemplo, o direito à vida, de um lado, e, o direito à saúde, de outro?
BS - No meu parecer, os direitos humanos não são divisíveis; são indivisíveis, por isso que chamámo-los de direitos humanos, pressupondo a sua interligação. O direito à saúde, quando não for respeitado e garantido, a pessoa acaba perdendo a vida.

Nos Objectivos do Milénio, que o governo tenta perseguir, ele incorporou nas suas políticas a saúde e educação, por exemplo. Por causa disso, o governo intensifica as suas acções, subsidiando a saúde, principalmente a parte farmacêutica e consultas e por aí em diante. Este investimento à área de saúde é notável, porque verifica-se uma grande diferença entre o que as unidades sanitárias públicas cobram e os preços estipulados pelas chamadas clínicas privadas. Só para concluir, o Governo tem respeitado o direito à saúde, apesar de que não é do jeito como gostaríamos que fosse.

DHM - Quais poderão ser as prováveis causas que concorrem para que o Estado moçambicano não ratifique o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, quando, a Constituição da República, o PARPA, a Agenda 2025 e outros documentos moçambicanos defendem aqueles direitos?
BS - Primeiro, a nossa Constituição já incorpora muitos direitos dos cidadãos descritos nos instrumentos internacionais de direitos humanos, apesar de Moçambique não ter ratificado um e outro instrumento, como é o caso do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Segundo, não sei, efectivamente, a causa da não ratificação. Talvez o Governo pode ter uma resposta plausível. O que posso fazer é levantar algumas hipóteses desse posicionamento de Moçambique. De um modo geral, o Estado moçambicano não tem uma política clara sobre quando deve ratificar ou não um instrumento internacional de direitos humanos. Lembro-me de uma entrevista em que a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos fez ao ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão, sobre os critérios para a ratificação dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, ao que nos respondeu: nós (Estado/governo) não temos uma regra clara. Mediante as circunstâncias nós podemos ratificar um documento ou não. Terceiro, o Estado e o governo não querem comprometer-se com os cidadãos e o mundo inteiro na garantia e implementação dos direitos económicos, sociais e culturais, pois a ratificação implica o avanço visível na efectivação desses direitos. Ao ratificar, o governo seria extremamente pressionado pela sociedade civil e pela comunidade internacional.

DHM - Será que os actores cimeiros do Estado e governo moçambicanos têm clareza e comprometimento cultural, ético e político sobre a defesa e implementação dos direitos humanos?
BS - A meu ver, se os actores cimeiros do Estado e do governo tivessem cultura de implementação de direitos humanos, não poderíamos assistir a esse espectáculo de violações dos direitos humanos no nosso país. Os homens do governo moçambicano não cresceram o suficiente para acomodar interesses de direitos humanos. Veja que os baleamentos que estão a ocorrer, até dentro da própria corporação policial e instituições do Estado, indicam, claramente, que o nosso executivo não está comprometido com a causa dos direitos humanos. O executivo não consegue mostrar interesse com os direitos humanos, no plano prático. É por causa disso que, em Moçambique, aos defensores de direitos humanos são criadas barreiras para que não exerçam as suas actividades com liberdade.

DHM - Que barreiras sofrem os activistas e defensores de direitos humanos em Moçambique?
BS - As instituições do Governo ocultam a informação, desde o acesso à informação até à sonegação de dados, que seja do interesse da LDH. O governo não nos dá a informação verdadeira sobre as barbaridades cometidas pelas suas instituições, porque ele sabe que, caso a LDH publique um relatório sobre a situação de direitos humanos em Moçambique, os doadores e a comunidade internacional estarão lá e poderão fazer exigências.

Em muitos casos, nós temos constatado uma tentativa de contornar a informação ou o escamoteamento da verdade. Por exemplo, estamos a continuar a investigar sobre o tráfico de órgãos humanos e já publicamos um relatório sobre esse tema. Mas, o governo não quis colaborar directamente, dando informações fidedignas; muitas instituições do governo negaram. Uma das causas que concorreram para que seguíssemos o caso de tráfico de órgãos humanos tem a ver com a recusa que o governo estava a encetar em relação a esse fenómeno. O governo não queria assumir a existência de tráfico de órgãos humanos. Assumia, sim, haver tráfico de pessoas, particularmente menores e mulheres.

DHM - Por que é que os defensores de direitos humanos moçambicanos dificilmente não apontam as chamadas políticas neoliberais como violadoras de direitos humanos, vitimando sempre o Estado mocambicano?
BS - Esta questão é muito polémica, porque, neste momento, o debate sobre direitos humanos prende-se em dois pólos. Uma coisa é estarmos perante cometimento de um crime e outra é quando estamos perante violação de direitos humanos. Trata-se de um crime quando se viola uma legislação interna. E quem comete crimes são agentes singulares. Isso não tem a ver com direitos humanos. Então, violação de direitos humanos é mais quando se trata de envolvimento de entidades governamentais e movimentos armados (grupos de guerrilha). Até hoje, a estas duas instituições são imputadas violações de direitos humanos. Até este momento em que está a entrevistar-me (Maio), decorre um debate sobre a inclusão das multinacionais ao lado do conjunto das entidades governamentais e movimentos armados como violadores de direitos humanos. Por outro lado, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional impõem determinadas medidas aos governos, que têm, de certa forma, um impacto negativo na base ou na vida das populações. O que se pergunta é: por que razão o governo não negociou, colocando sua visão de governação, não aceitando as políticas das instituições do Breeton Woods, de ânimo leve, como tem vindo a acontecer.

DHM - Qual é a ligação entre as políticas neoliberais e a violação dos direitos humanos, particularmente no terceiro mundo?
BS - A ligação entre as políticas neoliberais e a violação dos direitos humanos é evidente. É a partir das políticas neoliberais que começam a surgir conceitos sobre desenvolvimento sustentável, exclusão social, desemprego e assimetrias regionais. Existem vários problemas conjunturais e estruturais causados exactamente pela implementação de políticas neoliberais. O governo (moçambicano) está em um dilema: precisa de fundos externos para implementar os seus programas e políticas, mas também é obrigado a seguir, de alguma forma, as recomendações dos que lhe dão dinheiro. E nem sempre as recomendações do Banco Mundial, FMI e outros doadores coincidem com a implementação efectiva dos direitos humanos. Contudo, o governo é obrigado a receber esses fundos para a sua sobrevivência, mesmo prevendo e sabendo que os direitos humanos básicos dos cidadãos serão violados.

DHM - Algumas correntes nacionais e internacionais defendem que os direitos humanos sao Ocidentais.
-Qual é o seu posicionamento?
BS - Eu não diria, de uma forma tácita, que os direitos humanos são Ocidentais. Penso que quando falamos de direitos humanos estamos querendo universalizar esses direitos. Essa é uma questão de lógica de direitos inerentes à pessoa humana, que não têm a ver com o espaço geográfico em que essa pessoa se encontra; não tem a ver com os costumes que essa pessoa desenvolveu no seu espaço geográfico; tem a ver com o facto de ele ser ser humano. Ele e qualquer um deve gozar de boa saúde, vida, educação independentemente de ser ocidental, africano e por aí em diante.

Maputo, 16 de Maio de 2007

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Nota:

16 - Book Sambo é bacharel em Ciências Sociais e licenciado em Sociologia, pela Universidade Eduardo Mondlane.
Iniciou a sua carreira de docente como monitor na Universidade Eduardo Mondlane e Actualmente realiza pesquisas na área de Direitos Humanos para a Liga Moçambicana de Direitos Humanos, colaborando simultaneamente com a Amnistia Internacional.

É co-autor do livro “A Leitura Sociológica (2004) ”, coordenado por sociólogo Elísio Macamo, e autor de vários artigos publicados na revista Democracia e Direitos Humanos.

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