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Direitos Humanos em Moçambique
Josué Bila

 

Parte II
Capítulo V

Entrevistas

Conceição Osório: As instâncias partidárias exprimem modelo de dominação masculina

Contra-argumentando a matriz político-partidária de construção ideológica de quem é herói nacional, o bantulândia escolhe e consagra Conceição Osório6 para uma das heroínas em direitos humanos da mulher moçambicana contemporânea. Seus feitos, socialmente reconhecidos e reflexões públicas e privadas sobre a essência de dignidade da mulher, concorreram para que este blogojornalismo a pedisse, em entrevista, para debater sobre a sua incansável, porém compensatória, luta pelos direitos da pessoa feminina, no contexto moçambicano. Este canal convida o (a) leitor(a) a saborear a racionalidade de Conceição Osório, cuja fineza académico-intelectual e activismo cívico são recomendáveis. Isso, contudo, não quer dizer que ela não sofra posicionamentos contrários, em virtude de algum tipo de conservadorismo religioso-ancestral e tradicional local, em alguns pontos sobre direitos da mulher.

Bantulândia - Um pouco antes de ‘90 circulava e se usava a expressão “emancipação da mulher” e um pouco depois de ’90 ouvimos falar de “direitos das mulheres”.

- Em termos práticos, qual é a diferença destes dois conceitos?

CO - A noção de emancipação tem a ver com a libertação das mulheres e foi muito utilizada logo a seguir à conquista da independência nacional, em 1975, num contexto em que se lutava por um novo modelo político e social para o país. Na realidade, para nós, feministas, a questão central tem a ver com os direitos humanos das mulheres, o acesso e exercício desses direitos, que vão desde a ocupação do espaço público à liberdade de decisão sobre a sexualidade e a reprodução.

Então, nós preferimos “libertar-nos” da abstração e das generalizações para onde somos empurradas quando usamos o conceito de emancipação, substituindo-o pelo de direitos, que clarifica a necessidade de alterar as relações de poder, que caracterizam as relações sociais de género.

Bantulândia - Na revista Outras Vozes, lembro-me que em 2007, se a memória não me retira a verdade, indagou o facto de as parlamentares, apesar de constituírem 40% dos deputados, serem fraquíssimas no levantamento de propostas legais sobre direitos das mulheres.
- Será que, neste momento, a presença feminina no parlamento não é apenas quantitativa?
CO - Moçambique é um dos países com mais mulheres no Parlamento. E isto é muito bom. Significa que há um esforço para se atingir a equidade. É necessário tornar visível metade da população do país no campo político, precisamente a metade a quem foi negada a condição de sujeitos. Muitos colocam a questão (e algumas de nós também) se a presença de mais mulheres na Assembléia da República se traduz em posições a favor dos direitos das mulheres, ou, se pelo contrário, oculta a sua continuada subalternização. Hoje, penso que, independentemente da forma como exercem as suas funções, é necessário que os lugares do poder respeitem a paridade.

Bantulândia - Qual tem sido o impacto sócio-cultural da visibilização das mulheres na administração pública e poder político?
CO - Há na actualidade, e este processo tem sido muito rápido, uma maior aceitação social da igualdade política, o que tem atraído mais e mais mulheres para a ocupação de espaços públicos. É evidente que quando lemos e ouvimos que a cultura e a tradição, que conformam as mulheres a papeis subordinados, devem ser respeitadas, ficamos com uma clara noção de que a igualdade de direitos não se esgota na igualdade política. De todo o modo, a igualdade política é uma conquista importante e, diria mesmo fundadora, dos direitos humanos das mulheres.

Bantulândia - Em Moçambique há um tipo de excesso de dominação masculina velada que, às vezes, inibe a liberdade de expressão e de imprensa das mulheres.
- Como tem visto esta inibição desta liberdade na imprensa?
CO - Não reconheço que haja excesso de dominação masculina, porque há dominação ou não há. Em Moçambique, como aliás em muitos outros países africanos, as mulheres sentem-se ainda constrangidas a intervirem. Lembro, por exemplo, um trabalho recente que fizémos na província de Manica sobre a participação das mulheres nas IPCCs, em que de forma geral, as mulheres condicionavam as suas intervenções e opiniões à “permissão” masculina: por um lado, representavam a sua presença como uma concessão (embora isto aparecesse muitas vezes oculto por um discurso formal de direitos) e, por outro lado, a hierarquização de problemas discutidos nas IPCCs, excluíam e/ou menorizavam as expectativas de debate trazidas pelas mulheres.

Bantulândia - Como é que a mulher moçambicana, quando luta pelos seus direitos, é representada nos conteúdos jornalísticos?
CO - Aconselho a leitura dos artigos publicados nos últimos meses na imprensa moçambicana, sobre a Lei Contra a Violência Doméstica. As reacções de muitos jornalistas às propostas das organizações de mulheres, são enfermadas por uma misoginia primária. http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=0&id=&idRec=5884

Bantulândia - O que está por detrás da fraca participação da mulher nos órgãos decisórios nos partidos, designadamente Frelimo e Renamo?
CO - Eu penso que as instâncias partidárias ainda exprimem, na forma como se estruturam, uma divisão do trabalho político em conformidade com as representações sociais sobre as competências femininas e com um modelo do campo político, como espaço por excelência de exercício da dominação masculina.

Bantulândia - Na minha entrada à juventude televi uma publicidade, lançando uma peça teatral, que enfatiza a suposta deliciosidade sexual da mulher albina, em forma satírica, com o seguinte teor: “xidjana (albina) como anima”.
- Em casos como estes, que se pode fazer para reduzir os preconceitos que se têm para com a mulher albina?
CO - Em primeiro lugar, os estereótipos criados contra as mulheres albinas são uma questão de discriminação de género. Em segundo lugar é uma questão de ignorância que deve ser vista também como uma forma que a sociedade tem de encontrar mecanismos de coesão, pela exclusão de grupos assinalados como “perigosos” para a sua manutenção.
A redução e/ou eliminação de preconceitos tem a ver com a conciliação de acções de esclarecimento com medidas punitivas. Não é possível que as instituições não cumpram os princípios constitucionais de igualdade e protecção dos direitos de todos os cidadãos. Considero que não é aceitável que em nome da liberdade artística, publicitária (ou outra qualquer) se subverta a dignidade humana.

Atibaia, 17 de Agosto de 2009

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Nota:

6 - Feminista e socióloga. É natural de Maputo; viveu grande parte da infância e adolescência em Nampula, a norte de Moçambique.

Leccionou durante mais de 30 anos na Universidade Eduardo Mondlane, nas Faculdades, designadamente Economia, Combatentes e Trabalhadores de Vanguarda (FACOTRAV) e Faculdade de Letras e Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais (UFICS).

No que respeita à pesquisa, as suas áreas de especialidade são processos e mecanismos de governação, processos eleitorais e ainda identidades sociais. Alguns dos artigos e livros de sua autoria ou co autoria, podem ser encontrados no site da WLSA - Women and Law in Southern Africa.

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